Open-access Amostra Mestra do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares Nacional: revisão e discussão das propostas de atualização

Resumo

O uso de amostras mestras por institutos de pesquisa é largamente difundido internacionalmente. As amostras mestras permitem a otimização dos recursos envolvidos no planejamento e na execução das pesquisas, além de facilitar sua operacionalização. Além disso, seu uso também pode agregar qualidade às estimativas e às análises das informações. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) levou a cabo um projeto de reformulação de suas pesquisas domiciliares amostrais durante os anos 2000, em resposta a uma crescente demanda por informações socioeconômicas e demográficas de gestores, pesquisadores e usuários de dados em geral, e também como forma de driblar a limitação de recursos financeiros e humanos disponibilizados para a realização de pesquisas. Foi criado um novo sistema na década seguinte, cuja metodologia tem como pilar a utilização da amostra mestra, considerando aspectos de todas as pesquisas que integrariam o sistema. Este artigo tem por objetivo detalhar o que é uma amostra mestra e suas vantagens, apresentar brevemente o contexto brasileiro à época da implementação da amostra mestra e suas diferentes versões.

Palavras-chave: Amostragem; Pesquisas domiciliares; Amostra Mestra

Abstract

The use of Master Samples by statistics institutes is widely disseminated internationally. Master samples enable the optimization of the resources involved in research planning and execution, in addition to facilitating their operationalization. In addition, their use can also add quality to the estimation and analysis of information. The Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) carried out a project to reformulate its sample household surveys during the 2000s, in response to a growing demand for socioeconomic and demographic information from managers, researchers, and data users in general, and as a way to circumvent the limitation of financial and human resources available to conduct surveys. A new system was created in the following decade, whose methodology is based on the use of the Master Sample, which considered aspects of all surveys that would be part of the system. This article aims to detail what a master sample is and its advantages, briefly present the Brazilian context at the time of the implementation of the Master Sample, and present its different versions.

Key words: Sampling; Household surveys; Master sample

Resumen

El uso de muestras maestras por parte de los institutos de investigación está muy extendido a escala internacional. Las muestras maestras permiten optimizar los recursos dedicados a la planificación y realización de encuestas, además de facilitar su explotación. Su uso también puede añadir calidad a las estimaciones y análisis de la información. El Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE) llevó a cabo un proyecto de reformulación de sus encuestas por muestreo de hogares durante la década de 2000, en respuesta a una creciente demanda de informaciones socioeconómicas y demográficas por parte de gestores, investigadores y usuarios de datos en general, y como forma de sortear los limitados recursos financieros y humanos disponibles para la realización de encuestas. En la década siguiente se creó un nuevo sistema cuya metodología se basa en la utilización de una muestra maestra, que tiene en cuenta aspectos de todas las encuestas que formarían parte del sistema. Este artículo tiene como objetivo detallar lo que es una muestra maestra y sus ventajas, presentar brevemente el contexto brasileño en el momento en que se implementó la muestra maestra y sus diferentes versiones.

Palabras clave: Muestreo; Encuestas de hogares; Muestra maestra

Introdução

As principais informações disponíveis sobre a população brasileira são geradas a partir de registros administrativos ou de pesquisas desenvolvidas pelos diversos órgãos de Estado responsáveis por retratar a sociedade. Destes, podemos destacar o trabalho do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) no campo da educação, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no campo econômico e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos campos socioeconômico e demográfico. Para este artigo, o foco serão as pesquisas amostrais domiciliares realizadas pelo IBGE cuja metodologia compartilhada se apoia em informações e avanços metodológicos decorrentes das experiências dos censos demográficos.

O carro-chefe das pesquisas amostrais domiciliares conduzidas pelo IBGE é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), cujo objetivo é fornecer informações sobre a força de trabalho e outras informações socioeconômicas. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), além de fornecer dados sobre consumo das famílias, também é o meio pelo qual se consegue aferir a segurança alimentar dos brasileiros de diferentes estratos sociais. Informações sobre saúde, tanto física quanto mental, assim como sobre violência, são coletadas pela Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) e na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS).

Essas quatro pesquisas fazem parte do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares (SIPD) e compartilham alguns aspectos metodológicos, como seus planos amostrais baseados em uma amostra mestra. Ainda nesta seção iremos detalhar o que é uma amostra mestra, a importância da compreensão do que se trata essa “Amostra Mestra” e como ela afeta as estimativas das pesquisas que a aplicam para os que utilizam suas informações, bem como suas vantagens e uma breve apresentação do contexto brasileiro à época de implementação do SIPD e da primeira versão da Amostra Mestra.

