Open-access Amamentação em lactentes nascidos pré-termo após alta hospitalar: acompanhamento durante o primeiro ano de vida

Resumo

Objetivo deste artigo é avaliar a prevalência de amamentação entre prematuros após a alta hospitalar. Coorte (idade gestacional < 33 semanas) acompanhada até 12 meses (idade corrigida). Variáveis: amamentação, medidas antropométricas, informações sociofamiliares. Calculadas as proporções de amamentação durante o acompanhamento. Realizada análise de sobrevida para estimar a duração da amamentação. Retornaram ao ambulatório 242/258 crianças (93,7%); 170 (69,9%) aos 6 e 139 (57,2%) aos 12 meses (idade corrigida). História de abortos (27,5%), natimortos (11,7%), óbito neonatal (9,5%), partos prematuros (21,1%) em 65,5% das mulheres. Alimentação na alta: 5,5% amamentação exclusiva, 65,8% leite materno e fórmula, 28,6% fórmula. Com 1 mês 81,3% estavam em aleitamento materno, diminuindo para 68,5 % aos 2 meses, 62,4% aos 3 meses, 48,1% aos 4 meses e 22,4% aos 6 meses (idade corrigida). A mediana da duração da amamentação foi de 4 meses. O aleitamento materno ocorreu até os quatro meses de idade corrigida em quase metade da população. Apesar da necessidade de melhorar estas taxas, estes resultados podem refletir o perfil da Unidade, pertencente à Iniciativa Hospital Amigo da Criança. A manutenção do aleitamento materno em lactentes pré-termos após a alta hospitalar continua sendo um desafio, para as mães e para os profissionais de saúde.

Amamentação; Recém-nascido; Prematuro

Abstract

This paper aims to evaluate the prevalence of breastfeeding among premature infants following hospital discharge. Cohort (< 33 gestation weeks) followed up to 12 months (adjusted age). Variables: breastfeeding, anthropometric measurements, social and family information. The proportion of breastfeeding during follow-up was calculated. Survival analysis was conducted to estimate breastfeeding duration. In total, 242 of the 258 infants (93.7%) returned to follow-up; 170 (69.9%) at 6 months and 139 (57.2%) at 12 months (adjusted age). A history of miscarriages (27.5%), stillbirths (11.7%), neonatal deaths (9.5%) and preterm births (21.1%) was noted in 65.5% of women. At hospital discharge: 5.5% received exclusive breastfeeding, 65.8% breastfeeding and formula, 28.6% formula. At month 1, 81.3% received breastfeeding, decreasing to 68.5% at month 2, 62.4% at month 3, 48.1% at month 4 and 22.4% at month 6 (adjusted age). The median of breastfeeding duration was 4 months. Breastfeeding occurred up to four months adjusted age in almost half of the population. Despite the need to improve these rates, the results could reflect the profile of the Child-Friendly Hospital Initiative Unit. Maintaining breastfeeding amongst preterm infants following hospital discharge is still a challenge, for both mothers and health professionals.

Breastfeeding; Newborn; Premature

Introdução

O aleitamento materno em lactentes nascidos pré-termo é um grande desafio para os profissionais de saúde envolvidos com o cuidado destes pacientes, devido ao impacto desta prática na saúde em curto e longo prazo1. As dificuldades inerentes à prematuridade e na manutenção da produção do leite pela mãe são alguns dos fatores que contribuem para o desmame.

O leite materno é o alimento mais completo que o recém-nascido ou lactente pode receber2, sendo o aleitamento materno exclusivo até a idade de 6 meses recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS)3. Apesar das vantagens já reconhecidas do leite materno em relação ao desenvolvimento cognitivo, promoção do crescimento, e prevenção de obesidade e doenças metabólicas4-7, os recém-nascidos pré-termo de baixa idade gestacional, abaixo de 33 semanas, que são os de maior risco para morbidades, muitas vezes são privados do aleitamento materno por uma serie de questões relacionadas ao seu início de vida e pela necessidade de internação em Unidades de Terapia Intensiva Neonatais. Muitas vezes os macro nutrientes contidos no leite materno são insuficientes para promover crescimento semelhante ao intrauterino nesta população de recém-nascidos8.

Diversos fatores, intrínsecos e extrínsecos, dificultam o estabelecimento do aleitamento materno e sua manutenção durante e após a alta hospitalar: a internação prolongada, a imaturidade fisiológica destes recém-nascidos, o estresse materno provocado pela incerteza em relação à sobrevida do bebê, a dificuldade em se iniciar a alimentação oral, os fatores sociais e culturais que dificultam a amamentação, a produção diminuída de leite pela falta da estimulação relacionada à sucção, e a alta hospitalar antes de atingir a idade de termo1,8,9,10.

