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Insegurança alimentar e insegurança hídrica domiciliar: um estudo de base populacional em um município da bacia hidrográfica do Rio Amazonas, Brasil

Food insecurity and household water insecurity: a population-based study in a municipality in the Amazon River basin, Brazil

Inseguridad alimentaria e inseguridad hídrica en los hogares: un estudio de base poblacional en un municipio de la cuenca hidrográfica del río Amazonas, Brasil

Resumo:

Este estudo analisa a insegurança alimentar e os fatores a ela associados na área urbana de um município na bacia hidrográfica do Rio Amazonas, Amazônia Ocidental. Trata-se de pesquisa transversal, de base populacional, realizada de agosto a novembro de 2021, com 983 domicílios selecionados por amostragem probabilística estratificada. Empregou-se o modelo de regressão logística multinomial, adotando-se os seguintes critérios: valor de p < 20% na análise bivariada e valor de p < 5% para o ajuste multivariado. Os resultados das análises foram descritos como odds ratios (OR) e intervalo de 95% de confiança (IC95%). Foram significantemente associadas à insegurança alimentar leve ou moderada as seguintes variáveis: insegurança hídrica domiciliar, número de moradores ≥ 5 no domicílio, pertencer à classe socioeconômica D ou E, ter pai, mãe ou outro, como chefe da família e ter algum morador beneficiário do Programa Bolsa Família. No modelo de análise para a insegurança alimentar grave constatou-se que viver em insegurança hídrica domiciliar, pertencer à classe socioeconômica D ou E, ter pai, mãe ou outro chefe da família, e tendo este menos que 55 anos, e renda familiar menor que dois salários mínimos aumentaram as chances de insegurança alimentar grave, comparativamente àqueles em segurança alimentar. Em conclusão, verificou-se alta prevalência de insegurança alimentar no Município de Itapiranga, Amazonas, Região Norte do Brasil, associada à situação de vulnerabilidade social e econômica, à falta de serviços públicos e à insegurança hídrica domiciliar.

Palavras-chave:
Fome; Água Potável; Vulnerabilidade Social; Inquéritos Epidemiológicos; Ecossistema Amazônico

Abstract:

This study analyzed food insecurity and associated factors in the urban area of a municipality in the Amazon River basin, Western Amazon. This is a cross-sectional population-based study conducted from August to November 2021 with 983 households selected by stratified probability sampling. A multinomial logistic regression model was used, adopting the following criteria: p-value < 20% in the bivariate analysis and p-value < 5% for the multivariate adjustment. The results of the analyses were described as odds ratio (OR) and 95% confidence interval (95%CI). The following variables were significantly associated with mild or moderate food insecurity: household water insecurity; number of residents ≥ 5 in the household; belonging to socioeconomic class D or E; having a father, mother or another as the head of the family; and having any resident as a beneficiary of the Brazilian Income Transfer Program. The analysis model for severe food insecurity showed that living with household water insecurity; belonging to socioeconomic class D or E; having a father, mother or another as the head of the family; age of the head of the family < 55 years; and family income lower that two minimum wages increased the chances of severe food insecurity when compared to those with food security. In conclusion, this study found a high prevalence of food insecurity in the Municipality of Itapiranga, State of Amazonas, North Region of Brazil, associated with social and economic vulnerability, lack of public services, and household water insecurity.

Keywords:
Hunger; Drinking Water; Social Vulnerability; Health Surveys; Amazonian Ecosystem

Resumen:

Este estudio analiza la inseguridad alimentaria y los factores asociados, en el área urbana de un municipio de la cuenca hidrográfica del río Amazonas, Amazonia occidental. Se trata de una encuesta transversal, de base poblacional, realizada en el período de agosto a noviembre del 2021, con 983 hogares seleccionados mediante muestreo probabilístico estratificado. Se utilizó el modelo de regresión logística multinomial, adoptando los siguientes criterios: valor de p < 20% en el análisis bivariado y valor de p < 5% para el ajuste multivariado. Los resultados de los análisis se describieron como odds ratios (OR) e intervalo de 95% de confianza (IC95%). Las siguientes variables se asociaron significativamente con la inseguridad alimentaria leve o moderada: inseguridad hídrica en el hogar, número de residentes ≥ 5 en el hogar, pertenecer a la clase socioeconómica “D” o “E”, tener padre, madre u otra persona como cabeza de familia y tener a algún residente como beneficiario del Programa Bolsa Familia. En el modelo de análisis para la inseguridad alimentaria severa se encontró que vivir en hogar con inseguridad hídrica, pertenecer a la clase socioeconómica D o E, tener padre, madre u otra persona como cabeza de familia, edad del jefe de familia < 55 años, y un ingreso familiar más bajo que dos salarios mínimos aumentó las probabilidades de sufrir inseguridad alimentaria grave, en comparación con aquellos en situación de seguridad alimentaria. En conclusión, se constató una alta prevalencia de inseguridad alimentaria en el Municipio de Itapiranga, en el interior del Amazonas, Región Norte de Brasil, asociada a la situación de vulnerabilidad social y económica, a la falta de servicios públicos y a la inseguridad hídrica de los hogares.

