Resumo
O câncer do colo do útero é o terceiro tumor mais frequente na população feminina e o teste citopatológico (CP) a principal estratégia para o rastreamento. Este estudo mediu a prevalência e os fatores associados à não realização de CP entre gestantes maiores de 25 anos, durante o pré-natal, no município de Rio Grande, RS, em 2013. A análise multivariável utilizou regressão de Poisson avaliada por meio de razão de prevalências (RP). Dentre as 1474 gestantes incluídas no estudo, 21,6% (IC95% 19,5%-23,7%) não realizaram CP nos últimos três anos. Na análise ajustada, a RP para não realização entre puérperas com escolaridade entre 0-4 anos foi 2,14 (IC95%:1,35-3,38) em comparação àquelas com 12 anos ou mais. Ter referido aborto prévio e consumido álcool durante a gestação mostrou RP = 1,38 (1,10-1,73) e 1,39 (1,04-1,84) de não fazê-lo em relação às demais, respectivamente. Realizar 1-5 consultas de pré-natal conferiu RP = 1,35 (1,03-1,77) em relação às demais. Evidencia-se proporção expressiva de não realização de CP e não cumprimento de recomendação básica do Ministério da Saúde. Os profissionais de saúde deveriam reforçar a necessidade de realização deste exame, bem como busca ativa na comunidade das gestantes com o perfil aqui descrito.
Pré-natal; Papanicolaou; Fatores de risco; Rastreamento
Abstract
Cervical cancer is the third most common cause of cancer among women worldwide, and Pap smears are the best screening strategy for its detection. This study evaluated the prevalence and the associated factors of the non-performance of Pap smears among pregnant women above the age of 25 during prenatal care in the municipality of Rio Grande, Brazil, in 2013. The multivariate analysis was performed by Poisson regression evaluated by prevalence ratio (PR). Of the 1,474 pregnant women included in the study, 21.6% (95% CI, 19.5%–23.7%) had not been screened. The adjusted analysis evidenced a PR for the non-performance among puerperae with 0-4 years schooling of 2.14 (95% CI, 1.35–3.38) compared to those with 12 years or more. Reporting previous abortion and alcohol use during pregnancy showed a PR of 1.38 (1.10–1.73) and 1.39 (1.04–1.84) of not doing so compared to the other, respectively. Finally, performing 1–5 prenatal visits evidenced a PR of 1.35 (1.03–1.77) compared to the others. A high proportion of pregnant women non-performing Pap smears and non-compliance with the basic recommendation by the Brazilian Ministry of Health has been found. Health professionals should reinforce the need for this test and active search for pregnant women in the community with the profile described herein.
Prenatal care; Papanicolaou test; Risk factors; Screening test
Introdução
O câncer do colo do útero é o terceiro tumor mais frequente na população feminina brasileira, atrás, apenas, do câncer de mama e colorretal. É a quarta causa de morte por câncer entre mulheres no Brasil, com taxa de mortalidade de 4,4/100.0001.
Desde que diagnosticado precocemente, somente o câncer de pele tem maior potencial de prevenção e cura que o de colo de útero. A sua principal estratégia de rastreamento é o teste citopatológico convencional (Papanicolaou). Este teste é recomendado para mulheres com idade entre 25 e 64 anos e com periodicidade de três anos para aquelas com dois resultados negativos consecutivos2. O tipo de busca predominante para este tipo de serviço no Brasil é oportunística, ou seja, por outras razões que não o diagnóstico precoce da doença. Por esta razão, metade dos casos é diagnosticado em estádios avançados da doença, quando o prognóstico é pior3.
Cerca de 20% das brasileiras com idade entre 25 e 64 anos nunca realizaram um único exame Papanicolaou1. Dentre as que já se submeteram a este teste, proporção expressiva já o fez com periodicidade inferior ao recomendado, enquanto outras estão em atraso4. A maioria dos estudos abordando este tema busca avaliar a cobertura4-9 e o foco4 e identificar aquelas com Papanicolaou em atraso.5 As faixas etárias estudadas são bastante diferentes, sobretudo quando se inclui gestantes, o que dificulta comparações e impede a determinação da real magnitude do problema5-12.
