Open-access Pesquisa Nacional de Saúde revela alto percentual de sinais e sintomas de hanseníase no Brasil

Resumo

A hanseníase é uma doença dermato-neurológica, infecciosa, sistêmica ou localizada, debilitante, causada por Mycobacterium leprae. No Brasil, a magnitude e o alto poder incapacitante mantêm a doença como um problema de saúde pública. Mancha na pele e dormência são sinais e sintomas patognomônicos na hanseníase. A Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 (PNS-2019), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), considerou a seguinte pergunta como proxy para estimar sua magnitude no país. “O(a) sr(a). tem mancha com dormência ou parte da pele com dormência?”. No Brasil, 1.921.289 adultos referiram ter mancha ou parte da pele com dormência, sem diferenças regionais. Com relação ao grupo etário, quanto mais velho, maior a prevalência. Por exemplo, entre os de 18 a 29 anos (235.445) e de 30 a 39 anos (236.485), 0,7% possuía a condição, entre 40 e 59 anos (827.887), 1,5%, e entre os idosos, 1,8% (621.472). Poder estimar, em pesquisas de base populacional, com representatividade estatística, uma morbidade referida tal como a hanseníase é fundamental para apoiar a formulação de políticas públicas, notadamente as relativas às ações da atenção primária à saúde. Dessa forma, o IBGE cumpre seu papel constitucional de retratar a realidade da população brasileira e hoje é o principal avaliador externo do Sistema Único de Saúde (SUS) e das políticas públicas instituídas no âmbito federal.

Palavras-chave: Hanseníase; Inquérito domiciliar; Prevalência; Brasil

Abstract

Leprosy is a debilitating, infectious, systemic or localized dermato-neurological disease caused by Mycobacterium lepra. In Brazil, the magnitude and high disabling power keep the disease as a public health problem. Skin spotting and numbness are pathognomonic signs and symptoms in leprosy. The Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2019 National Health Survey (PNS-2019) considered the following question as a proxy to estimate its magnitude in the country. “Do you have a spot with numbness or part of the skin with numbness?”. In Brazil, 1,921,289 adults reported having a patch or part of the skin with numbness, with no regional differences. As for the age group, the older, the higher the prevalence, for example, between 18 to 29 years old (235,445) and 30 to 39 years old (236,485), 0.7% had the condition, between 40 to 59 years old (827,887), 1.5% and among the elderly, 1.8% (621,472). Being able to estimate, in population-based surveys, with statistical representativeness, a reported morbidity such as leprosy is essential to support the formulation of public policies, notably those related to primary health care actions. In this way, the IBGE fulfills its constitutional role of portraying the reality of the Brazilian population and today it is the main external evaluator of the Unified Health System (SUS) and of public policies developed by the federal level.

Key words: Leprosy; Household survey; Prevalence; Brazil

Em 7 de maio de 2021, dados inéditos foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a Pesquisa Nacional de Saúde 2019 (PNS-2019), com estimativas de base populacional de algumas doenças transmissíveis referidas entre os brasileiros.

Os dados publicados pelo IBGE refletem as entrevistas de 220 mil brasileiros adultos de 18 anos ou mais de todas as unidades da federação e regiões do Brasil. Essas estimativas consideraram um intervalo de 95% de confiança, para um nível de significância estatística amostral de 5%.

Considerando que “Manchas dormentes na pele são sinais patognomônicos da hanseníase”, a PNS-2019 incluiu, entre as perguntas elaboradas pelo Ministério da Saúde, a seguinte pergunta como proxy para estimar a magnitude da hanseníase no país. “O(a) sr(a). tem mancha com dormência ou parte da pele com dormência?”.

Essa pergunta poderia levar a um viés de informação relacionado aos sintomas e sinais semelhantes de outras doenças que cursam com neuropatia, entre elas diabetes e alcoolismo. Esse viés deve ser observado, pois embora tenha sido minimizado, uma vez que a PNS incluiu perguntas específicas para ambos os agravos em outros módulos do questionário: (i) um sobre doenças crônicas e (ii) outro sobre estilos de vida - consumo de bebida alcoólica1, quando as pessoas entrevistadas nesses blocos (diabetes e alcoolismo) relatavam mancha dormente. Essas respostas foram incluídas nas estimativas de hanseníase.

