Open-access Desinstitucionalização e saúde mental de privados de liberdade com transtornos mentais: a experiência do Rio de Janeiro, Brasil

Resumo

Este artigo apresenta o relato da experiência de supervisão de desinstitucionalização do sistema prisional a partir da articulação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), realizada de 2014 a 2021 no âmbito da Superintendência de Saúde Mental/Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Trata-se de um trabalho de desinstitucionalização de pessoas privadas de liberdade com agravos em saúde mental e dividiu-se em atuações nas portas de saída e de entrada do sistema prisional e em ações voltadas para o cuidado de pessoas com transtornos mentais consideradas inimputáveis e imputáveis. À luz da Reforma Psiquiátrica Brasileira, formalizada pela Lei nº 10.216/2001, pretende-se apresentar uma abordagem sobre esse processo apostando em possibilidades de construir políticas de cuidado para o louco infrator que não sejam punitivistas ou segregadoras. Os resultados práticos desse trabalho incluem uma maior participação da rede na construção do cuidado para o louco infrator, a elaboração de políticas que evitem a carreira prisional ou reduzam o tempo de manicomialização no sistema penal e a compreensão de que a medida de segurança deve sempre ter caráter ambulatorial.

Palavras-chave: Desinstitucionalização; Prisioneiros; Saúde mental

Abstract

This paper presents an experience report on the supervision of deinstitutionalization of the prison system through the articulation of the Psychosocial Care Network (RAPS) conducted from 2014 to 2021 within the Superintendence of Mental Health/Municipal Health Secretariat of Rio de Janeiro. This work of deinstitutionalizing people deprived of liberty with mental health problems consists of actions at the exit and entrance doors of the prison system and actions for the care of unimputable and imputable people with mental disorders. In the light of the Brazilian Psychiatric Reform, formalized by Law No. 10,216/2001, we aim to present an approach to this process counting on the possibilities of building care policies for insane offenders that are not punitive or segregating. The practical results of this work include more significant participation of the network in the construction of care for insane offenders, elaborating policies that avoid the prison career or reduce the asylum time in the penal system, and understanding that security measures must always have an outpatient nature.

Key words: Deinstitutionalization; Prisoners; Mental health

Introdução

Este artigo apresenta uma discussão sobre a experiência de articulação entre Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e Sistema Prisional, tendo como norte a inclusão do louco infrator na lógica de cuidado preconizada pela Reforma Psiquiátrica Brasileira e formalizada pela Lei nº 10.216/20011. Com base na garantia de direitos e nos pressupostos de liberdade e de cuidado territorial e comunitário que orientam a atenção psicossocial, a experiência aqui discutida toma a desinstitucionalização como paradigma necessário para a mudança de práticas e discursos2 relativos às pessoas com transtornos psiquiátricos no sistema prisional. Entende-se desinstitucionalização como processo social de transformação de relações de poder entre usuários e instituições e de invenção de saúde através das possibilidades múltiplas de produção de vida, de sentido e de papeis sociais3. Trata-se do trabalho, realizado de 2014 a 2021, de supervisão de desinstitucionalização pela Superintendência de Saúde Mental da Secretaria de Municipal de Saúde (SSM/SMS) do Rio de Janeiro. É um título comprido - supervisão de desinstitucionalização - nome complicado como a tarefa de desinstitucionalizar.

A função de supervisor de desinstitucionalização foi criada originalmente para garantir o acompanhamento dos pacientes internados em longa permanência nas clínicas psiquiátricas conveniadas ao Sistema Único de Saúde. Consiste na elaboração e no acompanhamento do Projeto Terapêutico Singular junto às equipes da internação e dos serviços substitutivos ao manicômio, articulando o cuidado na rede extra-hospitalar. Nessa perspectiva de fortalecimento de serviços e programas substitutivos, várias clínicas psiquiátricas foram fechadas, invertendo a lógica manicomial e privatista que Amarante4 nomeou “indústria da loucura”, com repasse de dinheiro público para clínicas conveniadas que internavam a baixo custo e sem restrições.

