Open-access Classificação de risco para transmissão de doenças imunopreveníveis em Minas Gerais, Brasil: dois anos desde o início da pandemia de COVID-19

Transmission risk classification for vaccine-preventable diseases in Minas Gerais, Brazil: two years since the onset of the COVID-19 pandemic

Resumo

O objetivo é analisar a classificação de risco de transmissão de doenças imunopreveníveis nos 853 municípios de Minas Gerais (MG) após dois anos de início da pandemia de COVID-19. Estudo epidemiológico com dados secundários da cobertura vacinal e taxa de abandono de dez imunobiológicos recomendados para crianças menores de 2 anos, no ano de 2021, em MG. Em relação à taxa de abandono, este indicador foi avaliado somente para as vacinas multidoses. Após o cálculo de todos os indicadores, os municípios do estado foram classificados de acordo com o risco de transmissão de doenças imunopreveníveis em cinco estratos. Minas Gerais apresentou 80,9% dos municípios classificados como alto risco para transmissão de doenças imunopreveníveis. Em relação à homogeneidade das coberturas vacinais (HCV), os municípios de grande porte apresentaram a maior porcentagem de HCV classificada como muito baixa e 100% desses municípios foram classificados como de alto ou muito alto risco para transmissão de doenças imunopreveníveis, com significância estatística. A utilização de indicadores de imunização por município é efetiva para o delineamento do cenário de cada território e a proposição de políticas públicas em saúde visando o aumento das coberturas vacinais.

Palavras-chave: Cobertura vacinal; Vigilância; Monitoramento; Gerenciamento de risco; Crianças; Doenças imunopreveníveis

Abstract

The scope of this study is to analyze the risk classification of transmission of vaccine-preventable diseases (VPDs) in the 853 municipalities in the state of Minas Gerais (MG) two years after the onset of the COVID-19 pandemic. It is an epidemiological study with secondary data on vaccination coverage and dropout rate of ten immuno-biologicals recommended for under 2-year-old children in 2021 in MG. With respect to the dropout rate, this indicator was only evaluated for the multidose vaccines. After calculating all the indicators, the municipalities of the state were classified according to the transmission risk of VPDs into five categories: very low, low, medium, high, and very high risk. Minas Gerais had 80.9% of municipalities classified as high transmission risk for VPDs. Regarding the homogeneity of vaccination coverage (HCV), large municipalities had the highest percentage of HCV classified as very low, and 100% of these municipalities were classified as high or very high risk for transmission of VPDs, with statistical significance. The use of immunization indicators by municipality is effective for the classification of the scenario of each territory and the proposal of public policies seeking to increase vaccination coverage.

Key words: Vaccination coverage; Surveillance; Monitoring; Risk management; Children; Vaccine-preventable diseases

Introdução

O Programa Nacional de Imunização (PNI) do Brasil, criado em 1973, é reconhecido mundialmente por seu amplo calendário vacinal, em todos os ciclos de vida (crianças, adultos, gestantes e idosos) e em populações específicas (como povos indígenas e militares), além de apresentar historicamente altas taxas de coberturas vacinais para a maioria dos imunobiológicos1,2. Com o avanço do PNI no cenário brasileiro, a incidência de doenças imunopreveníveis diminuiu consubstancialmente, e isso ocasionou redução dos óbitos por essas causas. Além disso, muitas doenças foram eliminadas em virtude da cobertura vacinal satisfatória na população1-4.

Assim, as ações de imunização são ações prioritárias dos serviços de atenção primária à saúde (APS)5, nas esferas individuais e coletiva6. É notória a expansão da APS no território brasileiro, com aumento do número de unidades básicas de saúde, elevação da cobertura populacional pela Estratégia Saúde da Família (ESF) e ampliação de acesso7,8. Entretanto, ainda coexistem, no Brasil, um território nacional continental, desigualdades regionais que influenciam e contribuem para a queda da cobertura vacinal.

Para que haja a erradicação, a eliminação ou o controle de doenças imunopreveníveis, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda cobertura vacinal de 95% para a maioria das vacinas9. Para além da meta de cobertura estipulada, a OMS evidencia também outros indicadores relevantes nesse contexto, como a homogeneização das coberturas vacinas dentro do território9. Nos últimos anos, o Brasil3,10-13 e todo o mundo experenciaram a queda da cobertura vacinal de vários imunobiológicos, queda potencializada pela pandemia causada pelo coronavírus (COVID-19)14-16.

