Resumo
O objetivo é analisar a classificação de risco de transmissão de doenças imunopreveníveis nos 853 municípios de Minas Gerais (MG) após dois anos de início da pandemia de COVID-19. Estudo epidemiológico com dados secundários da cobertura vacinal e taxa de abandono de dez imunobiológicos recomendados para crianças menores de 2 anos, no ano de 2021, em MG. Em relação à taxa de abandono, este indicador foi avaliado somente para as vacinas multidoses. Após o cálculo de todos os indicadores, os municípios do estado foram classificados de acordo com o risco de transmissão de doenças imunopreveníveis em cinco estratos. Minas Gerais apresentou 80,9% dos municípios classificados como alto risco para transmissão de doenças imunopreveníveis. Em relação à homogeneidade das coberturas vacinais (HCV), os municípios de grande porte apresentaram a maior porcentagem de HCV classificada como muito baixa e 100% desses municípios foram classificados como de alto ou muito alto risco para transmissão de doenças imunopreveníveis, com significância estatística. A utilização de indicadores de imunização por município é efetiva para o delineamento do cenário de cada território e a proposição de políticas públicas em saúde visando o aumento das coberturas vacinais.
Palavras-chave:
Cobertura vacinal; Vigilância; Monitoramento; Gerenciamento de risco; Crianças; Doenças imunopreveníveis
Abstract
The scope of this study is to analyze the risk classification of transmission of vaccine-preventable diseases (VPDs) in the 853 municipalities in the state of Minas Gerais (MG) two years after the onset of the COVID-19 pandemic. It is an epidemiological study with secondary data on vaccination coverage and dropout rate of ten immuno-biologicals recommended for under 2-year-old children in 2021 in MG. With respect to the dropout rate, this indicator was only evaluated for the multidose vaccines. After calculating all the indicators, the municipalities of the state were classified according to the transmission risk of VPDs into five categories: very low, low, medium, high, and very high risk. Minas Gerais had 80.9% of municipalities classified as high transmission risk for VPDs. Regarding the homogeneity of vaccination coverage (HCV), large municipalities had the highest percentage of HCV classified as very low, and 100% of these municipalities were classified as high or very high risk for transmission of VPDs, with statistical significance. The use of immunization indicators by municipality is effective for the classification of the scenario of each territory and the proposal of public policies seeking to increase vaccination coverage.
Key words:
Vaccination coverage; Surveillance; Monitoring; Risk management; Children; Vaccine-preventable diseases
Introdução
O Programa Nacional de Imunização (PNI) do Brasil, criado em 1973, é reconhecido mundialmente por seu amplo calendário vacinal, em todos os ciclos de vida (crianças, adultos, gestantes e idosos) e em populações específicas (como povos indígenas e militares), além de apresentar historicamente altas taxas de coberturas vacinais para a maioria dos imunobiológicos11 Sato APS. What is the importance of vaccine hesitancy in the drop of vaccination coverage in Brazil? Rev Saude Publica 2018; 52:96.,22 Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 2):e00222919.. Com o avanço do PNI no cenário brasileiro, a incidência de doenças imunopreveníveis diminuiu consubstancialmente, e isso ocasionou redução dos óbitos por essas causas. Além disso, muitas doenças foram eliminadas em virtude da cobertura vacinal satisfatória na população11 Sato APS. What is the importance of vaccine hesitancy in the drop of vaccination coverage in Brazil? Rev Saude Publica 2018; 52:96.
2 Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 2):e00222919.
3 Sato APS. Pandemia e coberturas vacinais: desafios para o retorno às escolas. Rev Saude Publica 2020; 54:115.-44 Cardoso CW, Pinto LLS, Reis MG, Flannery B, Reis JN. Impact of vaccination during an epidemic of serogroup C meningococcal disease in Salvador, Brazil. Vaccine 2012; 30(37):5541-5546..