Há cerca de quatro décadas, desinstitucionalizar vem sendo uma empreitada da Reforma Psiquiátrica Brasileira, cujo lema é “por uma sociedade sem manicômios”. Entretanto, a lógica antimanicomial custou a contemplar os pacientes psiquiátricos institucionalizados em unidades prisionais, ficando a inclusão dos loucos infratores - que parecem encarnar os fantasmas sociais mais sombrios - por muitos anos esquecida. Dez anos após a promulgação da lei da Reforma Psiquiátrica, avançava o processo de substituição dos manicômios por serviços territoriais comunitários, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs), sendo mandato da política pública promover a alta e a inclusão cidadã de pacientes oriundos de longos períodos de internação. Esse recorte temporal de 10 anos após a formalização da política de desinstitucionalização pela Lei nº 10.216, de 2001, é um marco para contextualizar a realidade dos Estabelecimentos de Custódia e Tratamento Psiquiátrico do país. Isso porque, em 2011, foi realizado o primeiro e único censo nacional que finalmente contou numericamente sobre essas instituições que já tinham quase cem anos de existência, e que recebem autores de atos infracionais considerados incapazes de responsabilização penal. O importante levantamento de Diniz5 dá visibilidade a essa população de 3.989 internos dos, à época, 23 Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico e três Alas de Tratamento Psiquiátrico no país.

Os manicômios judiciários - hoje mais delicadamente chamados de Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs) - têm como justificativa a suposta relação entre loucura e periculosidade para excluir em nome da “defesa da sociedade”6. Carrara7 apontou a profunda ambivalência entre os modelos punitivo/jurídico e terapêutico/de saúde dos manicômios judiciários, cuja violência também está presente em qualquer instituição em que a loucura serve de justificativa para comportamentos que não se adequam às regras e valores sociais, como denunciou Arbex8.

Atualmente, as políticas públicas de saúde mental, não só no município do Rio de Janeiro, mas também em outras regiões brasileiras, vêm se aproximando para dar visibilidade e dignidade a esses pacientes que passaram tantos anos à margem dos processos da Reforma Psiquiátrica. São exitosas e precursoras as experiências de Minas Gerais e de Goiás (O Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental - PAI/PJ9, e o Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator - PAILI10). Entretanto, ainda é grande o desafio de desinstitucionalizar, sobretudo quando pesa sobre essas histórias o estigma da “periculosidade”. Esse processo pressupõe não apenas a desospitalização do paciente e as políticas públicas para viabilizá-la, mas também mudanças de discursos, de práticas e de cultura, tendo como enorme desafio o duplo estigma da loucura e do crime.

Metodologia

O presente relato de experiência é fruto inédito da tese de doutorado da autora6 cuja investigação foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa envolvendo seres humanos (CAAE: 64151617.2.0000.5263). Trata-se de uma pesquisa-intervenção que se utiliza da ferramenta metodológica narrativa acerca da experiência profissional de desinstitucionalização de pessoas com transtorno mental em conflito com a lei.

Relato da experiência

Aqui serão apresentadas as frentes de atenção psicossocial tanto na porta de entrada quanto na porta de saída do sistema prisional, especificando o trabalho feito no sentido da desinstitucionalização dos pacientes referenciados ao município do Rio de Janeiro que cumpriam medida de segurança, e as ações, ainda incipientes, visando a cuidar daqueles presos em cadeias comuns que apresentam questões psiquiátricas.

Inimputáveis

A clientela mais imediatamente beneficiada das ações voltadas para a saúde mental no sistema prisional é a dos privados de liberdade considerados inimputáveis, ou seja, aqueles que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, foram considerados incapazes de entender o caráter ilícito do ato infracional ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Assim, em geral trata-se de pessoas cujo transtorno mental é identificado formalmente no processo jurídico, o que supostamente garante um cuidado em saúde mental. Entretanto, embora o inimputável seja absolvido e receba medida de tratamento no lugar da pena, ele continua sob tutela do Sistema Judiciário e quase sempre privado de liberdade em instituições prisionais que são chamadas de hospitais, mas que funcionam e se estruturam como cadeia. Diferente de uma internação em qualquer outro hospital, a alta é determinada pelo Judiciário e não pela Saúde.

