Resumo
O objetivo deste artigo é descrever o perfil epidemiológico e a distribuição espacial dos óbitos e casos confirmados da COVID-19 na macrorregião de saúde Oeste da Bahia. Estudo ecológico sobre a interiorização do SARS-CoV-2, entre 21 de março de 2020 e 31 de março de 2021, considerando o coeficiente de incidência e de mortalidade, letalidade, densidade de casos e média móvel de casos e óbitos. Foram registrados 37.036 casos e 536 óbitos confirmados. Dos casos, 94,5% estão recuperados e 4,0% ativos. O coeficiente de incidência foi 3.884,1/100 mil habitantes, o coeficiente de mortalidade, 56,2/100 mil habitantes, e a letalidade, 1,4%. Identificou-se a predominância de intensidade muito alta e alta da ocorrência da COVID-19 na macrorregião, com a média móvel evidenciando uma tendência de crescimento. Os achados descrevem alto risco de infecção e morte na macrorregião, além de apresentar uma tendência de crescimento dos casos acumulados, confirmando a interiorização da doença.
Palavras-chave: Coronavírus; Análise Espacial; Epidemiologia; Brasil
Abstract
This article aims to describe the epidemiological profile and the spatial distribution of deaths and confirmed cases of COVID-19 in the health macroregion of Western Bahia. An ecological study on the inland expansion of SARS-CoV-2 was performed from March 21, 2020 to March 31, 2021 considering incidence and mortality rate, case fatality rate, case density and moving average of cases and deaths. 37,036 cases and 536 confirmed deaths were registered. Of all cases, 94.5% recovered and 4.0% remained active. The incidence rate was 3884.1/100,000 inhabitants, the mortality rate 56.2/100,000 inhabitants and the fatality rate was 1.4% A predominance of very high and high intensity of the occurrence of COVID-19 in the macroregion was identified and moving average revealed an increasing trend. Findings show a high risk of infection and death in the macroregion, in addition to a growing trend in accumulated cases, confirming the inland expansion of the disease.
Key words: Coronavirus; Spatial Analysis; Epidemiology; Brazil
Introdução
O novo coronavírus denominado SARS-CoV-2 foi identificado pela primeira vez na China em Wuhan (província de Hubei), em dezembro de 20191, sendo considerado o agente causador da COVID-19 e que se disseminou rapidamente por todos os continentes. Diante disso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que a doença apresenta uma emergência internacional de saúde pública2, caracterizada com o status de pandemia, em março de 20203,4. Conforme a doença evolui, observa-se uma variedade de possibilidades na relação clínica, radiológica e laboratorial que pode levar a um dilema na condução de manifestações discordantes5. Por outro lado, possui características respiratórias predominantes que podem evoluir desde o desconforto respiratório à necessidade de cuidados intensivos6.
Nessa direção, a COVID-19 possui alta velocidade de disseminação e capacidade de provocar mortes, fatores que contribuem para o estado de incertezas sobre as melhores estratégias a serem adotadas no enfrentamento da pandemia em diferentes partes do mundo7. No Brasil, os desafios se apresentam mais latentes em virtude do cenário de grande desigualdade social, com populações vivendo em condições precárias de habitação e saneamento, sem acesso à água potável e em situação de aglomeração; além da extrema vulnerabilidade, com altas taxas de desemprego e cortes nas políticas sociais8.
Alguns estudos no país vêm sendo realizados para estimar a propagação da doença9-11, contudo, apesar da relevância dos achados, há que se considerar a heterogeneidade dos indicadores entre as diferentes regiões de saúde com transmissão, uma vez que esses variam de acordo com ações, rotinas, disponibilidade de suprimentos, estrutura de serviços de saúde e de vigilância, questões culturais e políticas12. Os casos e óbitos da COVID-19 já ocorrem nos grandes centros urbanos e no interior do país, sendo que Amazonas e Amapá, classificados como rurais e remotos, apresentaram incidência e mortalidade elevadas e colapso de seu sistema de saúde. A crença de que COVID-19 é “doença de cidade grande” cria obstáculos a mudanças de comportamento e prevenção, diante da urgência imposta pela pandemia em diferentes territórios13.