Hanseníase é uma doença dermato-neurológica, infecciosa, sistêmica ou localizada, debilitante, causada por Mycobacterium leprae2. No Brasil, a magnitude e o alto poder incapacitante mantêm a doença como um problema de saúde pública3,4.

Desde a introdução da poliquimioterapia (PQT) há cerca de três décadas, a carga de hanseníase no mundo diminuiu consideravelmente5 com a simultaneidade da redução do tempo de tratamento e a consequente redução da prevalência. Não obstante, ainda é causa de elevada carga de morbidade, sobretudo em áreas de maior vulnerabilidade social. A hanseníase é reconhecida como uma doença da pobreza6, havendo evidências robustas sobre os fatores socioeconômicos associados ao risco de adoecer7.

Em 2019, foram relatados à Organização Mundial de Saúde (OMS) mais de 200 mil casos novos de hanseníase, sendo 71% na Ásia, 10% na África e 15% nas américas. Em 2019, o Brasil diagnosticou 27.863 casos novos. Índia, Brasil e Indonésia são os países mais endêmicos do mundo para essa situação6.

O IBGE é a instituição federal responsável pela produção de informações sobre a população brasileira. Realiza periodicamente inquéritos com amostragem probabilística de domicílios, representando as 27 unidades da federação. Seu principal inquérito é a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS-2019), que divulgou recentemente dados inéditos8 de algumas morbidades referidas de doenças transmissíveis, entre essas os sintomas suspeitos de hanseníase.

No Brasil, 1.921,289 adultos (1,2% IC95% [1,1%-1,3%]) referiram ter mancha com dormência ou parte da pele com dormência em 2019, sem diferenças regionais (Figura 1) nas áreas urbana (1.645.113) e rural (276.176).

Figura 1
Pessoas de 18 anos ou mais de idade que referiram ter mancha ou parte da pele com dormência, Brasil e grandes regiões, 2019.

Na Tabela 1 estão as variáveis selecionadas que podem caracterizar o perfil estudado. Homens (816.338 - 1,1%) e mulheres (1.104.951 - 1,3%) possuem prevalências semelhantes e não há diferenças de raça/cor (branca: 777.162 - 1,1%; preta: 231.211 - 1,3%; parda: 873.946 - 1,3%).

Tabela 1
Pessoas de 18 anos ou mais de idade que referiram ter mancha ou parte da pele com dormência segundo características selecionadas, Brasil, 2019.

Quanto ao grupo etário, há diferença estatisticamente significante: quanto mais velho, maior a prevalência desses sintomas. Por exemplo, entre os de 18 a 29 anos (235.445) e de 30 a 39 anos (236.485), 0,7% possuía a condição, entre 40 e 59 anos (827.887), 1,5%, e entre os idosos, 1,8% (621.472).

Trata-se de uma queixa marcadamente presente entre aqueles mais vulneráveis socialmente e menos escolarizados, isto é, 1.072.741 (1,9%) dos adultos sem instrução ou com ensino fundamental incompleto referiram os sintomas. À medida que o nível de instrução se eleva, menor é a prevalência, atingindo 417.174 (0,8%) dos que têm ensino médio e superior incompleto e 149.264 (0,6%) dos que possuem ensino superior completo. E estando associado a esse fato, também está mais presente entre aqueles adultos que estão fora da força de trabalho 842.779 (1,6% [IC95% 1,4%-1,8%]), quando comparados aos que estão ocupados na força de trabalho 953.658 (1,0%) [IC95% 0,8%-1,1%]).

Quanto ao rendimento domiciliar per capita, os menos favorecidos são aqueles com maior presença da referida situação de saúde: 225.774 (1,8% IC95% [1,4%-2,3%]) entre aqueles sem rendimento ou com até ¼ do salário-mínimo vs. 64.465 (0,8% IC95% [0,5%-1,2%]) para aqueles que auferem mais de cinco salários-mínimos per capita.

