Resumo
Objetivou-se medir a prevalência de autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos em idosos segundo a presença de incontinência urinária, após nove anos de acompanhamento. Trata-se de um estudo de coorte prospectivo de base populacional intitulado Saúde do Idoso Gaúcho de Bagé, no Rio Grande do Sul. Foram entrevistados 1.593 idosos no estudo de linha de base (2008) e 735 entre setembro de 2016 e agosto de 2017. A exposição “incontinência urinária (IU)” foi avaliada no estudo de linha de base e os desfechos “autopercepção negativa da saúde” e “sintomas depressivos” em 2016/17. A razão de odds e o intervalo de confiança de 95% foram calculados com regressão logística bruta e ajustada para variáveis demográficas, sociais, comportamentais e de condições de saúde. A prevalência de IU foi 20,7% em 2008 e 24,5% em 2016/17; a incidência foi de 19,8%, sendo 23,8% entre as mulheres e 14,6% entre os homens (p = 0,009). Idosos com IU no estudo de linha de base apresentaram chances 4,0 (IC95%:1,8-8,8) e 3,4 (IC95%:1,8-6,2) vezes maior de desenvolver autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos, respectivamente, após nove anos de acompanhamento, comparados àqueles sem IU. Os resultados evidenciam maior chance de problemas mentais entre idosos com IU.
Palavras-chave: Idosos; Incontinência urinária; Autoavaliação; Depressão; Estudos longitudinais
Abstract
The scope of this study was to measure the prevalence of negative self-perceived health and depressive symptoms in elderly adults according to the presence of urinary incontinence, after a follow-up of nine years. This is a prospective population-based cohort study entitled Bagé Cohort Study of Aging, from Rio Grande do Sul. A total of 1,593 elderly adults were interviewed in the baseline study (2008) and 735 between September 2016 and August 2017. The “urinary incontinence (UI)” exposure was assessed in the baseline study and the outcomes “negative self-perceived health” and “depressive symptoms” in 2016/17. The odds ratio and 95% confidence interval were calculated by Logistic Regression and adjusted for demographic, social, behavioral and health conditions. The prevalence of UI was 20.7% in 2008 and 24.5% in 2016/17; the incidence was 19.8%, being 23.8% among women and 14.6% among men (p = 0.009). Elderly adults with UI at the baseline study had a 4.0 (CI95%: 1.8-8.8) and a 3.4 (CI95%: 1.8-6.2) greater chance to develop negative self-perception of health and depressive symptoms, respectively, after nine years of follow-up, compared to those without UI. The results show a greater probability of mental problems among elderly adults with UI.
Key words: Elderly; Urinary incontinence; Self-assessment; Depression; Longitudinal studies
Introdução
A Associação Internacional de Uroginecologia (IUGA) e a International Continence Society (ICS) definem a incontinência urinária (IU) como qualquer queixa de perda involuntária de urina1. A IU é considerada uma das principais síndromes geriátricas2,3, com tendência crescente entre os idosos, principalmente nos mais velhos e entre as mulheres4-6.
A maior parte da literatura tem mostrado que a ocorrência de IU pode variar de 20% a 45%7-12. Essa variabilidade decorre da seleção da amostra (idade, sexo e local de moradia dos indivíduos - instituições de longa permanência ou comunidade)13,14, instrumento utilizado (autorrelato ou diagnóstico clínico), falta de uniformização nas definições5 e diferenças culturais (percepção da IU pelo entrevistado)15.
Entre os fatores associados à IU, destacam-se as condições sociais, como: ausência de ou baixa escolaridade6; fatores comportamentais, como ser insuficientemente ativo6; e condições crônicas, como hipertensão arterial8, diabetes mellitus5,8, obesidade5, doenças cerebrocardiovasculares e respiratórias5,6,16, bem como artrose/reumatismo9, histórico de quedas9, limitação ou incapacidade funcional5,6,10, déficit cognitivo10, fragilidade9 e polifarmácia6.
A IU apresenta repercussões negativas nos aspectos físicos e, especialmente, psicossociais dos idosos10, uma vez que ocasiona mudanças na rotina, distanciamento e isolamento social devido ao constrangimento e redução da autoestima17,18. Estudos nacionais e internacionais evidenciaram prevalências significativamente maiores de depressão10,19-24 e autopercepção negativa de saúde10,25 entre indivíduos com IU, comparados àqueles sem incontinência. Contudo, a maioria dos estudos sobre a temática abordam delineamentos transversais, o que pode apresentar uma associação bidirecional que dificulta a definição das causas que levam à IU. Além disso, há escassez de estudos longitudinais de base populacional sobre IU em idosos brasileiros12, ainda mais com enfoque nos desfechos autopercepção negativa da saúde e depressão em idosos brasileiros com IU.
