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Implementação de tecnologias em saúde no Brasil: análise de orientações federais para o sistema público de saúde

Resumo

O objetivo foi identificar o arcabouço regulatório e as orientações federais que sustentam o processo de implementação de tecnologias em saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da análise de documentos e legislações relacionados à Política Nacional de Gestão de Tecnologias de Saúde, publicados entre 2009 e 2021. Foi realizada busca e seleção dos documentos e posterior extração de dados, agrupados por três categorias: normativas estruturantes, recomendações na avaliação de tecnologias e recomendações nas diretrizes clínicas. Em 38,8% das normativas, foram identificadas citações à implementação relacionadas principalmente às diretrizes clínicas do SUS, mas nenhum documento dedicado a orientar as ações de implementação. As recomendações relacionadas às implementações foram identificadas em 27,1% dos relatórios e em 66,1% das diretrizes, mas sem padronização e, de modo geral, pouco detalhadas, com foco em recursos e ações necessárias para a disponibilização da tecnologia, ao invés de métodos e intervenções para implementação. Os resultados confirmam a existência de uma lacuna de diretrizes formais para guiar o processo de implementação no Brasil, o que se constitui em oportunidade para o desenvolvimento de modelos alinhados à realidade do SUS.

Palavras-chave:
Ciência da Implementação; Sistema Único de Saúde; Avaliação da Tecnologia Biomédica; Política de saúde; Regulamentação Governamental

Abstract

This study aimed to identify the regulatory framework and federal guidelines that support the process of implementing health technologies in the Unified Health System (SUS) through analysis of documents and legislation related to the National Health Technology Management Policy, published between 2009 and 2021. The search and selection of documents and subsequent data extraction were carried out. The documents were grouped into three categories: structural regulatory documents, recommendations on evaluation of technologies, and recommendations on clinical guidelines. In 38.8% of the regulatory documents, citations to implementation related mainly to SUS clinical guidelines were identified; however, no document dedicated to guiding implementation actions was identified. Recommendations related to implementations were identified in 27.1% of the reports and 66.1% of the guidelines, although without standardization and, in general, in little detail, focusing on resources and actions needed for making technology available rather than on methods and interventions for its implementation. The results evidence a gap in formal guidelines to guide the implementation process in Brazil, representing an opportunity for the development of models aligned with the reality of the SUS.

Key words:
Implementation Science; Unified Health System; Technology Assessment; Biomedical; Health policy; Government Regulation

Introdução

A utilização de uma tecnologia em saúde na prática clínica tem grande relação com as estratégias de implementação utilizadas e orientações difundidas nos sistemas de saúde11 Van Gemert-Pijnen JL. Implementation of health technology: Directions for research and practice. Front Digit Heal 2022; 4:1030194.. Além de ser um processo complexo e composto por múltiplas etapas e estratégias22 Pantoja T, Opiyo N, Lewin S, Paulsen E, Ciapponi A, Wiysonge CS, Herrera CA, Rada G, Peñaloza B, Dudley L, Gagnon MP, Garcia Marti S, Oxman AD. Implementation strategies for health systems in low-income countries: an overview of systematic reviews. Cochrane Database Syst Rev 2017; 9:CD011086., a implementação ainda é considerada uma etapa negligenciada no ciclo de gestão de tecnologias, seja pela falta de compreensão sobre sua importância, seja pela falta de investimento nas pesquisas de implementação, representando um grande problema para os países de média e baixa renda33 Peters DH, Tran NT, Adam T. Implementation Research in Health: A Practical Guide. Geneva: Alliance Health Policy Systems Research, WHO; 2013..

Vários anos são necessários até que uma inovação identificada em pesquisa seja revertida em benefício para seus usuários em potencial44 Morris ZS, wooding S, Grant J. The answer is 17 years, what is the question: Understanding time lags in translational research. J R Soc Med 2011; 104(12):510-520.,55 Hanney SR, Castle-Clarke S, Grant J, Guthrie S, Henshall C, Mestre-Ferrandiz J, Pistollato M, Pollitt A, Sussex J, Wooding S. How long does biomedical research take? Studying the time taken between biomedical and health research and its translation into products, policy, and practice. Health Res Policy Syst 2015; 13:1.. O uso das tecnologias em saúde depende da interação entre diversos atores, como pacientes, profissionais de saúde, gestores, serviços de saúde, dentro outros, o que requer o planejamento de estratégias que podem interferir no processo de adesão, aceitabilidade e disponibilidade das tecnologias66 Klaic M, Kapp S, Hudson P, Chapman W, Denehy L, Story D, Francis JJ. Implementability of healthcare interventions: an overview of reviews and development of a conceptual framework. Implement Sci 2022; 17(1):10.. Nos sistemas de saúde, a organização desse processo deve ser planejado e orientado por estratégias atreladas a diferentes dimensões, orientando a tradução da evidência para a consolidação da prática nos serviços77 Glasgow RE, Vogt TM, Boles SM. Evaluating the public health impact of health promotion interventions: the RE-AIM framework. Am J Public Health 1999; 89(9):1322-1327..

