Resumo
O objetivo deste artigo é avaliar a prevalência de hipertensão arterial autorreferida em adultos de 20-59 anos, identificar os fatores associados, o uso dos serviços de saúde e as práticas de controle da doença segundo posse ou não de plano de saúde. Estudo transversal de base populacional realizado em Campinas-SP, em que foram analisados 957 adultos. A prevalência de hipertensão arterial autorreferida foi de 14,1%, revelando-se mais elevada em mulheres, em indivíduos com ≥ 40 anos, nos que se declararam de cor preta, com menor escolaridade, nos inativos no lazer, ex-fumantes, naqueles com sobrepeso ou obesidade, nos que relataram duas ou mais doenças e que autoavaliaram a saúde como não sendo excelente/muito boa. Não foram detectadas desigualdades entre hipertensos cobertos por planos de saúde e os SUS dependentes quanto ao acesso ao serviço, uso de medicamentos para controle da doença e ser orientado sobre os cuidados com a doença, mas houve diferenças quanto a prática de atividade física e o uso de dieta. Apesar da equidade revelada quanto ao acesso à atenção à saúde, é incipiente a proporção de adultos que adota mudanças no estilo de vida para o controle da doença, reafirmando o papel central da gestão das políticas de saúde, que precisam trabalhar intersetorialmente
Palavras-chave Hipertensão; Saúde do adulto; Inquéritos epidemiológicos; Grupos populacionais
Abstract
Objectives: Evaluate the prevalence of self-reported hypertension in adults aged 20 to 59 years as well as identify associated factors, the use of health services and disease control practices according to the possession or not of a private healthcare plan.
Methods: A population-based, cross-sectional study was conducted in the city of Campinas, Brazil, involving 957 adults.
Results: The prevalence of self-reported hypertension was 14.1%, with greater frequencies found among women, individuals aged ≥ 40 years, those who declared their skin color to be black, those with less schooling, those who did not practice active leisure activities, ex-smokers, overweight or obese individuals and those who rated their own health as not being excellent/very good. No inequalities were detected between individuals with hypertension covered by a private healthcare plan or the Brazilian public healthcare system with regard to access to services, the use of disease-controlling medications and having received counseling on how to manage the disease. However, differences were found regarding the practice of physical activity and diet.
Conclusion: Despite the equity disclosed in access to health care, the present findings demonstrate that an insufficient proportion of adults adopt changes in lifestyle to control hypertension, underscoring the central role of public health administrators.
Key words Hypertension; Adult health; Epidemiological surveys; Population groups
Introdução
No Brasil, as doenças crônicas não transmissíveis representam a principal causa de morte, sendo atribuído a elas 72% dos óbitos, 30,4% dos quais ocorridos em virtude de doenças cardiovasculares1. A hipertensão arterial apresenta elevada prevalência na população brasileira, entre 22% e 44% para adultos, aumentando com a idade, podendo chegar a 68% em idosos2,3. Em âmbito mundial, estima-se que seja responsável por 13% dos óbitos4.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 2013, o diagnóstico médico de hipertensão arterial foi referido por 21,4% da população com 18 anos ou mais, proporção que corresponde a 31,3 milhões de brasileiros5. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2008, indicavam que, a hipertensão foi 38% mais prevalente no segmento de menor escolaridade, e 6% maior nos indivíduos sem plano de saúde, após ajuste por idade, sexo, região de residência e respondente6.
A maior expectativa de vida, a transição nutricional e o estilo de vida contemporâneo, que se traduzem em comportamentos pouco saudáveis, contribuem para os crescentes níveis de hipertensão arterial na população7,8.
Apesar do consenso científico a respeito da magnitude e do impacto da hipertensão arterial, que a configura como um problema de saúde pública grave, ainda permanecem baixas as taxas de controle9. Na América Latina e na África, estas variam de 1% a 15%, na Alemanha a taxa de controle da hipertensão entre os usuários da atenção básica é de 64% do total de hipertensos acompanhados e de 18,5% nos idosos. Na Itália, um estudo longitudinal revela taxas de controle em torno de 52%, enquanto que no Canadá, que apresenta o melhor indicador mundial, atribuído ao acompanhamento pela atenção básica e a um programa de educação permanente dirigido aos profissionais, 66% têm a hipertensão controlada10–12.