No Brasil, até o dia 31 de março de 2021 haviam sido confirmados 12.748.747 casos de COVID-19 e 321.515 óbitos pela doença (2,5% de letalidade)14. Na Bahia, foram registrados 803.664 casos e 15.330 óbitos no mesmo período (1,9% de letalidade)15. Além disso, a distribuição da COVID-19 tem ocorrido de forma heterogênea nas regiões de saúde, com os primeiros casos sendo identificados nas capitais brasileiras e, posteriormente, novos casos detectados em regiões mais afastadas, em detrimento da transmissão comunitária16.
Assim, existe uma tendência à interiorização da epidemia, o que desafia o controle da pandemia nas regiões mais remotas do país, dada a disseminação acelerada da COVID-19 em municípios de pequeno porte no país17. O conhecimento de como a doença está se distribuindo em diferentes regiões de saúde permite a compreensão de sua propagação. Nesse sentido, torna-se importante prever surtos regionais para desenvolver estratégias em resposta a emergência da COVID-19 em municípios do Nordeste brasileiro. Dessa forma, o presente estudo tem o objetivo de descrever o perfil epidemiológico e a distribuição espacial dos óbitos e casos confirmados da COVID-19 na macrorregião de saúde Oeste da Bahia.
Métodos
Trata-se de um estudo ecológico sobre a interiorização do SARS-CoV-2 na macrorregião de saúde Oeste da Bahia, a partir de 21 de março de 2020, data da confirmação do primeiro caso de COVID-19 na região, até 31 de março de 2021. Para tanto, utilizou-se dados públicos disponibilizados, diariamente, em boletins epidemiológicos das Secretarias Municipais de Saúde da região Oeste e da Central Integrada de Comando e Controle de Saúde do estado da Bahia (https://bi.saude.ba.gov.br/transparencia/).
A macrorregião de saúde Oeste da Bahia é composta por 36 municípios (Figura 1A), abrange uma população de 953.520 habitantes e organizada em três regiões de saúde: a região de Barreiras, que abrange 15 municípios (Angical, Baianópolis, Barreiras, Brejolândia, Catolândia, Cotegipe, Cristópolis, Formosa do Rio Preto, Luís Eduardo Magalhães, Mansidão, Riachão das Neves, Santa Rita de Cássia, São Desidério, Tabocas do Brejo Velho e Wanderley), a de Ibotirama, com 09 municípios (Barra, Brotas de Macaúbas, Buritirama, Ibotirama, Ipupiara, Morpará, Muquém do São Francisco, Oliveira dos Brejões e Paratinga) e a de Santa Maria da Vitória, com 12 municípios (Bom Jesus da Lapa, Canápolis, Cocos, Coribe, Correntina, Jaborandi, Santa Maria da Vitória, Santana, São Félix do Coribe, Serra do Ramalho, Serra Dourada e Sítio do Mato)18.
Análise espacial dos casos e óbitos confirmados da Covid-19 na macrorregião de saúde Oeste da Bahia, até 31 de março de 2021. (A) Macrorregião de saúde Oeste da Bahia; (B) Casos confirmados; (C) Casos recuperados; (D) Casos ativos; (E) Óbitos.
Neste estudo foram analisadas as seguintes variáveis: número de casos confirmados, número de casos novos diários, número de óbitos confirmados, número de óbitos novos diários, casos ativos, casos recuperados, características demográficas (faixa etária, sexo, raça/cor e ocupação) e condições de saúde preexistentes. Os dados da população residente foram padronizados com os utilizados pela Secretaria de Saúde do estado da Bahia (SESAB) nos boletins epidemiológicos do estado para fins de comparação.
