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O enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes: desafios e caminhos

Dealing with the sexual exploitation of children and adolescents: challenges and paths

DEBATEDORES DISCUSSANTS

O enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes: desafios e caminhos

Dealing with the sexual exploitation of children and adolescents: challenges and paths

Thaís Dumêt Faria; Pedro Américo Furtado de Oliveira; Renato Mendes

Organização Internacional do Trabalho do Escritório do Brasil. faria@oitbrasil.org.br

A exploração sexual e o tráfico de pessoas é um dos casos em que a história permanece atual, mas precisamente no caso do Brasil, onde grande parte da sua população foi traficada e as mulheres sempre tiveram seus corpos utilizados como objeto de prazer. O nosso "país tropical" tinha uma característica particular por estar, na virada do século, saindo de uma sociedade escravista para execução do projeto de "modernidade".

De acordo com Costa e Schwarcz, não se passa impunemente pelo fato de ter sido a última nação a abolir o cativeiro, já que até maio de 1888 era possível garantir a posse de um homem por outro. Era difícil a convivência entre o projeto republicano – que, recém-inaugurado em novembro de 1889, vendia uma imagem de modernidade – e a lembrança recente do sistema escravocrata, que levava à conformação de uma sociedade patriarcal, marcada pelas relações de ordem pessoal, violenta e na qual vigorava um profundo preconceito em relação ao trabalho braçal 1.

Os indivíduos (homem ou mulher) negros eram considerados coisas e como tais explorados, tratados, transportados e negociados. Foi essa cultura de "coisificar" pessoas que se firmou como uma herança preconceituosa e estratificadora, fomentando práticas de violência e segregação social que perduram até os dias atuais. Uma dessas ações, de violação dos direitos humanos, é a utilização de pessoas para a exploração, tráfico ou trabalho forçado, crime que rompe a barreira do tempo e que, para continuar existindo, revestiu-se de formas diferentes, "adaptadas" à modernidade. Essa prática movimenta um grande "mercado" mundial, razão pela qual se torna penosa a busca pela sua erradicação. Estima-se que os lucros gerados por essa prática sejam em torno de US$ 31,6 bilhões de dólares em todo o mundo2.

Uma das mais graves formas de violação dos direitos humanos é a exploração de crianças e adolescentes para fins sexuais, os quais sofrem de violência física e psicológica, tornando-se ainda mais vulneráveis quando são vítimas do tráfico, sendo retirados do seu local de moradia, onde as pessoas e instituições são mais conhecidas. Esse fato fica ainda mais grave quando há saída do país e língua desconhecida.

A OIT – Organização Internacional do Trabalho – contribui com os esforços em busca da eliminação do trabalho infantil e um trabalho decente para os adultos. Nesse sentido, uma das melhores estratégias tem sido a educação e sensibilização. Pessoas conscientes do seu papel e importância na sociedade são mais difíceis de serem exploradas. Por isso, a OIT trabalha com formação de profissionais de educação para a melhoria da qualidade de ensino e inserção do tema da exploração sexual de crianças e adolescentes no sistema de educação. Outras estratégias são utilizadas no sentido de formação de indivíduos conscientes e seguros dos seus direitos como cidadãos.

A OIT diante da exploração sexual de crianças e adolescentes e o tráfico para os mesmos fins

Uma vez que esse fenômeno está diretamente vinculado ao mundo do trabalho, a OIT tem contribuído com os movimentos globais de enfrentamento à exploração do trabalho infantil e as piores formas de trabalho, com ênfase na exploração sexual de crianças e adolescentes, e no tráfico de pessoas. A concretização dessa contribuição tem se materializado nas convenções sobre o tema e de experiências exitosas de pesquisa e de cooperação técnica, em comunidades de diferentes países. São estudos e intervenções gerados a partir de programas e atividades na África, Ásia, América Latina e Europa. Cada uma dessas regiões possui suas peculiaridades; entretanto, todas elas tratam da dimensão estrutural da exploração e tráfico de mulheres, crianças e homens que, motivados por situações, na maior parte das vezes, de pobreza ou discriminação, são envolvidos no processo ilícito de trabalho forçado para exploração sexual, atividades agrícolas, trabalho doméstico, construção civil, fábricas clandestinas, economia informal e outras formas.

Desde o início da sua constituição, a OIT se comprometeu com a proteção da criança e com a promoção do trabalho decente, como elementos essenciais necessários para se buscar a justiça social e a paz entre os povos. O trabalho forçado, a exploração sexual e o tráfico são violações graves dos direitos humanos, a nível mundial, sendo o combate e o enfrentamento parte essencial do mandato da OIT.

