Resumo
O objetivo deste artigo é avaliar a consulta de puericultura realizada por profissionais de saúde que atuam na Estratégia Saúde da Família em municípios do estado da Paraíba, comparar o desempenho segundo o tipo de equipe de saúde (Programa Mais Médicos ou convencional) e analisar a associação da satisfação do usuário com as ações desenvolvidas. Estudo transversal que avaliou as condições de estrutura das unidades de saúde, o processo de trabalho dos profissionais de saúde e a satisfação do usuário, observando-se as consultas de puericultura em 22 equipes. Na estrutura, destacaram-se fragilidades no vínculo laboral e nos conhecimentos dos profissionais sobre as curvas de crescimento infantil. Nas 175 consultas observadas foi possível constatar negligenciamento no preenchimento da Caderneta da Criança, na obtenção de dados do consumo alimentar e nas práticas de orientação. Apenas 36% das consultas foram classificadas com tempo de duração adequado. Houve maior satisfação para consultas realizadas em equipes do Programa Mais Médicos, com maior tempo de duração e com melhor desempenho nas práticas de orientação. A implementação da consulta de puericultura apresenta lacunas importantes que podem influenciar a satisfação materna.
Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Cuidado da Criança; Avaliação de Processos (Cuidados de Saúde)
Abstract
This article aims to evaluate the childcare appointments by health professionals working at the Family Health Strategy in municipalities in the State of Paraíba, compare the performance by health team type (The Mais Médicos Program or conventional), and analyze the association of client satisfaction with the developed actions. This cross-sectional study evaluated the structural conditions of health units, the work process of health professionals, and client satisfaction, observing childcare appointments in 22 health teams. Poor employment relationships and professionals’ knowledge about child growth curves were highlighted in the structure. In the 175 appointments observed, we detected neglect in completing the Child Health Booklet (CHB), obtaining data on food consumption, and guidance practices. Only 36% of the appointments were classified with adequate duration. There was greater satisfaction for appointments developed in health teams of the Mais Médicos Program, with longer duration and better performance in guidance practices. The implementation of childcare appointments reveals significant gaps that can influence maternal satisfaction.
Key words: Primary Health Care; Childcare; Process Assessment (Healthcare)
Introdução
A atenção à saúde da criança é considerada fundamental para o desenvolvimento saudável e um dos campos prioritários do cuidado que deve ser prestado pelos profissionais de saúde na Estratégia Saúde da Família (ESF)1,2. Nesse contexto, a Puericultura constitui um instrumento de cuidado essencial para o acompanhamento da saúde infantil e a promoção do crescimento e desenvolvimento saudáveis. Nas consultas de puericultura deve ocorrer a avaliação da criança, o monitoramento do crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor, a atenção às doenças prevalentes na infância, e o desenvolvimento de ações básicas de promoção da saúde relacionadas à imunização, alimentação e prevenção de acidentes, dentre outras1,3. O acompanhamento sistemático do crescimento e desenvolvimento da criança possibilita implementar práticas importantes de redução da morbimortalidade infantil4.
Apesar da importância da vigilância do crescimento e desenvolvimento infantil, evidências sugerem que no Brasil sua implementação é frágil, influenciada por fatores como baixa sensibilização e falta de preparo dos profissionais de saúde que prejudicam a qualidade da assistência prestada à criança3-5. Essas lacunas podem limitar os avanços na saúde da população infantil6, enquanto a satisfação do usuário com o atendimento recebido pode minimizá-las7,8. Na perspectiva do paciente, a ideia da satisfação decorre da sua interação com o profissional de saúde, valorizando sua capacidade de aprimorar os atributos mais importantes da atenção7. Como indicador de resultado dos serviços de saúde, a satisfação permite analisar quais objetivos estão sendo ou não alcançados, repensar as práticas profissionais e redimensionar a forma de organização dos cuidados9,10.