Apesar deste conhecimento, as taxas de amamentação em recém-nascidos pré-termo ainda são baixas11. Poucos estudos relatam a duração do aleitamento materno após a alta hospitalar, ao longo do primeiro ano de vida, nos recém-nascidos abaixo de 33 semanas de idade gestacional12-15. Este conhecimento é importante para a promoção de estratégias de manutenção do aleitamento materno neste grupo.

Estratégias, como a “Iniciativa Hospital Amigo da Criança” e o “Cuidado Canguru”, tem se mostrado efetivas para incentivar e facilitar a amamentação entre mães de recém-nascidos pré-termo16,17, mas ainda são insuficientes para promover o aleitamento materno continuado no grupo de recém-nascidos pré-termo de muito baixa idade gestacional. Portanto, o presente estudo teve por objetivo verificar a prevalência de amamentação em uma coorte de recém-nascidos pré-termo, com menos de 33 semanas de idade gestacional, em um Hospital Amigo da Criança.

Métodos

Esta pesquisa fez parte de um estudo de coorte para avaliação do crescimento e desenvolvimento aprovada no Comitê de Ética da instituição. Na coorte deste estudo foram incluídos todos os recém-nascidos com idade gestacional menor do que 33 semanas, nascidos na Maternidade do Instituto da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira entre maio de 2005 e outubro de 2010, internados na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Departamento de Neonatologia e acompanhados no Ambulatório de Seguimento18. O tamanho da amostra calculado, considerando uma prevalência de 50% de amamentação aos 6 meses, um erro de 10% e um nível de confiança de 99%, foi de 166 recém-nascidos. Foram excluídos os recém-nascidos com anomalias e infecções congênitas comprovadas por sorologia.

As informações para análise foram obtidas através de consulta de prontuário, entrevistas com os responsáveis para obtenção de informações sociais e demográficas e exame da criança. Nos prontuários foram obtidas informações de morbidades durante a gestação, sexo, idade gestacional, peso de nascimento, tipo de parto, intercorrências clínicas de maior gravidade (doença de membrana hialina, sepse, pneumonia, displasia broncopulmonar, hemorragia intracraniana, enterocolite, retinopatia da prematuridade, persistência de canal arterial), assistência respiratória e nutrição parenteral, assim como as medidas antropométricas ao nascimento e na alta hospitalar e a classificação de adequação de peso para idade gestacional. Nas entrevistas com os responsáveis foram obtidas informações sobre escolaridade materna e paterna em anos de estudo, idade materna, presença do pai ou padrasto no núcleo familiar (figura paterna), e reinternações após a alta.

As consultas foram mensais no primeiro ano de vida, até a idade corrigida de 12 meses. Em cada consulta registrava-se o tipo de alimentação recebida pela criança: se leite materno exclusivo, leite materno complementado com fórmula láctea ou apenas fórmula láctea apropriada para a idade da criança. Foi registrada a idade de introdução de alimentos semissólidos ou sólidos. A cada consulta foram registrados peso, comprimento, perímetro cefálico e índice de massa corporal (IMC), e calculado o escore Z para cada medida; até a idade corrigida de 50 semanas foi utilizada a curva de Fenton19 e após esta idade, a curva da OMS20. Foi utilizada balança digital de marca Filizola (S Paulo – Brasil) com precisão de 5g, régua apropriada para a medida do comprimento com a criança em decúbito dorsal, e fita métrica inextensível para a medida do perímetro cefálico. As medidas foram realizadas sempre pela mesma equipe de enfermagem do ambulatório.

Análise estatística

Foram avaliadas médias e proporções das variáveis gestacionais, perinatais, sociais e familiares para a descrição da população. A prevalência da amamentação foi estimada considerando a idade corrigida para a prematuridade. Foram calculadas as proporções das crianças que receberam leite materno exclusivamente e o tempo de duração do aleitamento materno. Posteriormente, para a análise, as crianças foram separadas em dois grupos: as que receberam leite materno, exclusivo ou complementado com fórmula láctea, e aquelas que apenas estavam recebendo fórmula láctea, durante o acompanhamento ao longo do primeiro ano de vida. Foram analisadas as proporções de cada grupo durante os primeiros 6 meses de idade corrigidas a cada consulta mensal, e depois aos 12 meses de idade. Para avaliar o tempo de duração do aleitamento materno, até a idade corrigida de 12 meses, foi realizada a análise de sobrevida, por meio da curva de Kaplan Meyer. A variável dependente para o estudo foi a duração do aleitamento materno, significando seio materno exclusivo e/ou complementado por fórmula. Foram considerados como dados censurados crianças com interrupção de acompanhamento antes da idade corrigida de 13 meses. As médias dos escores Z para peso, comprimento e perímetro cefálico e do IMC de cada criança foram calculadas mensalmente até os 6 meses e aos 12 meses de idade e posteriormente comparadas, usando o teste T de Student.