Uma amostra mestra é, de maneira simples, uma amostra da qual subamostras podem ser retiradas para diferentes pesquisas ou para múltiplas rodadas de uma mesma pesquisa1-4. O cadastro utilizado para se retirar tal amostra também recebe um nome: Cadastro Mestre.

O uso de amostras mestras é recomendado para países em desenvolvimento1, além de ser comum em países que têm pesquisas domiciliares de larga escala nos períodos entre os censos2, como é o caso brasileiro. O Cadastro Mestre deve ser o mais completo, acurado e atualizado possível, sendo geralmente criado a partir do censo mais recente, mas ainda assim necessitando de atualizações periódicas e regulares para que as subamostras sejam capazes de refletir mudanças populacionais ocorridas entre os censos2.

A aplicação de amostras mestras tende a otimizar a produção de estatísticas, facilitando a operacionalização3 e reduzindo o custo da seleção de uma amostra e da preparação das listagens e mapas para os agentes de campo1,2. Esse uso inclui também o potencial de integração de dados de duas ou mais aplicações da amostra mestra2,4,5 e o potencial de uma resposta mais rápida para necessidades de coleta não previstas2.

A redução no custo das fases iniciais das pesquisas, em particular, é um fator atraente para institutos nacionais de estatística com recursos limitados, sendo o principal motivo mencionado para a tentativa de implementação de amostras mestras pelo Statistics South Africa6, pelo National Statistics Office das Filipinas4 (atual Philippine Statistics Authority), pelo Bangladesh Bureau of Statistics5 e pelo Statistics Canada7, para citar alguns. Desses exemplos, África do Sul, Filipinas e Bangladesh obtiveram sucesso, implementando suas versões em 19986, 20034 e 20095, respectivamente. A Amostra Mestra canadense, por sua vez, foi alvo de um teste piloto em 2007, mas devido a cortes no orçamento durante a pesquisa, foi considerado um fracasso7.

No Brasil, o IBGE iniciou um projeto de reformulação de suas pesquisas domiciliares amostrais durante os anos 2000, apontando uma crescente demanda por informações socioeconômicas e demográficas vinda de gestores, pesquisadores e usuários de dados em geral como principal motivação3. Porém, o aporte de recursos disponibilizados para a realização de pesquisas não acompanhou a intensidade dessas demandas, fato comum a outros institutos produtores de estatísticas oficiais no mundo. Foi proposta então a criação do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares (SIPD), a ser implantado durante a década seguinte3.

O desenvolvimento do SIPD incorporou motivações temáticas, decorrentes de certas lacunas no Sistema Estatístico Nacional, como a produção de indicadores de curto prazo sobre trabalho e rendimento com abrangência nacional. Ao mesmo tempo, havia também motivações metodológicas, como a exigência de uma harmonização conceitual entre as pesquisas, assim como a otimização dos recursos envolvidos no planejamento e na execução das pesquisas3.

No texto principal sobre o projeto do SIPD, o IBGE delineou o que considerava as vantagens da adoção de uma Amostra Mestra:

Sob o enfoque dos métodos, destaca-se a adoção de cadastros de seleção e desenhos das amostras compartilhadas, elementos que, na experiência internacional, são largamente utilizados para a otimização da produção de informações estatísticas sobre as unidades domiciliares. Ademais da operacionalização que fica facilitada, ao serem desenhadas amostras sobre uma mesma infraestrutura, agregam-se vantagens do ponto de vista da qualidade das estimativas, da análise das informações e da combinação de informações3 (p. 11).

A Amostra Mestra do IBGE é planejada com base em informações obtidas nos censos demográficos, e é amparada na Base Territorial (que contém todos os setores censitários) preparada para cada censo. Decorre então que qualquer avanço metodológico dos censos será refletido na Amostra Mestra e, subsequentemente, nas pesquisas amostrais domiciliares.

Antes de caracterizar as maneiras como a Amostra Mestra foi desenhada no Brasil em suas distintas versões (2000, 2010 e 2022), é importante destacar que a quantidade de documentos a que esta pesquisa teve acesso foi diminuta. Este fato é comum em relação a textos técnicos de metodologias de vários institutos nacionais de estatística, que permanecem restritos a comunicações internas, e precisa ser comentado para se poder apontar a dificuldade de investigar tais temas como pesquisadores independentes. Tendo feito essa ressalva, podemos agora focar em descrever as diferentes versões da Amostra Mestra.

