Open-access Tendências e desigualdades nos comportamentos de risco em adolescentes: comparação das coortes de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil

Trends and inequalities in risk behaviors among adolescents: a comparison of birth cohorts in Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil

Tendencias y desigualdades en los comportamientos de riesgo en adolescentes: comparación de las cohortes de nacimientos de Pelotas, Río Grande do Sul, Brasil

Resumo:

O objetivo do presente trabalho é descrever tendências e desigualdades nos comportamentos de risco à saúde em adolescentes. Estudo transversal, comparando duas coortes de nascimentos da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Foram incluídos 1.281 adolescentes da coorte de 1982 e 4.106 da coorte de 1993 acompanhados em 2001 e 2011, respectivamente. Foi avaliado o consumo de álcool, uso de drogas ilícitas, uso de tabaco, iniciação sexual < 16 anos, não uso de preservativo e múltiplos parceiros sexuais. Foram calculadas prevalências totais para cada coorte, estratificadas por sexo e renda per capita, e medidas de desigualdades absoluta e relativa. Houve diminuição, de 2001 para 2011, na prevalência de uso experimental de álcool, uso de drogas, fumo e não uso de preservativos, e aumento no número de parceiros sexuais. O gap na prevalência conforme sexo aumentou para o não uso de preservativo, e para os outros aumentou. O gap entre grupos de renda diminuiu para iniciação sexual < 16 anos e aumentou para episódios de embriaguez. Apesar da tendência de diminuição na prevalência dos comportamentos de risco, as desigualdades socioeconômicas persistiram.

Palavras-chave: Consumo de Álcool por Menores; Hábito de Fumar; Drogas Ilícitas; Assunção de Risco; Adolescente

Abstract:

This study focuses on trends and inequalities in health risk behaviors among adolescents. A cross-sectional study compared two birth cohorts in the city of Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil. The sample included 1,281 adolescents from the 1982 cohort and 4,106 from the 1993 cohort, followed in 2001 and 2011, respectively. The study recorded alcohol intake, illegal drug use, smoking, sexual initiation < 16 years, lack of condom use, and multiple sex partners. Total prevalence rates were calculated for each cohort, stratified by gender and per capita income, besides absolute and relative measures of inequality. There was a decrease from 2001 to 2011 in prevalence rates for trying alcohol, illegal drug use, smoking, and lack of condom use, and an increase in the number of sex partners. The gap between boys and girls increased for non-use of condoms and decreased for the other behaviors. The gap between income groups decreased for sexual initiation before 16 years of age and increased for episodes of intoxication. Socioeconomic inequalities persist, despite the downward trend in prevalence of risk behaviors.

Keywords: Underage Drinking; Smoking; Street Drugs; Risk-Taking; Adolescent

Resumen:

El objetivo del presente estudio es describir tendencias y desigualdades en los comportamientos de riesgo a la salud en adolescentes. Estudio transversal, comparando dos cohortes de nacimientos de la ciudad de Pelotas, Río Grande do Sul, Brasil. Se incluyeron a 1.281 adolescentes de la cohorte de 1982 y 4.106 de la cohorte de 1993 acompañados en 2001 y 2011, respectivamente. Se evaluó el consumo de alcohol, uso de drogas ilícitas, uso de tabaco, iniciación sexual < 16 años, el no uso de preservativo y múltiples compañeros sexuales. Se calcularon prevalencias totales para cada cohorte, estratificadas por sexo y renta per cápita, y medidas de desigualdades absoluta y relativa. Hubo disminución, de 2001 a 2011, en la prevalencia de uso experimental de alcohol, uso de drogas, tabaco y en el no uso de preservativos, y un aumento en el número de compañeros sexuales. El gap en la prevalencia, según el sexo, aumentó en el caso del no uso de preservativo, mientras que para los otros aumentó. El gap entre grupos de renta disminuyó en iniciación sexual < 16 años y aumentó en episodios de embriaguez. A pesar de la tendencia de disminución en la prevalencia de los comportamientos de riesgo, las desigualdades socioeconómicas persistieron.