As frequências absolutas e relativas foram calculadas para os casos confirmados, que foram descritos segundo características demográficas e condições de saúde preexistentes. A partir do número absoluto de casos confirmados e óbitos por COVID-19, calculou-se o coeficiente de incidência (número de casos confirmados dividido pela população residente, multiplicado por 100.000 habitantes), coeficiente de mortalidade (número de óbitos por COVID-19 dividido pela população residente, multiplicado por 100.000 habitantes) e letalidade (número de óbitos por COVID-19 dividido pelo total de casos confirmados, multiplicado por 100). A média móvel semanal foi quantificada a partir da soma do número de casos e óbitos novos notificados nos últimos sete dias, dividido por sete (total de dias do período contabilizado), sendo considerado um cenário epidemiológico estável quando a variação percentual for de até 15%; em crescimento, quando for maior que 15%; e, em queda, quando for mais de 15% negativos.
Para a análise espacial, os dados foram processados e armazenados no Sistema de Informações Geográficas (SIG), por meio do software QGIS 2.18.28. Os arquivos vetoriais foram obtidos pelo IBGE19 e Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI)20. A partir da criação do Banco de Dados Geográfico (BDG) no SIG e análises no QGIS foram gerados os mapas dos casos confirmados, casos ativos, casos recuperados, número de óbitos, coeficiente de incidência, coeficiente de mortalidade, letalidade e densidade dos casos. Para a elaboração do mapa de densidade dos casos21 foi aplicada a técnica de mapa de calor, com raio de 30.000 metros, que possibilitou identificar os locais com maior densidade da ocorrência dos casos confirmados da COVID-19, por municípios da macrorregião estudada. Essa técnica proporciona a diferenciação dos municípios pela intensidade de ocorrência da COVID-19, sendo classificados como: muito alta e alta (municípios mais críticos), média (municípios em situação moderada) e baixa/muito baixa (municípios com menor intensidade de casos).
Os softwares Microsoft Excel for Windows, versão 2016, e Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.0, foram utilizados para tratamento, importação para BDG, análise de dados e criação de gráficos. O presente estudo foi realizado utilizando-se dados secundários e agregados, seguindo as recomendações das diretrizes da ética em pesquisa.
Resultados
No período estudado foram registrados 37.036 casos confirmados de COVID-19 na macrorregião de saúde Oeste da Bahia, sendo 61,5% dos casos na região de Barreiras, 24,8% na região de Santa Maria da Vitória e 13,7% na região de Ibotirama. Os municípios que registraram os maiores números absolutos de casos confirmados acumulados foram Barreiras (28,2%) e Luís Eduardo Magalhães (16,3%). Do total de casos confirmados na macrorregião, 94,5% encontram-se recuperados e 4,0% ativos, e, desses últimos, 49,1% situavam-se na região de saúde de Barreiras. A maior parte dos casos ativos registrados encontram-se nos municípios de Barreiras (n=304), Bom Jesus da Lapa (n=172) e Luís Eduardo Magalhães (n=162), que juntos representam 42,8% dos casos ativos na macrorregião (Tabela 1, Figura 1B, 1C, 1D).
Com relação à faixa etária, houve maior prevalência de casos confirmados entre indivíduos de 30 a 39 anos (25,72%). Quanto ao sexo, 54,08% dos casos eram do sexo feminino, 45,68% do sexo masculino e 0,24% não possuía informação. Em relação ao quesito raça/cor, verificou-se maior frequência da parda (59,85%), seguida da branca (14,36%) e amarela (11,76%). No tocante a ocupação, 4,40% eram profissionais da saúde e concernente às condições de saúde preexistentes, destacaram-se a presença de doenças cardíacas crônicas (3,99%); diabetes (2,00%); doenças respiratórias crônicas descompensadas (1,16%); imunossupressão (0,30%); doenças renais crônicas em estágio avançado (0,24%); doenças cromossômicas ou estado de fragilidade imunológica (0,17%); houve o registro de apenas 1 caso de gestação de alto risco (0,00%) (Tabela 2). É importante ressaltar que o quantitativo de casos descritos na Tabela 2 é inferior ao apresentado na Tabela 1, devido à indisponibilidade dos dados epidemiológicos detalhados e atualizados para todos os casos registrados nos municípios da macrorregião pesquisada.