As gestantes constituem um grupo populacional que pode retratar como as diretrizes para o rastreamento vêm sendo seguidas. No Brasil, 90% das gestantes realizam pelo menos uma consulta de pré-natal, com cerca de metade delas estando em idade em que a realização deste exame é recomendada10. Considerando que este exame deveria ser solicitado já na primeira consulta, era de se esperar uma maior taxa de cobertura e, por conseguinte, menores índices de morbimortalidade. Entre todas as mulheres brasileiras, a taxa de óbito por câncer de colo uterino é 5 por 100 mil, índice considerado elevado, apesar de a cobertura deste exame alcançar 78,7% delas1,13,14.
O aumento na taxa de realização de citopalógico de colo uterino poderia levar a uma drástica redução nos índices de morbimortalidade por esta doença15. Logo, incentivar a sua realização durante as consultas de pré-natal poderia contribuir para a redução do número de óbitos por esta causa. A Estratégia Saúde da Família, embora tenha contribuído de forma importante para a redução da morbimortalidade por diversas causas no Brasil, ainda não se mostrou capaz de aumentar de forma significativa a cobertura para este tipo de exame16. Observa-se aqui inúmeras oportunidades perdidas de realização de citopatológico de colo uterino.
O presente estudo tem por objetivo medir a prevalência e identificar fatores associados a não realização de exame citopatológico de colo uterino entre gestantes que fizeram pelo menos uma consulta de pré-natal, que possuíam 25 anos ou mais de idade e que tiveram filho no município de Rio Grande, RS, ao longo do ano de 2013.
Metodologia
Este estudo foi realizado em Rio Grande, município com pouco mais de 200 mil habitantes, localizado no extremo sul do estado do Rio Grande do Sul. Noventa e cinco por cento da sua população reside na área urbana e praticamente todos os partos (99,5%) ocorrem nas duas únicas maternidades locais.
Desde 2007, vêm sendo realizados, a cada três anos, inquéritos perinatais com o objetivo de avaliar a qualidade da assistência à gestação e ao parto neste município. O ultimo destes estudos foi conduzido em 2013, de onde se originaram os dados apresentados neste artigo.
Este estudo perinatal incluiu todos os nascimentos ocorridos entre 01/01 a 31/12 de 2013, cujo peso ao nascer tenha sido igual ou superior a 500 gramas e/ou alcançado pelo menos 20 semanas de idade gestacional. Além disso, suas mães deveriam residir em área urbana ou rural do município de Rio Grande.
Em virtude de o interesse deste artigo estar relacionado ao citopatológico de colo uterino durante o pré-natal, e de este exame não ser recomendado de rotina para aquelas com até 24 anos de idade, o denominador deste estudo foi constituído somente por puérperas que realizaram pelo menos uma consulta de pré-natal, que possuíam 25 anos ou mais de idade, que nunca haviam realizado o exame ou o haviam realizado há mais de três anos. As mães eram abordadas uma única vez, ainda no hospital, em até 48 horas após o parto.
O cálculo do tamanho amostral foi estimado a partir dos dados oriundos deste mesmo estudo. Considerando o “n” disponível de 1.474 puérperas, prevalência do desfecho (não realização de Papanicolaou nos últimos três anos) de 21,6%, nível de confiança desejado de 95%, perdas de 3,0%, foi possível trabalhar com uma margem de erro de 2,2 pontos percentuais17.
Em relação ao estudo sobre a identificação de fatores associados, para se trabalhar com erro alfa de 0,05, erro beta de 0,20, razão expostos/não expostos de 79/21, prevalência de doença entre os não expostos de 23% e razão de riscos de 1,4, o estudo deveria incluir pelo menos 1.331 puérperas. Este valor já se encontra acrescido de 15% para controle de potenciais fatores de confusão e 3,0% para perdas. Estes cálculos foram realizados utilizando-se do programa Epi Info 6.0417.
Os entrevistadores foram previamente treinados e um estudo piloto foi realizado. As informações buscadas tratavam de características demográficas (idade e cor da pele da mãe e se vivia com companheiro); nível socioeconômico (renda familiar, escolaridade, se exerceu trabalho remunerado durante a gestação); história reprodutiva (paridade, idade por ocasião do primeiro parto, ocorrência de aborto prévio e planejamento da gravidez); hábitos de vida (uso de tabaco e álcool durante a gestação e prática de atividade física). Considerou-se como tendo realizada atividade física a gestante que, sob orientação do médico, enfermeira e/ou de educador físico, praticou de forma regular exercício físico direcionado, específico para a gravidez. Outros exercícios gerais realizados como atividade escolar, no trabalho ou afazeres domésticos não foram considerados). Por fim, foi investigado o tipo de assistência recebida durante a gestação e o parto, que incluiu o número de consultas de pré-natal realizadas, trimestre de início e local de realização das consultas de pré-natal, e se feitas no setor público ou privado).