No Brasil o sistema público de saúde oferece cobertura integral e universal para toda a população, sendo que sete a cada dez brasileiros dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS)88 Intituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde: 2019: informações sobre domicílios, acesso e utilização dos serviços de saúde: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.. A gestão desse grande sistema apresenta uma Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde (PNGTS), publicada em 2009, que está estruturada na prática da Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) para a tomada de decisão99 Brasil. Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União; 2011.,1010 Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 20 set.. O processo de inclusão, alteração e exclusão de tecnologias em saúde, focadas principalmente nas tecnologias duras como medicamentos, procedimentos e materiais médicos, adota critérios bem definidos e um fluxo organizado para análise de demandas internas e externas ao SUS99 Brasil. Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União; 2011., vinculado a um processo administrativo transparente e com prazos definidos, consolidado a partir de 201199 Brasil. Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União; 2011.,1111 Rabelo RB, Petramale CA, Silveira LC, Santos VCC, Gonçalves HC. A comissão nacional de incorporação de tecnologias no SUS: um balanço dos primeiros anos de atuação. Rev Eletr Gestao Saude 2015; 4:3225-3240.. Em contraste com uma etapa de avaliação bem definida99 Brasil. Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União; 2011., e com grande investimento em tecnologias inovadoras1212 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Comissão Nacional de Incorporação de Tenologias em Saúde. Conitec em números [Internet]. [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://lookerstudio.google.com/embed/u/0/reporting/afb9eff6-9786-4172-a4f0-a403580ff5f6/page/PzCbB.
https://lookerstudio.google.com/embed/u/...
, a implementação das tecnologias incorporadas, ou seja, seu efetivo uso na prática clínica, é ainda um desafio no Brasil1313 Capucho HC, Brito A, Maiolino A, Kaliks RA, Pinto RP. Incorporação de medicamentos no SUS: comparação entre oncologia e componente especializado da assistência farmacêutica. Cien Saude Colet 2022; 27(6):2471-2479.,1414 Lupatini EO, Zimmermann IR, Barreto JOM, Silva EN. How long does it take to translate research findings into routine healthcare practice? - the case of biological drugs for rheumatoid arthritis in Brazil. Ann Transl Med 2022; 10(13):738.. Embora a publicação da PNGTS e da Lei nº 12.401/2011 sejam importantes marcos legais, poucas são as orientações para os gestores acerca da implementação, do monitoramento dos resultados e da reavaliação das tecnologias nas três esferas de gestão1515 Novaes HMD, Soárez PC. A Avaliação das Tecnologias em Saúde: origem, desenvolvimento e desafios atuais. Panorama internacional e Brasil. Cad Saude Publica 2020; 36(9):e00006820.,1616 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Diretrizes Metodológicas: avaliação de desempenho de tecnologias em saúde. Brasília: MS; 2017., ações fundamentais para promover o acesso, o uso adequado e a aferição dos benefícios em saúde desejados com a inclusão de novas tecnologias1717 Toma TS, Pereira TV, Vanni T, Barreto JOM. Avaliação de tecnologias de saúde & políticas informadas por evidências. São Paulo: Instituto de Saúde; 2017..

Embora a implementação de tecnologias em saúde ocorra geralmente a nível local, executada por gestores dos estados e municípios, as orientações federais representariam importante estratégia para a padronização dos processos em todo o território nacional, permitindo efetivo apoio aos gestores na implementação das tecnologias e o estímulo à avaliação, ao monitoramento e à melhoria contínua do sistema de saúde1818 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Diretrizes Metodológicas: Elaboração de Diretrizes Clínicas. Brasília: MS; 2016.. A combinação de abordagens e a convergência de esforços, unindo os níveis local e nacional, possuem potencial de tornar o processo de implementação mais eficiente1919 Leng G, Partridge G. Achieving high-quality care: a view from NICE. Heart 2018; 104(1):10-15.. Logo, conhecer os aspectos legais, recomendações que envolvem cada etapa de gestão das tecnologias e as ferramentas capazes de orientar a implementação já disponíveis representa etapa inicial para a proposição de melhorias na gestão deste processo no SUS2020 Brasil. Decreto nº 7.508, de 29 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2011..

Este trabalho tem por objetivo identificar e analisar as orientações federais para a implementação de tecnologias em saúde no SUS, adotados a partir da publicação da PNGTS, discutindo as oportunidades e os desafios para aprimorar a gestão de tecnologias no Brasil.

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo que utiliza o método de análise documental para identificar orientações formais, no âmbito da gestão federal, sobre a implementação de tecnologias em saúde. A metodologia compreendeu etapas sequenciais de busca, seleção, extração e análise das informações conforme critérios estabelecidos.

Critérios de elegibilidade

Foram incluídos documentos regulatórios ou técnicos, relacionados à gestão de tecnologias em saúde, isto é, que abordam o processo de avaliação, incorporação, difusão, gerenciamento da utilização ou retirada de tecnologias do sistema de saúde2121 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.690, de 5 de novembro de 2009. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde. Diário Oficial da União; 2009.. Ainda como critério de inclusão, foram selecionados documentos elaborados por algum órgão da gestão federal do SUS, no período entre 2009 e 2021. Diretrizes metodológicas e documentos estratégicos orientadores do uso de tecnologias no SUS também foram incluídos para leitura completa.