Desse modo, é necessário destacar o papel dos serviços e dos trabalhadores da saúde, como indutores de práticas efetivas de promoção, prevenção e recuperação da saúde. Estudo de revisão conduzido por Toledo et al.13 constatou que ainda são poucas as experiências educativas com portadores de hipertensão, e que a maioria delas (80,4%) adota abordagens normativas, em detrimento de uma perspectiva mais emancipatória. Tais práticas resultam em ações que pouco impactam no controle da hipertensão, conforme apontam Rabetti e Freitas14.
Diante dos desafios para prevenção e controle da hipertensão arterial, o presente estudo tem por objetivos: estimar a prevalência de hipertensão autorreferida em adultos residentes em Campinas, interior de São Paulo e identificar sua associação com características sociodemográficas, de comportamentos relacionados à saúde, morbidades, estado de saúde e Índice de Massa Corporal; e analisar o uso de serviços de saúde e as práticas de controle da doença adotados pelos adultos hipertensos.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal de base populacional, que analisou os dados do Inquérito de Saúde do município de Campinas (ISACAMP 2008/09). Este inquérito, realizado entre fevereiro de 2008 e abril de 2009, pelo Centro Colaborador em Análise de Situação de Saúde do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas, se propôs a analisar as condições de saúde dos estratos etários de adolescente (10-19 anos), adulto (20-59 anos) e idoso (60 anos e mais). A população alvo foi a não institucionalizada residente em domicílios da área urbana do município de Campinas. Para este estudo em particular, optou-se por analisar o estrato adulto.
Foram sorteadas amostras independentes e de tamanhos iguais a 1.000 pessoas em cada domínio de idade, levando em conta a estimativa de uma proporção de 0,50, com erro de amostragem entre 4 e 5 pontos percentuais, intervalo de confiança de 95% e efeito de delineamento de 2.
O ISACAMP 2008/09 tem um delineamento amostral complexo, construído por amostragem probabilística por conglomerado em dois estágios: setor censitário e domicílio. No primeiro estágio, realizou-se o sorteio sistemático de 50 setores censitários com probabilidade proporcional ao número de domicílios. Foram utilizados os setores do IBGE definidos para o Censo de 2000 e considerando o tempo decorrido desde o Censo, foi feita a atualização dos endereços dos setores selecionados. No segundo estágio foi definido o número de domicílios que deveriam ser sorteados para atingir o tamanho amostral desejado, com base na razão pessoas/domicílios de cada grupo de idade. Desta forma, foram sorteados 700 domicílios para entrevistas com adultos, já incluindo as perdas estimadas ao considerar uma taxa de resposta de 80%. Nos domicílios selecionados, foram entrevistados todos os moradores da faixa etária de 20 a 59 anos.
As informações foram coletadas por meio de questionário estruturado em 14 blocos temáticos, testado em estudo piloto e aplicado por entrevistadores treinados e supervisionados.
A variável dependente foi definida como a presença de hipertensão arterial autorreferida, obtida mediante a pergunta: Algum médico ou outro profissional de saúde já disse que você tem hipertensão (pressão alta)?
Três conjuntos de variáveis independentes foram selecionados para a análise dos fatores associados à hipertensão, e um quarto conjunto de variáveis, sobre o uso de serviços de saúde e as práticas de controle da doença, foi analisado em uma perspectiva descritiva, segundo a posse ou não de plano de saúde privado.
▪ Sociodemográficas: sexo, idade, raça/cor da pele autorreferida, situação conjugal, número de filhos, escolaridade (em anos de estudo), renda familiar per capita (em salário mínimo), filiação a plano médico de saúde e número de equipamentos na residência (freezer, aspirador de pó, máquina de lavar roupa, aparelho de ar condicionado, máquina de lavar louça, computador, entre outros).