Palabras-clave:
Hambre; Agua Potable; Vulnerabilidad Social; Encuestas Epidemiológicas; Ecosistema Amazónico

Introdução

Em 2022, a insegurança alimentar grave afetou severamente os domicílios da Região Norte do Brasil (25,7%), ratificando disparidades regionais histórico-sociais agravadas pela pandemia da COVID-19 11. Bagni UV, Rodrigues AA, Ribeiro ECSA, Salles-Costa R, Ferreira AA. Food insecurity in households with persons with disabilities in a situation of extreme vulnerability in Brazil: a secondary cross-sectional analysis. Lancet Reg Health Am 2022; 18:100417.,22. Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Seguranc¸a Alimentar e Nutricional. II VIGISAN National Survey on Food Insecurity in the Context of the Covid-19 Pandemic in Brazil. https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/09/OLHESumExecutivoINGLES-Diagramacao-v2-R01-02-09-20224212.pdf (acessado em 14/Out/2022).
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. Foram devastadores os efeitos da crise sanitária instaurada no país, polo de maior ocorrência de casos e de óbitos por COVID-19 na América Latina e Caribe 33. Word Health Organization. WHO COVID-19 dashboard. https://covid19.who.int (acessado em 22/Mar/2023).
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. Nesse contexto, sobressai a cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas, como a mais afetada no Norte brasileiro 44. Orellana JDY, Cunha GM, Marrero L, Moreira RI, Leite IC, Horta BL. Excesso de mortes durante a pandemia de COVID-19: subnotificação e desigualdades regionais no Brasil. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00259120..

As populações amazônicas vivenciaram, simultaneamente, diferentes formas de insegurança alimentar, referentes à falta de “acesso regular e permanente a alimentos de qualidade em quantidade suficiente sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis55. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, 17-20 março, 2004. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/II_Conferencia_2versao.pdf (acessado em 05/Fev/2023).
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, além de insegurança hídrica 22. Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Seguranc¸a Alimentar e Nutricional. II VIGISAN National Survey on Food Insecurity in the Context of the Covid-19 Pandemic in Brazil. https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/09/OLHESumExecutivoINGLES-Diagramacao-v2-R01-02-09-20224212.pdf (acessado em 14/Out/2022).
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, expressa pela falta de acesso à água em quantidade segura e suficiente para o consumo humano e o uso domiciliar 66. Young SL, Bethancourt HJ, Frongillo EA, Vivianic S, Cafieroc C. Concurrence of water and food insecurities, 25 low- and middle-income countries. Bull World Health Organ 2023; 101:90-101..

Tal situação revela o paradoxo da fome e da sede em um bioma que abriga a maior bacia hidrográfica de água doce do planeta, com floresta tropical e vasta biodiversidade 7. Na última década, constatam-se impactos promovidos pela crise climática na Região Amazônica, incluindo perda de habitat natural de espécies, redução da biodiversidade e contaminação do solo e das águas. Além disso, o território em questão é marcado por disputas pela terra e violência, em razão da exploração predatória dos recursos naturais e do garimpo ilegal 88. Escada MIS, Amaral S, Fernandes DA. Dinâmicas de ocupação e as transformações das paisagens na Amazônia, Brasil. Cad Saúde Pública 2023; 39:e00021723..

As atipicidades dos fenômenos naturais no contexto amazônico, caracterizadas por eventos extremos, como secas e enchentes 99. Costa MSB, Fraxe TJP, Norte Filho AF, Oka JM, Carneiro JPR, Gonçalves VVC, et al. Percepção da comunidade local sobre os efeitos da mortandade de peixes no lago do Rei no Careiro da Várzea-Amazonas. Res Soc Dev 2023; 12:e27712138710., além de causarem perdas econômicas significativas, impactam na segurança alimentar e na segurança hídrica. Isso porque ambos os agravos se associam sinergicamente a: baixa renda, transtornos mentais, dificuldade financeira e fatores demográficos 1010. Brewis A, Choudharyb N, Wuticha A. Household water insecurity may influence common mental disorders directly and indirectly through multiple pathways: evidence from Haiti. Soc Sci Med 2019; 238:112520.,1111. Young SL, Bethancourt HJ, Ritter ZR, Frongillo EA. Estimating national, demographic, and socioeconomic disparities in water insecurity experiences in low- and middle-income countries in 2020-2021: a cross-sectional, observational study, using nationally representative data. Lancet Planet Health 2022; 6:e880-91., ampliando os riscos à sobrevivência dessa população. Destarte, essa dura realidade ameaça a meta mundial de eliminar a fome e todas as formas de má nutrição até 2030, no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Compreender as razões para a exclusão das populações amazônicas de inquéritos epidemiológicos nacionais, como distribuição espacial, baixa densidade demográfica e dificuldade de acesso 1212. Rezende AAB, Silva RP, Pedrosa NL, Luz RA, Paixão AN, Rodrigues W, et al. Distribuição da COVID-19 e dos recursos de saúde na Amazônia Legal: uma análise espacial. Ciênc Saúde Colet 2023; 28:131-41., é tarefa imprescindível para enfrentar os desafios que invisibilizam esses povos. Para tanto, entende-se que a produção de evidências científicas assume papel estratégico para a condução de políticas públicas regionalizadas, direcionadas ao meio ambiente e às pessoas que ocupam esse território 1313. D'Antona AO. Environmental conservation, spatial mobility, and living conditions of traditional populations in protected areas: for adequate health access models in the Amazonian context. Cad Saúde Pública 2023; 39:e00025223..