Foram excluídos da análise documentos com temática diversa da gestão de tecnologias, arquivos ou informações duplicadas e legislações que se encontravam revogadas no período da análise (maio de 2022). Além disso, foram excluídas as portarias de não incorporação de tecnologias no SUS, visto que essas contemplam apenas a avaliação da tecnologia, sem consequências e orientações para sua implementação no sistema de saúde.

Fontes de informação e estratégia de busca

Foram utilizadas como fontes de informação as plataformas digitais oficiais que reúnem legislações, documentos de caráter regulatório ou recomendativo, no âmbito da saúde pública federal no Brasil, quais sejam: Portal da Saúde (www.saude.gov.br), site do planalto, site da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - Conitec (www.conitec.saude.gov.br) e site do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde - Conass (conass.org.br). Como estratégia de busca foram utilizadas as palavras chaves “avaliação de tecnologias”, “gestão de tecnologias” e “incorporação de tecnologias” a fim de identificar os documentos relacionados à gestão de tecnologias em saúde publicados entre 2009 e 2021. A busca foi conduzida em 31/05/2022, por um pesquisador experiente na legislação e nos documentos estruturantes do SUS.

Uma etapa de conferência foi realizada para avaliar se o documento identificado se encontrava em vigor, a partir da conferência direta no órgão expedidor da publicação (portal da presidência, Ministério da Saúde e portal Conass) em 02/06/2022. Busca manual de documentos referenciados nas publicações também foram avaliados, mesmo se disponíveis em outro domínio requerendo buscas adicionais. Normativas estruturantes do SUS, responsáveis por incorporar ações relacionadas à gestão de tecnologias, que se encontravam em vigor no período de análise também foram analisadas.

Processo de seleção e extração de dados

Títulos, resumos e sumários dos documentos foram avaliados de forma independente por dois revisores. Após seleção inicial, foi realizada a leitura completa de cada documento por um revisor. As divergências foram resolvidas por consenso e os documentos incluídos foram agrupados e categorizados em: 1. documentos normativos estruturantes, 2. documentos recomendativos sobre avaliação de tecnologias e 3. documentos recomendativos sobre a prática clínica.

Foram extraídas dos documentos recomendações relacionadas às ações de implementação descritas em qualquer etapa do ciclo de gestão de tecnologias, o que inclui desde o processo de avaliação e incorporação, expressas nos relatórios, portarias de recomendação e respectivas condicionantes, até orientações para a efetiva implementação na prática clínica ou para a retirada da tecnologia2222 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria de Consolidação GM/MS no 1, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde, a organização e o funcionamento do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União; 2017.. As informações foram coletadas e sumarizadas no software Excel, sendo 70% dos dados extraídos em duplicata e conferidos por um segundo revisor independente.

Método de síntese e análise dos dados

A síntese dos dados extraídos ocorreu de acordo com a categoria do documento. Nas normativas estruturantes (categoria 1), as citações sobre implementação foram apresentadas conforme sua relação com a gestão de tecnologias no SUS (direta ou indireta). Nos documentos recomendativos (categorias 2 e 3), foram analisadas as informações das portarias de recomendação e os respectivos anexos, que compreendem relatórios técnicos ou diretrizes clínicas.

A análise das portarias de recomendação compreendeu a síntese temática de condicionantes descritas para a recomendação das tecnologias. As condicionantes compreendem ações concretas capazes de influenciar etapas do processo de implementação, tais como o preço máximo de incorporação, os critérios técnico-assistenciais para alocação, a estrutura e a logística necessária para implantação da tecnologia e o acompanhamento da tecnologia incorporada quando pertinente, designado como acesso gerenciado a partir de 20222323 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria GM/MS nº 4.228, de 6 de dezembro de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 1, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre o processo administrativo de incorporação de tecnologias em saúde no Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União; 2022..

Nos relatórios técnicos e diretrizes clínicas, as citações sobre implementação foram relacionadas a grupos de análise com base nas etapas metodológicas da implementação da evidência, descritas no modelo desenvolvido pelo Joanna Briggs Institute (JBI)2424 Porritt K, McArthur A, Lockwood C, Munn Z, editors. JBI Handbook for Evidence Implementation [Internet]. [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://jbi-global-wiki.refined.site/space/JHEI/4851782/Downloadable+PDF.
https://jbi-global-wiki.refined.site/spa...
. Este modelo foi escolhido por ser direcionado à área da saúde e embasado em práticas baseadas em evidência. As etapas de implementação elencadas por esse modelo são: a análise de contexto, considerando aspectos organizacionais e atores envolvidos; a facilitação da mudança, que relaciona as intervenções e as propostas de ações para mudança dentro da organização; e a avaliação do processo e dos resultados relacionados à implementação. A partir das referidas etapas, foram desenvolvidos nove grupos de análise: I - Planejamento e métodos; II - Responsabilidade dos gestores; III - Recursos; IV - Cenário; V - Intervenções direcionadas; VI - Monitoramento da implementação; VII - Resultados da implementação; VIII - Programas ou políticas; IX - Outras.