Os questionários eram duplamente digitados no programa Epi Data 3.117, a comparação feita no Epi Info 6.04 e a análise de consistência e final no 11.018.
As análises bruta e ajustada foram feitas por meio da regressão de Poisson, com ajuste robusto da variância19. A medida de desfecho foi expressa pela razão de prevalências (RP), intervalo de confiança de 95% (IC95%) e valor p do teste de Wald para heterogeneidade e tendência linear. Para a análise ajustada, elaborou-se modelo hierárquico em três níveis pressupondo que aquelas situados no primeiro nível (mais distal ao desfecho) eram sobredeterminantes em relação as demais20. No primeiro nível foram incluídas as variáveis demográficas (idade, cor da pele e situação conjugal – se vive ou não com companheiro-) e socioeconômicas (renda familiar, escolaridade materna, e realização de trabalho remunerado no período gestacional); no segundo nível, as variáveis relacionadas à vida reprodutiva (paridade – numero de filhos tidos- ocorrência prévia de aborto – espontânea ou induzido –, planejamento da gravidez desta última gravidez e idade por ocasião do primeiro parto) e comportamentais (tabagismo no período gestacional e prática de atividade física especifica à gravidez); no terceiro nível entraram as variáveis relativas à utilização dos serviços de saúde (número de consultas de pré-natal realizadas, trimestre que iniciou estas consultas e tipo de serviço – público ou privado – em que fez as consultas de pré-natal). Este modelo seguiu a outros utilizados quando da avaliação de fatores de risco para o mesmo desfecho, com uma única diferença conservadora, ou seja, todas as variáveis incluídas no modelo foram ajustadas no modelo final, independente do p-valor resultante da sua associação com o desfecho (não realização de citopatológico de colo uterino nesta última gravidez)5,8-12. Isto evita o esvaziamento do modelo final e permite avaliar a ocorrência de eventuais confundidores negativos21. As análises foram conduzidas no Stata 11.0 com nível de significância de 95% para testes bicaudais18,21.
Cerca de 7% das entrevistas foram parcialmente refeitas por telefone ou por visita domiciliar à mãe a fim de avaliar a qualidade dos dados coletados. O índice Kappa de concordância para todas as variáveis testadas variou de 0,63 a 0,89, o que é considerado pelo menos satisfatório21.
Às mães era lido o termo de consentimento, em caso de concordância, duas vias eram assinadas ficando uma delas de posse da participante. O protocolo de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde (CEPAS) da Universidade Federal do Rio Grande. Além disso, garantiu-se a confidencialidade dos dados, a participação voluntária e a possibilidade de deixar o estudo a qualquer momento, sem necessidade de justificativa.
Resultados
De acordo com o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) houve 2.769 nascimentos cujas mães residiam no município de Rio Grande. Deste total, foi possível entrevistar 2.687 delas, o que revela taxa de perdas da ordem de 3%. Além destas perdas, foram excluídas 73 por não terem realizado uma única consulta de pré-natal e 1140 (42,4% do total) por possuírem menos de 25 anos de idade. Restaram, portanto, 1.474 puérperas que possuíam 25 anos ou mais de idade e que haviam realizado pelo menos uma consulta de pré-natal.
A Tabela 1 mostra que a maioria destas mães era de cor da pele branca (68,1%), possuíam idade superior a 30 anos (57,2%), viviam com companheiro (89,5%), tinham renda familiar ≥ a 4 salários mínimos (52,2%), nove anos ou mais de escolaridade (72,8%) e haviam exercido trabalho remunerado durante a gravidez (54,9%). Pouco mais de um terço delas (34,2%) era primípara, mais da metade (53,6%) teve o primeiro filho ainda na adolescência, cerca de 30% referiu ocorrência previa de aborto, 16,3% disseram-se tabagistas e quase um terço afirmou praticar algum tipo de exercício físico antes ou durante a gestação. Em relação ao pré-natal, pelo menos oito em cada 10 delas realizaram seis ou mais consultas, tendo-as iniciado ainda no primeiro trimestre da gravidez. Por fim, 21,6% (IC95%:19,5%-23,7%) não realizaram exame citopatológico de colo uterino nos últimos três anos.