Neste estudo tem-se o objetivo de analisar a insegurança alimentar em associação à insegurança hídrica, aos fatores sociodemográficos e ao acesso a programas sociais de transferência de renda em domicílios da área urbana do Município de Itapiranga (Amazonas), situado na bacia hidrográfica do Rio Amazonas, na Amazônia Ocidental.

Material e métodos

Delineamento e local do estudo

Trata-se de estudo transversal, de base populacional, realizado em domicílios da área urbana no Município de Itapiranga, no período de agosto a novembro de 2021.

O Município de Itapiranga localiza-se na bacia hidrográfica do Rio Amazonas, com população estimada, em 2021, de aproximadamente 9.312 habitantes, com densidade demográfica de 1,94 habitantes/km2 e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio de 0,654, distante 226km de Manaus, com acesso fluvial (12 horas de viagem) e terrestre (6 horas de viagem) 1414. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Amazonas. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/am/panorama (acessado em 08/Mai/2023).
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. O transporte fluvial no município é utilizado particularmente para o abastecimento do comércio local.

Plano amostral

A população do estudo foi selecionada por amostragem probabilística estratificada. Para identificar a população de referência utilizou-se o cadastro do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), da Secretaria Municipal da Saúde (SEMSA) de Itapiranga de 2021, maior fonte de dados disponível, correspondente às três áreas de saúde, entre as quais se organiza o Sistema Único de Saúde (SUS) local, a saber: área 04 (1.210 habitantes), área 05 (2.255 habitantes) e área 06 (1.682 habitantes). A população de interesse concentrou-se na faixa etária entre 20 e 59 anos, considerando uma prevalência de 38,4% de domicílios em insegurança hídrica na Região Norte 1515. Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. I VIGISAN National Survey on Food Insecurity in the Context of the Covid-19 Pandemic in Brazil. https://olheparaafome.com.br/VIGISAN_AF_National_Survey_of_Food_Insecurity.pdf (acessado em 15/Jan/2022).
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. Por se tratar de dois desfechos principais para o inquérito realizado (insegurança alimentar e insegurança hídrica), escolheu-se o que apresentou maior tamanho amostral, a saber, o de insegurança hídrica. Estabeleceu-se um erro absoluto de 5%, com 95% de confiança, para estimar a prevalência de insegurança hídrica. Além disso, foram acrescidos 10% de indivíduos no cálculo final da amostra, para minimizar possíveis perdas e/ou recusas para cada uma das três áreas de saúde do município, respectivamente 308, 345 e 330 indivíduos, o que resultou em um total de 983 pessoas.

Consideraram-se elegíveis todos os domicílios com a presença de, pelo menos, um morador adulto com idade entre 18 e 59 anos, exceto mulheres grávidas e pessoas com deficiência (PCD).

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada por entrevistadores capacitados, sob supervisão direta da auxiliar de pesquisa. As entrevistas ocorreram presencialmente, respeitando-se os protocolos sanitários de biossegurança, com um adulto respondente selecionado por cada domicílio. Para aqueles domicílios com mais de um adulto elegível presente no ato da entrevista, realizou-se sorteio aleatório. Para garantir a qualidade dos dados coletados, realizou-se supervisão contínua e sistemática do trabalho de campo. Os questionários foram revisados e, quando necessário, o retorno ao campo foi imediato. Isso assegurou um percentual de resposta de 100%.

Variáveis do estudo

A variável de desfecho deste estudo foi a (in)segurança alimentar, medida com o auxílio da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), em sua versão curta de oito itens e validada 1616. Interlenghi GS, Reichenheim ME, Segall-Corrêa AM, Pérez-Escamilla R, Moraes CL, Salles-Costa R. Suitability of the eight-item version of the Brazilian Household Food Insecurity Measurement Scale to identify risk groups: evidence from a nationwide representative sample. Public Health Nutr 2019; 22:776-84.,1717. Segall-Corrêa AM, Marin-León L, Melgar-Quiñonez H, Pérez-Escamilla R. Refinement of the Brazilian Household Food Insecurity Measurement Scale: recommendation for a 14-item EBIA. Rev Nutr 2014; 27:241-51.. A partir da soma desses oito itens classificou-se os respondentes em três categorias: segurança alimentar (EBIA = 0), insegurança alimentar leve/moderada (EBIA entre 1 e 5 pontos), e insegurança alimentar grave (EBIA entre 6 e 8 pontos).

Como variáveis independentes foram consideradas:

Número de moradores no domicílio (0-4 e 5 ou mais);

Presença de crianças (não ou sim);

Variáveis demográficas: sexo, idade em anos (< 55 e ≥ 55), raça/cor da pele autodeclarada, chefe do domicílio (pessoa de referência no domicílio: pai, mãe, outro ou avós);

Variáveis socioeconômicas: renda familiar, avaliada em salários mínimos (até 2 e > 2), e classe socioeconômica 1818. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas. Critérios de Classificação Econômica Brasil. https://www.abep.org/criterio-brasil (acessado em 20/Fev/2021).
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. Tal classificação baseia-se em: nível educacional do chefe da família, número de bens de consumo (como televisão, banheiros, automóveis, microcomputador, lava louça, geladeira, freezer, lava roupa, DVD players, micro-ondas, motocicleta e secadora de roupa); número de trabalhadores domésticos, grau de instrução do chefe da família e acesso a serviços públicos (água encanada e rua pavimentada). Isso posto, classificam-se os indivíduos em subgrupos de A-E (sendo A a classe mais alta). Para facilitar a interpretação e melhorar a acurácia das estimativas do modelo de regressão, categorias com baixas frequências foram agrupadas. Assim, as classes socioeconômicas A, B, e C1 foram reunidas, o mesmo ocorrendo com as classes C2, D e E.