Os efeitos da ESF e seus impactos nos indicadores de saúde são controversos, questionáveis e ainda não estão bem estabelecidos. Essa conjuntura está relacionada à implantação desse modelo de atenção associada a contextos socioeconomicamente desfavoráveis e fragilidades dos serviços de saúde2 o que também caracteriza a concepção do Programa Mais Médicos (PMM)7,11. O programa é considerado uma das principais respostas à necessidade de investimento público na área de saúde no Brasil para o fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS) e expansão da cobertura da ESF7,11. Evidências têm mostrado repercussões positivas do PMM na formação, no processo de trabalho, na qualidade do atendimento e na satisfação do usuário. Contudo, é necessário o desenvolvimento de pesquisas com foco nos cuidados oferecidos pelos profissionais de saúde do programa, nomeadamente comparando a atenção prestada com equipes da ESF convencionais11. O presente estudo traz um novo olhar do tema sob a ótica da atenção à saúde da criança.
Objetivou-se avaliar a consulta de puericultura realizada por profissionais de saúde que atuam na ESF em municípios do Estado da Paraíba, comparar o desempenho segundo o tipo de equipe de saúde (PMM ou convencional) e analisar a associação da satisfação do usuário com as ações desenvolvidas.
Métodos
Desenho do estudo
Trata-se de um estudo transversal de avaliação das consultas de puericultura realizadas por profissionais de saúde da ESF, a partir das condições de estrutura das unidades de saúde, do processo de trabalho e da satisfação do usuário.
Contexto
Foram selecionados para participar da pesquisa municípios do estado da Paraíba de porte populacional entre 30.000 e 149.999 habitantes que possuíam incentivos de custeio para a estruturação e implementação de ações de alimentação e nutrição12 e de ações voltadas à prevenção da obesidade infantil no contexto do Programa Saúde na Escola13. Incluíram-se os municípios com cobertura total da ESF que tivessem Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), com a inclusão de nutricionista, vinculados no mínimo a uma equipe de saúde do PMM, ou NASF, sem a inclusão de nutricionista, vinculados no mínimo a uma equipe de saúde convencional. Atendendo estes critérios, a pesquisa totalizou sete dos 12 municípios com os incentivos financeiros. Um dos municípios foi excluído por ter cobertura parcial da ESF e outro por não possuir equipes de saúde conforme critérios de elegibilidade. Além disso, três municípios não foram incluídos por serem considerados para outras avaliações de características similares.
Nos municípios escolhidos para participar da pesquisa, foram selecionadas todas as equipes de saúde localizadas na zona urbana e que não mudaram de tipo de equipe de saúde (PMM ou convencional) nos dois anos anteriores à época da coleta dos dados. Essas informações foram obtidas por meio do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (http://cnes2.datasus.gov.br) e/ou por contato pessoal com os enfermeiros das equipes de saúde. A quantidade de equipes de saúde do PMM e convencionais por município respeitou a sua composição própria. Participaram do estudo os profissionais que realizaram as consultas de puericultura e as crianças menores de dois anos (0-24 meses) que eles atenderam no dia da coleta de dados, em um dia típico de trabalho. Os dados foram coletados nas unidades de saúde entre maio e setembro de 2018.
Fontes de dados
As informações sobre a estrutura das unidades de saúde referiram-se à disponibilidade de consultório próprio, equipamentos antropométricos e Caderneta de Saúde da Criança (CSC), e ao perfil do profissional que realizou a consulta de puericultura de acordo com o vínculo (tipo e tempo) e aos seus conhecimentos sobre as curvas de crescimento infantil. Utilizou-se, para esses fins, questionário padronizado com perguntas fechadas, o qual foi respondido pelo profissional envolvido no atendimento. A avaliação do conhecimento sobre as curvas de crescimento baseou-se no uso de um case scenario (caso hipotético) de uma criança menor de dois anos de idade, com informações sobre perímetro cefálico, peso e comprimento. Solicitou-se, com base nas curvas de crescimento correspondentes disponíveis na CSC, o registro e a interpretação do perímetro cefálico/idade, peso/idade, comprimento/idade e índice de massa corporal/idade. O conhecimento foi considerado adequado quando tanto o registro quanto a interpretação foram corretos.