Em 1930, a OIT adotou a Convenção sobre Trabalho Forçado (No. 29), que convoca os países a suprimir essa forma de trabalho. Essa Convenção tem sido ratificada pelos países e sua implementação supervisionada pela OIT. A exploração e o tráfico de crianças são considerados como piores formas de trabalho infantil e os países que ratificaram a Convenção da OIT que trata do assunto (No. 182, de 1999) necessitam tomar medidas imediatas e efetivas de coibir a situação. Ambas as convenções foram ratificadas pelo Brasil e o processo de nacionalização das convenções da OIT, em particular da C.182, é considerado um passo importante para a eliminação da exploração e tráfico de crianças e adolescentes .

Em linhas gerais, as piores formas de trabalho infantil são todas as formas de escravidão ou situações análogas a ela, como, por exemplo, a exploração sexual, a venda e o tráfico de crianças, a escravidão por dívida, o trabalho forçado ou compulsório. Nesse contexto, as ações da OIT junto aos parceiros sociais, isso é, com os governos, organizações de empregadores e trabalhadores, estão sustentadas na crença de que podem prevenir o problema, viabilizando formas de trabalho decente, livre e produtivo, pelo mercado. Além disso, é fundamental que se desenvolvam abordagens integradas com os mais diversos atores sociais, como as polícias, os magistrados, os conselheiros tutelares, autoridades do executivo local, sistemas de saúde, educação e assistência social, entre outros, que incluam sensibilização, capacitação e formação de pessoal da sociedade civil, bem como incluir o envolvimento de setores produtivos, capazes de melhorar a situação socioeconômica da sociedade. Não se pode deixar de mencionar a promoção da igualdade de gênero, como ferramenta importante para reduzir a exploração e o tráfico de pessoas, uma vez que, para os traficantes de pessoas, existe um forte vínculo entre a oportunidade de emprego da mulher e a situação de vulnerabilidade.

Exploração sexual como uma das piores formas de trabalho infantil

A convenção 182 da OIT, que entrou em vigor em 19/11/2000, dispõe sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação.

A Convenção tem como objetivo a adoção, pelos países que a ratificaram, de um conjunto de medidas abrangentes, que incluem a elaboração e implementação de programas de ação nacional com vistas à eliminação das piores formas de trabalho infantil, definidas como: trabalho escravo e práticas análogas à escravidão; prostituição e participação na produção de peças para pornografia; participação em atividades ilícitas, particularmente o tráfico de entorpecentes e outros tipos de trabalho suscetíveis de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças. A presente convenção define o termo criança como toda pessoa menor de dezoito anos.

Após a ratificação da convenção pelo Brasil, instâncias que anteriormente não tinham envolvimento direto na temática passaram a assumir competências; portanto, a serem envolvidas nos movimentos, em prol dessa problemática, tais como: Delegacia Regional do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil e outros.

O objetivo maior da Convenção 182 e por conseguinte do trabalho de cooperação técnica da OIT é evitar as atividades que por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executadas são suscetíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral de crianças e dos adolescentes. Ressalta-se que, no Brasil, a idade mínima permitida para o ingresso no mercado de trabalho é dezesseis anos, sendo catorze anos para início na atividade de aprendiz. No caso das atividade insalubres ou periculosas, a idade mínima é de dezoito anos, segundo a Legislação Nacional. Os adolescentes que estão no mercado de trabalho e os que são aprendizes devem exercer suas atividades sem que o processo de educação formal seja prejudicado.

A preocupação maior é com o desenvolvimento saudável da criança e do adolescente, que abrange educação de qualidade e condições de crescimento que lhes permitam a conscientização dos seus direitos e deveres, assim como habilidades para ingressar de forma adequada no mercado de trabalho. Imprescindível é, na idade adequada, garantir igualdade de oportunidade e acesso a um trabalho produtivo e digno. É importante ainda ressaltar que a luta pela eliminação do trabalho infantil compreende a luta em prol dos direitos humanos, pois o trabalho na infância impede que crianças tenham assegurados seus direitos básicos.

O PAIR - Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes - e a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas: importância e desafios

No caso brasileiro, participar do processo de construção de uma Política Nacional de enfrentamento à violência sexual e ao tráfico de pessoas, além de muito gratificante, representa um processo inovador na implementação de compromissos internacionais. Tradicionalmente, a partir de uma demanda social, notadamente dos movimentos sociais, constroem-se modelos de intervenções que, após testagem, discussão com a sociedade civil, articulação com o poder público para garantir recursos, universalizam-se benefícios, por meio de programas de prevenção e reabilitação social das vítimas de exploração. Assim se deu, de forma exemplar, por exemplo, a construção do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, mais conhecido como PETI.