Amostra Mestra 2000

A Amostra Mestra foi desenhada não para ser a melhor amostra possível para cada uma de suas pesquisas, mas sim para ser a melhor amostra para o conjunto como um todo, sendo o pilar da metodologia do SIPD. Sua criação, então, considerou aspectos das pesquisas que integrariam o sistema, em particular a PNAD Contínua e a POF8. Outras pesquisas foram consideradas, mas por questões orçamentárias não foram realizadas, como uma versão contínua da POF, uma pesquisa sobre vitimização e a Pesquisa de Economia Informal Urbana (ECINF).

O primeiro passo para o desenho de uma amostra é a definição de sua população-alvo e a abrangência geográfica. Para o SIPD, a população-alvo deve englobar todas as populações-alvo de todas as pesquisas, ou seja, todos os residentes em todos os domicílios pertencentes à área da abrangência geográfica definida pelos setores censitários utilizados nos censos demográficos8.

Para a Amostra Mestra 2000, foi utilizada a Base Operacional Geográfica de 2000 compatibilizada com a malha municipal de 2001 de todo o território nacional. Desses setores também constavam informações sobre divisões administrativas, contagens populacionais e outras características sociodemográficas obtidas no Censo Demográfico 20003.

Por questões operacionais e por não pertencerem ao âmbito das pesquisas domiciliares do IBGE na época, algumas áreas foram excluídas: quartéis, bases militares, alojamentos, acampamentos, embarcações, penitenciárias, colônias penais, presídios, cadeias, asilos, orfanatos, conventos e hospitais8.

Com base nessa listagem, totalizando 214.836 setores censitários (983 setores nas áreas excluídas), foram definidas as unidades primárias de amostragem (UPAs), isto é, as unidades que foram selecionadas do Cadastro Mestre. Em geral, para esse tipo de pesquisa, essas UPAs são definidas por unidades de área com um determinado tamanho mínimo populacional. A UPA não pode ser muito pequena, para se garantir uma quantidade suficiente de domicílios ou pessoas, mas também não deve ser muito grande, porque reduziria a quantidade total de UPAs. Os setores censitários foram escolhidos como UPA devido a seu grande número e tamanhos, que, ao menos em média, são suficientes, além de permitirem um maior espalhamento espacial da amostra8.

Os setores foram então estratificados, isto é, divididos em subpopulações das quais amostras independentes foram retiradas para se obter a Amostra Mestra. Essa estratificação permite garantir estimativas válidas para diferentes domínios de divulgação, ou seja, garantir que serão retirados elementos suficientes de cada estrato para se obter estatísticas não só para o conjunto como um todo, mas para cada partição também, controlando a precisão das estimativas.

Quatro etapas de estratificação foram definidas: estratificação por divisão administrativa; estratificação geográfica e espacial; estratificação por situação do setor; e estratificação estatística.

As principais pesquisas do IBGE fornecem resultados para as unidades da federação (UFs), sendo cada uma tratada como um estrato. Dentro de cada UF, os municípios foram também classificados em:

  1. Capital;

  2. Demais municípios pertencentes a regiões metropolitanas (RM) ou a regiões integradas de desenvolvimento (RIDE);

  3. Municípios pertencentes a RIDE com sede em outra UF; e

  4. Demais municípios da UF.

Após a classificação por divisão administrativa, passa-se então para a estratificação geográfica e espacial. No grupo 1 foi aplicado um método de estratificação espacial para classificar as áreas de ponderação do Censo 2000, baseando-se na renda média dos responsáveis pelos domicílios e na taxa de desocupação, e no grupo 2 foi aplicado o mesmo método para classificar os municípios, incluindo também a densidade demográfica e a proporção de ocupados em atividades agrícolas4. Para os municípios do grupo 3, o agrupamento se deu por estratos geográficos, tomando como base as divisões em meso e microrregiões e conhecimentos derivados de outras pesquisas da Coordenação de Geografia do IBGE.