As ações desenvolvidas pelos profissionais de saúde foram obtidas por observação das consultas de puericultura. A observação foi realizada por uma dupla de entrevistadores que explicaram com antecedência o objetivo da atividade e permaneceram no final da sala de consulta sem manifestar qualquer tipo de opinião ou comportamento. Utilizou-se formulário específico para anotar os procedimentos adotados, com alternativas de resposta “sim” e “não”. As práticas de interesse foram: medição do crescimento e avaliação do desenvolvimento; orientações sobre o crescimento e desenvolvimento; registros do crescimento e desenvolvimento na CSC (preenchimento das curvas de crescimento e dos marcos do desenvolvimento); acompanhamento do crescimento e desenvolvimento por meio da CSC (preenchimento contínuo das curvas de crescimento e dos marcos do desenvolvimento); avaliação do consumo alimentar e aconselhamento sobre a alimentação; orientações gerais sobre vacinação, suplementação, e prevenção de acidentes e violência. As práticas foram definidas e julgadas com base nas recomendações do Ministério da Saúde para a organização do processo de trabalho no acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento da criança na APS14. Para o caso das orientações sobre o crescimento e desenvolvimento, quando o profissional dizia apenas se o peso, perímetro cefálico, comprimento e desenvolvimento estavam ou não dentro do normal, sem oferecer nenhuma orientação, o observador codificava a resposta como “não”. Para o caso do acompanhamento do crescimento e desenvolvimento por meio da CSC, admitiu-se intervalo máximo de três meses em relação aos registros nas curvas de crescimento e o mínimo de três anotações para os marcos do desenvolvimento.
Durante as consultas também foram registrados os horários de início e fim. Consultas com duração >=10 minutos foram consideradas de tempo adequado, e aquelas que duraram <10 minutos foram consideradas de tempo inadequado15.
Concluída a consulta, foram realizadas duas perguntas à mãe da criança: 1 - “Durante a consulta, você fez todas as perguntas que você desejou perguntar?”, com duas alternativas de resposta (sim e não); 2 - “Como você considera que foi o tempo da consulta?”, com três alternativas de resposta (muito, adequado e pouco) e agrupadas para análise nas categorias muito/adequado e pouco. Foram consideradas satisfeitas com a consulta as mães que responderam ter conseguido perguntar tudo o desejado e que consideraram o tempo de consulta como muito/adequado15.
Medidas adotadas para evitar vieses
A equipe de campo do estudo foi formada por profissionais e estudantes da área de saúde, com experiência prévia em trabalho de campo, o qual foi supervisionado por profissional capacitado. O controle de qualidade do estudo incluiu treinamento e padronização dos entrevistadores, construção de Manual de Instruções e realização de estudo piloto no município de Campina Grande, Paraíba.
Os dados foram organizados em planilhas eletrônicas e digitados em dupla entrada em um banco de dados customizado com verificações de consistência e restrições de intervalo. O aplicativo Validate do software Epi Info versão 3.3.2 foi usado para analisar a consistência dos dados.
Variáveis de estudo
Como parâmetros da estrutura das unidades de saúde, considerou-se: i) a disponibilidade de consultório próprio para a consulta de puericultura (sim, não), de balança infantil (sim, não), de antropômetro (sim, não) e de CSC (sim, não); ii) as características do profissional que realizou as consultas de puericultura com base no tipo de vínculo (concurso público, contratado), tempo de vínculo na posição atual (dois anos o mais, menos de dois anos) e realização de pós-graduação ou residência em saúde coletiva/saúde da família (sim, não); iii) o registro e interpretação dos índices antropométricos perímetro cefálico/idade, peso/idade, comprimento/idade e índice de massa corporal/idade com base nas curvas de crescimento infantil (adequado, inadequado).
