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Reflexões sobre o processo de monitoramento na gestão das ações de vigilância em saúde

Reflections on the process of monitoring the management of health surveillance actions

DEBATEDORES DISCUSSANTS

  • Reflexões sobre o processo de monitoramento na gestão das ações de vigilância em saúde

    Reflections on the process of monitoring the management of health surveillance actions

    Jarbas Barbosa da Silva Júnior

    Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. jarbas.barbosa@saude.gov.br

    Os processos de monitoramento e avaliação de desempenho têm sido valorizados de forma crescente, nos últimos anos, nas atividades de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda que se necessite ampliar seu emprego como ferramenta concreta de gestão, disseminada e utilizada ampla e sistematicamente, observa-se, de maneira inegável, mais recentemente, nas declarações de gestores, em processos de organização de gestões, nos atuais Planos Nacional, Estaduais e Municipais de Saúde e nos instrumentos de contratualização de gestão e de pactuação intergestores, como o Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (COAP), na própria criação, em 2011, do Índice de Desempenho do Sistema Único de Saúde (IDSUS), entre outros exemplos, essa crescente tendência de sua valorização.

    Esse movimento é, em parte, uma busca de resposta à necessidade, amplamente percebida e externada pela sociedade, de aperfeiçoamento dos instrumentos de gestão do SUS com o objetivo de melhorar sua qualidade. Ao mesmo tempo, também é fruto da emergência, ainda que em escala incipiente, de modelos de gestão na esfera pública, e também no setor saúde, mais comprometidos com alcance de metas e resultados quantificáveis e passíveis de monitoramento e avaliação de desempenho. Por sua recentidade, essa tendência seguramente será mais bem percebida por análises de documentos, normas e instrumentos oficiais, os graypapers, que estão registrando os movimentos concretos atualmente efetuados na gestão do SUS nesse sentido, do que em artigos acadêmicos, porque estes necessitarão sempre de um maior tempo de maturação. Esse é um primeiro mérito do artigo Monitoramento do Desempenho da Gestão da Vigilância em Saúde: instrumento e estratégia de uso, ao buscar avaliar de maneira sistemática, e com rigor acadêmico, um processo concreto de utilização do monitoramento do desempenho na esfera estadual de gestão do SUS.

    Ressalte-se também que, no campo das ações de Vigilância em Saúde (VS), o monitoramento pode se constituir em uma ferramenta particularmente valiosa ao possibilitar tomadas de decisões em momentos quando ainda é possível evitar, ou reduzir, o impacto de processos que, mesmo em curtos períodos, podem resultar em dano sanitário relevante, como surtos, epidemias, aumentos de mortalidade, entre outros.

    O artigo fez uma opção pragmática e prática e, a meu ver, acertada, para a definição do modelo lógico da VS que seria utilizado. Esse é um campo em que a análise documental, dos conceitos, necessita, obrigatoriamente, ser confrontada com a organização concreta e real dos processos de trabalho que as várias esferas do SUS estão realizando. Os conceitos, em alguns documentos legais do SUS, padecem de certo modismo ideológico de época, refletindo aqueles datados historicamente e tentativas de oficializar teorias e visões particulares que não refletiam, nem refletem, os processos de trabalho que buscam definir e organizar. Não cabem muitos exemplos nesse espaço, mas basta revisitar a definição de vigilância epidemiológica presente na Lei 80801, ...um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva... (grifos do autor) para perceber que sua pretensão de amplitude chegou ao ponto de torná-la absolutamente inoperacional na prática concreta dos serviços de saúde. Ou ainda, na Portaria 3252/20092, que diz ser o objetivo da vigilância em saúde ...a análise permanente da situação de saúde da população, articulando-se num conjunto de ações que se destinam a controlar determinantes, riscos e danos à saúde da população... (grifos do autor) o que colocaria esse campo de práticas como um mero produtor de análises e, ao mesmo tempo, como responsável por algo tão infactível como o "controle" dos "determinantes da saúde". Por isso considero acertada a escolha de ir além do descrito e previsto nos documentos legais e considerar as práticas efetivas, os processos de trabalho concretos e as ações de promoção da saúde; informação e análise; e vigilância, prevenção e controle de doenças (transmissíveis e não transmissíveis) e agravos que são efetivamente realizadas no SUS.

    Um tema complexo no processo de monitoramento em sistemas descentralizados é escolher acertadamente indicadores simples e robustos, com bases de dados confiáveis e apuráveis em ciclos temporais curtos e que sejam em número limitado, para possibilitar um acompanhamento efetivo. Outra questão relevante posta aos que se propõem a monitorar ações em um sistema descentralizado, como o SUS, é a dificuldade de escolher indicadores que se prestem ao acompanhamento da contribuição singular dada pelo ente monitorado, no caso a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE), e, também incluir indicadores que signifiquem resultados sanitários importantes, mas que dependem da ação das outras duas esferas de gestão do SUS, refletindo o duplo papel que as esferas federal e estadual sempre apresentam: o de coordenadoras e de executoras. O processo descrito no artigo realizou uma escolha apropriada desses indicadores, combinando diferentes dimensões da gestão das ações de VS, tanto processos considerados como de áreas meio e de áreas finalísticas e, as ações diretamente executadas pela SES com aquelas que a SES coordena e lidera - e nessas dimensões têm que ser avaliada, mas que são executadas diretamente pelos municípios.

    Tema não menos complexo, uma vez escolhidos os indicadores, é a definição de metas que sejam, ao mesmo tempo, mobilizadoras e factíveis. Esse equilíbrio nem sempre é facilmente atingido. Gestores, especialmente os que se encontram no topo da estrutura, sempre preferem metas mobilizadoras, que representem resultados importantes porque é por eles que terão sua gestão avaliada. O corpo técnico, por sua vez, sempre apresenta uma atitude mais realista, inclinando-se pelas metas que são possíveis de serem alcançadas com o mínimo de esforço adicional, porque têm dúvidas se haverá incremento da infraestrutura e recursos disponíveis e temem serem avaliados negativamente por não as alcançarem. Encontrar esse balanço é um exercício importante de envolvimento e criação de laços de confiança e solidariedade entre técnicos e gestores. O convencimento dos primeiros de que não tem relevância obter o cumprimento de todas as metas previstas se não foram produzidas mudanças no estado sanitário da população precisa ser correspondido pela compreensão dos últimos de que a liderança e a vontade política precisam ter correspondência com a mobilização de meios e recursos suficientes.

    Em conclusão, considero que o artigo consegue realizar uma apropriada revisão do tema do monitoramento na gestão das ações de vigilância em saúde, descreve e analisa, de maneira crítica e bem sistematizada, a rica e produtiva experiência realizada pela SES-PE. Espero que sua publicação sirva de estímulo para que outros processos de monitoramento, com distintas metodologias e abordagens, sejam revisados e divulgados, contribuindo para um debate absolutamente necessário para o fortalecimento do SUS.

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      Brasil. Lei 8080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 20 set.
    • 2. Brasil. Portaria Nş 3252 de 22 de dezembro de 2009. Aprova as diretrizes para execução e financiamento das ações de Vigilância em Saúde. Diário Oficial da União 2009; 23 dez.

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Maio 2013
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