A criação dos estratos de modo que esses sejam homogêneos aumenta a precisão das estimativas, enquanto considerar aspectos espaciais permite a alocação de equipes permanentes em cada uma destas regiões, agilizando e possibilitando maior controle das atividades da operação de campo, além de reduzir custos de deslocamento entre as unidades da amostra8 (p. 15).

A estratificação por situação deriva dos estratos resultantes dos estágios anteriores e os divide, quando possível, em urbano e rural. Ao final, foram obtidos 144 estratos urbanos e 124 rurais8.

A estratificação estatística esteve historicamente presente nas amostras das POFs, um dos motivos pelo qual foi incorporada ao desenho da Amostra Mestra. Para os estratos anteriores foram criados outros estratos baseados na renda total dos responsáveis pelos domicílios, variável escolhida depois de estudos sobre o uso desta e/ou da taxa de desocupação8. Ao final, o tamanho da Amostra Mestra 2000 ficou em 12.800 setores para cada trimestre9.

Para evitar a sobrecarga ao informante, foi definido que um domicílio só será selecionado para a amostra de uma pesquisa se ele estiver há pelo menos um ano sem participar da amostra de qualquer pesquisa, e caso tenha participado da PNAD Contínua, apenas após dez anos10.

Também foi planejado um processo de atualização do Cadastro Mestre, almejando que a amostra fosse completamente renovada ao final de dez anos (40 trimestres), substituindo 2,5% dos setores a cada trimestre nas UPAs que terão rotação da amostra de domicílios da PNAD Contínua (descrito na seção seguinte)10. Dessa forma, a Amostra Mestra para um determinado ano seria composta pelos setores selecionados para o primeiro trimestre mais os setores selecionados para serem os substitutos nos três trimestres seguintes8.

A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-2009 baseou seu plano amostral na rodada anterior da mesma pesquisa (2002-2003), notadamente para garantir comparabilidade entre as pesquisas, mas com a diferença de utilizar a Amostra Mestra, sendo uma subamostra de cerca de 40% dela. Os domínios de divulgação presentes na estratificação da Amostra Mestra que não serviam ao âmbito da pesquisa foram agrupados sem perda das características da estratificação original9,11.

Em 2008, a Amostra Mestra foi aplicada na Pesquisa das Características Étnico-Raciais da População (PCERP), que selecionou em seu plano amostral apenas elementos da Amostra Mestra no recorte geográfico de seis unidades da federação: Amazonas, Paraíba, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Distrito Federal12. Uma terceira rodada da Pesquisa Economia Informal Urbana (realizada em 1997 e 2003) também foi prevista para 2008, mas não foi realizada.

Amostra Mestra 2010

Após as pesquisas mencionadas na seção anterior, assim como nos testes para a PNAD Contínua em 2009, pode-se avaliar a adequação da Amostra Mestra para o SIPD. Com base na malha de setores atualizada e nos dados do Censo 2010, foi desenhada uma nova Amostra Mestra, com algumas alterações em relação ao planejamento anterior, incorporando alguns ajustes determinados como necessários ao desenho10.

Uma primeira mudança foi a exclusão de setores censitários classificados como aldeias indígenas e agrovilas de projetos de assentamentos rurais, além dos outros tipos já excluídos na versão anterior. Também foram excluídos os setores censitários localizados em terras indígenas10.

Outra mudança relacionada com a Base Operacional Geográfica foi a necessidade de se agregar setores censitários para compor as UPAs, garantindo que estas tivessem domicílios suficientes para atender à demanda das diferentes pesquisas10. O tamanho mínimo das UPAs foi de pelo menos 60 domicílios particulares permanentes (DPPs), com base em vários fatores relacionados à PNAD Contínua, como o esquema de rotação da amostra, o tempo médio de permanência na amostra e o tamanho da amostra de domicílios em cada UPA na PNAD Contínua9.

A agregação foi feita com o objetivo de maximizar o número de grupos, juntando o mínimo possível, apresentando como restrições a contiguidade, o tamanho mínimo e as características dos setores, tendo em vista as estratificações posteriores. De um total de 316.574 setores censitários, 310.329 faziam parte do âmbito da Amostra Mestra e foram agrupados em 292.067 UPAs10.