Características das gestantes maiores de 25 anos que fizeram pelo menos uma consulta de pré-natal do município de Rio Grande, RS, 2013.
A Tabela 2 mostra a prevalência do desfecho por categoria e as análises bruta e ajustada. A prevalência de não realização de citopatológico de colo uterino variou de 13,0% entre aquelas com 12 anos ou mais de escolaridade a 38,5% dentre aquelas que iniciaram o pré-natal no terceiro trimestre da gestação. Após ajuste para variáveis do mesmo nível e de níveis anteriores, puérperas com escolaridade entre 0 e 4 anos mostraram que a prevalência de não realização de citopatológico de colo uterino foi 2,4 (IC95%:1,35-3,38) vezes maior que o valor obtido entre àquelas com 12 anos ou mais de escolaridade; ter referido aborto em algum momento no passado e ingerido bebida de álcool durante esta gravidez revelaram que a prevalência de não realização de CP foi de 1,38 (1,10-1,73) e de 1,39 (1,04-1,84) vezes maior que o valor obtido em relação à mães que não ingeriram bebida alcoólica e que não sofreram qualquer tipo de aborto, respectivamente. Por fim, mães que realizaram entre 1 e 5 consultas de pré-natal mostraram que a prevalência de não realização de CP neste grupo foi 1,35 (1,03-1,77) vezes o valor obtido em relação ao grupo de referência, ou seja, para aquelas que completaram seis ou mais consulta durante todo o pré-natal.
Discussão
Duas em cada 10 gestantes, mesmo tendo realizado pelo menos uma consulta de pré-natal, não foram submetidas ao exame citopatológico de colo uterino. E deveriam tê-lo feito. Os principais fatores associados à sua não realização foram baixa escolaridade, ocorrência previa de aborto, consumo de álcool durante a gestação e baixo número de consultas de pré-natal.
Ao interpretar os resultados aqui apresentados, há que considerar pelo menos três aspectos em relação à realização deste exame: 1) pode haver dificuldade para algumas mulheres diferenciar exame ginecológico do teste Papanicolaou; 2) possibilidade de viés de informação e recordatório, ambos condicionados ao relato por parte da entrevistada e 3) superestimação da sua realização em virtude de ser esta a conduta que delas se espera11.
Apesar destas limitações, decidiu-se pela sua realização em virtude de a maioria dos estudos que tratam deste tema utilizarem igual metodologia, o que facilita a comparabilidade e de o autorrelato ser bastante preciso22. Além disso, este inquérito incluiu todas as gestantes de um município de porte médio, situação única no Brasil, permitiu estimar a cobertura real e não somente o número de procedimentos realizados, como ocorre nas estatísticas oficiais, alcançou alta taxa de respostas e de ter lidado com um grupo específico da população que, mesmo visitando o serviço de saúde de forma sistemática e durante varias vezes, boa parte delas não foi submetida a este exame. Finalmente, não se encontrou no Brasil um único estudo de base populacional que tenha incluído somente gestantes dentro da faixa etária recomendada pelo Ministério da Saúde para realização de CP de colo uterino.
A prevalência de não realização de Papanicolaou nesta população foi de 21,6%. Há pelo menos dois problemas que dificultam a comparação destes resultados. O primeiro é a pequena quantidade de estudos entre gestantes5,23,24, enquanto o segundo é a inclusão de mulheres com faixa etária diferente daquela preconizada pelo Ministério da Saúde, ou seja, não somente a partir dos 25 anos de idade.
Estudo conduzido em 2010 neste mesmo município, também com gestantes, encontrou taxa de não realização de CP de 33%5. Esta diferença cerca de 50% maior se deve a ao fato de este estudo ter incluído todas as gestantes, independente da idade e, portanto, desconsiderando a recomendação do Ministério. Isto eleva a taxa de não realização em virtude da não obrigatoriedade de realizá-lo antes dos 25 anos. Estudo entre gestantes em 2010, no município de Juiz de Fora (MG), encontrou prevalência de não realização de 26,6%. No entanto, dentre aquelas em atraso, 53,6% possuíam até 24 anos de idade23. Em Pelotas, município vizinho, estudo realizado em 2003, que incluiu mulheres entre 20 e 59 anos, mostrou taxa de não realização de 17,0%9. Neste, além da faixa etária, há diferença de 10 anos entre os momentos de coletas de dados, período em que houve enorme expansão dos serviços básicos de saúde na região, principal responsável pela oferta deste tipo de cuidado.