O coeficiente de incidência da COVID-19 na macrorregião de saúde foi de 3.884,1/100 mil hab, o coeficiente de mortalidade foi de 56,2/100 mil hab e a letalidade foi de 1,4% até o dia 31 de março de 2021. O maior coeficiente de incidência foi registrado na região de saúde de Barreiras (4.938,1/100 mil hab) e nos municípios de Luís Eduardo Magalhães (6.880,8/100 mil hab) e Barreiras (6.726,1/100 mil hab), ambos pertencentes à essa mesma região de saúde (Tabela 1, Figura 2A, 2B, 2C).
Análise espacial da Covid-19 na macrorregião de saúde Oeste da Bahia, até 31 de março de 2021. (A) Coeficiente de incidência; (B) Letalidade dos casos confirmados; (C) Coeficiente de mortalidade; (D) Densidade dos casos confirmados.
O maior coeficiente de mortalidade foi registrado na região de saúde de Barreiras (62,2/100 mil hab) e no município de Jaborandi (119,3/100 mil hab), seguido dos municípios de Riachão das Neves (103,0/100 mil hab), Ibotirama (89,1/100 mil hab), Brejolândia (85,3/100 mil hab) e Barreiras (80,4/100 mil hab). Dos cinco municípios, três estão localizados na região de saúde de Barreiras (Tabela 1, Figura 2C). Já com relação à letalidade, as maiores taxas foram observadas na região de saúde Ibotirama (1,8%) e nos municípios de Brejolândia (7,0%), Serra do Ramalho (5,5%) e Riachão das Neves (3,9%), sendo o primeiro e o último pertencentes à região de saúde de Barreiras e o segundo, à região de saúde de Santa Maria da Vitória (Tabela 1, Figura 2B).
A série histórica dos casos confirmados de COVID-19 mostra uma tendência crescente de casos, sendo registrado o maior valor absoluto no mês de dezembro (5.339 casos), seguido de agosto (5.177 casos) e março de 2021 (5.102 casos) (Figura 3A). Com relação ao quantitativo de municípios com notificação de casos confirmados, observa-se que houve um aumento significante, passando de dois no mês de março de 2020 (Barreiras e Barra) para trinta e seis (100,0%), até o dia 31 de março (Figura 1B).
Série histórica de casos e óbitos confirmados e média móvel da Covid-19 nos municípios pertencentes à macrorregião de saúde Oeste da Bahia. até 31 de março de 2021. (A) Série histórica dos casos confirmados acumulados e novos; (B) Série histórica dos óbitos confirmados acumulados e novos; (C) Casos novos confirmados e média móvel; (D) Óbitos novos confirmados e média móvel.
Com relação aos óbitos por COVID-19, foram confirmados 536 óbitos na macrorregião de saúde Oeste da Bahia, sendo que 287 (53,5%) na região de saúde de Barreiras, 156 (29,1%) na região de Santa Maria da Vitória e 93 (17,4%) na região de Ibotirama. Os municípios que registraram os maiores números absolutos de óbitos foram Barreiras (n=125) e Luís Eduardo Magalhães (n=54), que juntos representaram 33,4% dos óbitos (Tabela 1, Figura 1E).
Na série histórica de óbitos, verifica-se que o primeiro caso na macrorregião foi registrado no dia 10 de maio de 2020. Os maiores valores absolutos foram notificados no mês de agosto (92 óbitos), seguido de março de 2021 (83 óbitos) e setembro (64 óbitos) observou-se, também, um aumento considerável no quantitativo de municípios com notificação de ocorrência de óbitos, passando de um no mês de maio (Cristópolis) para trinta e cinco, até o dia 31 de março de 2021 (Figura 1E, 3B).