A estratificação das UPAs da nova Amostra Mestra foi definida com pequenas alterações em relação à Amostra Mestra 2000. Na estratificação por divisão administrativa, os grupos foram redefinidos:

  1. Capital;

  2. Demais municípios pertencentes a RM ou a RIDE;

  3. Municípios pertencentes a colar ou expansão metropolitana ou a outra RM;

  4. Municípios pertencentes a RIDE com sede em outra UF; e

  5. Demais municípios da UF.

Na etapa de estratificação geográfica e espacial, houve alteração no grupo das capitais, levando-se em conta as divisões internas do município, como distrito, subdistrito e bairro, não utilizando mais as áreas de ponderação. Os demais grupos foram estratificados seguindo os mesmos critérios da versão anterior10.

A estratificação por situação dos domicílios não sofreu alteração em sua definição, apenas uma atualização dos setores que passaram de rural para urbano entre um censo e outro.

Após os testes da Amostra Mestra 2000, a fase do planejamento que passou por mais testes foi a última etapa, de estratificação estatística. Um dos estudos que é interessante destacar foi o que mediu a eficiência dessa estratificação ao longo do tempo. Esse teste concluiu que a estratificação continuou proporcionando melhorias na precisão das estimativas mesmo com uma distância de dez anos entre o planejamento e a coleta. A estratificação passou a utilizar as variáveis de rendimento total do domicílio (não mais apenas dos responsáveis pelo domicílio) e o total de domicílios particulares permanentes. Alguns estratos de situação não foram divididos em estratos estatísticos por não terem tamanho suficiente10.

A Amostra Mestra 2010 foi aplicada várias vezes, em particular para a PNAD Contínua, que influenciou bastante seu desenho, principalmente no tamanho, sendo utilizada completamente em cada trimestre da pesquisa, embora apenas uma quantidade fixa de domicílios de cada UPA (14) seja selecionada em um segundo estágio de seleção9.

A PNAD Contínua apresenta um esquema de rotação da amostra desenhado com o intuito de evitar a sobrecarga dos informantes e assim aumentar a taxa de resposta. Após várias comparações entre esquemas alternativos10, decidiu-se utilizar o esquema 1-2(5), ou seja, o domicílio é entrevistado em um mês e sai da amostra por dois meses subsequentes, voltando até completar cinco visitas13. Esse esquema permite comparação longitudinal, com uma sobreposição esperada de 20% da amostra de um trimestre para o mesmo trimestre do ano seguinte10, com a existência de um lote de novos domicílios correspondendo a 20% da amostra de um trimestre14.

A Pesquisa Nacional de Saúde foi a campo pela primeira vez em 2013, utilizando uma subamostra da Amostra Mestra, com um tamanho mínimo da amostra de 1.800 domicílios por UF, permitindo a estimação de nove indicadores com a precisão desejada em nível de UF, e os demais com precisão inferior, embora ainda em patamares aceitáveis9. A segunda edição da PNS, em 2019, teve uma amostra de tamanho maior do que o da edição anterior, baseando-se na precisão obtida das estimativas de 201316.

A POF 2017-2018 empregou o mesmo plano amostral que a edição anterior, de 2008-2009, com a diferença de usar uma subamostra provinda da nova versão da Amostra Mestra, com seu novo cadastro de setores censitários como definidos para o Censo 201017.

Amostra Mestra 2022

Entre todas as seções do presente artigo, esta é a que mais carece de fontes, sendo baseada apenas no resumo e na apresentação do trabalho “Processo de renovação e transição da Amostra Mestra do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares (SIPD) do IBGE”, de Viviane Quintaes e Gabriel Assunção para a VI Escola de Amostragem e Métodos de Pesquisa (VI ESAMP), congresso realizado entre 16 e 18 de novembro de 2023. É imprescindível o cuidado na leitura desta seção, dado que aqui são apresentadas diferentes propostas que ainda se encontram em estudo no momento da escrita.

Foram apresentados dois conjuntos de propostas de alterações à Amostra Mestra 2010, um focado na alteração das estratificações (Quadro 1), outro relacionado à transição para a nova Amostra Mestra. Além de outras questões que serão analisadas de maneira mais detalhada à frente, podemos destacar uma preocupação na integração de informações produzidas pelo próprio IBGE após a implementação da Amostra Mestra 2010, como as concentrações urbanas (CURB, apresentadas em 201618), as regiões geográficas intermediárias e imediatas19 e os resultados do Censo Demográfico 2022.

Quadro 1
Primeiro conjunto de propostas em estudo para as estratificações.