Com base nas informações sumarizadas, dois pesquisadores com experiência na temática listaram desafios, oportunidades e proposição de melhorias para aprimorar o processo de gestão das tecnologias no SUS. Essa análise foi realizada com base nas fases do ciclo de gestão de tecnologias: avaliação, planejamento da implementação (aquisição e organização de fluxos) e elaboração de diretrizes clínicas (recomendações para uso nos serviços) e levou em consideração a oportunidade de desenvolver ações já praticadas em alguns sistemas universais de saúde2525 National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Implementing NICE guidance [Internet]. 2022 [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://www.nice.org.uk/about/what-we-do/into-practice/implementing-nice-guidance.
https://www.nice.org.uk/about/what-we-do...

26 National Health and Medical Research Council (NHMRC). Guidelines for Guidelines [Internet]. 2022 [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://nhmrc.gov.au/guidelinesforguidelines/implement/implementation31.
https://nhmrc.gov.au/guidelinesforguidel...
-2727 Canada's Drug and Health Technology Agency (CADTH). Implementation support [Internet]. 2022 [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://www.cadth.ca/implementation-support-and-liaison-officers.
https://www.cadth.ca/implementation-supp...
. Todos os documentos reunidos neste trabalho são de acesso público e nenhuma etapa requereu a solicitação de dados às instituições ou submissão ao comitê de ética e pesquisa.

Resultados

Foram identificados 666 documentos com a temática de gestão de tecnologias em saúde (avaliação, incorporação, difusão, gerenciamento da utilização e retirada de tecnologias do sistema de saúde), desses 434 foram elegíveis para análise e 166 (38,2%) abordaram informação ou citação relacionada ao processo de implementação (Figura 1).

Figura 1
Resultado da busca exploratória de normativas e documentos relacionadas à gestão de tecnologias no SUS publicados entre 2009 e 2021.

Foram identificadas 18 normativas estruturantes publicadas no período da análise, as quais compreendem portarias, decretos e diretrizes metodológicas que estruturam e norteiam a Gestão de Tecnologias em Saúde no país. Sete normativas (38,8%) apresentaram citação, direta ou indireta, às ações de implementação de tecnologias, tais como orientações gerais, princípios, ações e etapas (Quadro 1). A maioria das citações encontradas nas normativas abordam a etapa de inserção da tecnologia na prática assistencial, em especial, orientações para elaboração de diretrizes clínicas.

Quadro 1
Normativas estruturantes do Sistema Único de Saúde e abordagem sobre a implementação de tecnologias em saúde no âmbito federal (2009-2021).

A análise das portarias de incorporação, alteração ou exclusão de tecnologias foi realizada em conjunto com os relatórios de recomendação emitidos pela Conitec, os quais constituem o anexo principal da publicação. Foram analisadas 298 portarias, sendo que 109 (36,5%) apresentaram pelo menos um condicionante para a conclusão da incorporação. A principal condicionante está relacionada à elaboração ou atualização de um protocolo clínico ou diretriz (69,0%), seguida pela negociação ou pela adequação do preço da tecnologia (19%) (Figura 2).

Figura 2
Condicionantes das Portarias de incorporação, alteração e exclusão de tecnologias no SUS publicadas entre 2012 e 2021*.

Dos 298 relatórios de recomendação analisados, 81 apresentaram alguma citação sobre implementação, totalizando 100 citações nos textos. As citações foram classificadas em nove grupos, sendo as mais frequentes aquelas relacionadas à estrutura física e aos recursos necessários à implementação (43%) ou responsabilidades inerentes ao processo de disponibilização das tecnologias (25%) (Quadro 2).

Quadro 2
Análise dos relatórios de recomendação da Conitec entre 2012 e 2021.

Em 17 relatórios, as citações descrevem não haver necessidade de ações específicas para a implementação das tecnologias em análise (adequações de infraestrutura, medidas logísticas especiais e reestruturação organizacional da rede de assistência farmacêutica). Desses, sete relatórios indicam que as questões de implementação da tecnologia em análise já estavam consolidadas no SUS, com a ausência de importantes barreiras para a implementação. Apenas um relatório considerou, na avaliação econômica, os custos relacionados a implementação da tecnologia na rede assistencial.

Foram identificadas 118 portarias de publicação de protocolos/diretrizes e seus respectivos anexos no site da Conitec. As portarias de publicação dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) e diretrizes clínicas apresentam um texto geral, expressando a responsabilidade dos gestores estaduais, distritais e municipais do SUS, conforme pactuação, na estruturação da rede assistencial, definição dos serviços referenciais e fluxos para o atendimento. Os anexos dessas portarias apresentam os textos integrais dos protocolos e das diretrizes, dos quais 78 apresentaram citação sobre a implementação. A informação mais descrita está relacionada à estrutura da rede assistencial e à conduta clínica (81,8%), considerando aspectos sobre a infraestrutura dos serviços e a equipe técnica de profissionais para assistência ao paciente. Em seis diretrizes clínicas elaboradas conforme a metodologia GRADE foram incluídos aspectos de aceitabilidade e viabilidade da diretriz por meio da tabela Evidence-to-Decision. A sessão “regulação/controle/avaliação” dos protocolos e diretrizes foi a que mais apresentou informações relacionadas à implementação das recomendações.