Ressaltamos que a pesquisa investigou a presença de sintomas potencialmente associados à hanseníase, não podendo ser interpretada como a magnitude exata desse agravo na população. Destacam-se as semelhanças entre a prevalência das queixas investigadas e a notificação da hanseníase por grupos populacionais, como o aumento progressivo das taxas de detecção com o avanço da idade, sua maior frequência nos analfabetos e com ensino fundamental incompleto, além da associação da doença com a baixa renda e o desemprego. Por outro lado, ao contrário dos dados da pesquisa, a endemia vem sendo registrada de forma bastante distinta entre as regiões brasileiras, com taxas muito mais elevadas nas regiões Norte e Centro-Oeste, quando comparadas ao Sul e Sudeste. Do mesmo modo, a maioria dos casos notificados ocorre no sexo masculino (cerca de 55%), e os casos em indivíduos pardos são 2,4 vezes mais frequentes do que nos brancos9.

Poder estimar, em pesquisas de base populacional, com representatividade estatística, uma morbidade referida tal como a hanseníase é fundamental para apoiar a formulação de políticas públicas, notadamente as relativas às ações da atenção primária à saúde, que no Brasil são fortemente marcadas pela Estratégia de Saúde da Família (ESF). Os resultados demonstram o grande desafio para que essas políticas de saúde garantam a execução de estratégias capazes de esclarecer sobre a real incidência da hanseníase entre tantos brasileiros que referem os sintomas sugestivos da doença. Nesse sentido, os dados inéditos do IBGE devem servir de pilar para o planejamento de ações de busca ativa da hanseníase em grupos populacionais específicos, em especial pelas equipes da ESF, que constituem a linha de frente no cuidado à população brasileira e que podem identificar onde estão as pessoas com hanseníase.

Dessa forma, o IBGE, instituição quase centenária, cumpre seu papel constitucional de retratar a realidade da população brasileira e hoje é o principal avaliador externo do Sistema Único de Saúde (SUS) e das políticas públicas instituídas no âmbito federal.

Referências

  • 1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde (PNS, 2019): percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.
  • 2 Hungria EM, Bührer-Sékula S, Oliveira RM, Aderaldo LC, Pontes MAA, Cruz R, Gonçalves HS, Penna MLF, Penna GO, Stefani MMA. Leprosy reactions: The predictive value of Mycobacterium leprae-specific serology evaluated in a Brazilian cohort of leprosy patients (U-MDT/CT-BR). PLoS Negl Trop Dis 2017; 11(2):e0005396.
  • 3 Organização Mundial de Saúde (OMS). Estratégia global para hanseníase 2016-2020. Genebra: OMS; 2016.
  • 4 Souza EA, Boigny RN, Oliveira HX, Oliveira WLW-D-R, Heukelbach J, Alencar CH, Martins-Melo FR, Ramos Júnior AM. Tendências e padrões espaço-temporais da mortalidade relacionada à hanseníase no estado da Bahia, Nordeste do Brasil, 1999-2014. Cad Saude Colet 2018; 26(2):191-202.
  • 5 World Health Organization (WHO). Weekly epidemiological record. Relevé Épidémiologique Hebdomadaire 2020; 36(95):417-410.
  • 6 Nery JS, Ramond A, Pescarini JM, Alves A, Strina A, Ichihara MY, Penna MLF, Smeeth L, Rodrigues LC, Barreto ML, Brickley EB, Penna GO. Socioeconomic determinants of leprosy new case detection in the 100 million Brazilian Cohort: a population-based linkage study. Lancet Glob Heal 2019; 7(9):e1226-e1236.
  • 7 Andrade ARC, Nery JAC. Episódios reacionais da hanseníase. In: Alves ED, Ferreira TL, Nery I, organizadores. Hanseníase: avanços e desafios. Brasília: Universidade de Brasília; 2015. p. 189-214.
  • 8 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde (PNS, 2019): acidentes, violências, doenças transmissíveis, atividade sexual, características do trabalho e apoio social. Rio de Janeiro: IBGE; 2021.
  • 9 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis - DCCI. Boletim Epidemiológico de Hanseníase ? 2020 [internet]. [acessado 2021 Jun 15]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/boletim-epidemiologico-de-hanseniase-2020
    » http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/boletim-epidemiologico-de-hanseniase-2020

Editado por

  • Editores-chefes:
    Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2021
  • Aceito
    16 Set 2021
  • Publicado
    18 Set 2021
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