Assim, o desafio primeiro do trabalho de promoção de saúde mental e desinstitucionalização para os privados de liberdade era incluir a RAPS no acompanhamento dos pacientes manicomializados nos HCTPs. Se de início essa aproximação da rede de saúde e do sistema carcerário não era nada evidente, hoje os CAPS exercem cada vez mais o mandato de acompanhar os pacientes que estão sob a tutela dos manicômios judiciários. Além dos pacientes em manicômios judiciários, é mandato da RAPS acompanhar as medidas de segurança dos pacientes que as cumprem em regime ambulatorial, ou seja, em liberdade. Este modelo é o único que atende à lógica de que a medida de segurança, como proposta de tratamento, precisa ser remetida a instâncias de cuidado, como a rede de saúde, e não a instituições totais que têm caráter punitivo, moral e segregador.

Entendendo que o cuidado em saúde mental tem a liberdade como pilar, sendo caras as noções de cidadania, território e rede de suporte, serão apresentadas a seguir as frentes de trabalho com as pessoas consideradas inimputáveis no sentido de evitar sua institucionalização no sistema carcerário, dividindo-as em dois tipos de ação: porta de entrada e porta de saída.

Porta de saída

Buscar garantir a abertura da porta de saída foi tarefa primeira da supervisão de desinstitucionalização através da discussão regular dos casos manicomializados nos HCTPs e da responsabilização da rede de cuidado de cada paciente, fazendo o papel de intermediação entre dentro e fora, emprestando um olhar de estranhamento e desconstrução das práticas manicomiais para dentro e buscando dar visibilidade a essas pessoas que eram invisíveis para fora.

O trabalho inicial era de resgate de histórias, relações, territórios, vínculos, acionando os serviços substitutivos de saúde mental e dispositivos da assistência social, da educação e iniciativas de trabalho, renda e cultura para transformar os laços institucionais em laços de cidadania e garantir direitos.

Situações de exclusão, violência e abandono demandam muito cuidado, muita escuta. É o que faz a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) com seu legítimo, porém comumente não aplicável, mandato de assumir esses casos, ao construir um Projeto Terapêutico Singular (PTS) para cada paciente. Um projeto terapêutico é um desenho de acompanhamento que inclui comunidade, cidadania, tratamento, moradia, renda etc. Trata-se, nesses casos, da perspectiva de construção de um projeto de vida que seja afetiva, ética e politicamente capaz de ressignificar o lugar dessas pessoas, em geral tão empobrecidas de laços sociais.

Assim, o trabalho da porta de saída consistiu em dar visibilidade aos casos institucionalizados nos HCTPs, buscar parcerias, incluir a rede até poder transferir a responsabilidade da Justiça para a saúde e a assistência social.

Além das discussões regulares dos casos para articular a rede de cuidado, formalizou-se a inclusão de todos os pacientes dos hospitais de custódia no FORMDESINS, banco de dados criado pela SSM/RJ que reunia as informações sobre cada uma das pessoas, no âmbito do município do Rio de Janeiro, egressas de longas institucionalizações ou internadas por mais de um ano em hospitais psiquiátricos, ou ainda morando em Serviços Residenciais Terapêuticos. Vinculado à plataforma FORMSUS, do Ministério da Saúde, os dados saíram do ar em fevereiro de 2021 por decisão do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (SUS) de descontinuar a ferramenta. Com o objetivo de facilitação e acompanhamento do processo de desinstitucionalização desses pacientes, o FORMDESINS consistia em uma plataforma em que eram inseridas informações sobre tudo o que se sabia a respeito desses sujeitos: origem, relações familiares, vínculos, referências territoriais, história de vida, trabalho, documentação, locais de tratamentos, internações, projetos terapêuticos, dados sobre a saúde etc. Além de indicar territórios, serviços e estratégias para os projetos de desinstitucionalização, o FORMDESINS permitia levantar o perfil da clientela de longa permanência, apontando para as necessidades de investimento na rede substitutiva.