Em relação às ações desenvolvidas pelos profissionais nas consultas de puericultura, analisou-se a realização ou não dos seguintes procedimentos: i) medição do peso, comprimento, perímetro cefálico e avaliação do desenvolvimento; ii) orientação baseada no peso, comprimento, perímetro cefálico e desenvolvimento; iii) registro do peso, comprimento, perímetro cefálico, índice de massa corporal e desenvolvimento na CSC; iv) acompanhamento do peso, comprimento, perímetro cefálico, índice de massa corporal e desenvolvimento por meio da CSC; v) uso do formulário de marcadores do consumo alimentar na Atenção Básica, perguntar sobre a alimentação da criança e aconselhar sobre a alimentação da criança; vi) orientações sobre vacinação, suplementação, e prevenção de acidentes e violência.
Também foram analisadas como variáveis de estudo o tempo de duração da consulta (adequado, inadequado), a satisfação relacionada à possibilidade de fazer perguntas na consulta (sim, não), a satisfação com o tempo de duração da consulta (sim, não) e a satisfação geral com a consulta (sim, não).
Métodos estatísticos
Foram realizadas análises de associação das variáveis relacionadas à estrutura das unidades de saúde e ações desenvolvidas com o tipo de equipe de saúde (PMM, convencional), o tempo de duração das consultas e a satisfação com as consultas. Ainda, analisaram-se possíveis associações das variáveis relacionadas às ações desenvolvidas e do tempo de duração das consultas com a satisfação geral do usuário. Foram utilizados os testes de Qui-quadrado ou Exato de Fisher (para casos com frequência <5). O nível de significância admitido foi de 5%. Utilizou-se o software Stata versão 12.0.
Considerações éticas
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba (parecer nº 2.219.604). As mães/responsáveis pelas crianças e profissionais de saúde que participaram da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, como condição necessária à participação no estudo.
Resultados
A pesquisa totalizou 22 equipes de saúde (11 do PMM e 11 convencionais). A Tabela 1 mostra as características da estrutura das unidades de saúde estudadas. A maioria das unidades disponha de consultório próprio para as consultas de puericultura (n=20), de balança infantil e antropômetro (n=21) e de CSC (n=18). Dos profissionais que realizaram as consultas de puericultura, 14 tinham vínculo por concurso público e 13 mínimo de dois anos de trabalho na equipe de saúde. Em relação ao uso das curvas de crescimento infantil, observou-se que 16 participantes registraram e interpretaram corretamente os índices peso/idade e comprimento/idade. O índice de massa corporal/idade foi o que apresentou maior deficiência (mais da metade dos profissionais não souberam registrar e interpretar adequadamente), seguido do perímetro cefálico/idade. As equipes de saúde do PMM e convencionais não apresentaram diferenças entre si quanto aos itens de estrutura.
Foram observadas 175 consultas de puericultura, 84 em equipes do PMM e 91 nas convencionais. A Tabela 2 mostra os principais resultados sobre as ações desenvolvidas pelos profissionais de saúde durante suas consultas. As medições de peso e comprimento foram realizadas em todas e as de perímetro cefálico em 96,0%, enquanto a avaliação do desenvolvimento realizou-se em 21,7% dos casos. As orientações sobre o crescimento e desenvolvimento oscilaram de 11,4% (desenvolvimento) a 38,3% (peso). As medidas de peso, comprimento e perímetro cefálico obtidas durante as consultas foram registradas em 65,7%, 54,3% e 50,3% dos gráficos de peso/idade, comprimento/idade e perímetro cefálico/idade das CSC, respectivamente. O preenchimento das curvas de índice de massa corporal/idade (11,4%) e dos marcos do desenvolvimento (12,0%) apresentaram frequências baixas. Em relação aos registros contínuos da CSC, observou-se que apenas o peso teve proporção superior a 50%, enquanto frequências inferiores a 10% obtiveram-se para o índice de massa corporal e o desenvolvimento. A utilização do formulário de marcadores do consumo alimentar foi observada em apenas nove consultas e o aconselhamento sobre a alimentação em 51,4% delas. As orientações sobre vacinação (64,0%) foram mais frequentes que as relacionadas à suplementação (25,7%), e à prevenção de acidentes e violência (2,9%).