Embora 27,1% dos relatórios e 66,1% das diretrizes apresentem citações relacionadas à implementação, orientações concretas para a execução da implementação das tecnologias no SUS são escassas. Além disso, as abordagens sobre implementação ainda não estão padronizadas nos relatórios de recomendação e diretrizes, apresentam-se pouco detalhadas e concentram orientações sobre recursos necessários ou ações essenciais já definidas na legislação para a disponibilização da tecnologia. Uma análise crítica dos documentos revisados, os desafios e as oportunidades no processo de implementação são apresentados no Quadro 3.

Quadro 3
Contexto atual, desafios e oportunidades para a implementação de tecnologias em saúde em diferentes etapas da gestão de tecnologias no Brasil.

Nesta análise, identificou-se a oportunidade de incluir mais variáveis no processo de avaliação de tecnologias para compor a análise de decisão: dados sobre aceitabilidade e viabilidade, discussão de estratégias bem-sucedidas e análise de custo da implementação. Esses dados poderão direcionar a análise de barreiras e facilitadores, apresentando uma discussão completa das ações envolvidas na implementação das tecnologias. No âmbito das ações de planejamento, foram identificadas oportunidades de interligar informações já identificadas durante a avaliação, a fim orientar ações nos contextos vivenciados pelos executores das políticas. A disseminação de métodos de implementação e o desenvolvimento de documentos orientadores para a implementação de diretrizes clínicas foram apontadas como oportunidades de direcionar estratégias de implementação local.

Discussão

As orientações federais para a implementação das tecnologias no SUS revelaram-se pouco detalhadas, ainda não estão padronizadas nos relatórios de avaliação de tecnologias e diretrizes clínicas e concentra orientações para disponibilização das tecnologias. A análise crítica desse contexto permitiu a elaboração de proposições a partir de três pontos críticos identificados na gestão de tecnologias: a efetiva disponibilização da tecnologia, a baixa disseminação de estratégias e métodos explícitos para apoiar a implementação das tecnologias e a necessidade de integrar as etapas de gestão com ações coordenadas de planejamento. Estes três pontos críticos têm grande relação com condicionantes inseridas nas portarias de incorporação, que muitas vezes traduzem ações e condições necessárias, já identificadas no processo de avaliação, capazes de impactar no tempo, na forma de disponibilização e na implementação das tecnologias2828 Brasil. Controladoria-Geral da União Relatório (CGU). Relatório de Avaliação. Órgão: Ministério da Saúde; Processo de Incorporação de Tecnologias em Saúde (833608) [Internet]. 2021 [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/auditorias/relatorio_avaliacao_cgu-processo-de-incorporacao-de-tecnologias-em-saude.pdf.
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Inicialmente observa-se a necessidade de alinhar os conceitos de implementação e disponibilização, por vezes utilizados com o mesmo significado, mas relacionados a etapas distintas na gestão das tecnologias em saúde. A disponibilização de uma tecnologia no SUS compreende a sua oferta no serviço de saúde após o processo de incorporação, o que deve ocorrer em 180 dias após a decisão da incorporação99 Brasil. Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União; 2011.. Já a implementação compreende um conjunto específico de ações com o objetivo de colocar em prática uma política ou intervenção33 Peters DH, Tran NT, Adam T. Implementation Research in Health: A Practical Guide. Geneva: Alliance Health Policy Systems Research, WHO; 2013.,2929 D'Esposito F, Thomas EE, Oldenburg B. A guide to implementation research in the prevention and control of noncommunicable diseases. Geneva: WHO; 2016., dessa forma, a implementação compreende estratégias para que a tecnologia, já disponibilizada, seja usada na rotina dos serviços. Muitas citações sobre implementação identificadas nos relatórios e diretrizes analisados correspondem, na realidade, a ações para promover a disponibilização da tecnologia, apresentando aspectos como a pactuação das responsabilidades de financiamento e de aquisição da tecnologia, a elaboração/atualização das diretrizes clínicas e os requisitos estruturais para os serviços.

A disponibilização da tecnologia apresenta-se como condição essencial para sua implementação. Embora o prazo seja normatizado99 Brasil. Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União; 2011., uma média cinco vezes superior ao prazo legal para a disponibilização foi observada em uma análise entre 2017 e 20192828 Brasil. Controladoria-Geral da União Relatório (CGU). Relatório de Avaliação. Órgão: Ministério da Saúde; Processo de Incorporação de Tecnologias em Saúde (833608) [Internet]. 2021 [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/auditorias/relatorio_avaliacao_cgu-processo-de-incorporacao-de-tecnologias-em-saude.pdf.
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, além de uma média de tempo maior para disponibilização de medicamentos oncológicos verificada em outro estudo1313 Capucho HC, Brito A, Maiolino A, Kaliks RA, Pinto RP. Incorporação de medicamentos no SUS: comparação entre oncologia e componente especializado da assistência farmacêutica. Cien Saude Colet 2022; 27(6):2471-2479.. Esse panorama pode refletir diversos aspectos da trajetória da tecnologia, que idealmente deveria ser gerenciado de forma articulada, logo após sua incorporação, incluindo a pactuação do financiamento, da aquisição e da estruturação dos serviços entre as três esferas de gestão. Outro desafio se refere ao acúmulo das funções de realizar recomendações e de executá-las, diferente do modelo adotado por outros sistemas públicos, no qual agências dedicadas a avaliação das tecnologias elaboram recomendações para que os sistemas de saúde possam executá-las3030 Lima SGG, Brito C, Andrade CJC. O processo de incorporação de tecnologias em saúde no Brasil em uma perspectiva internacional. Cien Saude Colet 2019; 24(5):1709-1722.,3131 Polanczyk CA. Experiências internacionais em avaliação de tecnologias em saúde: Implicações para o Brasil. São Paulo: Instituto de Estudos de Saúde Suplementar; 2021..