Esta inclusão, além de quantificar e qualificar a população dos HCTPs também como alvo da política de desinstitucionalização, teve a consequência simbólica de interromper um ciclo de exclusão, em que os pacientes psiquiátricos em instituições da Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP), por estarem formalmente fora da rede de saúde, não eram tão visíveis. O FORMDESINS permitiu contar numericamente as pessoas em cumprimento de medida de segurança e contar sobre elas. Pragmaticamente, foi uma ferramenta que facilitou o registro, a integração e a troca de informações sobre os pacientes e ajudou a organizar a demanda para a rede. Simbolicamente, era uma forma de dar visibilidade àqueles que antes eram invisíveis.

Ainda com esse intuito de dar visibilidade ao louco infrator, se investiu também na inclusão do campo das medidas de segurança como cenário de prática para residentes de saúde mental, o que favorece a sensibilização dos futuros profissionais da rede quanto aos pacientes privados de liberdade.

E, finalmente, uma mudança importante que acelerou o processo de desinstitucionalização das pessoas em cumprimento de medida de segurança nos manicômios judiciários foi a substituição, desde junho de 2017, do Exame de Verificação de Cessação de Periculosidade (EVCP) pelo Exame Multiprofissional e Pericial de Avaliação Psicossocial (EMPAP)11. O Procedimento Judicial Especial VEP nº 2018/0017795-6 foi o instrumento jurídico que formalizou o novo fluxo interinstitucional12, segundo o qual a desinternação deixou de ser pautada em uma avaliação sobre a possibilidade de o sujeito vir a representar perigo para a sociedade, avaliação esta supostamente científica e neutra, de um perito psiquiatra, em um recorte específico no tempo e no espaço. Agora, a avaliação passou a incluir a equipe técnica responsável pelo acompanhamento do paciente no HCTP, tendo como cerne o projeto terapêutico e a possibilidade do periciando viver em liberdade. O médico perito discute com a equipe assistente a perspectiva de continuidade de tratamento em regime aberto e passa a atuar in loco, indo até o manicômio judiciário, podendo, assim, avaliar melhor o periciando, que não precisa mais se deslocar até o Instituto de Perícias, o que poderia ser muito desorganizador. Caso não seja indicada a desinternação, é feita nova avaliação em 90 dias. Agendada a audiência de desinternação, o CAPS responsável pela rede de cuidado do sujeito que está saindo do HCTP é intimado, garantindo a formalização da presença da rede para evitar a vulnerabilidade e a inclusão do serviço nessa pactuação de liberdade, que tem o tratamento como ponto central.

A substituição do EVCP pelo EMPAP promoveu um deslocamento da perspectiva manicomial, que tem o isolamento como solução para o suposto perigo social que uma pessoa representa, para a perspectiva de rede, em que o que importa é um projeto terapêutico que evite a vulnerabilidade daquele sujeito. Trocou-se, assim, uma concepção de periculosidade como um problema individual para uma concepção de vulnerabilidade como uma responsabilidade coletiva pautada no direito (neste caso, à saúde e, que por ser este um direito universal, vale inclusive para aqueles sujeitos que cometeram um crime).

Com essa mudança, o processo de saída dos manicômios judiciários, que antes levava de seis meses a um ano, contando-se da indicação da equipe técnica até a chegada do mandado de desinternação, ganhou celeridade13. Isso não só traz redução no tempo de internação, como viabiliza a vitalidade do Projeto Terapêutico, que muitas vezes ficava prejudicado com o adiamento da desinternação, “esfriando” os vínculos, as saídas terapêuticas, os manejos no sentido da desinstitucionalização, o que costumava ser acompanhado pelo agravamento do quadro psíquico do paciente por conta da privação de liberdade.