Quanto aos casos e óbitos novos, nota-se que no período analisado houve um aumento mais expressivo a partir do mês de julho, sendo a maior média mensal de casos novos registrada nos meses de dezembro (172 casos novos/dia), seguido de agosto (167 casos novos/dia) e de março de 2021 (165 casos novos/dia) e a maior média mensal de óbitos, nos meses de agosto (3 óbitos novos/dia) e março de 2021 (3 óbitos novos/dia) (Figura 3A, 3B). Já com relação à média móvel de casos novos, nota-se oscilações importantes nos valores obtidos ao longo do período, sendo possível identificar picos nos meses de agosto (202 casos novos nos dias 07 e 08/08/2020), dezembro (250 casos novos no dia 19/12/2020), mês no qual foi registrada a maior média móvel do período em análise, e março de 2021 (190 casos novos no dia 31/03/2021). Com relação à média móvel de óbitos por COVID-19, as oscilações nos valores foram menores, entretanto foi mantido comportamento similar ao de casos novos e os picos também foram registrados nos meses de agosto (4 casos novos nos dias 04, 08, 09 e 23/08/2020), dezembro (4 casos novos nos dias 15 e 16/12/2020) e março de 2021 (4 casos novos no dia 31/03/2021). Quando avaliados os últimos 14 dias do período (18 e 31/03/2021), a média móvel de casos novos passou de 165 para 190 (aumento de 15,1%) e a média móvel de óbitos novos de 2 para 4 (aumento de 50,0%), o que evidencia, portanto, uma tendência de crescimento tanto no número de casos novos quanto de óbitos novos por COVID-19 na região (Figura 3C, 3D).
Sobre a análise espacial dos casos confirmados, realizou-se um mapeamento da densidade desses casos, com vistas a compreender o padrão de distribuição espacial da COVID-19 na macrorregião de saúde Oeste da Bahia. Notou-se uma predominância de intensidade muito alta e alta da ocorrência da COVID-19 na macrorregião. Os municípios com a intensidade crítica de ocorrência foram representados pelo tom mais próximo ao preto (muito alta) e cinza escuro (alta), em situação moderada (Média), pelo tom mais próximo ao cinza médio e com menor intensidade de ocorrência no tom cinza claro (Baixa) e branco (Muito Baixa) (Figura 2D).
Discussão
Esse estudo analisou o perfil epidemiológico e a análise espacial da COVID-19 na macrorregião de saúde Oeste da Bahia. Com relação à incidência, o valor obtido pela macrorregião (3.884,1/100 mil hab) foi menor do que o registrado na Bahia (5.403,5/100 mil hab)15 e na maioria das suas demais macrorregiões de saúde, exceto a Norte (3.721,2/100 mil habitantes)15. Em contrapartida, a incidência da COVID-19 no Oeste baiano alcançou valores superiores aos registrados nos estados de Sergipe (2.049,0/100 mil hab), Paraíba (1.713,0/100 mil hab) e Ceará (1.713,0/100 mil hab)22, sendo inferior aos valores da região Nordeste (4.994,4/100 mil hab)23 e do Brasil (5.898,5/100 mil hab)23. Entretanto, os municípios de Barreiras e Luís Eduardo Magalhães obtiveram coeficientes de incidência maiores do que os registrados a nível estadual15, nos distintos estados do Sudeste e Nordeste23 e a nível nacional23.
A mortalidade acumulada na macrorregião de saúde alcançou um valor inferior ao registrado no estado da Bahia (103,0/100 mil hab)15, no Nordeste (116,8/100 mil hab)23 e no Brasil (146,7/100 mil hab)23. Entretanto, o município de Jaborandi apresentou destaque na mortalidade com valor acima do registrado no âmbito estadual15. Esse padrão não foi observado com a letalidade macrorregional, que registrou um valor menor que a Bahia (1,9%)15, a região Nordeste (2,3%)23 e o Brasil (2,4%)23, todavia, nos municípios de Brejolândia, Cotegipe, Formosa do Rio Preto, Riachão das Neves e Serra do Ramalho, a letalidade foi superior ao encontrado a nível estadual15, regional23 e nacional23. A mortalidade regional também superou valores registrados nos estados de Alagoas (43,3/100 mil hab), Paraíba (38,8/100 mil hab) e Piauí (35,4/100 mil hab)22.