Considerando as lacunas a respeito da temática proposta e as repercussões negativas da IU na saúde dos idosos, este estudo tem como objetivo medir a prevalência de autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos em idosos segundo a presença de incontinência urinária, após nove anos de acompanhamento.
Método
O estudo de coorte prospectivo de base populacional intitulado Saúde do Idoso Gaúcho de Bagé (SIGa-Bagé) foi realizado com idosos do município de Bagé, localizado na fronteira do estado do Rio Grande do Sul (RS) com o Uruguai, entre julho de 2008 e setembro de 2016/ agosto de 2017.
O SIGa-Bagé foi implementado a partir de um estudo transversal conduzido de julho a novembro de 2008 (linha de base), em que foram entrevistados idosos de 60 anos ou mais, residentes em domicílios particulares na área urbana do município coberta pelos serviços de atenção primária. Residiam no município aproximadamente 122.461 habitantes, dos quais 14.792 (12,0%) eram idosos. Da população total, 82% residiam na zona urbana.
O tamanho da amostra foi calculado para os desfechos “necessidade de assistência domiciliar” e “assistência domiciliar recebida”26,27. Foi estipulada uma amostra mínima de 1.530 indivíduos e foram encontrados 1.713, selecionados por amostragem aleatória simples considerando áreas e microáreas dos serviços de atenção primária. Aceitaram participar do estudo 1.593 idosos. Informações detalhadas sobre amostra e amostragem podem ser encontradas em Thumé et al.26,27.
No período de julho de 2008 a agosto de 2017, foram identificados 638 óbitos, destes, 579 (36.3%) confirmados no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM). Em 2016/2017 foram reentrevistados 757 (47,5%) idosos, ocorrendo 22 perdas durante a transferência de dados (n = 735). Entre os 1.593 idosos entrevistados em 2008, 198 não foram acompanhados pelos seguintes motivos: 81 recusaram, 57 não foram localizados, 7 estavam institucionalizados e 53 não moravam mais na cidade de Bagé27,28.
Ambas as coletas de dados foram empreendidas por entrevistadores devidamente capacitados, após realização de um estudo piloto, com a utilização de um questionário estruturado com questões pré-codificadas, respondidas pelo próprio idoso em domicílio. Em caso de incapacidade, era aplicado ao cuidador. Em 2008, utilizou-se questionário impresso seguido por dupla digitação, e em 2016/2017, utilizou-se o PDA (personal digital assistant), com a transferência de dados coletados para o computador.
A prevalência e incidência de Incontinência Urinária foi investigada por meio da pergunta: O(A) sr(a). tem problema de perder um pouco de urina e se molhar acidentalmente (não dá tempo de chegar ao banheiro, ou quando está dormindo; ou quando tosse ou espirra, ou faz força)? (sim/não), com 1.592 idosos respondentes em 2008 e 730 em 2016/2017. Utilizando a IU como fator de exposição no estudo de linha de base (2008), foram avaliados os seguintes desfechos após nove anos de acompanhamento: prevalência de autopercepção negativa da saúde (ruim e péssimo), investigada por meio da pergunta: “Como o(a) sr(a). considera sua saúde?” (711 respondentes em 2016/2017); e prevalência de sintomas depressivos, avaliada com a Escala de Depressão Geriátrica (Geriatric Depression Scale)29 e com respostas dicotômicas (sim/não) (622 respondentes em 2016/2017). Considerou-se a presença de sintomas depressivos quando a resposta foi positiva para seis das 15 perguntas da escala. Destaca-se que os desfechos são autoavaliados, portanto as perguntas foram aplicadas aos idosos que possuíam condições cognitivas para responder, por isso o número de respondentes foi menor que do que n = 735.
As covariáveis utilizadas foram: sexo (masculino; feminino); idade em anos (contínua); escolaridade em anos (nenhum; 1 a 7 anos; 8 a 20 anos); inatividade física (não; sim), com os participantes sendo classificados como fisicamente inativos se não caminharam nem praticaram atividades de intensidade moderada ou vigorosa por pelo menos dez minutos ao menos uma vez por semana; tabagismo atual (não; sim); obesidade (não; sim), conforme definição da Organização Mundial da Saúde (≥ 30)30 (OMS, 2020); diagnóstico médico de diabetes, hipertensão e reumatismo/artrite (não; sim); incapacidade funcional (não; sim), quando havia presença de incapacidade para as atividades básicas da vida diária (ABVD) ou para as atividades instrumentais da vida diária (AIVD), avaliada pela escala de Katz e Lawton; e déficit cognitivo (não; sim), avaliado com o exame mini mental2.