Porta de entrada

Embora pudesse parecer mais natural abordar a porta de entrada antes da porta de saída, no caso do trabalho de desinstitucionalização o foco costuma ser nos processos de saída. Não à toa, as ações relativas à articulação para um cuidado territorial que promova liberdade são mais evidentes para esse campo e talvez até mais numerosas e estruturadas. Fechar a porta de entrada, embora pareça primário, é complexo e envolve maior engajamento de outros campos de saber nesse momento em que o sujeito excluído ganha visibilidade porque vira alvo do controle da questão social, que aqui se volta para o louco infrator.

Assim, em paralelo ao trabalho de acompanhamento dos HCTPs para garantir os projetos de desinstitucionalização e reduzir o quantitativo de pacientes manicomializados nessas instituições, havia a expectativa de fechar os manicômios judiciários, entendendo-se que a medida de segurança deve sempre ser cumprida em regime ambulatorial nos CAPSs ou outros dispositivos da rede.

Por ora, entretanto, ainda se faz necessário um trabalho de resistência à entrada de novos pacientes nos HCTPs, evitando a institucionalização antes que ela aconteça e quebrando uma cultura de internação/exclusão do louco infrator. Para isso, buscou-se uma aproximação com a equipe das audiências de custódia, instância primeira da relação do sujeito que cometeu um delito com o judiciário. A aposta é que ao se sensibilizar os atores responsáveis pelas audiências de custódia para a questão do sofrimento psíquico e para a possibilidade de cuidado na rede de saúde, tende-se a evitar o encarceramento como resposta e a incluir o âmbito da saúde antes que o sujeito inicie uma trajetória judiciária e de exclusão. Isso foi possível a partir da parceria com a equipe técnica responsável pelo atendimento aos sujeitos que passavam pelas audiências de custódia, com o objetivo não só de encaminhar para a Rede de Saúde Mental as pessoas presas que apresentassem demanda de avaliação e acompanhamento nesta, mas sensibilizar os juízes para que os sujeitos que estivessem em clara desorganização psíquica pudessem ser escutados em seu sofrimento e não apenas em seu delito. Além disso, se um sofrimento psíquico fosse identificado e um contato com serviço de saúde mental fosse feito antes mesmo da audiência, este poderia ser um elemento em favor da liberdade do sujeito.

Também neste sentido de valorizar a importância da atenção psicossocial na porta de entrada no sistema prisional, houve uma aproximação com os defensores públicos responsáveis pela defesa dos acusados nas audiências de custódia. Abrindo com eles uma via de diálogo, ficou facilitada a possiblidade de descobrir se um preso em flagrante que estivesse em desorganização psíquica já era paciente da Rede de Saúde Mental, solicitar um relatório ou a participação do serviço de responsabilidade na audiência de custódia, ou mesmo já combinar um acolhimento inicial em um serviço da rede para garantir que esse sujeito que encontrou o sistema de justiça em um momento de adoecimento psíquico pudesse ser cuidado. Com essa aproximação entre Defensoria e SSM passou a ser possível também que atores da RAPS fizessem contato com os defensores responsáveis pela audiência de custódia ao saberem da prisão em flagrante de um paciente.

Outra importante frente de fechamento da porta de entrada para os HCTPs foi a inclusão da equipe multidisciplinar da SEAP na avaliação de insanidade mental. Composta por terapeuta ocupacional, assistente social e psicóloga, essa equipe assumiu essa função complementar à dos peritos forenses psiquiatras. Como era uma equipe com experiência em desinstitucionalização, que atuou por anos na lida direta com os pacientes de hospital de custódia, inaugurou-se uma perspectiva de avaliação muito mais sofisticada do que a perícia pontual realizada por psiquiatra forense. Essa avaliação da equipe multidisciplinar do Instituto Heitor Carrilho se debruçava sobre a história dos sujeitos indicados para a perícia, junto ao periciando, aos seus familiares, à sua rede (social, de tratamento, de suporte etc.). O trabalho incluía entrevistas, visitas domiciliares e institucionais e pesquisas de prontuários para elaborar, em conjunto com as equipes de referência do paciente, um Projeto Terapêutico Singular que era remetido ao juiz, junto com o laudo do perito psiquiatra. Em geral, a equipe indicava que a medida de segurança pudesse ser cumprida em regime ambulatorial (em CAPS), em vez de no manicômio judiciário, e isso foi comumente acatado pelos juízes14. Para além da bem-vinda consequência de evitar a institucionalização desses sujeitos, esse trabalho foi precursor para a mudança da cultura de neutralidade e distanciamento da perícia e abriu a perspectiva de uma construção de projeto terapêutico na rede antes do sujeito que cometeu um crime entrar no circuito de institucionalização.