Quando comparados os resultados segundo o tipo de equipe de saúde, profissionais das equipes do PMM mostraram melhor desempenho em relação a perguntar (p=0,007) e questionar (p=0,001) sobre a alimentação da criança, bem como nas práticas de orientação sobre vacinação (p=0,009) e suplementação (p=0,001) (Tabela 2).
Do total de consultas, 63 (36,0%) foram consideradas com tempo de duração adequado, em maior proporção nas equipes do PMM (p=0,014). A satisfação das mães com a possibilidade de fazer perguntas e com o tempo de duração da consulta foi superior a 85%; a satisfação geral, de 81,1%. Maiores níveis de satisfação foram constatados para as consultas realizadas por profissionais que atuavam em equipes do PMM (p=0,006 para a satisfação com a possibilidade de fazer perguntas; p=0,014 para a satisfação com o tempo de duração da consulta; p=0,002 para a satisfação geral) (Tabela 3).
Conforme pode ser visualizado na Tabela 4, a satisfação materna com as consultas de puericultura associou-se às orientações recebidas sobre o peso (p=0,001), comprimento (p=0,006), perímetro cefálico (p=0,022), desenvolvimento (p=0,022), alimentação (p=0,000), vacinação (p=0,044) e suplementação (p=0,033). O fato de o profissional ter perguntado sobre a alimentação da criança (p=0,000) e o tempo de duração da consulta adequado (p=0,002) também produziram maior grau de satisfação do usuário.
Discussão
A implantação do PMM tem gerado interesse de conhecimento sob a ótica do seu processo de formulação, implementação e resultados enquanto iniciativa que pode contribuir para a reorientação do modelo de atenção no sistema de saúde16. Para esses fins, o presente estudo comparou equipes de saúde da ESF com e sem o modelo do PMM. Os resultados destacaram negligências no processo de trabalho dos profissionais durante as consultas de puericultura que afetam o cuidado à saúde da criança, tais como a avaliação do consumo alimentar, o preenchimento da CSC e a orientação materna relacionados ao acompanhamento do crescimento e desenvolvimento. Ainda, as consultas de puericultura realizadas por profissionais das equipes do PMM apresentaram maior satisfação do usuário, destacando-se a importância de fornecer orientações e do tempo de duração da consulta.
Quanto à estrutura, os achados do estudo em tela mostraram que a maioria das unidades de saúde dispunham de condições adequadas para a obtenção e registro dos parâmetros relacionados ao crescimento e desenvolvimento da criança, diferente do observado em outras pesquisas17,18. Contudo, profissionais encarregados pelas consultas de puericultura possuíam vínculos instáveis que podem contribuir negativamente nos cuidados de saúde prestados19. Além disso, foram confirmados achados da literatura nacional e internacional com foco em deficiências nos conhecimentos relacionados ao uso das curvas de crescimento infantil, que podem prejudicar o desenvolvimento de ações de aconselhamento nutricional20,21.
A subutilização e sub-registro dos dados relacionados ao crescimento e desenvolvimento da criança elencados em revisões da literatura brasileira4,5,22 foram confirmados no atual estudo. Ainda, a adoção incipiente de orientações relacionadas ao crescimento e desenvolvimento infantil observada reforça os achados de outros estudos nacionais4,23 e internacionais24,25. Essas circunstâncias sinalizam baixa preparação e sensibilização dos profissionais com o cuidado à saúde da criança, bem como a sustentação do modelo hegemônico de cuidar no qual predomina a visão biologista e curativista do processo saúde-doença. Dessa forma, é possível comprometer a identificação de situações de risco do crescimento e desenvolvimento da criança, a comunicação entre os profissionais de saúde, o vínculo profissional e usuário, a continuidade do cuidado e a integralidade4,5,18,23.