▪ Comportamentos relacionados à saúde e ao estado nutricional: tabagismo, frequência de consumo de bebida alcoólica, dependência do uso de álcool avaliada pelo Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT) com ponto de corte igual ou maior a oito em uma faixa de 0-4015; atividade física em contexto de lazer categorizada em: ativos (adultos que praticam ao menos 150 minutos por semana, distribuídos, no mínimo, por três dias), insuficientemente ativos (os que praticam menos de 150 minutos por semana, ou praticam mais, porém em menos de três dias na semana) e inativos (os que não praticam qualquer tipo de atividade física de lazer em nenhum dia da semana); o estado nutricional foi avaliado de acordo com o Índice de Massa Corporal – IMC, calculado por meio de informações referidas de peso e altura e classificado em: baixo peso: IMC < 18,5kg/m2, eutrofia: IMC entre 18,5 e 24,9kg/m2, sobrepeso: IMC entre 25,0 e 29,9kg/m2; e obesidade: IMC ≥ 30kg/m216.
▪ Morbidades e estado de saúde: número de doenças crônicas e número de queixas de saúde entre as incluídas em dois checklists, e percepção da própria saúde. Quanto às doenças crônicas, o checklist incluía: hipertensão arterial, diabetes mellitus, doença do coração, câncer, reumatismo/artrite/artrose, osteoporose, asma/bronquite/enfisema, tendinite/Lesões por Esforços Repetitivos-LER/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho-DORT, e problemas de circulação. Já no que se refere às queixas, a lista incluía: dor de cabeça/enxaqueca, dor nas costas/problema de coluna, alergia, problema emocional, tontura/vertigem, insônia e problema urinário.
▪ Usos de serviços de saúde e as práticas de controle da doença utilizadas: há quanto tempo foi feito o diagnóstico, se visita o médico por causa da hipertensão, os motivos por não visitar o médico com regularidade, o tempo da última vez que foi ao médico em virtude da doença, se participa de grupos de hipertensão, se tem recebido orientação médica relativa à doença, e o que tem feito para controlar a hipertensão.
Para análise de dados, inicialmente foram estimadas as prevalências de hipertensão segundo as variáveis independentes, sendo a associação verificada pelo teste qui-quadrado com nível de 5% de significância. Foram calculadas razões de prevalência brutas e ajustadas por sexo e idade com intervalos de confiança de 95%. Em seguida, foi utilizado modelo de regressão múltipla de Poisson em três etapas. Na primeira, foram introduzidas as variáveis demográficas e socioeconômicas que apresentaram nível de significância inferior a 20% (p < 0,20) na análise univariada, tendo permanecido no modelo aquelas com valor de p < 0,05. Na segunda etapa, foram incluídas as variáveis de comportamentos relacionados à saúde e IMC, utilizando os mesmos pontos de corte p < 0,20 no primeiro passo e p < 0,05 para permanência no modelo. Na terceira etapa, foram acrescidas as variáveis de morbidade e estado de saúde, adotando o mesmo critério das etapas anteriores.
Para análise da associação entre os tipos de uso de serviços e práticas de controle da hipertensão segundo a posse ou não de plano de saúde, foram estimadas as proporções, por meio de teste qui-quadrado, com nível de significância de 5%.
As entrevistas foram digitadas em máscara elaborada no Epidata versão 3.1 (Epidata Assoc., Odense, Dinamarca) e as análises estatísticas foram feitas no módulo svy do software Stata 11.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos), que permite considerar os pesos e o delineamento de amostragem do estudo.
O projeto ISACAMP 2008/09 foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.
Resultados
Foram analisadas informações de 957 adultos, dos quais 51,3% eram do sexo feminino. A idade média da população estudada foi de 37,5 anos, sendo de 37,0 anos para os homens e de 37,9 anos para as mulheres.
A prevalência de hipertensão arterial autorreferida foi de 14,1% (IC95%:12,3-16,1), sendo significativamente superior no sexo feminino, nos que se autodeclararam da raça/cor preta, nos que tinham um ou mais filhos, e nos indivíduos de menor escolaridade. Também foi verificado um aumento do diagnóstico de hipertensão com a idade, atingindo uma razão de prevalência quase dez vezes maior nos adultos de 50 a 59 anos comparados aos de 20 a 29 anos. Quanto a situação conjugal, observou-se maior prevalência da doença nos separados ou viúvos, e menor nos solteiros (Tabela 1).
Prevalência e razão de prevalência (RP) de hipertensão arterial autorreferida, em adultos de 20 a 59 anos, segundo variáveis demográficas e socioeconômicas. Inquérito de Saúde de Campinas (ISACAMP, 2008/09).
