O envelhecimento da população traz consigo significativas mudanças concernentes à importância relativa das doenças. Da situação que prevaleceu no século passado, quando eram preponderantes as doenças agudas, estamos agora passando para uma época em que as crônicas estão prevalecendo cada vez mais. O sistema de saúde centrado em hospitais, dos séculos XIX e XX, criado para lidar com as doenças agudas e, principalmente, com as infecciosas, é inadequado para a resposta às necessidades de tratamento continuado, por prazo extenso, dos doentes crônicos. Precisamos reorganizar o sistema de saúde de modo a centrá-lo no lugar onde cada pessoa vive, ou seja, em seu lar. O sistema de saúde deverá, portanto, mudar do atual modelo centrado em hospitais, para um modelo centrado na comunidade.
Tendo em vista que a maioria das doenças crônicas é evitável, a promoção da saúde e a prevenção da doença deverão merecer uma atenção prioritária. Promover hábitos saudáveis de vida é uma ação de fundamental importância para se diminuir os encargos futuros associados às doenças crônicas. Mas a ação de promover a saúde deve ir mais além, focando também na moradia, no emprego, na educação, na renda e no meio ambiente, questões estas que constituem determinantes fortes para a saúde.
O atendimento básico é essencial para se garantir um adequado seguimento dos pacientes portadores de doenças crônicas, permitindo acompanhar a evolução da doença e o ajustamento no tratamento, evitando-se assim a utilização indevida e a deterioração das salas de emergência e hospitais. Os médicos e outros profissionais de saúde deverão ser apoiados por equipes geriátricas, visando prover um atendimento especializado para os frágeis idosos que sofrem de declínio funcional e deterioração aguda. Os serviços geriátricos deverão estar disponíveis não apenas em instituições (como unidades de avaliação geriátrica ou unidades de reabilitação), mas também na comunidade [sob forma de day-hospitals (hospitais de atendimento abrangente em um mesmo dia), day-centers (centros de atendimento abrangente em um mesmo dia), clínicas ambulatoriais, e clínicas de reabilitação da memória].
O atendimento e os serviços necessários para atender às pessoas que sofrem de doenças crônicas vão além do tratamento médico e, por conseguinte, este deverá ter um papel mais marginal. A incapacitação por doença crônica constitui, hoje, o motivo principal da utilização de tratamentos e serviços de saúde. Nosso objetivo deverá ser o de otimizar a autonomia individual, reduzindo a incapacitação mediante o suporte necessário para atenuar as deficiências de cada indivíduo.
Os atuais sistemas de assistência médica estão muito longe de completar este processo de reorientação. Falta o acesso a serviços coordenados. A integração dos serviços de saúde e dos sociais, assim como a coordenação dos vários provedores envolvidos no atendimento de pessoas idosas frágeis constituem desafios significativos. Os modelos de plena integração, como o Programa de Assistência Abrangente para Idosos (PACE) nos Estados Unidos, ou de coordenação em assistência à saúde, como os Itens Preferenciais de Relatórios para Avaliações Sistemáticas e Meta-análises (PRISMA) que desenvolvemos, validamos e implantamos em Quebec, constituem soluções comprovadas para o aperfeiçoamento da continuidade na assistência à saúde.
O atendimento em casa é manifestamente insuficiente, proporcionando cuidadores informais que deveriam ser parceiros indispensáveis no sistema de assistência à saúde. No entanto, atualmente estão mais ou menos abandonados à sua própria sorte. Não recebem apoio e nem têm descanso. Sem o devido atendimento em casa, o idoso e sua família têm apenas uma opção: a assistência institucionalizada. Esta solução dispendiosa e não confiável chega com mais do que a sua própria quota de problemas, como a impessoalidade e as condições restritas, a ruptura da rede social, a transmissão de infecções, a separação de casais e as dificuldades para se recriar um ambiente satisfatório no lar. Há uma necessidade urgente de mudarmos a nossa abordagem, para passarmos a oferecer os serviços onde eles são necessários, no lar e suas imediações. Em vez de obrigar as pessoas a irem onde os serviços são prestados, os serviços deveriam se dirigir para o lugar onde as pessoas vivem. Este tipo de abordagem implica em um investimento de envergadura no apoio à autonomia das pessoas, e requer o estabelecimento de benefícios pecuniários ou em bens, com base nas necessidades da população, e não de acordo com o ambiente em que vivem. Para a cobertura do risco crescente de declínio funcional, planos públicos de longo prazo, voltados para o seguro-saúde, têm sido desenvolvidos por muitos países na Europa e na Ásia.
O envelhecimento da população implica em uma verdadeira revolução na assistência à saúde e nas práticas profissionais. Será que estamos dispostos a mudar?
Réjean Hébert
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de Montréal
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Dez 2015