Assim, as ações de imunização são ações prioritárias dos serviços de atenção primária à saúde (APS)55 Siqueira LG, Martins AMEBL, Versiani CMC, Almeida LAV, Oliveira CS, Nascimento JE, Alecrim BPA, Bezerra RC. Avaliação da organização e funcionamento das salas de vacina na Atenção Primária à Saúde em Montes Claros, Minas Gerais, 2015. Epidemiol Serv Saude 2017; 26(3):557-568., nas esferas individuais e coletiva66 Facchini LA, Tomasi E, Dilélio AS. Qualidade da Atenção Primária à Saúde no Brasil: avanços, desafios e perspectivas. Saude Debate 2018; 42(esp. 1):208-223.. É notória a expansão da APS no território brasileiro, com aumento do número de unidades básicas de saúde, elevação da cobertura populacional pela Estratégia Saúde da Família (ESF) e ampliação de acesso77 Viacava F, Oliveira RAD, Carvalho CC, Laguardia J, Bellido JG. SUS: supply, access to and use of health services over the last 30 years. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1751-1762.,88 Soares JJN, Machado MH, Alves CB. The Mais Médicos (More Doctors) Program, the infrastructure of Primary Health Units and the Municipal Human Development Index. Cien Saude Colet 2016; 21(9):2709-2718.. Entretanto, ainda coexistem, no Brasil, um território nacional continental, desigualdades regionais que influenciam e contribuem para a queda da cobertura vacinal.
Para que haja a erradicação, a eliminação ou o controle de doenças imunopreveníveis, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda cobertura vacinal de 95% para a maioria das vacinas99 Dietz V, Venczel L, Izurieta H, Stroh G, Zell ER, Monterroso E, Tambini G. Assessing and monitoring vaccination coverage levels: lessons from the Americas. Rev Panam Salud Publica 2004; 16(6):432-442.. Para além da meta de cobertura estipulada, a OMS evidencia também outros indicadores relevantes nesse contexto, como a homogeneização das coberturas vacinas dentro do território99 Dietz V, Venczel L, Izurieta H, Stroh G, Zell ER, Monterroso E, Tambini G. Assessing and monitoring vaccination coverage levels: lessons from the Americas. Rev Panam Salud Publica 2004; 16(6):432-442.. Nos últimos anos, o Brasil33 Sato APS. Pandemia e coberturas vacinais: desafios para o retorno às escolas. Rev Saude Publica 2020; 54:115.,1010 Arroyo LH, Ramos ACV, Yamamura M, Weiller TH, Crispim JA, Cartagena-Ramos D, Fuentealba-Torres M, Santos DTD, Palha PF, Arcêncio RA. Areas with declining vaccination coverage for BCG, poliomyelitis, and MMR in Brazil (2006-2016): maps of regional heterogeneity. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00015619.
11 Césare N, Mota TF, Lopes FFL, Lima ACM, Luzardo R, Quintanilha LF, Andrade BB, Queiroz ATL, Fukutani KF. Longitudinal profiling of the vaccination coverage in Brazil reveals a recent change in the patterns hallmarked by differential reduction across regions. Int J Infect Dis 2020; 98:275-280.
12 Silveira MF, Tonial CT, Goretti K Maranhão A, Teixeira AMS, Hallal PC, Maria B Menezes A, Horta BL, Hartwig FP, Barros AJD, Victora CG. Missed childhood immunizations during the COVID-19 pandemic in Brazil: analyses of routine statistics and of a national household survey. Vaccine 2021; 39(25):3404-3409.-1313 Tauil MC, Sato APS, Costa AA, Inenami M, Ferreira VLR, Waldman EA. Coberturas vacinais por doses recebidas e oportunas com base em um registro informatizado de imunização, Araraquara-SP, Brasil, 2012-2014. Epidemiol Serv Saude 2017; 26(4):835-846. e todo o mundo experenciaram a queda da cobertura vacinal de vários imunobiológicos, queda potencializada pela pandemia causada pelo coronavírus (COVID-19)1414 Silva TPR, Brandão LGVA, Vieira EWR, Maciel TBS, Silva TMR, Luvisaro BMO, Menezes FR, Matozinhos FP. Impact of COVID-19 pandemic on vaccination against meningococcal C infection in Brazil. Vaccine X 2022; 10:100156.
15 Buffarini R, Barros FC, Silveira MF. Vaccine coverage within the first year of life and associated factors with incomplete immunization in a Brazilian birth cohort. Arch Public Health 2020; 78:21.-1616 Silva TMR, Sá ACMGN, Vieira EWR, Prates EJS, Beinner MA, Matozinhos FP. Number of doses of Measles-Mumps-Rubella vaccine applied in Brazil before and during the COVID-19 pandemic. BMC Infect Dis 2021; 21(1):1237..