Acesso a política pública (Programa Bolsa Família);

(In)segurança hídrica domiciliar, medida pela Household Water Insecurity Experiences Scale (HWISE; Escala de Insegurança Hídrica Domiciliar), validada internacionalmente. O desenvolvimento e a validação da HWISE envolveram amostras de 29 locais, em 23 países de baixa e média renda, incluindo o Brasil 1919. Young SL, Boateng GO, Jamaluddine Z, Miller JD, Frongillo EA, Neilands TB, et al. The Household Water InSecurity Experiences (HWISE) scale: development and validation of a household water insecurity measure for low-income and middle-income countries. BMJ Glob Health 2019; 4:e001750.. Ressalta-se que a versão aplicada neste estudo foi a traduzida pelos autores responsáveis pelo desenvolvimento e pela validação da escala, que é composta por 12 questões correspondentes às últimas quatro semanas, considerando pontos de corte estabelecidos com base nos escores de respostas aos itens avaliados em: segurança hídrica (0-11 pontos) e insegurança hídrica (12-36 pontos). Para a classificação final dos domicílios adotou-se a estratificação dos níveis de segurança/insegurança hídrica, correspondente à soma da pontuação dos 12 quesitos, variando em uma amplitude de 0 a 36. Os itens não respondidos invalidaram a medida da insegurança hídrica para aquele domicílio.

Análise dos dados

Inicialmente realizou-se análise descritiva simples, com frequências absolutas e relativas, e estratificada por nível de segurança e insegurança alimentar segundo as respectivas variáveis: densidade domiciliar, presença de criança no domicílio, classe socioeconômica, chefe do domicílio, sexo, idade, raça/cor da pele autodeclarada, renda familiar, classe socioeconômica, Programa Bolsa Família e (in)segurança hídrica domiciliar. Para verificar a existência de associações à variável resposta utilizou-se o teste qui-quadrado (Figura 1).

Figura 1
Variáveis empregadas nos modelos brutos e ajustados. Itapiranga, Amazonas, Brasil, 2023.

Para identificar os fatores associados à insegurança alimentar, estimou-se a medida de efeito por odds ratios (OR), mediante regressão logística multinomial. As associações entre insegurança alimentar (leve/moderada e grave) e variáveis independentes foram verificadas pelo cálculo de estimativas brutas e ajustadas, com intervalos de 95% de confiança (IC95%) e assumindo a segurança alimentar como categoria de referência (Figura 1).

A seleção dos potenciais variáveis foi feita pelo respectivo critério estatístico, a saber: variáveis que apresentaram valor de p < 20% na análise bivariada foram selecionadas para o ajuste multivariado. No modelo ajustado, variáveis que apresentaram valor de p > 5% foram excluídas uma a uma, até alcançar o modelo final ajustado, mantendo-se apenas variáveis que apresentaram significância estatística.

As análises estatísticas foram realizadas no programa Stata/SE 17 (https://www.stata.com) e todos os testes foram bilaterais.

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo (CAAE 55669522.5.0000.5505). Os participantes que consentiram com a participação assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), consoante à Declaração de Helsinque, conforme preconiza a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Dos 983 domicílios incluídos, em aproximadamente 70% havia até quatro moradores, sem crianças (54,9%); as classes socioeconômicas mais frequentes foram D ou E (61,3%). Os chefes apresentaram, majoritariamente, menos que 55 anos (73,8%), autodeclararam-se pardos ou pretos (89,5%), com renda familiar de até dois salários mínimos (90,4%). Em mais da metade desses domicílios (55,5%) algum morador recebia o auxílio do Programa Bolsa Família; 30,7% foram classificados em segurança alimentar, 12,8% em insegurança alimentar leve e 19,8% em insegurança alimentar moderada. A insegurança alimentar grave afetou 36,7% (IC95%: 29,7; 35,6) e a insegurança hídrica 46,1% (IC95%: 43,0; 49,4), conforme a Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição dos dados sociodemográficos dos residentes em área urbana e da unidade domiciliar, (in)segurança hídrica domiciliar, segundo os níveis de (in)segurança alimentar. Itapiranga, Amazonas, Brasil, 2023.

À exceção do sexo e da cor do chefe da família, as demais variáveis se associaram estatisticamente aos níveis de segurança e insegurança alimentar. Nos domicílios cujos residentes se encontravam em insegurança alimentar grave, aproximadamente, 52% contavam com crianças, 76% pertenciam às classes socioeconômicas D ou E, e aproximadamente, 64% estavam em situação de insegurança hídrica, segundo o teste qui-quadrado (Tabela 1).

De acordo com a Tabela 2, ter cinco ou mais moradores no domicílio, pertencer às classes D ou E, ter pai, mãe ou outro indivíduo como chefe do domicílio e estar em insegurança hídrica aumentou as chances de insegurança alimentar (p < 0,05).

Tabela 2
Análise bivariada da associação entre níveis de segurança e insegurança alimentar *, segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), variáveis sociodemográficas do domicílio e (in)segurança hídrica. Itapiranga, Amazonas, Brasil, 2023.