Cabe ainda mencionar a inclusão do campo da perícia como cenário de prática das residências e estágios em Saúde Mental, formando as novas gerações de profissionais da rede com atenção à questão das medidas de segurança e à perspectiva de um trabalho de avaliação que inclua o sujeito em sua integralidade.

Imputáveis

Originalmente, as pessoas em cumprimento de medida de segurança eram o foco mais evidente do trabalho nesta frente de desinstitucionalização no sistema penal, uma vez que são pacientes da saúde mental, muitos de longa internação, em situação de vulnerabilidade, e, portanto, com clara indicação de acompanhamento na RAPS. Como dito, nos últimos anos muito se avançou quanto à responsabilização da rede pelos casos nos hospitais de custódia e a participação na formulação e sustentação de um projeto de desinstitucionalização para esses pacientes.

Entretanto, é enorme o número de presos em cadeias comuns que sofrem de doenças psiquiátricas e não recebem tratamento adequado. Segundo Job Neto15, 2% das pessoas privadas de liberdade têm esquizofrenia e a doença mental é a segunda causa de morbidade no sistema prisional.

Os dados levantados por Oliveira e Boiteux13 revelam o tamanho do problema: enquanto no estado do Rio de Janeiro os internos em HCTPs, em fevereiro de 2018, eram 184, a população carcerária em unidades prisionais comuns era de 50.040. Ou seja, a porcentagem de pessoas em manicômios judiciários em relação àquelas em prisões comuns é de 0,36%. Pode-se dizer que a saúde mental desses 0,36% está sendo cuidada, mas pouco se sabe sobre a saúde mental dos 99,64% de presos que não estão em unidades prisionais psiquiátricas. Sobre eles, Oliveira16 apresentou dados referentes a outubro de 2017 e ainda restritos a quatro unidades prisionais do estado do Rio de Janeiro, do uso de medicamentos psiquiátricos. Em duas das unidades femininas em que foi possível acessar esses dados, a média de mulheres que recebia mensalmente antipsicóticos, antidepressivos ou ansiolíticos era de 34,74%. Já em outra unidade prisional para homens e mulheres trans, a média de medicalizados era de 4%. Em uma unidade masculina semiaberta, a porcentagem de homens que recebiam medicação controlada era de 1,25%.

Outra observação trazida por Oliveira e Boiteux13, foi de que o aumento na população de presos provisórios que acabam sendo internados nos HCTPs antes da decretação da medida de segurança aponta para o adoecimento psíquico que o sistema carcerário produz. As pesquisadoras perceberam que enquanto a população em cumprimento de medida de segurança decresceu 85,95% de 2011 a 2018, a população temporária (emergências, determinações judiciais e outras situações que não medida de segurança) nos HCTPs aumentou 9,65%. Ou seja, o cuidado em saúde mental aos considerados inimputáveis tem, de fato, produzido efeitos, evitando a institucionalização, mas não alcançou os presos imputáveis. Esses, ao contrário, estão sujeitos à patologização e à medicalização produzidas pelo sistema carcerário, que é adoecedor, mas não tem programas de prevenção e de cuidado à saúde mental.