Dentre os entraves para a disponibilização das tecnologias, ressalta-se o uso da condicionante “negociação de preço” nas portarias de incorporação de tecnologias, presente em muitas incorporações entre 2012 e 2019, e agora em desuso2828 Brasil. Controladoria-Geral da União Relatório (CGU). Relatório de Avaliação. Órgão: Ministério da Saúde; Processo de Incorporação de Tecnologias em Saúde (833608) [Internet]. 2021 [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/auditorias/relatorio_avaliacao_cgu-processo-de-incorporacao-de-tecnologias-em-saude.pdf.
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. Essa condicionante representou por muitos anos uma tentativa de se pagar preços mais justos por tecnologias incorporadas no SUS, através da negociação com os fabricantes, após o processo de incorporação. Diferentemente do esperado, essa estratégia foi reconhecida como uma ação tardia e ineficaz, tendo impactado negativamente no tempo para a oferta da tecnologia, segundo uma análise da Controladoria-Geral da União (CGU)2828 Brasil. Controladoria-Geral da União Relatório (CGU). Relatório de Avaliação. Órgão: Ministério da Saúde; Processo de Incorporação de Tecnologias em Saúde (833608) [Internet]. 2021 [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/auditorias/relatorio_avaliacao_cgu-processo-de-incorporacao-de-tecnologias-em-saude.pdf.
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. Repensar a precificação da tecnologia para o SUS, a correlação com as etapas da ATS e as instâncias responsáveis por cada uma delas é uma ação necessária. Há diversos exemplos de países que desenvolveram estratégias para lidar com este aspecto, que envolve a interação com fabricantes das tecnologias. A agência de avaliação de tecnologias do Reino Unido (National Institute for Health and Care Excellence - NICE), discute a precificação da tecnologia na fase de execução da ATS. Por sua vez, na Alemanha3131 Polanczyk CA. Experiências internacionais em avaliação de tecnologias em saúde: Implicações para o Brasil. São Paulo: Instituto de Estudos de Saúde Suplementar; 2021., adota-se um modelo inter-relacionado que prevê reavaliação subsequente dos custos. A importância deste tópico está no fato de impactar diretamente o tempo necessário até a disponibilização da tecnologia, reforçando a necessidade de avaliação dos fluxos e instâncias responsáveis para pactuação de responsabilidades nas etapas subsequentes à incorporação, a fim de garantir o cumprimento dos prazos legais já dispostos na legislação.

Um segundo ponto crítico identificado foi a inexistência de documentos dedicados a apoiar as ações práticas de implementação. No âmbito do SUS, as diretrizes clínicas são os documentos responsáveis por sintetizar as recomendações de uso, apoiadas nas conclusões derivadas da avaliação realizada. Entretanto, elas pouco exploram o aspecto metodológico envolvido na efetiva implementação. Importante ressaltar que a necessidade de elaboração ou atualização de diretrizes clínicas foi a condicionante mais frequentemente identificada nas portarias de incorporação nos últimos anos. Isso confirma o papel central destes documentos técnicos norteando a prática, além de revelar uma oportunidade de planejar e coordenar as ações de implementação das diretrizes clínicas seguindo métodos3232 World Health Organization (WHO). Handbook for Guideline development. 2ª ed. Geneva: WHO; 2014. e estratégias direcionadas3333 Pereira VC, Silva SN, Carvalho VKS, Zanghelini F, Barreto JOM. Strategies for the implementation of clinical practice guidelines in public health: an overview of systematic reviews. Health Res Policy Syst 2022; 20(1):13. nos diferentes cenários de uso das tecnologias. Nos sistemas de saúde pública da Inglaterra, Austrália e Canadá, as ações de implementação das diretrizes clínicas apresentam-se integradas e articuladas com várias fases da gestão de tecnologias2525 National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Implementing NICE guidance [Internet]. 2022 [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://www.nice.org.uk/about/what-we-do/into-practice/implementing-nice-guidance.
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26 National Health and Medical Research Council (NHMRC). Guidelines for Guidelines [Internet]. 2022 [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://nhmrc.gov.au/guidelinesforguidelines/implement/implementation31.
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-2727 Canada's Drug and Health Technology Agency (CADTH). Implementation support [Internet]. 2022 [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://www.cadth.ca/implementation-support-and-liaison-officers.
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,3434 Jones E. Practical steps to improving the quality of care and services using NICE guidance [Internet]. 2018 [cited 2023 nov 13]. Available from: https://intopractice.nice.org.uk/practical-steps-improving-quality-of-care-services-using-nice-guidance/index.html.
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.