Após o ajuste multivariado, verificou-se que nos domicílios com cinco ou mais moradores pertencentes às classes D ou E, com pai, mãe ou outro como chefe da família, titular do Programa Bolsa Família e em insegurança hídrica houve maiores chances de insegurança alimentar leve ou moderada (Tabela 3). Domicílios com cinco ou mais moradores, pertencentes às classes D ou E, com pai, mãe ou outro como chefe da família, com idade do chefe menor que 55 anos, renda familiar menor que dois salários mínimos e em insegurança hídrica apresentaram maiores chances de estar em insegurança alimentar grave (Tabela 4).

Tabela 3
Análise multivariada da associação entre níveis de insegurança alimentar leve/moderada vs. segurança alimentar, segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), variáveis sociodemográficas do domicílio e (in)segurança hídrica. Itapiranga, Amazonas, Brasil, 2023.
Tabela 4
Análise multivariada da associação entre níveis de insegurança alimentar grave vs. segurança alimentar, segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), variáveis sociodemográficas do domicílio e (in)segurança hídrica. Itapiranga, Amazonas, Brasil, 2023.

Discussão

Neste inquérito de base populacional, realizado durante a pandemia de COVID-19, analisou-se a associação entre insegurança alimentar e os fatores insegurança hídrica domiciliar, densidade domiciliar e características sociodemográficas do chefe do domicílio na área urbana no Município de Itapiranga. A alta prevalência de insegurança alimentar e a inter-relação entre esse agravo e a insegurança hídrica vão além do olhar estrito de saúde pública, já que insegurança alimentar e insegurança hídrica são condições complexas e multifatoriais, que abrangem o modelo excludente de desenvolvimento econômico e social brasileiro.

A insegurança alimentar grave acometeu uma proporção considerável da população, frisando-se que naqueles domicílios com pessoas em situação de insegurança alimentar aumentaram as chances de ocorrência de insegurança hídrica. No âmbito nacional, a insegurança alimentar grave intensificou-se expressivamente entre 2013 e 2018 2020. Salles-Costa R, Ferreira AA, Mattos RA, Reichenheim ME, Pérez-Escamilla R, Bem-Lignani J, et al. National trends and disparities in severe food insecurity in Brazil between 2004 and 2018. Curr Dev Nutr 2022; 6:nzac034., crescimento correspondente a 269%, com declínio da proporção de domicílios em segurança alimentar (46,4%) 2121. Salles-Costa R, Segall-Corrêa AM, Alexandre-Weiss VP, Pasquim EM, Paula NM, Lignani JB, et al. Rise and fall of household food security in Brazil, 2004 to 2022. Cad Saúde Pública 2023; 39:e00191122.. Esse aumento decorreu de um conjunto de políticas governamentais pautadas em medidas de austeridade fiscal implantadas desde 2015, com forte incidência sobre o desmonte das políticas públicas de garantia de direitos, como o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e à segurança alimentar e nutricional, e o desmantelamento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) 2222. Souza FNJ, Bernardes MS, Vieira VCR, Francisco PMSB, Marín-León L, Camargo DFM, et al. (In)segurança alimentar no Brasil no pré e pós pandemia da COVID-19: reflexões e perspectivas. InterAmerican Journal of Medicine and Health 2021; 4:e202101001.,2323. Recine E, Fagundes A, Silva BL, Garcia GS, Ribeiro RCL, Gabriel CG. Reflections on the extinction of the National Council for Food and Nutrition Security and the confrontation of COVID-19 in Brazil. Rev Nutr 2020; 33:e200176.. Tal cenário foi agravado pelas crises econômica, política e sanitária, com incremento do desemprego e ampliação das desigualdades sociais, determinados pela negligência governamental no enfrentamento da pandemia de COVID-19, o que conduziu o país a uma tragédia sanitária sem precedentes 11. Bagni UV, Rodrigues AA, Ribeiro ECSA, Salles-Costa R, Ferreira AA. Food insecurity in households with persons with disabilities in a situation of extreme vulnerability in Brazil: a secondary cross-sectional analysis. Lancet Reg Health Am 2022; 18:100417.,22. Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Seguranc¸a Alimentar e Nutricional. II VIGISAN National Survey on Food Insecurity in the Context of the Covid-19 Pandemic in Brazil. https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/09/OLHESumExecutivoINGLES-Diagramacao-v2-R01-02-09-20224212.pdf (acessado em 14/Out/2022).
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A alta prevalência de insegurança alimentar diagnosticada neste estudo, sobretudo na forma grave, foi reportada em outro inquérito de base populacional, realizado em 2018, no período pré-pandêmico, em um município do Amazonas, na região do Médio Solimões, quando se encontrou uma prevalência de insegurança alimentar de 76,5% 2424. Da Mata MM, Neves JA, Medeiros MAT. Hunger and its associated factors in the western Brazilian Amazon: a population-based study. J Health Popul Nutr 2022; 41:36.. Ademais, os achados desta pesquisa corroboram as proporções de insegurança alimentar e insegurança alimentar grave em áreas rurais brasileiras (2008-2017), que variaram de 32,2% a 88,8%, e de 3% a 39,5%, respectivamente 2525. Trivellato PT, Morais DC, Lopes SO, Miguel ES, Franceschini SCC, Priore SE. Food and nutritional insecurity in families in the Brazilian rural environment: a systematic review. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:865-74..