No final de 2019, na China, foram registrados os primeiros casos de COVID-19 resultante da infecção respiratória aguda grave por coronavírus 2 (SARS- COV-2)1717 Huang C, Wang Y, Li X, Ren L, Zhao J, Hu Y, Zhang L, Fan G, Xu J, Gu X, Cheng Z, Yu T, Xia J, Wei Y, Wu W, Xie X, Yin W, Li H, Liu M, Xiao Y, Gao H, Guo L, Xie J, Wang G, Jiang R, Gao Z, Jin Q, Wang J, Cao B. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet 2020; 395(10223):497-506.,1818 Zhu N, Zhang D, Wang W, Li X, Yang B, Song J, Zhao X, Huang B, Shi W, Lu R, Niu P, Zhan F, Ma X, Wang D, Xu W, Wu G, Gao GF, Tan W, China Novel Coronavirus Investigating and Research Team. A novel coronavirus from patients with pneumonia in China, 2019. N Engl J Med 2020; 382(8):727-733.. O aumento mundial em larga escala dos casos da doença sobrecarregou os serviços de saúde1919 Su YJ, Lai YC. Comparison of clinical characteristics of coronavirus disease (COVID-19) and severe acute respiratory syndrome (SARS) as experienced in Taiwan. Travel Med Infect Dis 2020; 36:101625.. Em março de 2020, a OMS declarou a doença como uma pandemia sem precedentes na história da humanidade2020 Liya G, Yuguang W, Jian L, Huaiping Y, Xue H, Jianwei H, Jiaju M, Youran L, Chen M, Yiqing J. Studies on viral pneumonia related to novel coronavirus SARS-CoV-2, SARS-CoV, and MERS-CoV: a literature review. APMIS 2020; 128(6):423-432.,2121 Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and important lessons from the coronavirus disease 2019 (COVID-19) outbreak in China: summary of a report of 72 314 cases from the Chinese Center for Disease Control and Prevention. JAMA 2020; 323(13):1239-1242.. Embora as recomendações sejam de os países manterem as ações de imunização, estudos já demonstram queda da cobertura vacinal entre as crianças, em especial por receio de seus responsáveis em se dirigirem aos serviços de saúde para vacinarem a si e seus filhos, uma vez que as principais formas adotadas de controle da doença foram as medidas de distanciamento social2222 Chandir S, Siddiqi DA, Mehmood M, Setayesh H, Siddique M, Mirza A, Soundardjee R, Dharma VK, Shah MT, Abdullah S, Akhter MA, Ali Khan A, Khan AJ. Impact of COVID-19 pandemic response on uptake of routine immunizations in Sindh, Pakistan: an analysis of provincial electronic immunization registry data. Vaccine 2020; 38(45):7146-7155.
23 Mansour Z, Arab J, Said R, Rady A, Hamadeh R, Gerbaka B, Bizri AR. Impact of COVID-19 pandemic on the utilization of routine immunization services in Lebanon. PLoS One 2021; 16(2):e0246951.
24 Abbas K, Procter SR, van Zandvoort K, Clark A, Funk S, Mengistu T, Hogan D, Dansereau E, Jit M, Flasche S; LSHTM CMMID COVID-19 Working Group. Routine childhood immunisation during the COVID-19 pandemic in Africa: a benefit-risk analysis of health benefits versus excess risk of SARS-CoV-2 infection. Lancet Glob Heal 2020; 8(10):e1264-1272.-2525 Bramer CA, Kimmins LM, Swanson R, Kuo J, Vranesich P, Jacques-Carroll LA, Shen AK. Decline in child vaccination coverage during the COVID-19 pandemic - Michigan Care Improvement Registry, May 2016-May 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2020; 69(20):630-631..