Diante da ausência de atenção em saúde mental adequada no sistema prisional e da necessidade de oferecer assistência a essas pessoas, construiu-se um protocolo de acesso das equipes da RAPS às unidades prisionais. Assim, ficou facilitada a entrada dos profissionais nas cadeias comuns inclusive, o que antes não era quase nunca possível. Mesmo quando havia presos já acompanhados pelos CAPS, os técnicos das equipes eram muito comumente impedidos de visitá-los, salvo sob a condição de fazer carteirinha de visitante como “pessoa amiga”. A resolução que permite o acesso de profissionais da rede de saúde aos presídios foi finalmente possibilitada após um episódio de violação de direitos ganhar a mídia: uma presa deu à luz em uma cela solitária, onde estava por conta de um quadro de importante desorganização psíquica. Essa presa era paciente de um CAPS da Rede Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, serviço este que tentou, em diversos contatos com a SEAP, viabilizar as visitas à paciente e que informou da gravidez dela, não tendo sido possível visitar e nem confirmar a gestação. Apenas quando, pelo fato trágico, ela saiu da invisibilidade e foi transferida para um dispositivo de saúde mental, o hospital penal psiquiátrico, a equipe de referência passou a ser bem-vinda.

Assim, após algumas reuniões entre a gestão da SEAP, SSM, Defensoria Pública e Ministério Público, foi publicada uma resolução que permite que os privados de liberdade que já eram acompanhados pela Rede de Saúde Mental tenham continuidade desse tratamento, por meio de visitas de seus técnicos de referência. A resolução também orienta os diretores das unidades prisionais a buscar os CAPS de referência caso identifiquem um detento com importante sofrimento psíquico.

A proposta de implicar a RAPS no acompanhamento em saúde mental de pessoas que estão sob a tutela da SEAP gerou muitas discussões, tendo em vista que a Rede de Saúde Mental não pode dar conta da ausência no sistema prisional de equipes de saúde em todos os níveis - desde a atenção básica, até a atenção especializada em saúde mental. Por outro lado, o acompanhamento psicossocial de casos psiquiátricos graves e complexos como o são, em geral, pessoas que acabam sendo capturadas pelo sistema penal, é mandato dos CAPS. Essa discussão também esbarra nas dificuldades de se sustentar um cuidado regular a pacientes que se encontram nas unidades prisionais, quase sempre fora do território dos CAPS, por conta de falta de transporte ou de impossibilidade de saída dos profissionais das unidades, em meio a tantas urgências para equipes comumente reduzidas. Outra questão é novamente a da responsabilidade: a Rede de Saúde Mental assumindo o cuidado pelos detentos em sofrimento psíquico, esvazia o dever do sistema prisional de garantir o acesso à saúde e aos direitos básicos dessa população. Assim, se por um lado o acompanhamento dos CAPS às pessoas privadas de liberdade com importante sofrimento psíquico preconiza a lógica de vínculo com o serviço territorial e de desinstitucionalização, por outro lado, pode representar um arranjo que escamoteia a ausência da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), que foi implementada apenas parcialmente no município do Rio de Janeiro.

Discussão

São muitos os desafios implicados em se renunciar à contenção dos muros institucionais e, embora se defenda incansavelmente a desinstitucionalização, é sempre importante lembrar que um sujeito fora do hospício torna-se mais vulnerável e requer mais cuidado psicossocial do que um sujeito institucionalizado.

Vale reafirmar que desinstitucionalização não é desospitalização. Abrir a porta do manicômio é fundamental, mas é apenas um passo no processo de inclusão social. Há um árduo trabalho para sustentar a costura de laços sociais fora do hospício, percurso no qual se enfrenta resistências, preconceitos e anos de uma cultura e uma prática de exclusão que ainda se reapresentam o tempo todo.

Para pessoas com histórico de institucionalização, que viveram anos de segregação, um projeto de cidadania é uma construção difícil, que exige um trabalho clínico de qualidade. Quando se trata de loucos infratores, o desafio ainda é maior por conta do estigma da periculosidade e da marca da passagem ao ato.