Observa-se, na Tabela 2, que a prevalência de hipertensão arterial autorreferida foi mais elevada nos inativos no lazer, nos ex-fumantes, e foi mais baixa naqueles que ingeriam bebida alcoólica entre um e quatro vezes no mês. No que se refere ao estado nutricional, a prevalência foi crescente, conforme o aumento do excesso de peso. O diagnóstico de hipertensão foi referido por 36,8% dos obesos, representando uma RP 5,08 vezes maior em relação aos eutróficos.
Prevalência e razão de prevalência (RP) de hipertensão arterial autorreferida, em adultos de 20 a 59 anos, segundo comportamentos relacionados à saúde e índice de massa corporal (IMC). Inquérito de Saúde de Campinas (ISACAMP, 2008/09).
Quanto à presença de comorbidades, maior prevalência de hipertensão autorreferida foi constatada nos que referiram três ou mais queixas de saúde, bem como nos segmentos que relataram ter uma ou mais doenças crônicas. Comparados aos que autoavaliaram a saúde como excelente ou muito boa, os que a consideram boa ou ruim/muito ruim mostraram prevalências significantemente superiores (Tabela 3).
Prevalência e razão de prevalência (RP) de hipertensão arterial autorreferida em adultos de 20 a 59 anos, segundo morbidades e percepção do estado de saúde. Inquérito de Saúde de Campinas (ISACAMP, 2008/09).
A Tabela 4 apresenta os resultados do modelo de regressão múltipla de Poisson. A prevalência da doença revelou-se maior nos indivíduos do sexo feminino, nos que tinham idade igual ou superior a 40 anos, nos que autodeclararam raça/cor preta, nos que tinham até sete anos de estudo, nos inativos no lazer, nos ex-fumantes, nos que apresentavam estado nutricional de sobrepeso ou obesidade, nos que relataram a presença de duas ou mais doenças crônicas e nos subgrupos que avaliaram a própria saúde como boa ou ruim/muito ruim.
Variáveis associadas à hipertensão autorreferida, de acordo com o modelo multinível de regressão múltipla de Poisson. Inquérito de Saúde de Campinas (ISACAMP, 2008/09).
As práticas de controle da hipertensão arterial autorreferida, segundo a posse ou não de plano privado de saúde, estão apresentadas na Tabela 5. Entre os adultos hipertensos, 40,2% receberam o diagnóstico há seis ou mais anos, 75,3% disseram visitar o médico ou o serviço de saúde regularmente para controle da doença e 71,2% declararam receber orientações sobre como cuidar da doença. Para os que não visitam o médico, o principal motivo mencionado foi não achar necessário (63,4%). Parcela importante (96,5%) não participava de grupos de hipertensão e 16,2% procuraram o médico ou o serviço há mais de um ano. Não foram detectadas diferenças entre os hipertensos com plano de saúde e os SUS dependentes quanto aos percentuais que consultam o médico regularmente e que usam medicamento de rotina para o controle da doença, e também em relação a ter recebido orientações do serviço sobre como cuidar da hipertensão. Ter plano de saúde, entretanto, mostrou-se associado a maior realização de atividade física e de regime para perder ou manter o peso como práticas de controle da hipertensão.
Uso de serviços de saúde, conhecimento e práticas de cuidado para o controle da hipertensão em adultos de 20 a 59 anos, segundo a posse ou não de plano de saúde. Inquérito de Saúde de Campinas (ISACAMP, 2008/09).
Discussão
A limitação do presente estudo é o uso de informação autorreferida sobre a presença de hipertensão arterial, pois a prevalência de morbidade referida sofre subestimação representando os indivíduos que tiveram acesso ao diagnóstico médico e omitindo aqueles que desconhecem a condição de serem hipertensos. Ainda que algumas localidades disponham de recursos satisfatórios de atenção médica, indivíduos menos atentos à sua saúde podem permanecer sem diagnóstico, mesmo tendo a doença. Entretanto, estudos de validação de base populacional revelam que a informação referida sobre hipertensão pode ser considerada um indicador apropriado para estimar a prevalência da doença17,18.