A redução das coberturas vacinais, em especial em crianças, não possui uma única causa22 Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 2):e00222919.. A hesitação vacinal, por exemplo, é um fenômeno complexo e multidimensional2626 MacDonald NE. Vaccine hesitancy: definition, scope and determinants. Vaccine 2015; 33(34):4161-4164.. O grupo Strategic Advisory Group of Experts (SAGE)2626 MacDonald NE. Vaccine hesitancy: definition, scope and determinants. Vaccine 2015; 33(34):4161-4164. buscou compreender os fatores determinantes da vacinação, entre eles destacam-se: contextuais, fatores históricos, socioculturais, ambientais e do sistema de saúde, além de fatores econômicos ou políticos e os individuais2626 MacDonald NE. Vaccine hesitancy: definition, scope and determinants. Vaccine 2015; 33(34):4161-4164.. Nesse sentido, identificar áreas com alto risco para a transmissão ou transmissão de doenças imunopreveníveis, utilizando não apenas a taxa de cobertura vacinal, pode representar uma estratégia adicional para a definição de prioridades para intervenções e políticas públicas. Identificar municípios utilizando a metodologia de classificação de risco possibilita a identificação de áreas prioritárias para o estabelecimento de estratégias que visem a melhoria dos indicadores de cobertura vacinal2727 Braz RM, Domingues CMAS, Teixeira AMS, Luna EJA. Classification of transmission risk of vaccine-preventable diseases based on vaccination indicators in Brazilian municipalities. Epidemiol Serv Saude 2016; 25(4):745-754..
Diante do exposto, o objetivo desse estudo foi analisar a classificação de risco de transmissão de doenças imunopreveníveis nos 853 municípios de Minas Gerais e verificar a influência do porte populacional no risco de transmissão de doenças imunopreveníveis após dois anos de início da pandemia de COVID-19.
Métodos
Trata-se de um estudo epidemiológico com dados secundários de cobertura vacinal e a taxa de abandono de dez imunobiológicos recomendados para crianças menores de 2 anos, no período de janeiro a dezembro de 2021 no estado de Minas Gerais, Brasil.
O estado de Minas Gerais é composto por 853 municípios, distribuídos em uma área territorial de 586.522,122 km2, com população estimada de 21.168.791 habitantes no ano de 20192828 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estimativas da população residente no Brasil e unidades da federação com data de referência em 1º de julho de 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2019.. O estado é dividido em 19 Superintendências Regionais de Saúde (SRS) e nove Gerências Regionais de Saúde (GRS). As SRS/GRS foram criadas visando a gestão da saúde nas regiões do estado.
Os municípios foram classificados pelo porte populacional, apresentados previamente no estudo de Braz et al.2727 Braz RM, Domingues CMAS, Teixeira AMS, Luna EJA. Classification of transmission risk of vaccine-preventable diseases based on vaccination indicators in Brazilian municipalities. Epidemiol Serv Saude 2016; 25(4):745-754., sendo: pequeno porte quando apresentava população menor ou igual a 20.000 habitantes; médio porte com população entre 20.001 e 100.000 habitantes e grande porte com população maior ou igual a 100.001 habitantes.
Os imunobiológicos analisados foram: vacina oral contra o rotavírus (considerou-se a segunda dose da vacina rotavírus no Sistema Único de Saúde - SUS - e a segunda dose da rota-pentavalente ofertada na rede privada), vacina contra doença meningocócica C (considerou-se a segunda dose da meningocócica C e a segunda dose da meningocócica ACWY), vacina contra doença pneumocócica (considerou-se a segunda dose da pneumocócica 10V), vacina pentavalente (considerou-se a terceira dose da vacina pentavalente e a terceira dose da vacina hexavalente na rede privada), vacina contra a poliomielite (considerou-se a terceira dose da VIP, VOP, pentavalente na rede privada e a hexavalente também na rede privada), vacina contra febre amarela (considerou-se dose única, dose inicial e a primeira dose), primeira dose da vacina tríplice viral (considerou-se a primeira dose da tríplice viral, primeira dose de quadrupla viral e primeira dose da tetra viral), segunda dose da vacina tríplice viral (considerou-se a segunda dose da tríplice viral, segunda dose da quadrupla viral, segunda dose e dose única da tetra viral), vacina contra hepatite A (considerou-se a primeira dose) e vacina contra varicela (considerou-se a primeira dose de varicela e a primeira dose de tetra viral). Ressalta-se que as doses dos imunobiológicos foram retirados do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) e que todos os dados foram obtidos no site do Ministério da Saúde (disponível em: pni.datasus.gov.br). Não foram avaliadas as vacinas contra BCG e hepatite B, pois são realizadas, em sua maioria, nas maternidades do estado de Minas Gerais, o que poderia causar viés nas análises.
Para o cálculo da cobertura vacinal (CV), considerou-se como denominador a população do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) de 2019. No numerador foram utilizadas as doses aplicadas por faixa e por imunobiológico, conforme Calendário Nacional de Vacinação do Ministério da Saúde. As CV foram categorizadas segundo as metas estabelecidas pelo PNI de maior ou igual a 90% para a vacina oral de rotavírus humano e maior ou igual a 95% para os demais imunobiológicos, sendo categorizadas da seguinte forma: muito baixa (0% a < 50%), baixa (≥ 50 % e menor que a meta) e adequada (≥ que a meta).