No final de 2019, na China, foram registrados os primeiros casos de COVID-19 resultante da infecção respiratória aguda grave por coronavírus 2 (SARS- COV-2)17,18. O aumento mundial em larga escala dos casos da doença sobrecarregou os serviços de saúde19. Em março de 2020, a OMS declarou a doença como uma pandemia sem precedentes na história da humanidade20,21. Embora as recomendações sejam de os países manterem as ações de imunização, estudos já demonstram queda da cobertura vacinal entre as crianças, em especial por receio de seus responsáveis em se dirigirem aos serviços de saúde para vacinarem a si e seus filhos, uma vez que as principais formas adotadas de controle da doença foram as medidas de distanciamento social22-25.

A redução das coberturas vacinais, em especial em crianças, não possui uma única causa2. A hesitação vacinal, por exemplo, é um fenômeno complexo e multidimensional26. O grupo Strategic Advisory Group of Experts (SAGE)26 buscou compreender os fatores determinantes da vacinação, entre eles destacam-se: contextuais, fatores históricos, socioculturais, ambientais e do sistema de saúde, além de fatores econômicos ou políticos e os individuais26. Nesse sentido, identificar áreas com alto risco para a transmissão ou transmissão de doenças imunopreveníveis, utilizando não apenas a taxa de cobertura vacinal, pode representar uma estratégia adicional para a definição de prioridades para intervenções e políticas públicas. Identificar municípios utilizando a metodologia de classificação de risco possibilita a identificação de áreas prioritárias para o estabelecimento de estratégias que visem a melhoria dos indicadores de cobertura vacinal27.

Diante do exposto, o objetivo desse estudo foi analisar a classificação de risco de transmissão de doenças imunopreveníveis nos 853 municípios de Minas Gerais e verificar a influência do porte populacional no risco de transmissão de doenças imunopreveníveis após dois anos de início da pandemia de COVID-19.

Métodos

Trata-se de um estudo epidemiológico com dados secundários de cobertura vacinal e a taxa de abandono de dez imunobiológicos recomendados para crianças menores de 2 anos, no período de janeiro a dezembro de 2021 no estado de Minas Gerais, Brasil.

O estado de Minas Gerais é composto por 853 municípios, distribuídos em uma área territorial de 586.522,122 km2, com população estimada de 21.168.791 habitantes no ano de 201928. O estado é dividido em 19 Superintendências Regionais de Saúde (SRS) e nove Gerências Regionais de Saúde (GRS). As SRS/GRS foram criadas visando a gestão da saúde nas regiões do estado.

Os municípios foram classificados pelo porte populacional, apresentados previamente no estudo de Braz et al.27, sendo: pequeno porte quando apresentava população menor ou igual a 20.000 habitantes; médio porte com população entre 20.001 e 100.000 habitantes e grande porte com população maior ou igual a 100.001 habitantes.

Os imunobiológicos analisados foram: vacina oral contra o rotavírus (considerou-se a segunda dose da vacina rotavírus no Sistema Único de Saúde - SUS - e a segunda dose da rota-pentavalente ofertada na rede privada), vacina contra doença meningocócica C (considerou-se a segunda dose da meningocócica C e a segunda dose da meningocócica ACWY), vacina contra doença pneumocócica (considerou-se a segunda dose da pneumocócica 10V), vacina pentavalente (considerou-se a terceira dose da vacina pentavalente e a terceira dose da vacina hexavalente na rede privada), vacina contra a poliomielite (considerou-se a terceira dose da VIP, VOP, pentavalente na rede privada e a hexavalente também na rede privada), vacina contra febre amarela (considerou-se dose única, dose inicial e a primeira dose), primeira dose da vacina tríplice viral (considerou-se a primeira dose da tríplice viral, primeira dose de quadrupla viral e primeira dose da tetra viral), segunda dose da vacina tríplice viral (considerou-se a segunda dose da tríplice viral, segunda dose da quadrupla viral, segunda dose e dose única da tetra viral), vacina contra hepatite A (considerou-se a primeira dose) e vacina contra varicela (considerou-se a primeira dose de varicela e a primeira dose de tetra viral). Ressalta-se que as doses dos imunobiológicos foram retirados do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) e que todos os dados foram obtidos no site do Ministério da Saúde (disponível em: pni.datasus.gov.br). Não foram avaliadas as vacinas contra BCG e hepatite B, pois são realizadas, em sua maioria, nas maternidades do estado de Minas Gerais, o que poderia causar viés nas análises.

