EDITORIAL
A promissora expansão do uso da categoria gênero pela Saúde Coletiva Brasileira
Este número temático sobre gênero e saúde cumpre uma dupla missão: assinalar a importância do gênero como categoria analítica para a saúde coletiva brasileira e apontar para o processo de produção de novos temas, objetos e categorias que a caracterizam, conferindo-lhe vigor e dinamismo peculiar.
Enquanto área interdisciplinar de produção de conhecimento, práticas sociais e significados, a saúde coletiva brasileira tem se mostrado receptiva ao desafio de, continuamente, interrogar-se sobre os modos como os sujeitos e grupos sociais percorrem o caminho entre o nascimento e a morte. Como campo de ação política, marcado pelo compromisso com as demandas sociais, igualmente tem havido abertura para experimentar intervenções que podem tornar esse caminho o mais longo, produtivo e prazeroso possível. No centro de ambos os desafios está o sujeito sexuado e identificado a um ou outro gênero por meio de complexas negociações entre vivências, emoções e as atribuições culturais relativas ao seu sexo.
Partimos da premissa que as ações em saúde, ao serem dirigidas a sujeitos e grupos sociais, deveriam trazer incorporada a idéia de que o ser humano, ao constituir a sua subjetividade em torno do processo de sexuação, não existe fora das tramas do gênero, eixo organizador da cultura. No entanto, dada a relação de origem da saúde coletiva com os saberes da biomedicina, que operam sobre o corpo, muitas vezes a dimensão subjetiva e a maneira singular com que cada um a exerce foram negadas ou abstraídas. Deste modo, os atravessamentos do gênero na constituição do sujeito tornaram-se invisíveis na área. Ao mesmo tempo, como os estudos de gênero nasceram relacionados à luta feminista pelos direitos das mulheres, durante algum tempo houve também certa impermeabilidade à utilização desta categoria para além dos limites políticos dados no seu nascedouro.
Felizmente, o compromisso de compreender e atuar sobre o mundo no sentido emancipatório, que marca tanto a saúde coletiva quanto os estudos de gênero, contribuiu para que este distanciamento inicial fosse superado. Dos primeiros trabalhos sobre mulheres e reprodução, passando pelas pesquisas sobre aids, sexualidade, masculinidades e posições de gênero que acompanham os atos violentos, o uso da categoria gênero, articulado aos demais marcadores sociais, tem se mostrado fundamental para o entendimento dos fatos e afazeres humanos e, consequentemente, dos processos de saúde e doença.
O conjunto de artigos reunidos pelo GT Gênero e Saúde da ABRASCO neste número temático buscam, assim, revelar a amplitude de assuntos que, estando afeitos ao campo da saúde coletiva por se voltarem não apenas para corpos e doenças, e sim para sujeitos e trajetórias de vida, se enriquecem quando analisados sob a ótica de gênero.
Ao cumprir sua dupla missão, o presente exemplar pretende também ser um convite para que demais pesquisadores e profissionais de saúde incorporem temas da saúde coletiva a partir da mirada de gênero em suas produções acadêmicas e intervenções sociais. Em suma, almejamos que a abordagem de gênero possa se constituir num eixo transversal na saúde coletiva, contribuindo tanto para incrementar esta área já tão fértil, quanto para a robustez epistemológica da categoria.
Wilza Villela e Simone Monteiro
Editoras convidadas
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Out 2009 -
Data do Fascículo
Ago 2009