A homogeneidade entre as vacinas avaliadas seguiu a definição adotada por estudo prévio de Braz et al.2727 Braz RM, Domingues CMAS, Teixeira AMS, Luna EJA. Classification of transmission risk of vaccine-preventable diseases based on vaccination indicators in Brazilian municipalities. Epidemiol Serv Saude 2016; 25(4):745-754., pactuado pelo SUS pelo Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde (COAP). Sendo classificada como: adequada quando apresentaram de ≥ 75% a < 100% das dez vacinas com cobertura adequada (≥ que a meta), baixa quando apresentaram de ≥ 50% a < 75% das dez vacinas com cobertura adequada, e muito baixa quando a porcentagem foi < 50% para as dez vacinas analisadas com cobertura vacinal adequada2727 Braz RM, Domingues CMAS, Teixeira AMS, Luna EJA. Classification of transmission risk of vaccine-preventable diseases based on vaccination indicators in Brazilian municipalities. Epidemiol Serv Saude 2016; 25(4):745-754.. Em relação à taxa de abandono, este indicador foi avaliado somente para as vacinas multidoses, sendo elas: vacina contra a doença meningocócica C, vacina pentavalente, vacina contra a doença pneumocócica 10, vacina contra a poliomielite e vacina oral de rotavírus humano. Para o cálculo da taxa de abandono, adotou-se a seguinte fórmula:
Após o cálculo, foi classificada como: baixa taxa de abandono (< 5%), média taxa de abandono (≥ 5% a ≤ 10%) e alta taxa de abandono (≥ 10%).
Após o cálculo de todos os indicadores, os 853 municípios foram classificados de acordo com o risco de transmissão de doenças imunopreveníveis em cinco estratos, segundo Braz et al.2727 Braz RM, Domingues CMAS, Teixeira AMS, Luna EJA. Classification of transmission risk of vaccine-preventable diseases based on vaccination indicators in Brazilian municipalities. Epidemiol Serv Saude 2016; 25(4):745-754.:
Muito baixo: município com homogeneidade de cobertura vacinal (HCV) = 100%.
Baixo - município com HCV ≥ 75% e < 100%, com CV adequada para as vacinas poliomielite, tríplice viral (compromisso internacional de eliminação de doenças) e, ainda, a vacina pentavalente, considerada como “marcador padrão” de qualidade de serviço de vacinação (esquema de três doses injetáveis);
Médio - município com HCV ≥ 75% e < 100% e CV abaixo da meta para uma ou mais das vacinas: poliomielite, tríplice viral ou pentavalente;
Alto - municípios com HCV < 75%, independentemente da cobertura vacinal;
Muito alto - município com HCV < 75%, alta taxa de abandono (≥ 10%) para qualquer das vacinas avaliadas e com grande porte populacional, e ainda os municípios sem registro de vacinação para qualquer vacina, independentemente do porte populacional.
Devido ao número baixo de municípios classificados como médio e muito alto, essas categorias foram agrupadas como: baixo com médio risco e alto com muito alto risco de transmissão de doenças imunopreveníveis.
Para a análise dos dados, foi utilizado o pacote estatístico Statistical Software for Professional (Stata), versão 16.0. Realizou-se a comparação das proporções de taxa de abandono, HCV e classificação de risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis segundo o porte populacional do município por meio do teste qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher. Adotou-se o nível de significância de 5% para todo procedimento analítico.
Além disso, foram construídos mapas coropléticos para verificar a distribuição espacial da classificação de risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis no estado de Minas Gerais, por município. Para esse procedimento analítico, utilizou-se o programa QGIS, versão 2.18.14.
Este estudo foi realizado com dados de domínio público, que não possibilitam a identificação individual, por isso dispensam a aprovação de um Comitê de Ética e Pesquisa.
Resultados
Em 2021, para os imunobiológicos analisados, a primeira dose da vacina tríplice viral apresentou a maior proporção (37,9%) de municípios que alcançaram a meta preconizada, seguida da vacina contra o rotavírus humano (37,0%). Em contrapartida, 30,5% dos municípios de Minas Gerais apresentaram a CV muito baixa para a segunda dose da tríplice viral (Figura 1).