Em específico, chama atenção a pouca importância atribuída ao índice de massa corporal, ao perímetro cefálico e ao desenvolvimento, conforme relatos prévios da literatura5,22,23. Essa conjuntura torna-se particularmente especial na atual situação das crianças brasileiras em que o excesso de peso e problemas no desenvolvimento são preocupantes, sinalizado a importância da adequada vigilância do neurodesenvolvimento infantil5,22,23,26. Adicionalmente, o cenário revelado reforça a desvalorização dos marcadores do consumo alimentar, das orientações sobre a alimentação e o aconselhamento da suplementação17,18,20,27-29, as quais representam práticas importantes de promoção da alimentação saudável e prevenção de carências nutricionais30.
A literatura ainda incipiente sobre a atuação dos profissionais de saúde da ESF na prevenção de acidentes e violência nas consultas de puericultura31-33 ressalta a importância dos resultados do atual estudo com foco no pouco envolvimento profissional na prevenção de acidentes e violência por meio de orientações. O enfrentamento da violência na APS no Brasil está distante do trabalho cotidiano e da perspectiva de saúde pública e sociocultural necessária, pois prevalecem atendimentos pontuais pautados na queixa-conduta33, os quais podem explicar os achados encontrados no presente trabalho. Nesse sentido, há de ressaltar a importância da construção de formas efetivas de comunicação, confiança e vínculo profissional-usuário, bem como das práticas colaborativas, tendo em vista o reconhecimento da violência como problema público de saúde e a necessidade de ações que permitam seu enfrentamento de forma adequada31-33.
No atual estudo foi possível constatar melhor desempenho dos profissionais das equipes do PMM nas práticas de orientação sobre alimentação, vacinação e suplementação, o que reforça as evidências sobre as contribuições do Programa na promoção da saúde, na prevenção de doenças e na integralidade do cuidado16,34. Os resultados do PMM elencam-se relacionados a melhorias da infraestrutura dos serviços de saúde, na relação médico/paciente, na formação e na educação permanente dos médicos11,16,35. Desse modo, as deficiências no conhecimento e nas práticas dos profissionais de saúde que participaram dessa pesquisa levantam a necessidade da sua qualificação para a vigilância do crescimento e desenvolvimento por meio de estratégias de educação permanente, conforme reconhecido na literatura4,5,20-22,26,30-33. Nesse sentido, vale ressaltar a importância da formação orientada pelo modelo de atenção integral, o que representa um dos grandes desafios da APS no Brasil36. Com relação ao PMM, destaca-se seu potencial para a melhoria dos processos de aprendizagem e a formação em serviço11.
Em relação ao tempo de duração das consultas, foi possível perceber seu comprometimento, em consenso com a literatura15,23,37,38. Apesar disso, houve alta satisfação do usuário com esse parâmetro, possivelmente como condição relacionada ao baixo nível de expectativas39. Contudo, a duração da consulta de puericultura deve ser analisada, independentemente do nível de satisfação gerado, em função da sua capacidade de influenciar a quantidade de ações desenvolvidas, a interação do usuário com o profissional e a qualidade da assistência prestada15,24,37,38. A carga de trabalho, o esgotamento, a eficiência e a satisfação do profissional são fatores que podem influenciar de maneira importante o tempo de duração da consulta37,38.