Para o cálculo da cobertura vacinal (CV), considerou-se como denominador a população do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) de 2019. No numerador foram utilizadas as doses aplicadas por faixa e por imunobiológico, conforme Calendário Nacional de Vacinação do Ministério da Saúde. As CV foram categorizadas segundo as metas estabelecidas pelo PNI de maior ou igual a 90% para a vacina oral de rotavírus humano e maior ou igual a 95% para os demais imunobiológicos, sendo categorizadas da seguinte forma: muito baixa (0% a < 50%), baixa (≥ 50 % e menor que a meta) e adequada (≥ que a meta).

A homogeneidade entre as vacinas avaliadas seguiu a definição adotada por estudo prévio de Braz et al.27, pactuado pelo SUS pelo Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde (COAP). Sendo classificada como: adequada quando apresentaram de ≥ 75% a < 100% das dez vacinas com cobertura adequada (≥ que a meta), baixa quando apresentaram de ≥ 50% a < 75% das dez vacinas com cobertura adequada, e muito baixa quando a porcentagem foi < 50% para as dez vacinas analisadas com cobertura vacinal adequada27. Em relação à taxa de abandono, este indicador foi avaliado somente para as vacinas multidoses, sendo elas: vacina contra a doença meningocócica C, vacina pentavalente, vacina contra a doença pneumocócica 10, vacina contra a poliomielite e vacina oral de rotavírus humano. Para o cálculo da taxa de abandono, adotou-se a seguinte fórmula:

T a x a d e a b a n d o n o = ( n u m e r o a p l i c a d o d a 1 a d o s e d a v a c i n a ) ( n u m e r o d a s u l t i m a s d o s e s d o e s q u e m a v a c i n a l ) ( n u m e r o a p l i c a d o d a 1 a d o s e d a v a c i n a ) X 100

Após o cálculo, foi classificada como: baixa taxa de abandono (< 5%), média taxa de abandono (≥ 5% a ≤ 10%) e alta taxa de abandono (≥ 10%).

Após o cálculo de todos os indicadores, os 853 municípios foram classificados de acordo com o risco de transmissão de doenças imunopreveníveis em cinco estratos, segundo Braz et al.27:

Muito baixo: município com homogeneidade de cobertura vacinal (HCV) = 100%.

Baixo - município com HCV ≥ 75% e < 100%, com CV adequada para as vacinas poliomielite, tríplice viral (compromisso internacional de eliminação de doenças) e, ainda, a vacina pentavalente, considerada como “marcador padrão” de qualidade de serviço de vacinação (esquema de três doses injetáveis);

Médio - município com HCV ≥ 75% e < 100% e CV abaixo da meta para uma ou mais das vacinas: poliomielite, tríplice viral ou pentavalente;

Alto - municípios com HCV < 75%, independentemente da cobertura vacinal;

Muito alto - município com HCV < 75%, alta taxa de abandono (≥ 10%) para qualquer das vacinas avaliadas e com grande porte populacional, e ainda os municípios sem registro de vacinação para qualquer vacina, independentemente do porte populacional.

Devido ao número baixo de municípios classificados como médio e muito alto, essas categorias foram agrupadas como: baixo com médio risco e alto com muito alto risco de transmissão de doenças imunopreveníveis.

Para a análise dos dados, foi utilizado o pacote estatístico Statistical Software for Professional (Stata), versão 16.0. Realizou-se a comparação das proporções de taxa de abandono, HCV e classificação de risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis segundo o porte populacional do município por meio do teste qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher. Adotou-se o nível de significância de 5% para todo procedimento analítico.

Além disso, foram construídos mapas coropléticos para verificar a distribuição espacial da classificação de risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis no estado de Minas Gerais, por município. Para esse procedimento analítico, utilizou-se o programa QGIS, versão 2.18.14.

Este estudo foi realizado com dados de domínio público, que não possibilitam a identificação individual, por isso dispensam a aprovação de um Comitê de Ética e Pesquisa.

Resultados

Em 2021, para os imunobiológicos analisados, a primeira dose da vacina tríplice viral apresentou a maior proporção (37,9%) de municípios que alcançaram a meta preconizada, seguida da vacina contra o rotavírus humano (37,0%). Em contrapartida, 30,5% dos municípios de Minas Gerais apresentaram a CV muito baixa para a segunda dose da tríplice viral (Figura 1).

Figura 1
Porcentagem de municípios segundo classificação da cobertura vacinal, Minas Gerais, 2021.