Outrossim, os fatores associados à insegurança alimentar, já descritos na literatura científica 2626. Lignani JB, Palmeira PA, Antunes MML, Salles-Costa R. Relationship between social indicators and food insecurity: a systematic review. Rev Bras Epidemiol 2020; 23:e200068.,2727. Sulaiman N, Yeatman H, Russell J, Law LS. A food insecurity systematic review: experience from Malaysia. Nutrients 2021; 13:945.,2828. McKay FH, Sims A, van der Pligt P. Measuring food insecurity in India: a systematic review of the current evidence. Curr Nutr Rep 2023; 12:358-67.,2929. Gebremichael B, Beletew B, Bimerew M, Haile D, Biadgilign S, Baye K. Magnitude of urban household food insecurity in East Africa: a systematic review and meta-analysis. Public Health Nutr 2022; 25:994-1004., refletindo um contexto de vulnerabilidade e invisibilidade da população do Amazonas, e somados à preexistente concentração dos sistemas de abastecimento, transporte, provisão de serviços e à condução da vida política em Manaus 3030. Garnelo L, Sousa ABL, Silva CO. Regionalização em saúde no Amazonas: avanços e desafios. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:1225-34., impactaram negativamente as políticas de segurança alimentar e nutricional, necessárias para dirimir desigualdades sociais e contribuir com a promoção de condições de vida dignas 2323. Recine E, Fagundes A, Silva BL, Garcia GS, Ribeiro RCL, Gabriel CG. Reflections on the extinction of the National Council for Food and Nutrition Security and the confrontation of COVID-19 in Brazil. Rev Nutr 2020; 33:e200176..

Percebe-se, portanto, que a situação das áreas urbanas dos municípios do Amazonas, a exemplo de Itapiranga, assemelha-se às das áreas rurais brasileiras, no que se refere às vulnerabilidades socioeconômicas, alimentar e nutricional. Contudo, destaca-se que no Amazonas a associação direta entre área rural e produção agrícola se rompe, uma vez que, na zona rural, tal produção assume características próprias, particularidades manifestas no tempo e nos caminhos das águas, centradas na conservação da biodiversidade e na territorialidade dos povos 3131. Loschi M. Rural amazônico: as peculiaridades das áreas rurais de florestas. Retratos 2017; 4:9-11..

A insegurança alimentar e a insegurança hídrica são problemáticas urgentes em países de baixa e média renda do Sul Global, fenômeno que afeta sobremaneira as populações mais vulneráveis 3232. Stoler J, Pearson A, Staddon C, Wutich A, Mack E, Brewis A, et al. Cash water expenditures are associated with household water insecurity, food insecurity, and perceived stress in study sites across 20 low- and middle-income countries. Sci Total Environ 2020; 10:135881.. No cenário pandêmico brasileiro, estima-se que, em 2022, 33,1 milhões de pessoas passaram fome 22. Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Seguranc¸a Alimentar e Nutricional. II VIGISAN National Survey on Food Insecurity in the Context of the Covid-19 Pandemic in Brazil. https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/09/OLHESumExecutivoINGLES-Diagramacao-v2-R01-02-09-20224212.pdf (acessado em 14/Out/2022).
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. Na Região Norte, a insegurança alimentar moderada/grave foi cinco vezes maior, expressando intensas disparidades regionais quando comparada às demais regiões do país, com melhores indicadores socioeconômicos 11. Bagni UV, Rodrigues AA, Ribeiro ECSA, Salles-Costa R, Ferreira AA. Food insecurity in households with persons with disabilities in a situation of extreme vulnerability in Brazil: a secondary cross-sectional analysis. Lancet Reg Health Am 2022; 18:100417..

A associação entre insegurança alimentar e insegurança hídrica, verificada nesta pesquisa, traz à tona a precariedade das condições de saneamento básico e de serviços públicos em geral nos municípios do interior do Amazonas, contrastando com a capital, Manaus, que detém o maior contingente populacional (aproximadamente 2.255.903 pessoas), um IDH médio de 0,737, e concentra oferta de serviços. Apesar disso, apenas 62,4% da cidade é coberta por serviço de tratamento de esgoto adequado. Já no Município de Itapiranga, somente 6,5% dos domicílios dispõem de rede de saneamento básico 1414. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Amazonas. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/am/panorama (acessado em 08/Mai/2023).
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Em estudo em que se analisou a cobertura do abastecimento e a qualidade da água distribuída no Brasil, em 2019, verificou-se que somente 58% da Região Norte foi atendida por serviços de água, e parte da população está exposta aos riscos relacionados à qualidade da água 3333. Araujo LF, Camargo FP, Torres Netto A, Vernin NS, Andrade RC. Análise da cobertura de abastecimento e da qualidade da água distribuída em diferentes regiões do Brasil no ano de 2019. Ciênc Saúde Colet 2022; 27:2935-47.. Já no Amazonas, apenas a microrregião de Manaus reuniu os melhores parâmetros químicos, físicos e microbiológicos, em relação ao conjunto de indicadores da microrregião do interior, revelando fragilidades na gestão da vigilância da qualidade da água disponível para o consumo humano no estado 3434. Santana ABC, Forster AL, Mendes AP, Yamaguchi KL. Análise de dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua) no estado do Amazonas, 2016-2020. Vigil Sanit Debate 2021; 9:25-34..