No Brasil, de acordo com os resultados do atual estudo, altos níveis de satisfação têm sido registrados em relação às explicações dadas pelo médico (91%) e ao tempo por ele disponibilizado para perguntas (85%)40. Adicionalmente, usuários mostram-se mais satisfeitos com os serviços recebidos quando conseguem resolver seus problemas e sentir-se respeitados41, o que mostra plausibilidade dos resultados apresentados no presente estudo. Quanto à maior satisfação entre usuários do PMM (90,5%), revela-se concordância com o observado em 32 municípios de todas as regiões do país, onde estar satisfeito associou-se ao desempenho técnico e humanizado dos médicos7. Na zona rural de Porto Velho (RO), uma pesquisa com 96 usuários de sete unidades de saúde destacou preferência pelo atendimento e comunicação dos médicos do PMM42. Revisões da literatura confirmam a avaliação positiva do PMM com base na satisfação dos usuários11,16.
A associação registrada nessa pesquisa entre a satisfação materna com as consultas de puericultura e as orientações recebidas durante as mesmas, bem como o seu tempo de duração, pode explicar-se pela valorização que o usuário faz da dedicação do profissional para oferecer informações e aconselhamento21,37, o que se favorece com maior duração da consulta24,37. Achados coerentes foram obtidos em outro estudo no qual a satisfação dos usuários mostrou-se diretamente ligada ao interesse do médico durante o atendimento42. Ainda, segundo outra pesquisa, usuários do PMM estavam satisfeitos tanto com o atendimento quanto com as informações recebidas pelos médicos7. O presente estudo agrega evidências empíricas que sugerem o significado atribuído pelas mães às orientações que receberam durante as consultas de puericultura.
De modo geral, a população assistida pelos profissionais das equipes de saúde do PMM parece ter recebido melhor cuidado durante as consultas de puericultura, em comparação à atendida nas equipes tradicionais da ESF, com mais orientações recebidas e maior grau de satisfação. Esses achados somam-se aos relatados que enfatizam benefícios do PMM na qualidade dos serviços, na relação médico/paciente, no desenvolvimento de práticas interdisciplinares e na ampliação das ações, inclusive de promoção da saúde7,11,16,34. Em relação à Puericultura, um estudo desenvolvido no Distrito Federal mostrou melhorias na sua oferta após a implantação do PMM43. Assim, espera-se que a leitura desse artigo contribua na compreensão da importância de transformar as práticas de cuidado à saúde da criança na ideia das “Trilhas da Promoção e da Atenção à Saúde”.
Na interpretação dos resultados apresentados sugere-se considerar possíveis limitações relacionadas à observação direta da prestação de serviços e à satisfação percebida pelo usuário. No primeiro caso, é possível que os profissionais tenham oferecido um serviço mais completo, com superestimativas que tornam ainda mais preocupantes as práticas desvalorizadas. Por sua vez, a aplicação de um questionário logo após a consulta pode induzir ao viés de gratidão que se expressa em maior satisfação. No entanto, a observação das consultas e a abrangência da pesquisa emergem como diferenciais que pressupõem confiabilidade e generalização. Propõe-se, portanto, o desenvolvimento de outras pesquisas com diferentes desenhos metodológicos, notadamente com foco em avaliações de efetividade e em problemas percebidos pelas diferentes esferas do sistema de saúde.
Com base na avaliação realizada foi possível verificar que a implementação das consultas de puericultura pelos profissionais apresenta lacunas importantes que podem influenciar a satisfação materna. No processo de trabalho dos profissionais, destaca-se o sub-registro dos dados de crescimento e desenvolvimento na CSC, o baixo envolvimento em práticas de orientação do usuário e o curto tempo de duração das consultas. Na avaliação da satisfação, sobressai a importância do recebimento de orientações e do tempo de duração da consulta, com melhor avaliação nas equipes do PMM. Dessa forma, urge a necessidade de estratégias factíveis que permitam melhorar os cuidados de saúde durante a consulta de puericultura nos serviços públicos de saúde.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
31 Jul 2023 -
Data do Fascículo
Ago 2023
Histórico
-
Recebido
09 Ago 2022 -
Aceito
17 Abr 2023 -
Publicado
02 Maio 2023