Em relação à classificação de homogeneidade de cobertura vacinal, o estado de Minas Gerais possui 19,1% dos municípios com HCV adequada e 70,5% dos municípios com HCV muito baixa. Em relação às GRS, Manhuaçu e Itabira são os municípios com menores HCV do estado (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição dos municípios por GRS/SRS segundo a homogeneidade de cobertura vacinal no estado de Minas Gerais, 2021.

Na Tabela 2, encontram-se as taxas de abandono e HCV segundo o porte populacional dos municípios. Municípios de pequeno porte apresentaram as menores porcentagens de taxa de abandono do estado para os seguintes imubiológicos: vacina oral de rotavírus humano, vacina contra a doença pneumocócica 10, 13, VIP, VOP, hexavalente e pentavalente, com diferença estatística significativa.

Tabela 2
Taxa de abandono, HCV e classificação de risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis segundo o porte populacional do município, Minas Gerais, 2021.

Em relação à HCV, os municípios de grande porte apresentaram maiores porcentagens de HCV classificada como muito baixa, ou seja, percentual < 50% para as dez vacinas analisadas com cobertura vacinal adequada, com significância estatística (Tabela 2).

Em relação à classificação de risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis, o estado de Minas Gerais apresentou 80,9% dos municípios classificados como alto e muito alto risco. Em relação às GRS/SRS, Barbacena, Belo Horizonte, Coronel Fabriciano, Diamantina, Divinópolis, Governador Valadares, Ituiutaba, Itabira, Juiz de Fora, Pedra Azul e Pouso Alegre foram as regionais que apresentam as maiores porcentagens entre os municípios classificados como de alto e muito alto risco de transmissão de doenças imunopreveníveis (Tabela 3 e Figura 2).

Tabela 3
Classificação de risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis segundo Superintendências Regionais de Saúde e Gerências Regionais de Saúde, Minas Gerais, 2021.

Figura 2
Distribuição espacial dos municípios do Estado de Minas Gerais segundo classificação de risco de transmissão de doenças imunopreveníveis. Minas Gerais, 2021.

No estado de Minas Gerais, 94,6% das crianças, segundo a população do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) para 2019, encontram-se em municípios classificados como de alto ou muito alto risco para transmissão de doenças imunopreveníveis. Além disso, 100% das crianças da GRS de Ituiutaba estão em municípios classificados como de alto ou muito alto risco (Tabela 4).

Tabela 4
Proporção das crianças segundo a população do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos de 2019 residente em municípios por GRS/SRS segundo classificação de risco para transmissão de doenças imunopreveníveis no estado de Minas Gerais, 2021.

Discussão

Este estudo identificou, por meio de uma análise conjunta dos indicadores, cobertura vacinal, homogeneidade entre as dez vacinas analisadas e a taxa de abandono em crianças menores de 2 anos que, no ano de 2021, 80,9% dos municípios do Estado de Minas Gerais foram classificados como de alto e muito alto risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis. Entre os municípios de pequeno porte (≤ 20.000 habitantes) do estado, foram observadas as menores porcentagens de taxa de abandono para os imunobiológicos multidoses analisados, com diferença significativamente estatística. Em relação à HCV, municípios de grande porte (≥ 100.001 habitantes) apresentaram a maior porcentagem de HCV classificada como muito baixa, com significância estatística.

Programas de imunização bem-sucedidos estão entre as estratégias responsáveis pela redução da mortalidade infantil em crianças menores de cinco anos em todo o mundo, em virtude da redução, controle e erradicação de doenças imunopreveníveis29,30. Desde 20163, e em virtude das medidas de restrição social impostas pela pandemia de COVID-19 em 202028, observa-se queda das coberturas vacinais. Nesse contexto, para evitar a transmissão de doenças imunopreveníveis, que até o momento estavam sobre controle ou erradicadas, órgãos internacionais e no Brasil recomendaram a manutenção das ações de imunização nos serviços de saúde31,32. Entretanto, em muitos locais as vacinas de rotinas foram interrompidas, atrasadas, reorganizadas ou completamente suspensas durante a pandemia de COVID-19 e, em consequência disso, vários países, inclusive o Brasil, estão experimentando um rápido declínio nas taxas de cobertura de vacinação infantil22-25,31,33.