O fornecimento adequado de água, em termos de quantidade e qualidade, é crucial para o desenvolvimento socioeconômico, com reflexos diretos sobre as condições de saúde, a prevenção de agravos e o bem-estar da população 3333. Araujo LF, Camargo FP, Torres Netto A, Vernin NS, Andrade RC. Análise da cobertura de abastecimento e da qualidade da água distribuída em diferentes regiões do Brasil no ano de 2019. Ciênc Saúde Colet 2022; 27:2935-47.. Desse modo, considerar o papel das questões hídricas sobre a insegurança alimentar pode favorecer a constituição e a implementação das políticas públicas mais efetivas 66. Young SL, Bethancourt HJ, Frongillo EA, Vivianic S, Cafieroc C. Concurrence of water and food insecurities, 25 low- and middle-income countries. Bull World Health Organ 2023; 101:90-101..

Neste estudo, observou-se que os domicílios submetidos à insegurança alimentar, especialmente nas formas moderada e grave, tiveram maiores chances de apresentar insegurança hídrica. Esse dado se assemelha ao apontado por Young et al. 66. Young SL, Bethancourt HJ, Frongillo EA, Vivianic S, Cafieroc C. Concurrence of water and food insecurities, 25 low- and middle-income countries. Bull World Health Organ 2023; 101:90-101., que, ao investigarem a insegurança hídrica e a insegurança alimentar em 25 países de baixa e média renda, concluíram que a probabilidade de o indivíduo experimentar a insegurança alimentar moderada e grave é maior entre os que também experimentaram a insegurança hídrica.

Isso posto, a insegurança hídrica domiciliar aqui revelada configura grave problema de saúde pública no Município de Itapiranga, visto que a água, além de direito humano básico, é um nutriente essencial à vida 3232. Stoler J, Pearson A, Staddon C, Wutich A, Mack E, Brewis A, et al. Cash water expenditures are associated with household water insecurity, food insecurity, and perceived stress in study sites across 20 low- and middle-income countries. Sci Total Environ 2020; 10:135881.. Tal achado indica uma questão até então não reportada no interior da Amazônia brasileira. Embora tenham sido realizadas investigações acerca da qualidade, distribuição e da vigilância da água para o consumo humano na região 77. Cardozo M, Diniz MB, Szlafsztein CF. Amazon Basin water resources ecosystem services on the approach of global public goods. Agua y Territorio 2022; 21:103-19.,88. Escada MIS, Amaral S, Fernandes DA. Dinâmicas de ocupação e as transformações das paisagens na Amazônia, Brasil. Cad Saúde Pública 2023; 39:e00021723.,3333. Araujo LF, Camargo FP, Torres Netto A, Vernin NS, Andrade RC. Análise da cobertura de abastecimento e da qualidade da água distribuída em diferentes regiões do Brasil no ano de 2019. Ciênc Saúde Colet 2022; 27:2935-47.,3434. Santana ABC, Forster AL, Mendes AP, Yamaguchi KL. Análise de dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua) no estado do Amazonas, 2016-2020. Vigil Sanit Debate 2021; 9:25-34., inexistem registros na literatura científica que analisaram a experiência da insegurança hídrica domiciliar.

Na escala de insegurança hídrica domiciliar (HWISE), consideram-se a experiência associada às dificuldades de acesso à água no domicílio nas últimas quatro semanas, a disponibilidade (interrupção do abastecimento), o uso da água para lavagem de roupa, mudança de rotina, consumo de água e uso para cocção de alimentos, higienização de mãos e banho, assim como perguntas referentes a questões emocionais decorrentes da insegurança hídrica, como preocupação, raiva ou vergonha 1919. Young SL, Boateng GO, Jamaluddine Z, Miller JD, Frongillo EA, Neilands TB, et al. The Household Water InSecurity Experiences (HWISE) scale: development and validation of a household water insecurity measure for low-income and middle-income countries. BMJ Glob Health 2019; 4:e001750.. Assim, é possível refletir acerca do nexo água-nutriente-segurança alimentar para a saúde 3535. Miller JD, Workman CL, Panchang SV, Sneegas G, Adams EA, Young SL, et al. Water security and nutrition: current knowledge and research opportunities. Adv Nutr 2021; 12:2525-39..

A prevalência de insegurança hídrica no Município de Itapiranga foi superior à encontrada na região da África subsaariana que, em 2020, correspondeu a 36,1%, associadamente à baixa renda familiar, residir em regiões periféricas de centros urbanos e sob os efeitos graves da pandemia da COVID-19 1111. Young SL, Bethancourt HJ, Ritter ZR, Frongillo EA. Estimating national, demographic, and socioeconomic disparities in water insecurity experiences in low- and middle-income countries in 2020-2021: a cross-sectional, observational study, using nationally representative data. Lancet Planet Health 2022; 6:e880-91.. Brewis et al. 3636. Brewis A, Workman C, Wutich A, Wendy Jepson W, Young S. Household water insecurity is strongly associated with food insecurity: evidence from 27 sites in low- and middle-income countries. Am J Hum Biol 2019; 32:e23309., ao analisarem os efeitos da insegurança hídrica em 21 países, sugeriram que a insegurança hídrica domiciliar coexiste cronicamente com a insegurança alimentar domiciliar.