Em relação à classificação de homogeneidade de cobertura vacinal, o estado de Minas Gerais possui 19,1% dos municípios com HCV adequada e 70,5% dos municípios com HCV muito baixa. Em relação às GRS, Manhuaçu e Itabira são os municípios com menores HCV do estado (Tabela 1).
Na Tabela 2, encontram-se as taxas de abandono e HCV segundo o porte populacional dos municípios. Municípios de pequeno porte apresentaram as menores porcentagens de taxa de abandono do estado para os seguintes imubiológicos: vacina oral de rotavírus humano, vacina contra a doença pneumocócica 10, 13, VIP, VOP, hexavalente e pentavalente, com diferença estatística significativa.
Em relação à HCV, os municípios de grande porte apresentaram maiores porcentagens de HCV classificada como muito baixa, ou seja, percentual < 50% para as dez vacinas analisadas com cobertura vacinal adequada, com significância estatística (Tabela 2).
Em relação à classificação de risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis, o estado de Minas Gerais apresentou 80,9% dos municípios classificados como alto e muito alto risco. Em relação às GRS/SRS, Barbacena, Belo Horizonte, Coronel Fabriciano, Diamantina, Divinópolis, Governador Valadares, Ituiutaba, Itabira, Juiz de Fora, Pedra Azul e Pouso Alegre foram as regionais que apresentam as maiores porcentagens entre os municípios classificados como de alto e muito alto risco de transmissão de doenças imunopreveníveis (Tabela 3 e Figura 2).
Distribuição espacial dos municípios do Estado de Minas Gerais segundo classificação de risco de transmissão de doenças imunopreveníveis. Minas Gerais, 2021.
No estado de Minas Gerais, 94,6% das crianças, segundo a população do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) para 2019, encontram-se em municípios classificados como de alto ou muito alto risco para transmissão de doenças imunopreveníveis. Além disso, 100% das crianças da GRS de Ituiutaba estão em municípios classificados como de alto ou muito alto risco (Tabela 4).
Discussão
Este estudo identificou, por meio de uma análise conjunta dos indicadores, cobertura vacinal, homogeneidade entre as dez vacinas analisadas e a taxa de abandono em crianças menores de 2 anos que, no ano de 2021, 80,9% dos municípios do Estado de Minas Gerais foram classificados como de alto e muito alto risco para a transmissão de doenças imunopreveníveis. Entre os municípios de pequeno porte (≤ 20.000 habitantes) do estado, foram observadas as menores porcentagens de taxa de abandono para os imunobiológicos multidoses analisados, com diferença significativamente estatística. Em relação à HCV, municípios de grande porte (≥ 100.001 habitantes) apresentaram a maior porcentagem de HCV classificada como muito baixa, com significância estatística.
Programas de imunização bem-sucedidos estão entre as estratégias responsáveis pela redução da mortalidade infantil em crianças menores de cinco anos em todo o mundo, em virtude da redução, controle e erradicação de doenças imunopreveníveis2929 World Health Organization (WHO). Global Vaccine Action Plan 2011-2020. Vaccine 2013; 31:B5-B31.,3030 World Health Organization (WHO). Strategic Advisory Group of Experts on Immunization. The Global Vaccine Action Plan 2011-2020. Review and lessons learned. Geneva: WHO; 2020.. Desde 201633 Sato APS. Pandemia e coberturas vacinais: desafios para o retorno às escolas. Rev Saude Publica 2020; 54:115., e em virtude das medidas de restrição social impostas pela pandemia de COVID-19 em 20202828 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estimativas da população residente no Brasil e unidades da federação com data de referência em 1º de julho de 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2019., observa-se queda das coberturas vacinais. Nesse contexto, para evitar a transmissão de doenças imunopreveníveis, que até o momento estavam sobre controle ou erradicadas, órgãos internacionais e no Brasil recomendaram a manutenção das ações de imunização nos serviços de saúde3131 Saxena S, Skirrow H, Bedford H. Routine vaccination during COVID-19 pandemic response. BMJ 2020; 369:m2392.,3232 Organização Mundial de Saúde (OMS). O Programa de Imunização no contexto da pandemia de COVID-19 [Internet]. 2020. [acessado 2021 ago 3]. Disponível em: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/biblioteca/o-programa-de-imunizacao-no-contexto-da-pandemia-de-covid-19/
https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz...