Com relação ao enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes, os esforços do Brasil tiveram início com o PAIR (Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes), coordenado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Esse programa foi iniciado no final de 2004 e tem como escopo a integração de todos os ministérios, programas, organismos internacionais e outros setores relacionados à proteção dos direitos das crianças e adolescentes e enfrentamento ao crime de exploração sexual e tráfico para os mesmos fins.

A OIT é um dos integrantes do PAIR e enfoca suas ações em parcerias com as universidades (UFAC, UFAM, UEFS, UFMS, UEPB e UFRR) por entender que é no núcleo de produção e disseminação de conhecimento que esse tema poderia ter eficácia e sustentabilidade. De fato, verificou-se o poder de articulação e os impactos positivos dos programas em parcerias com as universidades. A população teve acesso aos espaços universitários e os alunos, à sociedade civil. Esse intercâmbio produziu ações de proteção efetiva, como campanhas, palestras, sensibilização, pesquisas, formações e apoio técnico, além de manter a mídia pautada com conteúdos mais trabalhados. O PAIR produziu e tem produzido efeitos positivos possíveis de serem replicados. A fórmula é simples, integrar para garantir os direitos das crianças e adolescentes; no entanto, a execução é cheia de desafios que estão sendo vencidos pelos resultados positivos.

Com relação ao tráfico de pessoas, o processo se deu, curiosa e felizmente, de forma diferente. Antes de qualquer ação piloto focada no tema, antes mesmo de existir um programa dirigido às vítimas, com orçamento negociado com autoridades do executivo ou sequer se agrupar as várias iniciativas existentes em torno de um plano, orquestrou-se uma política nacional que ora está vigendo no Brasil. Essa ação, coordenada pelo Ministério da Justiça, representa o compromisso do Governo Federal em agir e enfrentar o tráfico de pessoas para fins de trabalho forçado, exploração sexual e remoção de órgão. Unir os diversos grupos e iniciativas sob o comando do Estado é a possibilidade mais eficaz de integrar e potencializar as ações existentes e construir novas estratégias.

Hoje, a maior parte das vítimas brasileiras continua sendo crianças, adolescentes, homens e mulheres negros e, como 43%2 do total de casos de tráfico no mundo são para fins de exploração sexual, são as mulheres as que mais sofrem (98%); por isso, é tão importante a articulação dos diversos setores governamentais e não governamentais para ações eficazes de enfrentamento ao tráfico e atendimento das vítimas.

Muito trabalho, mas com integração e eficácia

A Política Nacional de Enfrentamento à exploração sexual e tráfico de pessoas já mostra seus impactos positivos, tanto com relação ao diálogo promovido entre os diversos atores, quanto ao aumento do número de ações de enfrentamento, prevenção e atendimento. A política prevê esses três eixos de ações, não tendo o foco apenas nas ações de repressão. Sem dúvida conscientizar, eliminar as formas de discriminação, promover o trabalho decente e erradicar o trabalho infantil são as principais armas para o enfrentamento ao tráfico de pessoas, que assume hoje a posição de uma das maiores ações criminosas em todo o mundo.

O Brasil está num processo de organização para enfrentar o problema, inclusive com relação à legislação penal, que prevê o tráfico internacional e interno para fins de exploração se xual, mas não para fins de trabalho forçado ou remoção de órgãos. Para esse caso, deve-se recorrer a outros artigos não específicos e que não representam a gravidade da situação apresentada. Isso não significa que a mudança da lei penal, por si só, será responsável pela diminuição do crime de tráfico; ela ajudaria a esclarecer o conceito, competências e limites para a categorização do crime; no entanto, a prevenção é o melhor e mais eficaz meio de eliminar esse crime.

Nesse contexto e considerando que a OIT tem papel de fortalecer as políticas públicas concernentes a sua área de atuação, faz-se justo mencionar que a OIT esteve presente em todos os momentos importantes da construção da política nacional voltados a essa causa, participando, na forma que compete, das atividades do plano nacional de enfrentamento. As atividades dos projetos da OIT, dentre os quais o TIP (Projeto de Combate ao Tráfico de Pessoas), IPEC (Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil), GRPE (igualdade de gênero e raça, erradicação da pobreza e geração de emprego) e Trabalho Escravo, atuam em consonância com a Política Nacional de Enfretamento à exploração sexual e tráfico de pessoas, em reconhecimento à importância da integração entre as políticas, prevenção e repressão ao crime.

Referências

1. Costa AM da, Schwarcz LM. 1890 – 1914: no tempo das certezas. São Paulo: Companhia das Letras; 2000.

2. Organização Internacional do Trabalho (OIT). Relatório global do seguimento da declaração da OIT sobre princípios e direitos fundamentais no trabalho. Genebra: OIT; 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2007
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