Por outro lado, os achados apresentados revelam os segmentos de adultos que apresentaram as maiores prevalências de hipertensão autorreferida, o que possibilita melhor orientar o planejamento das intervenções. Além disso, coadunamse com estudos pré-existentes, reafirmando que a prevalência de hipertensão se sobressai nos segmentos socialmente mais vulneráveis, para além do incremento decorrente do envelhecimento.
A prevalência de hipertensão arterial foi de 14,1% nos adultos de 20-59 anos residentes em Campinas, valor semelhante (14,0%) ao observado na população brasileira, pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 2008, que revela que estes índices aumentam com a idade, variando de 3,2% em adultos de 20-29 anos a 35,5% em adultos com 50-59 anos6. Dados nacionais do inquérito telefônico Vigitel apontaram, em 2008, percentual maior, em torno de 23,1% na população adulta (≥ 18 anos), variando com o incremento da idade. As maiores prevalências entre adultos jovens (18 a 24 anos) ocorreram em Teresina e Porto Alegre (10,6%)19.
As mulheres apresentaram maior prevalência de hipertensão, corroborando os achados de outros estudos5,6,17. Informações do inquérito telefônico Vigitel mostram que, no período de 2006 a 2011, as mulheres relataram proporções mais elevadas da doença em comparação aos homens20. Este diferencial tem sido explicado pela maior percepção da mulher aos sinais físicos e sintomas das doenças, pelo interesse com própria saúde e pela maior procura por assistência médica6,21,22.
O aumento da prevalência de hipertensão com a idade também converge com a literatura5,6,20,23. Este incremento se relaciona ao aumento da expectativa de vida da população, que acarreta em maior carga de doenças crônicas, incapacidades e demanda por serviços de saúde24.
A prevalência de hipertensão arterial foi maior entre os adultos de baixa escolaridade, conforme apontado por outros estudos5,20. Analisando a PNAD de 2008, Barros et al.6 apontam que, com exceção de tendinite e câncer, as demais doenças crônicas avaliadas foram mais prevalentes nos indivíduos menos escolarizados. Pesquisa realizada por Lima-Costa25 mostrou que os adultos e idosos com menor escolaridade eram mais tabagistas, sedentários e ingeriam menos frutas, verduras e legumes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde4, as doenças crônicas acometem principalmente, os segmentos socialmente mais vulneráveis devido à maior exposição aos fatores de risco, ao menor acesso aos serviços e consequentemente, ao menor nível de informações relativas à saúde.
Os indivíduos que se declararam de cor preta tiveram maior prevalência de hipertensão, assim como verificado por pesquisas prévias, reafirmando as desigualdades étnico-raciais histórica e socialmente determinadas26–29. Segundo Malta et al.26, as disparidades entre negros e brancos também são evidenciadas nas taxas de tabagismo passivo no trabalho, no uso de bebidas alcoólicas, no consumo de carnes gordas, frutas e vegetais, e na prática de atividade física no trabalho, associada ao exercício de atividades ocupacionais menos qualificadas.
A inatividade física responde por mais de três milhões de óbitos anuais, configurando um importante fator de risco para as doenças crônicas não transmissíveis 4. Esta informação se coaduna com os achados deste estudo, que, ao comparar os indivíduos fisicamente ativos no lazer aos inativos, encontrou que estes últimos, apresentaram maior prevalência de hipertensão. Dados do Ministério da Saúde30 revelam que no Brasil, 16,2% (IC95%: 15,6-16,9) dos adultos com 18 anos ou mais não praticam atividade física. A realização de exercícios físicos por, no mínimo, 30 minutos diários, na maioria dos dias da semana, tem sido recomendada para a prevenção da doença e redução dos níveis pressóricos31,32.
O diagnóstico referido de hipertensão foi superior nos ex-fumantes em relação aos que disseram nunca ter fumado. Estima-se que o tabagismo seja responsável por 9% dos óbitos no mundo4. A maior prevalência de hipertensão entre os ex-fumantes verificada neste estudo, é provavelmente resultante de causalidade reversa, ou seja, o surgimento de doenças levando o indivíduo a abandonar o tabagismo. Sob esta perspectiva, são necessários estudos posteriores para confirmar a hipótese.
