DEBATEDORES DISCUSSANTS
Modelos assistenciais podem diminuir o impacto das DCNT na seguridade social?
Can health care models decrease the impact of CNCD on social security?
Sebastião Loureiro
Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia. loureiro@ufba.br
O artigo desenvolvido por Aloysio Achutti e Maria Inês Azambuja sobre o possível impacto das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis sobre a Seguridade Social constitui um excelente exercício de raciocínio científico de como gerar hipóteses, a partir da revisão de dados empíricos e da reflexão sobre teorias explicativas da configuração histórica (e dinâmica) de um dado perfil epidemiológico de uma sociedade concreta.
Partindo das premissas sobre a transição epidemiológica ocorrida nas economias industrializadas, com o predomínio das DCNT, e em crescente estruturação no Brasil, dedicam-se os autores a analisar diferentes hipóteses explicativas sobre a redução da mortalidade por DCNT.
A análise dessas hipóteses se faz pelo uso, de forma clara e precisa, dos conceitos epidemiológicos de incidência, prevalência, letalidade, "potencial de intensidade" e variação na "patogenicidade".
A contribuição maior dos autores, entretanto, é associar as diferentes hipóteses sobre a dinâmica das DCNT no Brasil aos modelos alternativos de organização de sistemas de saúde, com o objetivo de reduzir as repercussões sobre a Seguridade Social.
Embora os autores deixem claro que não se propõem a medir custo-benefício das intervenções sobre a DCNT, o artigo tangencia outros conceitos da economia da saúde desde quando o objetivo do trabalho é contribuir para o planejamento de possíveis intervenções e adoção de políticas adequadas.
Uma das definições da economia da saúde que abrange alguns dos objetivos enunciados refere-se à aplicação do conhecimento econômico ao campo das ciências da saúde, em particular como elemento contributivo à administração dos serviços de saúde (Del Nero, 2002). Os estudos de financiamento dos serviços e da atenção à saúde se integraram há muito tempo ao campo da economia da saúde.
Saliente-se, aqui, a contribuição do artigo para a necessidade de estudos de economia normativa sobre financiamento da Seguridade Social e da inter-relação entre modelos assistenciais e aumento ou redução de gastos com benefícios, auxílio-doença, aposentadorias precoces por invalidez. A discussão sobre o papel do Estado no financiamento de um modelo universalista torna-se cada vez mais importante na medida em que aumenta a carga tributária principalmente através de contribuições sociais, taxas e impostos, sem que se equacione o déficit da Previdência e a repartição justa dos recursos da Seguridade Social, prejudicando o orçamento para a Saúde (Mendes & Marques, 2003).
Embora os autores façam a ressalva que outros determinantes de morbidade e outros determinantes demográficos e econômicos podem estar presentes na relação DCNT e modelos assistenciais, a ênfase maior é dada ao envelhecimento da população e à persistência na exposição aos fatores de riscos. Poderiam ser explicitados ou sugeridos alguns dos "outros determinantes". O modo de vida nas sociedades ocidentais, do qual faz parte uma constelação de habitus relacionados à posição de classe poderia explicar a freqüente distribuição das DCNT em diferentes extratos sociais? Por que não discutir a questão racial relacionada à hipertensão? A doença mental está excluída do conjunto de DCNT? Quais os critérios para a sua exclusão, quando se sabe o peso desta patologia devido ao pagamento de benefícios e de aposentadoria precoce. Lima, MG (2003), estudando 243 portadores de doença mental, encontrou um custo anual de R$626.300,00 para a Previdência; em esquizofrênicos, observou, o custo aumentava quando cessava o recebimento do salário-benefício.
A análise dos possíveis modelos assistenciais apropriados a teorias explicativas da redução na ocorrência das DCNT é bastante interessante. Estas relações podem se constituir como hipóteses a serem verificadas empiricamente, desde que os dados estejam disponíveis no sistema de informações da Previdência Social. Devem-se considerar algumas variáveis como idade de recebimento do benefício, tempo de recebimento do mesmo, data do início da DCNT que gerou o benefício. As dificuldades de acesso aos bancos de dados primários da Previdência devem ser consideradas. Assim, é preciso que se encontrem estratégias para a sua superação tendo em vista a importância do tema.
O site da Previdência Social disponibiliza vários dados sobre benefícios (grupo de espécies) segundo grandes grupos, mas não discrimina quais os grupos de doenças que determinaram o pagamento de benefícios. Creio ser possível, no futuro, o acesso a estes dados com a finalidade de pesquisa e estudos.
Resumindo, trata-se de uma instigante contribuição para pensar a formulação de políticas de saúde tendo como base critérios de custo efetividade.
Referências bibliográficas
Aquilas NM & Marques RM 2003. Os (des)caminhos do SUS. Saúde em Debate 27(65):389-404.
Lima MG 2003. Esquizofrenia e aposentadoria precoce: uma avaliação econômica. Tese de doutorado em Saúde Coletiva. Instituto de Saúde Coletiva, UFBA, Salvador, 144p.
Nero CRD 2002. O que é economia da saúde? In Piola SF & Vianna SM. Economia da saúde: conceitos e contribuições para a gestão de Saúde. Ipea, Brasília.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Jan 2005 -
Data do Fascículo
Dez 2004