Resultados

No período de observação, 478 crianças nasceram na Maternidade do Instituto da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira; 6 foram transferidos para outras unidades, 72 morreram no período neonatal e 142 foram excluídos da coorte por apresentarem malformações congênitas e ou síndromes genéticas.

Foram inicialmente incluídas no estudo 258 crianças, caracterizando uma população de recém-nascidos de muito baixo peso e pré-termo (idade gestacional média de 29 semanas e peso de nascimento médio de 1254,3g); 242 crianças (93,7%) retornaram na primeira consulta ao ambulatório de acompanhamento, 170 delas (69,9%) estavam em acompanhamento aos 06 meses de idade corrigida, e 139 (57,2%) aos 12 meses de idade corrigida. As variáveis neonatais e as informações gestacionais que caracterizam a população do estudo encontram-se nas Tabelas 1 e 2. A maioria das mães (95%) fez acompanhamento pré-natal e 65,5% das mulheres apresentaram história de abortos (66/240 - 27,5%), natimortos (28/239 - 11,7 %), óbito neonatal (21/220 - 9,5 %) ou partos prematuros (49/232 - 21,1 %), o que caracteriza uma população de risco obstétrico.

Tabela 1
Descrição da população de estudo: características demográficas.
Tabela 2
Descrição da população do estudo: informações gestacionais e perinatais.

A escolaridade dos pais era semelhante, em média 9,9 anos para as mães e 9,4 anos para os pais. A idade média das mães foi 26,7 anos (variando de 13 a 43 anos), sendo que apenas duas mães tinham menos que 20 anos de idade (0,93%). A presença de uma figura paterna, pai biológico ou padrasto, foi de 87,9%, sendo que em 69,7% das famílias o pai ou o padrasto convivia com a criança. Reinternações após a alta hospitalar ocorreram em 33,2% das crianças durante o primeiro ano de vida.

No momento da alta 5,5% das crianças estavam em seio materno exclusivo; 65,8% estavam recebendo seio materno e fórmula, e 28,6% apenas fórmula. Com 1 mês de idade corrigida, 7,5% das crianças estavam recebendo seio materno exclusivo; esta proporção diminuiu para 6,2% aos 2 meses e 4,3% aos 3 meses. Aos 6 meses de idade corrigida, 2 crianças ainda estavam em seio materno exclusivo (1,2%). Com 1 mês de idade corrigida a proporção de crianças em aleitamento materno foi de 81,3%. Houve uma diminuição gradativa e, no sexto mês de idade corrigida, um quinto da população (22,4%) ainda recebia leite materno além da fórmula, conforme o Gráfico 1. A mediana do tempo de duração do aleitamento materno, pela curva de Kaplan Meyer, foi de 4 meses (IC 95% 3,2 – 4,7 meses), conforme o Gráfico 2. Aos 7 meses de idade corrigida, cerca de 60% das crianças já estavam recebendo alimentos que não apenas leite, materno ou fórmula.

Gráfico 1
Evolução da proporção de crianças que estavam recebendo leite materno (exclusivo ou complementado com fórmula láctea apropriada para a idade) e das crianças que estavam recebendo exclusivamente fórmula láctea ao longo dos primeiros seis meses de vida e aos doze meses de idade corrigida.

Gráfico 2
Duração do aleitamento materno em meses na população de crianças nascidas pretermo abaixo de 33 semanas de idade gestacional: curva de Kaplan Meyer.