Dos casos registrados, o sexo feminino predominou, seguindo o perfil da Bahia (54,9%)15 e da cidade do Rio de Janeiro (51,4%)9, diferindo da média nacional (45,1%)23. Os adultos jovens foram a faixa etária mais acometida, em concordância com o âmbito estadual15 e nacional23. Achados similares foram identificados em nível internacional24, o que indica que a COVID-19 afeta principalmente a população economicamente ativa, entretanto, leva ao óbito os mais idosos e com condições de saúde preexistentes, como doenças crônicas e imunossupressão25, por isso a importância da vigilância e notificação desses dados. O presente estudo identificou uma baixa prevalência das condições de saúde preexistentes, com aproximadamente 3,4% dos casos sem esse tipo de informação, revelando fragilidades na notificação de informações relativas a um dos fatores de vulnerabilidade para a COVID-19.
No quesito raça/cor, predominou a parda, com quase 60,0% dos casos, apresentando valor superior ao observado na Bahia (49,9%)15. No entanto, o Brasil obteve uma representação percentual inferior de pardos (31,7%)23, apesar de ter o maior quantitativo de casos, possuindo prevalência da raça branca (47,1%) e diferindo do padrão verificado na macrorregião de saúde Oeste. Sabe-se que as diferenças de saúde entre grupos raciais e étnicos são, geralmente, devido às condições econômicas e sociais26. Aliado a isso, o racismo também impede a adoção de medidas preventivas para COVID-19, considerando que o distanciamento social, a principal medida proposta pela OMS27, não é um privilégio de todos, em especial no Brasil, onde a população negra representa a maioria dos trabalhadores informais, de serviço doméstico, comercial, da alimentação, transporte, armazenamento e correio, que se mantiveram ativos, mesmo durante a pandemia28. Tal fato influencia o maior crescimento no número de infectados na população negra26.
No tocante à infecção da COVID-19 por profissionais da saúde, verificou-se um percentual menor do que o registrado na Bahia (5,85%)15. Segundo boletim da SESAB sobre os trabalhadores em saúde, os mais acometidos têm vínculo empregatício terceirizado e, dentre as categorias de nível superior, destacam-se: enfermeiras(os) (17,2%), auditores (16,7%) e aqueles em cargos de direção, coordenação e chefia nas unidades (15,5%). Já entre as categorias de nível técnico, destacaram-se os(as) técnicos(as)/auxiliares de laboratório/patologia (20,6%), seguidos pelos técnicos(as)/auxiliares de enfermagem (19,0%) e os/as técnicos(as)/auxiliares odontologia (14,7%)29.
A evolução da COVID-19 ocorreu de forma distinta entre os municípios, sendo inicialmente registrados casos confirmados em apenas dois deles, em março de 2020, após um ano, constatou-se casos confirmados nos 36 municípios da macrorregião de Saúde Oeste. Com relação aos casos recuperados, observa-se que a macrorregião apresentou um percentual inferior ao relatado na Bahia (96,2%)15 e maior comparado ao verificado no Brasil (87,1%)23. Ressalta-se que devido à indicação de coleta de exames para confirmação diagnóstica de infecção pelo novo coronavírus ser restrita a públicos definidos pelos protocolos do Ministério da Saúde e protocolos municipais e, consequentemente, ocorrência de subnotificação de casos, é necessário avaliar com cautela esses dados sobre proporção de recuperados versus casos ativos.