A periculosidade, embora seja “conceito indefinido e indefinível, de caráter quase oracular, que produz as respostas padronizadas a comportamentos padronizados de crise, violência, crime e reclusão”17, é usada como instrumento definidor de vidas e corpos, ditando sobre desejo, liberdade, capacidade. A noção de periculosidade é sacralizada no Código Penal, mas desconsidera as questões sociais, que parecem ser a causa primeira de privação de liberdade. Ora, a um problema social deve-se responder com atenção ou cuidado que levem em conta as questões sociais. Nesse sentido, a avaliação de um sujeito inimputável que cumpre medida de segurança por conta de um delito precisa ser psicossocial e não de “cessação de periculosidade”. É preciso considerar a rede com a qual esse sujeito conta, a possibilidade de ele deixar de estar vulnerável, sua vinculação com o tratamento e com outros dispositivos de referência.

A perspectiva de um cuidado em rede aponta para a possibilidade de evitar uma recidiva com muito mais propriedade do que uma perícia que avalia periculosidade desconsiderando a complexidade dos processos de desinstitucionalização. Um dado revelador da fragilidade da ideia de periculosidade é a comparação entre as taxas de cerca de 70% de reincidência dos apenados comuns18 com a reincidência de cerca de 7% dos egressos de manicômios judiciários19. No caso do crime de homicídio, Diniz4 mostrou que a recidiva específica para este tipo de delito é de 1% dentre as pessoas em Estabelecimentos de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.

É essa construção em rede que se apresenta como único recurso pertinente para o cuidado do louco infrator, tomando as pistas apresentadas por cada sujeito e sua história como peças para a construção de seu projeto terapêutico singular, apontando qual é o percurso que servirá de tessitura do laço social, laço esse que permitirá sua saída. O trabalho de desinstitucionalização dos privados de liberdade é feito, assim, através da inclusão, que se contrapõe radicalmente à proposta da medida de segurança em caráter de internação. Trata-se de afirmar a liberdade e a cidadania num movimento contrário ao da segregação em instituições, como manicômios e cadeias, que são adoecedoras e reproduzem e instituem a violência. Esta, marca da população carcerária em geral, reforça os processos de marginalização, de falta de acesso a direitos e garantias e não condiz com a função de cuidado ou de ressocialização.

Não é tarefa simples se deslocar da cultura de marginalização tão premente em uma instituição prisional e fazer esse trabalho de construção de identidade e pertencimento, ajudando os encarcerados a encontrar sentido para si, para o ato criminoso, para a vida futura. Para além do trabalho interno, há as construções externas, que apontam para a responsabilidade comunitária, a garantia dos direitos, a igualdade e uma Justiça menos injusta.

Considerações finais

A experiência do município do Rio de Janeiro aqui relatada é apenas uma, dentre outras, iniciativas de atenção em rede dos privados de liberdade com transtorno mental que visa inverter a cultura punitivista e segregadora do Sistema Prisional. Dentre as inúmeras dificuldades cotidianas desse trabalho, encontram-se as limitações de equipes de RAPS fragilizadas, que muitas vezes não contam com transporte ou tempo para visitar pacientes em unidades prisionais, além das barreiras de um Sistema de Justiça pouco aberto à construção de políticas de cuidado ampliadas.

Apesar dos entraves a uma perspectiva desinstitucionalizadora para o cuidado em saúde mental de pessoas privadas de liberdade, pode-se afirmar que a experiência do Rio de Janeiro propõe o modelo da medida de segurança em regime ambulatorial como modalidade jurídica ideal no caso de delitos que tenham como autor uma pessoa adoecida psiquiatricamente.

A aposta que se faz no trabalho de desinstitucionalização junto ao sistema prisional é de sustentação de uma ética que inverta a lógica da exclusão, que é especialmente perversa com os loucos infratores. Trata-se de uma empreitada clínica e política, buscando fazer emergir sujeitos que estavam excluídos, valorizando o laço social, o reconhecimento e o saber singular em contrapartida à segregação e à patologização. A reconstrução de histórias e narrativas, a costura de uma rede de referência e cuidado, a formalização de uma política de atenção ao louco infrator, numa perspectiva de invenção criativa e potente de um SUS fragilizado, são estratégicas ético políticas.

Referências

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  • Editores-chefes:
    Maria Cecília de Souza Minayo, Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2021
  • Aceito
    08 Ago 2022
  • Publicado
    10 Ago 2022
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