A análise dos dados foi realizada no programa estatístico Stata, versão 14.0. Foi feita análise descritiva e utilizado o teste qui-quadrado para comparação de proporções. Foram realizadas análises longitudinais com o objetivo de verificar a incidência de IU total e por sexo, e a prevalência de autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos, após nove anos de acompanhamento entre os idosos com IU no estudo de linha de base (2008).
Para verificar a associação entre autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos com IU, foi realizada regressão logística bruta e ajustada: Modelo 1 = sexo e idade e Modelo 2 = Modelo 1 + fatores sociais, comportamentais e condições de saúde (escolaridade, inatividade física, tabagismo, obesidade, diabetes, hipertensão, reumatismo/artrite, incapacidade funcional e déficit cognitivo). Para essa análise, foram excluídos os indivíduos com dados faltantes para qualquer covariável utilizada (n = 281). Assim, a amostra para a análise de regressão incluiu 1.312 participantes em 2008, e 625 e 552 participantes em 2016/2017 para os desfechos autopercepção negativa e sintomas depressivos, respectivamente. Os resultados foram apresentados como razão de odds (RO), e seus respectivos intervalos de confiança (IC) de 95%. Associações com valor p < 0,05 foram consideradas estatisticamente significativas.
A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pelotas, CAAE 31497314.0.0000.5317, sob nº 678.664, seguindo os preceitos da Resolução nº 196/1996 e 466/2012. Os participantes foram informados quanto aos objetivos da pesquisa e solicitados a ler e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Entre os idosos respondentes no ano de 2008, 62,8% eram do sexo feminino, com idade média de 71,2 (IC95%: 70,8-71,6); em 2016/2017, a amostra foi composta por 65,3% de idosos do sexo feminino, com idade média de 77,1 anos (IC95%: 76.6-77.6).
No estudo de linha de base (2008), a prevalência de IU foi 20,7%, e no acompanhamento (2016/17) foi de 24,5%, sendo sempre maior entre os idosos do sexo feminino (p < 0,001). A incidência de IU no período em estudo foi de 19,8% (n = 120), e também foi significativamente maior entre as mulheres (23,2%, p-valor = 0,009) (Tabela 1). Entre os idosos que eram incontinentes no estudo de linha de base de 2008 (n = 330; 20,0%), 125 foram acompanhados em 2016/2017, e destes, 52,0% deixaram de ter IU em após nove anos de acompanhamento e 48,0% continuaram com a condição de saúde.
Ao longo dos nove anos de acompanhamento, a quantidade de óbitos foi maior entre os idosos com IU no estudo de linha de base (46,4%), se comparado àqueles sem incontinência (33,7%) (p < 0,001), conforme a Figura 1. Em 2016/2017, obteve-se 711 e 622 respondentes para os desfechos autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos, respectivamente (Figura 1). Quando analisado separadamente por exposição, obteve-se 590 e 522 respondentes para autopercepção negativa e sintomas depressivos, respectivamente, entre os idosos sem IU; e 121 e 100 respondentes para autopercepção negativa e sintomas depressivos, respectivamente, entre os idosos incontinentes (Figura 1).
População com e sem IU em 2008 e diagnosticados com autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos após nove anos de acompanhamento. SIGa-Bagé, 2017.
O Gráfico 1 mostra a prevalência de autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos após nove anos de acompanhamento (2016/17) entre idosos com e sem IU no estudo de linha de base (2008) (p < 0,001 para ambos). Ambos os desfechos apresentaram maior prevalência após nove anos de acompanhamento entre os idosos incontinentes no estudo de linha de base.
Prevalência de autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos entre idosos com e sem incontinência urinária em 2008. SIGa-Bagé, 2017 (n = 1.592).
A Tabela 2 mostra a RO e o IC95% para autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos após nove anos de acompanhamento em idosos com IU no estudo de linha de base. As estimativas mudaram pouco após o ajuste para todas as covariáveis. Portanto, para fins de brevidade, resumimos os resultados apenas para o Modelo 2. Após ajuste final, os idosos com IU apresentaram chances 4,02 e 3,35 vezes maior de desenvolver autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos, respectivamente, após nove anos de acompanhamento, comparados aos idosos sem IU no estudo de linha de base (p < 0,001 para ambos) (Tabela 2).