. Entretanto, em muitos locais as vacinas de rotinas foram interrompidas, atrasadas, reorganizadas ou completamente suspensas durante a pandemia de COVID-19 e, em consequência disso, vários países, inclusive o Brasil, estão experimentando um rápido declínio nas taxas de cobertura de vacinação infantil2222 Chandir S, Siddiqi DA, Mehmood M, Setayesh H, Siddique M, Mirza A, Soundardjee R, Dharma VK, Shah MT, Abdullah S, Akhter MA, Ali Khan A, Khan AJ. Impact of COVID-19 pandemic response on uptake of routine immunizations in Sindh, Pakistan: an analysis of provincial electronic immunization registry data. Vaccine 2020; 38(45):7146-7155.
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Nesse sentido, o impacto da queda vacinal na transmissão de doenças imunopreveníveis na saúde das crianças é preocupante33 Sato APS. Pandemia e coberturas vacinais: desafios para o retorno às escolas. Rev Saude Publica 2020; 54:115.. Em 2016, o Brasil foi reconhecido pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS) como área livre de circulação do vírus do sarampo. Embora o país tenha recebido esse certificado, as taxas de cobertura vacinal da vacina tríplice viral (vacina contra sarampo, caxumba e rubéola) no Brasil, com declínio acentuado nos últimos anos1616 Silva TMR, Sá ACMGN, Vieira EWR, Prates EJS, Beinner MA, Matozinhos FP. Number of doses of Measles-Mumps-Rubella vaccine applied in Brazil before and during the COVID-19 pandemic. BMC Infect Dis 2021; 21(1):1237.,3434 Pacheco FC, França GVA, Elidio GA, Domingues CMAS, Oliveira C, Guilhem DB. Trends and spatial distribution of MMR vaccine coverage in Brazil during 2007-2017. Vaccine 2019; 37(20):2651-2655.,3535 Lemos DRQ, Franco AR, Roriz MLFS, Carneiro AKB, Garcia MHO, Souza FL, Andino RD, Cavalcanti LPG. Measles epidemic in Brazil in the post-elimination period: coordinated response and containment strategies. Vaccine 2017; 35(13):1721-1728., resultaram na transmissão do sarampo e, em 2019, após a transmissão sustentada do vírus em território nacional, o Brasil perdeu o título de área livre do sarampo1616 Silva TMR, Sá ACMGN, Vieira EWR, Prates EJS, Beinner MA, Matozinhos FP. Number of doses of Measles-Mumps-Rubella vaccine applied in Brazil before and during the COVID-19 pandemic. BMC Infect Dis 2021; 21(1):1237.,3636 Carpiano RM, Fitz NS. Public attitudes toward child undervaccination: a randomized experiment on evaluations, stigmatizing orientations, and support for policies. Soc Sci Med. 2017 Jul;185:127-36..
Outro achado desse estudo refere-se aos municípios de grande porte (≤ 100.001 habitantes) do estado, que apresentaram a maior porcentagem de HCV classificada como muito baixa. Considerando que a ESF se configura como uma estratégia que garante a equidade do cuidado, e que o aumento da cobertura das ESF no território está associado à redução da mortalidade infantil3737 Bastos ML, Menzies D, Hone T, Dehghani K, Trajman A. The impact of the Brazilian family health strategy on selected primary care sensitive conditions: a systematic review. PLoS One 2017; 12(8):e0182336., são necessárias estratégias de fortalecimento da ESF nesses municípios. Ressalta-se que, em todo o território brasileiro, a vacina é ofertada de forma gratuita e realizada por meio dos serviços de APS.