Analisaremos essas propostas de alteração das estratificações na ordem apresentada pelo Quadro 1. A substituição entre regiões metropolitanas e concentrações urbanas não é a única proposta relacionada à estratificação dos municípios, com uma opção de se considerar as RM e CURB e outra de manter apenas as RM também sendo estudadas pelo IBGE, cada uma com vantagens e desvantagens próprias (Quadro 2).

Quadro 2
Pontos favoráveis e desfavoráveis para a proposta de alteração dos estratos de municípios.

Além de existirem diferenças entre as regiões metropolitanas que constam na Amostra Mestra 2010 e as existentes atualmente, há também divergências entre algumas CURBs e RMs, com CURBs de quatro UFs tendo municípios que não constam das respectivas regiões metropolitanas, a saber: Acre (não inclui Rio Branco), Pernambuco (não inclui Paudalho), Rio de Janeiro (não inclui Mangaratiba ou Saquarema) e Sergipe (não incluindo Carmópolis, Divina Pastora, General Maynard, Laranjeiras, Maruim, Riachuelo, Rosário do Catete ou Siriri). Um exemplo das diferenças nos municípios que compõem os diferentes agrupamentos pode ser visto no Quadro 3.

Quadro 3
Diferenças nas regiões metropolitanas da Amostra Mestra 2010 e 2022 e da concentração urbana do Rio de Janeiro.

A estratificação geográfica e espacial recebeu a proposta de se adaptar à nova divisão do IBGE em regiões imediatas e intermediárias, introduzida em 2017, substituindo as mesorregiões e microrregiões inicialmente propostas em 1989. A estratificação de situação teve o urbano dividido em duas categorias: urbano especial, representando as favelas e comunidades urbanas, e urbano não especial, para os outros domicílios urbanos20. Essa proposta implica uma expansão dos domínios de divulgação para abranger também as favelas, sendo possível assim produzir informações regulares sobre esses territórios.

Ao contrário das outras estratificações, a estratificação estatística é relacionada à precisão das estimativas, e não aos diferentes domínios de estimação, o que evita questões relacionadas a possíveis quebras de série histórica. Ainda assim, essa estratificação também precisa de muitos estudos, para que o equilíbrio entre parcimônia e precisão seja encontrado.

Pela teoria de amostragem, a estratificação não gera perda de precisão: ou a precisão não se altera ou ela aumenta com uma estratificação21. Em tese, então, seria possível incluir infinitas variáveis para se obter ganhos na precisão das estimativas. No entanto, quanto mais se particiona uma população finita, menos indivíduos fazem parte de cada uma das divisões, e, conforme mencionado anteriormente, os diferentes setores da Amostra Mestra devem ter uma quantidade mínima de domicílios. O intuito da estratificação estatística é, portanto, que se consiga o maior ganho de precisão com o menor número de variáveis possível, o que suscita a necessidade de estudo de várias combinações de variáveis.

O outro conjunto de propostas de alteração da Amostra Mestra por meio de uma transição é a de mesclar a amostra nova com a vigente ao longo do ano de 2025 gradualmente até que a Amostra Mestra de 2026 seja completamente renovada: a amostra do primeiro trimestre de 2025 seria de 80% da amostra vigente e 20% provindo da nova amostra, a do segundo trimestre seria formada de 60% da vigente e 40% da nova, e assim sucessivamente até o primeiro trimestre de 2026, com 100% da amostra nova20.

Essa proposta implicaria uma otimização dos recursos e evitaria a interrupção abrupta das estimativas, evitando mudanças significativas. Em contrapartida, considerar os dois cadastros como independentes cria a possibilidade de um mesmo setor estar em mais de uma entrevista distinta em um trimestre. Além disso, mais estudos são necessários para se verificar como serão obtidas as estimativas de dois cadastros independentes e para assegurar sua comparabilidade.

Considerando todas as propostas, nota-se o cuidado do instituto em garantir uma atualização da Amostra Mestra com o menor impacto na produção regular de estatísticas, e com uma melhora na precisão destas. Também é importante a proposta de incorporar como estrato próprio as favelas e comunidades urbanas, o que permitiria a integração delas no conjunto de domínios de divulgação regulares, o que forneceria informações necessárias para a implementação e o acompanhamento de diversas políticas públicas.

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  • Editores-chefes:
    Maria Cecília de Souza Minayo, Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2024
  • Data do Fascículo
    Nov 2024

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2024
  • Aceito
    17 Abr 2024
  • Publicado
    19 Abr 2024
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