Um dado que talvez possa servir de baseline para não realização deste exame é aquele provido pela PNAD 2008, que encontrou prevalência de não realização de citopatológico de 13% entre mulheres com idade entre 25 e 64 anos25. A este valor devem ser acrescidas aquelas com exame em atraso podendo, desta forma, chegar mais próximo da prevalência encontrada neste estudo. O fato é que, apesar de estarem na idade de realização deste exame, com muitas delas inclusive em atraso, e de terem visitado o médico pelo menos uma vez durante o pré-natal, duas em cada 10 gestantes residentes no município de Rio Grande não foram submetidas a este exame.
Puérperas com até oito anos de escolaridade mostraram prevalência cerca de duas vezes maior de não realizar CP em relação àquelas com 12 anos ou mais de escolaridade. A escolaridade é um dos mais importantes determinantes das condições de saúde materno-infantil. Quanto maior a escolaridade da mulher, melhor os cuidados com a sua saúde, maior a busca por serviços de diagnóstico precoce, e mais precocemente se procura pelo cuidado médico quando de alguma necessidade26,27.
Tomando por base vários outros estudos que buscaram medir o efeito independente da escolaridade sobre a não realização de citopatológico de colo uterino, todos mostraram, mesmo após ajuste para diversos confundidores, medidas de efeito expressivas revelando a importância desta variável em relação a este desfecho5,9-12,28-30. Nestes estudos já mencionados, mulheres com até oito anos de escolaridade mostraram probabilidade pelo menos 50% maior de não realizar CP em relação às demais.
Dentre aquelas que relataram ocorrência prévia de aborto (induzido ou espontâneo), a prevalência de não se submeterem a este exame foi cerca de 1,4 vezes maior quando comparada às demais. Ter tido dois ou mais abortos também se mostrou significativamente associado a não realização de CP entre aquelas mulheres atendidas em uma área coberta pela Estratégia Saúde da Família29.
Puérperas que consumiram álcool durante a gravidez apresentaram prevalência de aproximadamente 1,4 vezes maior à não realização de Papanicolaou em relação a não usuárias de álcool durante a gravidez. Não se encontrou estudo publicado em que o álcool tenha se mantido, após ajuste, como fator de risco a não realização deste exame. Há que considerar que indivíduos que fazem uso rotineiro do álcool têm menor autocuidado, e este exame pode ser incluído neste grupo já que se trata da busca precoce por um possível problema de saúde31. Isto, no entanto, carece de consistência, daí a necessidade de outros estudos investigando esta variável.
Realizar menos de seis consultas de pré-natal aumentou a prevalência em 1,35 vezes de não realizar CP em relação àquelas que completaram sete ou mais consultas de pré-natal. Como mencionado anteriormente, em um sistema de saúde em que os programas de rastreamento são predominantemente oportunísticos, a procura por cuidado está diretamente ligado ao aumento da cobertura. Nesse sentido, fazer mais consultas aumenta a chance de realizar CP. Isto ocorreu em Juiz de Fora, MG, local em que a realização de 11 consultas no pré-natal mostrou-se protetor à realização de Papanicolaou23. Talvez não fosse necessário um numero tão elevado de consultas para evidenciar proteção.
Além do fato de 21,6% delas gestantes são terem realizado CP, quando tinham de fazê-lo, o que chama a atenção neste estudo é que aproximadamente 90% delas terem completado pelo menos seis consultas de pré-natal e, mesmo assim, proporção expressiva não foi submetida a este exame. Isto sugere que a crescente e oportuna expansão dos serviços de atenção básica em saúde não se acompanhou do aproveitamento de situações em que se poderia aumentar a cobertura de serviços, dentre os quais a detecção precoce de câncer de colo uterino. Isto, por certo, contribui para a manutenção em níveis elevados da taxa de mortalidade por câncer de colo não somente no Brasil com em outros países de baixa e média rendas13,32.
Este desafio precisa ser enfrentado de forma mais contundente, organizada e resolutiva, ou se seguirá assistindo a ocorrência de mortes facilmente preveníveis país afora.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Nov 2018
Histórico
-
Recebido
02 Fev 2016 -
Revisado
06 Jan 2017 -
Aceito
08 Jan 2017