Não houve diferença significativa nos escores Z para peso, comprimento e perímetro cefálico entre as crianças que recebiam leite materno exclusivo ou complementado por fórmula e aquelas que recebiam apenas fórmula, exceto para média de escore Z de peso aos 5 meses e para escore Z de comprimento aos 2 meses de idade corrigida, como pode ser visto na Tabela 3. Em relação ao IMC, não houve diferença estatisticamente significativa entre as médias dos escores Z aos 6 e aos 12 meses de idade. Os valores de IMC encontrados no grupo que recebeu leite materno e fórmula foram -0,78 ± 1,07 (variação: -2,55 a 1,25) aos 6 meses de idade corrigida e -0,22 ± 1,02 (variação: -1,46 a 1,10) aos 12 meses. No grupo que recebeu apenas fórmula os valores de IMC foram -0,58 ± 1,2 (variação: -4,09 a 2,74) aos 6 meses e -0,37 ± 1,21 (variação: -3,4 a 2,9) aos 12 meses.

Tabela 3
Evolução dos escores Z para peso, comprimento e perímetro cefálico na população estudada durante o acompanhamento até os 6 meses e com 12 meses, considerando a idade corrigida para prematuridade, e de acordo com os grupos que estavam recebendo leite materno complementado por fórmula ou apenas fórmula.

Discussão

Neste estudo as taxas de amamentação obtidas evidenciaram a dificuldade em se manter o aleitamento materno nas mães de recém-nascidos pré-termo de idade gestacional abaixo de 33 semanas. A despeito das barreiras enfrentadas por estas mães, ainda assim foi possível obter uma proporção de 81,3% de crianças recebendo leite materno, mesmo não sendo exclusivo, com um mês de idade corrigida, apesar da queda nessa taxa conforme o avanço da idade da criança. Já a manutenção do aleitamento materno exclusivo foi muito mais difícil nesta população, com menos de 10% das crianças em seio materno exclusivo tanto na alta quanto com um mês de idade corrigida.

Baixas taxas de amamentação são uma preocupação para esta população no Brasil e ao redor do mundo, suscitando propostas de intervenção para o incentivo à amamentação. Neste contexto, a metodologia Canguru é uma das propostas mais descritas com resultados efetivos na manutenção do aleitamento materno em recém-nascidos pré-termo. No entanto são poucos os estudos que avaliam a persistência do aleitamento materno entre recém-nascidos pré-termo, abaixo de 33 semanas de idade gestacional, após o primeiro mês de vida12,14,15,21.

A avaliação da prevalência de amamentação em uma coorte brasileira de recém-nascidos pré-termo, que estiveram internados em Enfermaria Canguru, evidenciou que 94,9% dos recém-nascidos receberam alta em aleitamento materno, sendo 56,2% exclusivo, e que aos seis meses de idade 40,7% das crianças estavam em aleitamento materno, sendo 14,4% exclusivo21. Neste estudo, em que 55,5% da população inicial foi avaliada aos seis meses de idade, a prevalência de aleitamento materno foi maior do que a encontrada no nosso estudo. Este fato pode ser explicado pela maior idade gestacional dos recém-nascidos, 76,6% entre 30-34 semanas de idade gestacional.

No estudo de Santoro Júnior e Martinez22, com recém-nascidos pré-termo de muito baixo peso ao nascer, avaliando o efeito de uma intervenção, que consistiu em apoio à mãe, iniciado no pré-natal, e suporte continuado em relação à amamentação, inclusive durante o acompanhamento da criança, houve aumento da taxa de amamentação no grupo que recebeu a intervenção: na primeira consulta foram encontradas as proporções de 16,6% de SME e 75% de SM complementado no grupo que recebeu intervenção e 5,6% de SME e 36,1% de SM complementado no grupo que recebeu as orientações rotineiras do serviço. A mediana de duração de amamentação encontrada foi de 54 dias (1,8 meses) para o grupo sem intervenção e de 91 dias (3 meses) para o grupo que recebeu intervenção22. As mães das crianças do nosso estudo, mesmo não tendo estado internadas em Enfermaria Canguru, que não havia na época, e nem tendo recebido nenhum tipo de intervenção específica, o que seria equivalente ao grupo sem intervenção de Santoro Júnior e Martinez22, apresentaram uma duração de aleitamento materno de 4 meses. Entretanto as mães do nosso estudo receberam suporte para amamentação e todas as orientações de estimulação da amamentação, durante a internação e após a alta, das equipes de enfermagem, da fonoaudiologia, do Banco de Leite e do ambulatório de seguimento do Departamento de Neonatologia, por este ser um hospital Amigo da Criança. Provavelmente, em decorrência desta abordagem, no nosso estudo houve uma proporção bastante elevada de amamentação no primeiro mês, mesmo não exclusiva.