No que diz respeito ao estado nutricional, observou-se uma prevalência mais elevada de hipertensão nos adultos com sobrepeso ou obesidade, achado semelhante ao encontrado por outros autores28,33,34. No Brasil, entre 2006 e 2012, a prevalência de excesso de peso aumentou de 43,2% para 51,0% (incremento anual de 1,37%) e a de obesidade passou de 11,6% para 17,4% (incremento de 0,89% ao ano)35. Em estudo transversal com amostra de 1.584 pessoas de 18 a 64 anos, Sarno e Monteiro36 constataram risco de hipertensão arterial atribuível ao índice de massa corporal ≥ 25kg/m2 de 56% nos homens e 41% nas mulheres, corroborando os achados de relação de risco aumentado para hipertensão arterial em virtude do excesso de peso.
Foi verificada prevalência de hipertensão superior nos indivíduos que relataram ter duas ou mais doenças crônicas. Resultados de pesquisas clínicas demonstram que 70% dos diabéticos apresentam hipertensão e a coexistência das duas condições eleva significativamente o risco de desenvolver outras comorbidades37.
O presente estudo identificou maior prevalência de hipertensão nos indivíduos que autoavaliaram a saúde como não sendo excelente ou muito boa. Pesquisa de base populacional em Pelotas, RS, observou que 45,4% dos adultos hipertensos percebiam a saúde como regular ou ruim38.
O principal achado deste estudo se refere às estratégias de controle da hipertensão. Os adultos que possuíam plano privado de saúde realizavam mais atividade física e dieta para perder/manter o peso, embora a atividade física tenha sido referida por somente 17,4%, e a dieta por 16,1% dos hipertensos. Estes resultados se assemelham aos achados de Souza et al.39, em Novo Hamburgo, RS, onde os números apresentados são igualmente baixos: 22,1% dos hipertensos cadastrados no Programa Hiperdia reconheciam o exercício físico e, 7,4%, a manutenção do peso adequado como práticas importantes para o controle da doença. Também confirmam os resultados encontrados por Zaitune et al.23 em Campinas, que revelou entre idosos de maior escolaridade, um maior reconhecimento do uso de dietas e da prática de atividade física como estratégias para o controle da hipertensão, apesar de também apresentar índices baixos, de 9,0% e 22,4%, respectivamente.
Nesse sentido, ressalta-se a importância da qualificação dos serviços voltada às atividades de educação para a promoção da saúde, sobretudo na atenção primária, conforme a experiência do Canadá, que revela que o acompanhamento neste nível de atenção, associado à educação permanente dos profissionais, alcança os melhores resultados em relação ao controle da hipertensão12.
Estes achados reforçam a importância dos investimentos que vêm sendo feitos, não só no Brasil, mas também no mundo, para o enfrentamento das DCNT como a hipertensão, para além do tratamento medicamentoso, visto que há consenso científico acerca dos efeitos positivos das mudanças no estilo de vida e do monitoramento frequente destas40,41. Entretanto, é necessário superar a lógica normativa das ações ainda dominante nos serviços, conforme apontam Toledo et al.13, em referência às abordagens educativas com portadores de hipertensão. Isto porque esta qualificação dos serviços impacta na eficiência do controle, como apontam Rabetti e Freitas14.
Conclusão
O acesso ou não a plano privado de saúde não imprimiu diferença significante no uso dos serviços de saúde ou no recebimento de orientações médicas pelos hipertensos, o que revela a equidade no acesso à atenção à saúde destes, em Campinas. No entanto, chama atenção o fato de que, mesmo tendo acesso ao acompanhamento médico regular e recebendo orientações a respeito dos cuidados com a doença, ainda é incipiente a proporção de adultos que adota medidas de mudança no estilo de vida para o seu controle, como a prática de atividade física e o cuidado com a alimentação para perda ou manutenção do peso. Esta é uma realidade preocupante e que reafirma o papel central da gestão das políticas de saúde estaduais e municipais, que precisam trabalhar na perspectiva intersetorial, no sentido de aprimorar a integralidade da atenção, por meio das estratégias já delineadas nos Planos Nacionais de Controle das Doenças Crônicas, como o Hiperdia, de forma que as ações desenvolvidas possam convergir com as metas estabelecidas.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Abr 2018
Histórico
-
Recebido
28 Jan 2016 -
Revisado
25 Jun 2016 -
Aceito
27 Jun 2016