Discussão
A prevalência e incidência de IU foi significativamente maior entre as mulheres. As análises longitudinais demonstraram que idosos com IU no estudo de linha de base apresentaram maior prevalência e maior chance de desenvolver autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos, após nove anos de acompanhamento. Em nosso conhecimento, este é o primeiro estudo brasileiro longitudinal e de base populacional que aborda a relação entre autopercepção da saúde, saúde mental e IU na população idosa.
A prevalência de IU aumentou entre os anos de 2008 e 2016/2017, o que era esperado, pois a idade média da população aumentou e não houve reposição da amostra no estudo de acompanhamento. Essas prevalências corroboram achados de outros estudos de base populacional realizados com idosos brasileiros5,6.
Após nove anos de acompanhamento, 80,3% dos idosos não foram identificados com IU e 52,3% apresentaram remissão do problema, esse resultado demonstra que esta condição pode ser prevenida ou até mesmo revertida por meio de ações preventivas e de reabilitação. Estudo realizado por Walters31 verificou que a remissão substantiva da IU por mulheres dificilmente ocorre apenas com mudanças no estilo de vida (sem outro tratamento comportamental, médico ou cirúrgico). Cabe destacar que Bagé foi um dos primeiros municípios com mais de 100 mil habitantes do RS a implementar a Estratégia de Saúde da Família (ESF), com rápida expansão no território municipal26,28, além de ser referência na área de atenção à saúde do idoso, com uma Secretaria de Assistência Social, Habitação e Direitos do Idoso que atuava em conjunto com o Centro do Idoso, viabilizando a prática de atividade física e a promoção do autocuidado, o que pode ter tido efeito positivo na condição de saúde.
A incidência de IU entre os idosos foi de 19,8%, sendo 14,6% entre os homens e 23,2% entre as mulheres. Nosso achado é semelhante aos de estudos da literatura. Pesquisa brasileira realizada com idosos identificou taxa de incidência de IU de 25,6% e 39,3% (×1.000 pessoas-anos) para homens e mulheres, respectivamente, após quatro anos de acompanhamento12. Em estudo realizado nos EUA com mulheres de 50 a 74 anos, a incidência cumulativa de IU foi de 37,2% após dez anos de acompanhamento32. Outra pesquisa dos EUA identificou incidência de IU de 29% para as mulheres e 24% para os homens após três anos de acompanhamento33.
Em todas as análises, a ocorrência de IU foi maior entre as mulheres, corroborando achados da literatura nacional e internacional5,6,34. A associação do sexo feminino com a ocorrência de IU pode estar relacionada às diferenças no comprimento da uretra entre homens e mulheres, à anatomia do assoalho pélvico, aos efeitos da gestação e do parto sobre os mecanismos da IU e às alterações hormonais5.
As análises longitudinais demonstraram ainda uma maior incidência de autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos entre os idosos com IU no estudo de linha de base, comparados àqueles sem incontinência. As análises de regressão confirmaram essa associação: idosos com IU em 2008 apresentaram chances 3,3 e 2,7 vezes maior, respectivamente, de apresentar autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos, após nove anos de acompanhamento (2016/2017), mesmo depois do ajuste final. Esses resultados revelam a necessidade e a importância da avaliação e do acompanhamento de sentimentos e fatores psicossociais em idosos que referem IU, bem como a adoção de ações de reabilitação.
Uma análise transversal do estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (SABE) de São Paulo (SP) mostrou que a prevalência de IU foi de 22,5% para os idosos com 75 anos ou mais que autorreferiram a saúde como excelente ou boa, e 41,5% entre os idosos que autorreferiam a saúde como regular ou ruim5. Outro estudo transversal de base populacional realizado em Cuiabá (MT) identificou que a autoavaliação da saúde péssima e ruim foi 1,33 maior entre os idosos incontinentes, em comparação com aqueles sem IU25.