Nesse sentido, o impacto da queda vacinal na transmissão de doenças imunopreveníveis na saúde das crianças é preocupante3. Em 2016, o Brasil foi reconhecido pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS) como área livre de circulação do vírus do sarampo. Embora o país tenha recebido esse certificado, as taxas de cobertura vacinal da vacina tríplice viral (vacina contra sarampo, caxumba e rubéola) no Brasil, com declínio acentuado nos últimos anos16,34,35, resultaram na transmissão do sarampo e, em 2019, após a transmissão sustentada do vírus em território nacional, o Brasil perdeu o título de área livre do sarampo16,36.

Outro achado desse estudo refere-se aos municípios de grande porte (≤ 100.001 habitantes) do estado, que apresentaram a maior porcentagem de HCV classificada como muito baixa. Considerando que a ESF se configura como uma estratégia que garante a equidade do cuidado, e que o aumento da cobertura das ESF no território está associado à redução da mortalidade infantil37, são necessárias estratégias de fortalecimento da ESF nesses municípios. Ressalta-se que, em todo o território brasileiro, a vacina é ofertada de forma gratuita e realizada por meio dos serviços de APS.

Em Minas Gerais, estudo demonstrou que a proporção de pessoas moradoras em domicílios cadastrados em unidades de ESF era de 72,3% em 2013, e em 2019, de 73,0%38. Entretanto, Minas Gerais tem contextos diversos, uma vez que é o estado brasileiro com maior número de municípios, com suas especificidades. Estudo evidenciou que a menor cobertura da ESF é observada nas áreas mais desenvolvidas e nas classes econômicas mais elevadas38. Historicamente, a implantação da ESF em grandes centros urbanos é uma realidade para o Ministério da Saúde38. Belo Horizonte, município de grande porte, apresentou cobertura da ESF de 77,15% no ano de 201839 e HCV classificado como baixa.

Por fim, ressalta-se que este estudo apresenta algumas limitações, como o uso de base de dados de bancos secundários. Os dados disponíveis no SI-PNI não foram coletados especificamente para responder às questões propostas nesta pesquisa e os pesquisadores não tiveram controle sobre a qualidade do preenchimento das fichas do SI-PNI. Essas são limitações típicas de estudos com bases de dados secundárias e podem configurar viés de informação. Contudo, destaca-se que o SI-PNI possui bases sólidas, sendo capaz de subsidiar estratégias e políticas de saúde a partir do monitoramento das coberturas vacinais no país16. Além disso, há a possibilidade de subestimação nos dados do SI-PNI devido a falhas dos registros no sistema.

Este estudo avança no monitoramento das coberturas vacinais, uma vez que direciona estratégias e políticas prioritárias para os municípios que estão em situação de risco para a transmissão sustentada de doenças infecciosas e, consequentemente, pode contribuir para o sucesso do PNI nos municípios27.

Como estratégia de discussão integrada entre os diversos atores envolvidos com a vacinação nos territórios e o monitoramento das coberturas vacinais, o estado de Minas Gerais implantou, em julho de 2021, o Grupo de Análise e Monitoramento da Vacinação (GAMOV-MG). Os dados da classificação de risco para transmissão de doenças imunopreveníveis são utilizados para a avaliação do cenário nos municípios e a tomada de decisão para implementação de políticas públicas territoriais que viabilizem o aumento das coberturas vacinais. O GAMOV tem se mostrado uma estratégia eficiente para possibilitar a discussão integrada de diversas áreas envolvidas com a imunização, bem como a participação dos gestores e representantes municipais nas decisões nos níveis regional e estadual de saúde.

Considerações finais

Evitar a transmissão de doenças imunopreveníveis, com altas taxa de coberturas vacinais e baixas taxas de abandono, contribuirá para o aumento da imunidade coletiva em todo o estado e, por conseguinte, evitará a criação de subpopulações com cobertura vacinal baixa e susceptível, onde as doenças já controladas ou erradicadas passíveis de imunização possam ser reintroduzidas na população. A utilização de indicadores de imunização por município por meio da classificação de risco é efetiva para o delineamento do cenário de cada território e para a proposição de políticas públicas em prol do aumento das coberturas vacinais.

Agradecimentos

Ao Grupo de Pesquisa NUPESV (Núcleo de Estudos e Pesquisa em Vacinação da Escola de Enfermagem da UFMG) e à Secretária de Estado da Saúde de Minas Gerais pelo apoio na realização deste estudo.

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  • Editores-chefes:
    Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2022
  • Aceito
    28 Set 2022
  • Publicado
    30 Set 2022
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