O NICE apresenta um guia com orientações para a implementação das diretrizes clínicas3434 Jones E. Practical steps to improving the quality of care and services using NICE guidance [Internet]. 2018 [cited 2023 nov 13]. Available from: https://intopractice.nice.org.uk/practical-steps-improving-quality-of-care-services-using-nice-guidance/index.html.
https://intopractice.nice.org.uk/practic...
valendo-se de práticas do controle de qualidade e experiências práticas1919 Leng G, Partridge G. Achieving high-quality care: a view from NICE. Heart 2018; 104(1):10-15.. Além disso, disponibiliza serviços direcionados aos gestores com foco na estratégia de implementação por auditorias2525 National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Implementing NICE guidance [Internet]. 2022 [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://www.nice.org.uk/about/what-we-do/into-practice/implementing-nice-guidance.
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. Serviço similar é ofertado pela agência do Canadá, que possui uma equipe dedicada para suporte em diferentes províncias do país, ofertando apoio técnico para a implementação2727 Canada's Drug and Health Technology Agency (CADTH). Implementation support [Internet]. 2022 [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://www.cadth.ca/implementation-support-and-liaison-officers.
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. Na Austrália, a apresentação de plano de implementação baseado nos princípios de gerenciamento de projetos é valorizada na aprovação de diretrizes clínicas2626 National Health and Medical Research Council (NHMRC). Guidelines for Guidelines [Internet]. 2022 [acessado 2023 nov 13]. Disponível em: https://nhmrc.gov.au/guidelinesforguidelines/implement/implementation31.
https://nhmrc.gov.au/guidelinesforguidel...
. Esses exemplos destacam a importância da elaboração de documentos norteadores e de comissões que orientem o processo de implementação das diretrizes no Brasil, como uma ação sequencial da avaliação de tecnologias e elaboração de recomendações para a prática clínica. Ações iniciais, como um projeto piloto que desenvolveu novos formatos para as diretrizes clínicas, estão sendo realizadas para apoiar a implementação e disseminação de diretrizes no Brasil3535 Pereira VC, Silva SN, Vidal ÁT, Lins GV, Barreto JOM. How to improve the dissemination of clinical practice guidelines in the Brazilian Unified Health System? Report of a pilot project. Heal Res Policy Syst 2023; 21:22., o que representa uma oportunidade para ampliar a base de conhecimento sobre as estratégias direcionadas ao SUS.

O planejamento da implementação é outro ponto de atenção no processo de gestão de tecnologias em saúde que deve considerar a integração do processo de incorporação com a implementação da tecnologia nos serviços de saúde. Na história da avaliação de tecnologias no Brasil é possível identificar documentos pontuais, de 2012, 2015 e 2021, em que planos de implementação de um programa de saúde ou de organização da rede assistencial foram usadas como condicionantes de incorporação. A partir de 2018, com o aumento de demandas de incorporação de tecnologias aplicadas às doenças raras, condicionantes relacionadas à reavaliação e monitoramento de dados de mundo real emergem em um contexto de discussão de novos modelos de incorporação e acordos de compartilhamento de riscos3636 Hauegen, RC. Risk Sharing Agreements: Acordos de Partilha de Risco e o Sistema Público de Saúde no Brasil - Oportunidades e Desafios [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2014., a fim de confrontar o desempenho real das tecnologias. A análise desses relatórios e diretrizes apontou alguns indicadores a serem mensurados, que certamente direcionam o planejamento de ações de disponibilização da tecnologia, mas ainda requerem estratégias e métodos de implementação específicos para auxiliar as equipes que estarão envolvidas na assistência.

Os princípios organizacionais de descentralização e comando único do SUS asseguram a autonomia dos gestores locais para a definição de estruturas, fluxos e diferentes propostas de implementação das tecnologias, no entanto isso pode representar também uma barreira para a organização do sistema de saúde brasileiro e a otimização dos recursos disponíveis para que toda a população tenha o acesso adequado e equânime às suas necessidades de saúde. Por diversos motivos é possível que gestores locais não disponham de recurso técnico capaz de estruturar estratégias de implementação, o que pode ocasionar a falta de padrão e a fragilização da cadeia de gestão, além de perdas de recursos investidos no processo. Algumas experiências de implementação no SUS relatam as dificuldades dos gestores operacionalizarem os serviços no nível local, ressaltando a necessidade do ente provedor da política estabelecer diretrizes de implementação e apoio técnico, considerando diferentes contextos3737 Chaves MBG, Cardoso AM, Almeida C. Implementação da política de saúde indígena no Pólo-base Angra dos Reis, Rio de Janeiro, Brasil: entraves e perspectivas. Cad Saude Publica 2006; 22(2):295-385.. A adoção e padronização de métodos direcionados à realidade do sistema de saúde é também uma importante ação para aprimorar a implementação no SUS, e foi uma necessidade percebida em um estudo que desenvolveu um método para a implementação de uma política de saúde, desenvolvendo uma orientação mais detalhada deste processo e um ciclo de atividades incluindo a elaboração de planos locais, mentoria e educação permanente em saúde3838 Santos MC, Tesser CD. A method for the implementation and promotion of access to comprehensive and complementary primary healthcare practices. Cien Saude Colet 2012; 17(11):3011-3024..