O primeiro caso de COVID-19 confirmado na macrorregião ocorreu em Barreiras, município com o maior número de casos acumulados. Trata-se de um dos maiores polos agropecuários baianos e do Nordeste brasileiro, o que dinamiza e influencia a economia das regiões de saúde. Em 2017, situava-se entre os municípios com o maior PIB per capita da Bahia, R$ 24.676,4830. Ainda, este município é o único que possui aeroporto com voos para diversas cidades brasileiras, além de ser considerado o principal entroncamento rodoviário da região, o que acarreta grande fluxo de pessoas por meio rodoviário e aéreo, oferecendo mobilidade para regiões próximas e a outros estados brasileiros, o que pode estar relacionado com a transmissibilidade da doença. O fluxo de turistas para região na alta temporada, como feriados de Natal, Ano Novo, Carnaval e São João, também pode ter contribuído para a entrada do vírus no território e sua propagação. Embora os primeiros casos de COVID-19 tenham sido registrados em março, provavelmente a contaminação tenha ocorrido muito tempo antes, devido ao período de grande corrente de turistas em aeroporto, rodoviárias e espaços com aglomeração de pessoas31.
No que se refere à média móvel de casos e óbitos registrada no último dia de observação do período de estudo (31 de março de 2021), observa-se uma tendência de crescimento na ocorrência de casos novos e óbitos novos. Entretanto, considerando que o cenário epidemiológico é influenciado diretamente pelas medidas de controle adotadas e que pode sofrer alterações ao longo do tempo, a condição de crescimento pode estar associada ao relaxamento das medidas de prevenção da COVID-19 nos territórios municipais.
Com a densidade dos casos confirmados foi possível compreender o padrão de distribuição espacial da COVID-19 na macrorregião de saúde Oeste da Bahia. Esse mapeamento permitiu discriminar os locais com maior densidade na ocorrência dos casos. Essa identificação sinaliza a necessidade de intensificação das medidas de combate à doença, a exemplo das medidas de distanciamento social e de vigilância epidemiológica e sanitária, para que seja possível a prevenção da disseminação de novos casos nestes municípios. Além disso, faz-se necessária uma abordagem de enfrentamento à COVID-19 de forma coordenada no âmbito intra e intermunicipal, considerando a proximidade e fluxo de indivíduos entre as cidades da região.
Algumas limitações são importantes na interpretação dos achados deste estudo. Os casos confirmados estão relacionados predominantemente a critérios laboratoriais. Deste modo, revela-se uma potencial subnotificação no território estudado, principalmente pela existência de apenas um Laboratório de Saúde Pública regionalizado. Os coeficientes de incidência e mortalidade podem não refletir bem as informações para os municípios com a população pequena, como Catolândia e Cotegipe, que apresentam taxas elevadas. De modo semelhante, encontra-se municípios com número pequeno de casos e óbitos, como Brejolândia e que possui 7,0% de letalidade.
Os achados indicam alto risco de infecção e morte pela doença em municípios da macrorregião de saúde Oeste da Bahia. Além disso, evidenciam uma tendência de crescimento de casos novos, confirmando o perfil nacional de interiorização da COVID-19 nas cidades menores. Admite-se que a distribuição pode se alterar rapidamente, devido à transmissão e características das intervenções municipais, estrutura dos serviços de saúde, aspectos socioeconômicos, culturais e políticos.
Entretanto, reafirma-se que a interiorização gradativa da doença pode afetar ainda mais o sistema de saúde da macrorregião, dado que muitos municípios não têm sequer hospital, sendo necessário o deslocamento para o município de referência da regional de saúde. Dessa forma, recomenda-se a intensificação das medidas de prevenção orientadas pelas autoridades sanitárias, especialmente nos municípios que apresentaram os maiores coeficientes de incidência, para evitar a sobrecarga e colapso no sistema regional de saúde do Oeste baiano. Destaca-se, a necessidade de uma resposta regional coordenada entre os municípios, a fim de que as decisões e estratégias de enfrentamento da COVID-19 possam ter um alcance mais efetivo.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Out 2021 -
Data do Fascículo
Out 2021
Histórico
-
Recebido
20 Nov 2020 -
Aceito
24 Maio 2021 -
Publicado
26 Maio 2021