Freitas et al. relataram a duração do aleitamento materno em prematuros acompanhados durante o primeiro ano de vida, separando em dois grupos: menores e maiores de 32 semanas de idade gestacional15, e posteriormente analisando a duração do aleitamento materno naquelas crianças que estavam em seio materno exclusivo na primeira consulta ou não. Encontraram mediana de duração de aleitamento materno no total da população (menores e maiores de 32 semanas) de 5 meses, sendo que no grupo de menor idade gestacional a mediana foi de 4,2 meses quando em seio materno exclusivo na primeira consulta e de 1,2 meses quando em seio materno complementado na primeira consulta. Portanto, os resultados encontrados na nossa população, apesar de estarem aquém do desejado, ainda mostram um resultado favorável em um grupo de crianças nascidas com tão baixa idade gestacional e que estavam recebendo aleitamento materno complementado na primeira consulta.

Estudo recente, temporal e de base populacional, evidenciou aumento da prevalência da amamentação entre os anos de 1996, 2001 e 2009 em Feira de Santana, no estado da Bahia, com aumento anual de amamentação na primeira hora de vida, na duração da amamentação exclusiva nos primeiros seis meses de vida e da duração da amamentação entre 9 e 12 meses de idade23. Os autores associaram esta melhoria às estratégias adotadas de incentivo à amamentação, assim como à menor proporção de mães adolescentes e à maior escolaridade materna que ocorreu ao longo deste período23. Apesar de não ser comparável à nossa população, já que este foi um estudo populacional com crianças de variadas idades e muitas nascidas a termo, chama atenção dois dos achados de mudanças ao longo do tempo na população: menor proporção de mães adolescentes e maior escolaridade materna. Na nossa população a quase totalidade das mães tinha mais de 20 anos de idade e a escolaridade materna média foi 9,9 anos, fatores, portanto, que são reconhecidos como favoráveis à manutenção da amamentação.

Existem evidências de que as mães que têm parto prematuro apresentam atraso no início da lactogenese e menor produção de volume de leite24. Cregan et al. 25 mostraram que 82% das mães de recém-nascidos pré-termo tem comprometimento da iniciação da lactação no quinto dia de vida e que estas mulheres tinham significativamente menor produção de leite nas primeiras 24 horas. Também há evidência de que mulheres submetidas a cesarianas repetidas têm maior dificuldade em iniciarem a amamentação26, e este parto está associado a menor volume de leite no quarto dia após o nascimento27. Na nossa população a incidência de parto cesáreo foi de 65%. Estes fatores, portanto, também poderiam atuar como barreiras à amamentação entre mães de recém-nascidos pré-termo: a lactogenese tardia nestas mães associada ao parto por cesariana levaria à baixa produção de leite. Apesar de haver uma prevalência muito baixa de amamentação exclusiva na nossa população, esta ocorreu em 7,5% das crianças até a idade de um mês; além disso, 81,3% das crianças estavam recebendo leite materno com 1 mês de idade corrigida, mesmo não sendo exclusivo. Esta proporção de amamentação exclusiva ou mesmo a alta proporção de aleitamento complementado ocorreu logo após a alta hospitalar, talvez refletindo neste momento a necessidade de menores volumes de leite pela criança, o que a mãe ainda tinha capacidade de produzir.

Outros autores mostraram que o atraso no início da expressão do leite foi significativamente associado ao uso de fórmula na alta27, assim como o início da expressão do leite dentro da primeira hora de vida está associado ao aumento do volume de leite produzido24. Estudo realizado em uma coorte brasileira demonstrou que a orientação durante o pré-natal sobre as vantagens da amamentação, o parto vaginal e a gestação a termo favoreceram a amamentação dentro da primeira hora de vida28. No nosso estudo, em função das características da população de recém-nascidos menores que 33 semanas e de muito baixo peso, a prática de colocar no seio materno na primeira hora de vida não foi realizada, devido a uma contraindicação clínica. Diversos fatores contribuem para que haja uma menor produção de volume de leite na maior parte destas mães, associada a um provável atraso no início da lactogenese pela prematuridade e a todas as dificuldades de se colocar o recém-nascido no seio materno, pelas complicações clínicas iniciais e pela imaturidade do próprio recém-nascido pré-termo, o qual frequentemente recebe alta hospitalar antes da idade de termo, explicando em parte a baixa prevalência de amamentação exclusiva nesta população1,24-28.