Publicações específicas para implementação de uma diretriz, baseadas em ferramentas de Políticas Informadas por Evidências, são exemplos importantes para apoiar o processo de implementação das diretrizes, como os trabalhos desenvolvidos para a diretriz brasileira do parto normal que apresentaram importantes subsídios para a orientar a construção de um plano de implementação3939 Vidal ÁT, Barreto JOM, Rattner D. Barriers to implementing childbirth recommendations in Brazil: The women's perspective. Rev Panam Salud Publica 2021; 45:e17.,4040 Barreto JOM, Bortoli MC, Luquine Jr CD, Oliveira CF, Toma TS, Ribeiro AAV, Tesser TR, Rattner D, Vidal A, Mendes Y, Carvalho V, Neri MA, Chapman E. Implementation of national childbirth guidelines in Brazil: barriers and strategies. Rev Panam Salud Publica 2020; 44:e170.. Além disso, deve-se considerar questões inerentes à gestão interfederativa, as quais requerem ações de articulação integrada e multidisciplinar, que quando superadas têm agregado resolutividade nas ações implementadas por programas nacionais4141 Magalhães R, Senna MDCM. Local implementation of the Family Health Program in Brazil. Cad Saude Publica 2006; 22(12):2549-2559..

Aponta-se como limitação deste trabalho a realização de uma análise focada apenas nas normativas e documentos estruturantes do processo de implementação de tecnologias em saúde no âmbito federal, publicados a partir da instituição da PNGTS. A análise de outros registros e a efetividade de intervenções é uma perspectiva futura a ser desenvolvida para compreensão da execução da implementação. De forma semelhante, a análise de algumas normativas estruturantes do SUS, vigentes antes do período da análise, foi realizada com foco na recuperação de citações objetivas sobre o processo de implementação. Assim, estudos complementares podem ser realizados no intuito de captar ações transversais que certamente influenciam no processo de implementação, mas que não foram obtidos nesse estudo. A falta de consenso no uso de alguns termos e o uso da interpretação para compreensão dos relatórios pode ser um fator influente na identificação e extração dos dados, ainda que padronizada e categorizada pelos pesquisadores, dada a diversidade de significados usados pelos diferentes atores atuantes na gestão de tecnologias, e refletido nos documentos analisados. Outra limitação desse estudo foi ter reunido documentos essencialmente voltados à implementação de tecnologias “duras”, sejam métodos diagnósticos e terapias incorporadas no sistema de saúde. Ou seja, nos documentos recuperados não foi abordada a implementação de programas ou políticas de saúde transversais às tecnologias incorporadas, o que merece metodologia específica, a ser avaliado em estudos posteriores.

Ademais, a identificação dos documentos pode ter sido limitada pela indisponibilidade dos dados, alguns com repositório limitado, outros com alterações diárias, e até mesmo mudança de formatos durante a elaboração da pesquisa, o que se tentou minimizar utilizando extensas buscas manuais. Ainda assim, os documentos reunidos foram suficientes para mapear ações de implementação já recomendadas dentro da estrutura normativa do SUS, com destaque para aquelas relacionadas aos PCDT, e indicar lacunas entre as fases da gestão de tecnologias.

Este estudo apresenta três observações potencialmente úteis ao direcionamento de ações futuras no âmbito da política de gestão de tecnologias em saúde. 1 - Uma orientação a nível federal possui potencial para auxiliar e facilitar a implementação das tecnologias no SUS. 2 - O caráter estruturante e normativo dos PCDT e diretrizes clínicas na organização do SUS é per se uma oportunidade para orientar estratégias de implementação das tecnologias, logo a elaboração de orientações e planos de implementação atrelados às guias de prática clínica podem ser uma estratégia promissora. 3 - A padronização, o planejamento e a inserção de estratégias de implementação das tecnologias, já na fase inicial de avaliação para incorporação, pode promover não apenas maior eficiência no acesso do usuário à tecnologia, mas também introduzir o uso das dimensões de aceitabilidade, viabilidade, especificidades organizacionais, sustentabilidade e finalmente as preferências dos pacientes na construção de um serviço de saúde mais resolutivo e adequado às necessidades da população.

Consolidar o processo de implementação como uma etapa sequencial e contínua da gestão de tecnologias é uma ação necessária para transpor as barreiras. Dentre os diversos desafios, a utilização dos instrumentos normativos e recomendativos como ferramentas para harmonizar ações e, em última análise, promover acesso efetivo da população brasileira às inovações em saúde, parece ser a primeira etapa do processo de otimização da implementação de tecnologias em saúde. As definições normativas existentes são ainda insuficientes para organizar a prática da implementação no campo da saúde no Brasil. Assim, este trabalho possibilita o diagnóstico situacional das normativas e recomendações existentes, podendo nortear o desenvolvimento de estratégias sistemáticas e generalizáveis para a realização da implementação das tecnologias em saúde, aspectos essenciais para consolidar um ciclo virtuoso de gestão de tecnologias no SUS.

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  • Financiamento

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - 400194/2022-8.

Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Jan 2024

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2023
  • Aceito
    09 Maio 2023
  • Publicado
    11 Maio 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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