Outro ponto que merece destaque é a vulnerabilidade social existente no município de estudo, convergente com o fenômeno da transição demográfica no Brasil, que é marcada por disparidades regionais 3737. Guimarães RM, Andrade FCD. Simpson's paradox: a demographic case study of population dynamics, poverty, and inequality. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:4453-69.. A desigualdade econômica, neste estudo, é revelada pela alta proporção de famílias pertencentes às classes socioeconômicas D e E, com baixa renda familiar (em média R$ 954,00 em 2021) e expressiva participação em programas de transferência condicionada de renda. Com isso, reivindica-se o papel estratégico do Estado, para incidir sobre os efeitos deletérios das históricas discrepâncias inter-regionais brasileiras, que são anteriores ao período pandêmico, e que foram agudizadas pela desproteção social consequente à pandemia 3838. Menezes JA, Confalonieri U, Madureira AP, Duval IB, Santos RB, Margonari C. Mapping human vulnerability to climate change in the Brazilian Amazon: the construction of a municipal vulnerability index. PLoS One 2018; 13:e0190808.,3939. Alpino TMA, Santos CRB, Barros DC, Freitas CM. COVID-19 and food and nutritional (in)security: action by the Brazilian Federal Government during the pandemic, with budget cuts and institutional dismantlement. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00161320..

O Programa Bolsa Família, um dos mais vultosos programas de transferência condicionada de renda, mundialmente falando 4040. Neves JA, Vasconcelos FAG, Machado ML, Recine E, Garcia GS, Medeiros MAT. The Brazilian cash transfer program (Bolsa Família): a tool for reducing inequalities and achieving social rights in Brazil. Glob Public Health 2022; 17:26-42., abarca importante número de participantes, constituindo-se em política fundamental para o enfrentamento das iniquidades no município. Os efeitos do programa ressoam positivamente sobre a redução da mortalidade infantil e o maior acesso aos serviços de atenção primária à saúde (APS), à alimentação, à maior frequência escolar e à redução da evasão escolar, ainda que não tenham sido observadas a interrupção do ciclo intergeracional da pobreza e a melhoria do estado nutricional das famílias beneficiárias 4040. Neves JA, Vasconcelos FAG, Machado ML, Recine E, Garcia GS, Medeiros MAT. The Brazilian cash transfer program (Bolsa Família): a tool for reducing inequalities and achieving social rights in Brazil. Glob Public Health 2022; 17:26-42.. Registra-se que esses resultados positivos da participação no programa e a melhoria das condições socioeconômicas das populações envolvidas concorrem para a redução da ocorrência da insegurança alimentar, especialmente em sua forma grave, a fome 4141. Palmeira PA, Bem-Lignani J, Salles-Costa R. Acesso aos benefícios e programas governamentais e insegurança alimentar nas áreas rurais e urbanas do Nordeste brasileiro. Ciênc Saúde Colet 2022; 27:2583-95.. Daí o reconhecimento do Bolsa Família como programa estruturante do SISAN, visando gerar autonomia e garantir o acesso à alimentação via transferência de renda.

Limitações e avanços da pesquisa

Este estudo apresenta limitações que precisam ser discutidas. Em primeiro plano, relacionam-se ao tipo de investigação, de natureza transversal, que impossibilita inferir causalidade. Em segundo plano, para os dados utilizados no cálculo amostral, considerou-se a população coberta pelo SUS em 2021. Em compensação, tais informações, de âmbito local, configuram-se como as mais abrangentes e fidedignas, visto que o recenseamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) iniciou-se somente em 2022, com dois anos de atraso, em razão dos cortes orçamentários federais, paralelamente à crise sanitária. Ressalta-se também que, nos últimos 12 anos, o Município de Itapiranga sofreu diversas transformações demográficas e de ocupação territorial. Nesse período, foram criados três novos bairros com considerável contingente populacional, e a expansão da cobertura da APS correspondeu a 100% da população em 2020 4242. Ministério da Saúde. e-Gestor. https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml (acessado em 13/Jun/2023).
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Em contrapartida, a principal inovação da pesquisa consiste no fato de ser o primeiro inquérito a abordar a insegurança alimentar, que atinge severamente a Região Norte do país, verificando a existência de associações entre o fenômeno da insegurança alimentar grave e a insegurança hídrica domiciliar a partir de escalas de experiência domiciliar usadas para medir o acesso aos alimentos e à água em área urbana de um município da Amazônia brasileira.

Conclusão

Os resultados deste estudo corroboram a existência de elevada prevalência de insegurança alimentar no interior do Amazonas, Região Norte do Brasil, associadamente às iniquidades sociais, à escassez de serviços públicos e à insegurança hídrica domiciliar. Tal circunstância pode ter sido acentuada pela pandemia da COVID-19, que no Amazonas assumiu as piores proporções em termos de morbimortalidade relativamente aos demais estados brasileiros, mas é anterior a ela.

Os achados inéditos aqui apresentados oportunizam investimentos no campo da agenda pública de segurança alimentar e nutricional, uma vez que o diagnóstico da insegurança alimentar e da insegurança hídrica no Município de Itapiranga poderá contribuir com a proposição de ações efetivas nessa direção. Ademais, espera-se que as evidências apresentadas mobilizem a gestão pública para qualificar e fortalecer a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) no âmbito municipal, envolvendo a construção de políticas intersetoriais, imprescindíveis para o enfrentamento desse quadro. Finalmente, sugere-se o delineamento de novas pesquisas, com instrumentos validados para a realidade amazônica, vislumbrando-se a superação dos desafios inerentes a esse território.

Agradecimentos

À agência de fomento Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), pela bolsa de doutorado concedida.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2023
  • Revisado
    16 Dez 2023
  • Aceito
    27 Dez 2023
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