No entanto, apesar da baixa prevalência de aleitamento materno durante o primeiro ano de vida, ainda assim quase a metade das crianças aos quatro meses de idade corrigida e um quinto delas aos seis meses de idade corrigida recebiam o leite da própria mãe. Roussel et al.29 estudando fatores que influenciaram a amamentação em uma população de recém-nascidos internados em UTI Neonatal mostrou que o grande fator que influenciou o aleitamento materno foi gestação decorrente de reprodução assistida, com mulheres com idade mais elevada, e a idade das mulheres neste grupo influenciou a amamentação; mais ainda, este efeito persistiu até a alta hospitalar. Entre as mulheres no nosso estudo, com história obstétrica de risco, é possível que a amamentação tenha sido muito valorizada, contribuindo para sua manutenção em parte da população.

Na nossa população, 69,7% dos pais ou padrastos conviviam com a criança. No estudo de Menezes et al.21, que avaliou a manutenção da amamentação em egressos de Enfermeira Canguru, 81,8% dos pais conviviam com a família. O contato pele a pele do bebê com sua mãe na metodologia Canguru cria condições favoráveis para ajudar a mulher a manter a amamentação, e esta prática é favorecida pelo envolvimento do companheiro nesta abordagem30. Um estudo recente demonstrou que o apoio do companheiro durante o início da amamentação, ainda no hospital, aumentou a prevalência de amamentação exclusiva da criança aos seis meses de idade; 97% das mães que receberam o apoio do companheiro no pós-parto imediato mantiveram a amamentação após a alta hospitalar e 26% até os seis meses de idade, ao contrário daquelas que não receberam este apoio, quando esta prevalência foi de 10,1%31. O envolvimento do companheiro no processo de estimulação da amamentação é importante para o sucesso, com os pais manifestando o desejo de participação neste processo32.

Quanto às medidas antropométricas, não houve diferença significativa nos escores Z de peso, perímetro cefálico e comprimento ao longo do primeiro ano de vida, entre os grupos que receberam apenas fórmula e os que receberam leite materno complementado ou não com fórmula, com duas únicas exceções: média de Z escore de peso menor aos cinco meses no grupo do leite materno e média e Z escore do comprimento menor no grupo de fórmula no primeiro mês. No entanto, estes foram achados pontuais, e em ambos os momentos houve uma maior dispersão nos valores no grupo que recebeu fórmula, como pode ser visto pelos desvios padrões. Uma alteração relevante deveria ser persistente e não pontual. Mais ainda, não houve repercussão nos valores do IMC aos seis e doze meses de idade. É importante ressaltar que não houve diferença significativa entre as medidas de perímetro cefálico entre os dois grupos, uma avaliação indireta do crescimento cerebral.

As limitações do estudo foram as evasões no acompanhamento ao longo do tempo, o que prejudica a avaliação, mas mesmo assim conseguimos o retorno de 57% da população de estudo aos doze meses de idade corrigida. Outra limitação é que não analisamos as possíveis causas de desmame nesta população, pois não era o objetivo do estudo. Seria importante, num próximo estudo sobre amamentação em recém-nascidos pré-termo abaixo de 33 semanas de idade gestacional, avaliar os fatores que favorecem a amamentação nesta população assim como os que podem induzir o desmame precoce.

Conclusão

Este estudo evidenciou que apesar das dificuldades em se manter o aleitamento entre mães de crianças nascidas pré-termo, de baixa idade gestacional e de muito baixo peso ao nascer, conseguiu-se manter o aleitamento materno, mesmo não exclusivo, até os quatro meses de idade corrigida em quase a metade da população.

Não obstante, é preciso reforçar que estas taxas precisam ser melhoradas, com a organização de estratégias de incentivo à amamentação nesta população. Muito provavelmente estes resultados podem estar relacionados ao perfil assistencial da Unidade, pertencente à Iniciativa Hospital Amigo da Criança, com equipe multiprofissional voltada para o apoio à amamentação.

A manutenção do aleitamento materno após a alta hospitalar continua sendo um desafio no cuidado desta população, tanto para as mães quanto para os profissionais de saúde. A amamentação possui um papel importante no desenvolvimento neuropsicomotor e no crescimento saudável dos recém-nascidos pré-termo, assim como na prevenção de doença metabólica e da obesidade.

Agradecimentos

Às técnicas de enfermagem Rosânea S dos Santos, Cátisa Silene da S Brandão e Maria Aparecida da S Pereira pela execução das medidas antropométricas ao longo do período do estudo. E ao CNPq – PAPES/Fiocruz pelo financiamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2018

Histórico

  • Recebido
    28 Jan 2016
  • Aceito
    02 Ago 2016
  • Revisado
    04 Ago 2016
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