Em Minas Gerais, estudo demonstrou que a proporção de pessoas moradoras em domicílios cadastrados em unidades de ESF era de 72,3% em 2013, e em 2019, de 73,0%3838 Giovanella L, Bousquat A, Schenkman S, Almeida PF, Sardinha LMV, Vieira MLFP. The Family Health Strategy coverage in Brazil: what reveal the 2013 and 2019 National Health Surveys. Cien Saude Colet 2021; 26(Suppl. 1):2543-2556.. Entretanto, Minas Gerais tem contextos diversos, uma vez que é o estado brasileiro com maior número de municípios, com suas especificidades. Estudo evidenciou que a menor cobertura da ESF é observada nas áreas mais desenvolvidas e nas classes econômicas mais elevadas3838 Giovanella L, Bousquat A, Schenkman S, Almeida PF, Sardinha LMV, Vieira MLFP. The Family Health Strategy coverage in Brazil: what reveal the 2013 and 2019 National Health Surveys. Cien Saude Colet 2021; 26(Suppl. 1):2543-2556.. Historicamente, a implantação da ESF em grandes centros urbanos é uma realidade para o Ministério da Saúde3838 Giovanella L, Bousquat A, Schenkman S, Almeida PF, Sardinha LMV, Vieira MLFP. The Family Health Strategy coverage in Brazil: what reveal the 2013 and 2019 National Health Surveys. Cien Saude Colet 2021; 26(Suppl. 1):2543-2556.. Belo Horizonte, município de grande porte, apresentou cobertura da ESF de 77,15% no ano de 20183939 Vieira ML, Soares SR, Santos LB, Santos Moreira F, Linch GFC, Paz AA. Cobertura vacinal da pentavalente e da Estratégia de Saúde da Família. Rev Enferm UFSM 2021; 11:e16. e HCV classificado como baixa.
Por fim, ressalta-se que este estudo apresenta algumas limitações, como o uso de base de dados de bancos secundários. Os dados disponíveis no SI-PNI não foram coletados especificamente para responder às questões propostas nesta pesquisa e os pesquisadores não tiveram controle sobre a qualidade do preenchimento das fichas do SI-PNI. Essas são limitações típicas de estudos com bases de dados secundárias e podem configurar viés de informação. Contudo, destaca-se que o SI-PNI possui bases sólidas, sendo capaz de subsidiar estratégias e políticas de saúde a partir do monitoramento das coberturas vacinais no país1616 Silva TMR, Sá ACMGN, Vieira EWR, Prates EJS, Beinner MA, Matozinhos FP. Number of doses of Measles-Mumps-Rubella vaccine applied in Brazil before and during the COVID-19 pandemic. BMC Infect Dis 2021; 21(1):1237.. Além disso, há a possibilidade de subestimação nos dados do SI-PNI devido a falhas dos registros no sistema.
Este estudo avança no monitoramento das coberturas vacinais, uma vez que direciona estratégias e políticas prioritárias para os municípios que estão em situação de risco para a transmissão sustentada de doenças infecciosas e, consequentemente, pode contribuir para o sucesso do PNI nos municípios2727 Braz RM, Domingues CMAS, Teixeira AMS, Luna EJA. Classification of transmission risk of vaccine-preventable diseases based on vaccination indicators in Brazilian municipalities. Epidemiol Serv Saude 2016; 25(4):745-754..
Como estratégia de discussão integrada entre os diversos atores envolvidos com a vacinação nos territórios e o monitoramento das coberturas vacinais, o estado de Minas Gerais implantou, em julho de 2021, o Grupo de Análise e Monitoramento da Vacinação (GAMOV-MG). Os dados da classificação de risco para transmissão de doenças imunopreveníveis são utilizados para a avaliação do cenário nos municípios e a tomada de decisão para implementação de políticas públicas territoriais que viabilizem o aumento das coberturas vacinais. O GAMOV tem se mostrado uma estratégia eficiente para possibilitar a discussão integrada de diversas áreas envolvidas com a imunização, bem como a participação dos gestores e representantes municipais nas decisões nos níveis regional e estadual de saúde.
Considerações finais
Evitar a transmissão de doenças imunopreveníveis, com altas taxa de coberturas vacinais e baixas taxas de abandono, contribuirá para o aumento da imunidade coletiva em todo o estado e, por conseguinte, evitará a criação de subpopulações com cobertura vacinal baixa e susceptível, onde as doenças já controladas ou erradicadas passíveis de imunização possam ser reintroduzidas na população. A utilização de indicadores de imunização por município por meio da classificação de risco é efetiva para o delineamento do cenário de cada território e para a proposição de políticas públicas em prol do aumento das coberturas vacinais.
Agradecimentos
Ao Grupo de Pesquisa NUPESV (Núcleo de Estudos e Pesquisa em Vacinação da Escola de Enfermagem da UFMG) e à Secretária de Estado da Saúde de Minas Gerais pelo apoio na realização deste estudo.
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Editores-chefes:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Mar 2023 -
Data do Fascículo
Mar 2023
Histórico
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Recebido
10 Jun 2022 -
Aceito
28 Set 2022 -
Publicado
30 Set 2022