Os achados da associação entre IU e depressão corroboram resultados de estudos transversais de base populacional brasileiros10,35 e internacionais19-24. Pesquisa realizada com idosas na Noruega observou que as mulheres com IU apresentaram em torno de 1,60 maior chance de desenvolver transtorno depressivo e ansiedade, comparadas às mulheres sem IU, mesmo após ajustes22. Nos EUA, mulheres idosas com incontinência grave e moderada apresentaram, respectivamente, 1,82 e 1,41 maior chance de ter depressão20. No mesmo país, pesquisa identificou que o aumento da frequência e da gravidade de IU esteve associada à maior prevalência de sintomas depressivos em mulheres negras e brancas23. Estudo realizado na Irlanda evidenciou que a IU esteve associada à solidão, mas essa associação foi explicada por problemas de saúde mental, em particular a presença de depressão24. Em pesquisa Coreana também realizada com mulheres, os escores de depressão pioraram com o agravamento dos sintomas de IU nos idosos19.
Esses resultados demonstram que a incontinência interfere significativamente na forma como os idosos percebem sua saúde e no desenvolvimento de sintomas depressivos. No entanto, são escassos os estudos e as análises longitudinais, o que dificulta comparações.
A IU pode causar situações constrangedoras e estressantes que têm impacto negativo na autoestima e na qualidade de vida5. É possível afirmar que idosos incontinentes evitam atividades sociais por terem vergonha de sua condição, e assim causam mudanças no estilo de vida, com a redução nas redes e relações sociais, o que pode ter impacto negativo na saúde mental, contribuindo para o desenvolvimento de depressão20. Essas condições reforçam a estigmatização social pela doença, e muitas vezes não são reconhecidas pelos profissionais de saúde22.
A avaliação criteriosa da prevalência e da incidência de IU na população idosa e seu impacto na percepção da saúde e da saúde mental é o destaque deste estudo. Os resultados encontrados são representativos da população idosa moradora da zona urbana de Bagé e destacam a necessidade de ações voltadas à prevenção e ao diagnóstico precoce da IU, minimizando dessa forma o desenvolvimento de autopercepção negativa da saúde, de sintomas depressivos, o agravamento da condição de saúde e assim evitando a mortalidade prematura. Por ser um estudo longitudinal, foi possível identificar que a presença da IU determinou a ocorrência da autopercepção negativa da saúde e de sintomas depressivos entre os idosos.
Uma das limitações da pesquisa foi o intervalo de oito a nove anos entre as duas medidas, e a consequente taxa de não respondentes (40% de óbitos, 14% de perdas e recusas), o que reduziu o poder estatístico das análises e afetou a capacidade de identificar outras possíveis associações significativas. Além disso, apesar de ser um procedimento válido e utilizado em diversos estudos, a IU foi aferida por uma pergunta-chave e não utilizou instrumentos validados para rastrear o problema. Destaca-se ainda que a maioria dos estudos publicados que abordam a IU e problemas mentais decorrentes foram realizados com mulheres. Considera-se a necessidade de ampliar e aprofundar as pesquisas sobre percepções, sentimentos e problemas mentais decorrentes de IU entre os idosos do sexo masculino. No entanto, isso não foi possível neste estudo, considerando as limitações relacionadas ao tamanho da amostra, o que inviabilizou estratificações.
Concluindo, os resultados mostram que a IU determina a ocorrência da autopercepção negativa da saúde e de sintomas depressivos entre os idosos na comunidade. Esses resultados reforçam a importância do cuidado ampliado ao idoso, com avaliação abrangente e qualificada da saúde desses indivíduos, possibilitando a detecção precoce, o tratamento e a reabilitação para IU como medida protetiva para piores desfechos, com destaque para autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos. Outros estudos longitudinais de base populacional são necessários para caracterizar com precisão os fatores de risco da IU e seu impacto na saúde mental entre os idosos vivendo na comunidade.
Agradecimentos
À equipe de pesquisadores do estudo Saúde do Idoso Gaúcho de Bagé (SIGa-Bagé) da Universidade Federal de Pelotas, à Universidade da Região da Campanha, pela disponibilidade e auxílio durante a coleta de dados na cidade de Bagé, e aos idosos participantes dos estudos. O SIGa-Bagé foi financiado por docentes e discentes pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas, bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
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-
Errata
Ciência & Saúde Coletivavolume 27, número 6 - 2022No artigo Efeito da incontinência urinária na autopercepção negativa da saúde e depressão em idosos: uma coorte de base populacional, DOI: 10.1590/1413-81232022276.10462021p. 2262,a Figura 1 correta é:
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Maio 2022 -
Data do Fascículo
Jun 2022
Histórico
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Recebido
05 Jan 2021 -
Aceito
16 Ago 2021 -
Publicado
18 Ago 2021