Palabras-clave: Consumo de Alcohol en Menores; Hábito de Fumar; Drogas Ilícitas; Asunción de Riesgo; Adolescente

Introdução

A adolescência é um período do desenvolvimento importante para a consolidação de comportamentos e estilos de vida, com repercussões em saúde ao longo da vida 1. Nos estudos epidemiológicos, em geral, essa etapa compreende a faixa etária de 10-19 anos de idade 2. Comportamentos e estilos de vida adotados nesse período, também caracterizado por novas experimentações e possibilidades de atuação, são fatores importantes para a caracterização da saúde, predisposição ou acometimento de doenças, deficiências e/ou incapacidades em jovens e adultos 2. Dentre os estilos de vida que colocam em risco a saúde ou comprometem alguns aspectos da vida dos adolescentes, os mais comumente descritos na literatura incluem o consumo excessivo de substâncias psicoativas, o comportamento violento ou a exposição frequente à violência, os acidentes com veículos motorizados, a iniciação sexual em tenra idade e a ausência de prevenção para doenças sexualmente transmissíveis 3), (4), (5. Alguns desses comportamentos tendem a se manter por anos, afetando potencialmente a saúde e o bem-estar atual e futuro 6.

Considerando que os adolescentes podem adotar padrões de comportamentos pouco saudáveis, muitas ações em saúde foram realizadas objetivando esclarecer e prevenir os adolescentes e jovens adultos sobre as implicações dos seus hábitos ou estilos de vida 6. No Brasil, nas últimas décadas, houve importantes mudanças políticas em relação a determinados comportamentos. Todavia, o resultado de alguns desses comportamentos não tem sido avaliado ao longo dos últimos 10 anos 7. Avaliar como os comportamentos de risco à saúde têm se modificado ao longo das últimas décadas entre os adolescentes possibilita uma visão mais ampla de quais fatores devem ser ainda considerados nessas ações e, especialmente, quais grupos estão mais vulneráveis para desenvolver morbidades, entre outros problemas. Estudos longitudinais com a população adolescente, realizados em países de rendas alta e média, apontaram que homens e mulheres diferem em alguns padrões de comportamentos de risco à saúde 8. Esse tipo de monitoramento permite que os governos reconheçam na população adolescente questões importantes e, assim, incentivem a redução de desigualdades sociais 9. Este trabalho explora as tendências temporais desses comportamentos e as desigualdades socioeconômicas que determinam a sua distribuição entre adolescentes pertencentes a estudos de coortes de nascimentos de 1982 e de 1993, em Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

Métodos

Em 1982 e 1993, foram iniciados dois estudos de coortes de nascimentos na cidade de Pelotas, que incluíram 5.914 e 5.304 nascidos vivos, respectivamente, cujas famílias moravam na zona urbana da cidade. Os membros dessas coortes têm sido acompanhados ao longo da vida em diferentes ocasiões, desde o nascimento até os 30 e 18 anos, respectivamente. A metodologia detalhada dessas coortes está descrita em outras publicações 10), (11. Assim, o presente estudo trabalhou com os dados dos dois acompanhamentos dos 18-19 anos de idade, referentes aos anos de 2000/2001 e 2011 das duas coortes referidas.

Em ambos os estudos foram aplicados dois instrumentos padronizados para a coleta de dados. Um deles investigou aspectos socioeconômicos, familiares, escolares e de saúde, entre outros. Todas as perguntas desse instrumento foram realizadas por entrevistadoras treinadas. O outro instrumento, autoaplicado e anônimo, abordou o consumo de bebidas alcoólicas, uso de drogas e comportamento sexual. As perguntas do questionário autoaplicado foram realizadas no ano 2000 para os meninos e de 2001 para as meninas participantes da coorte de 1982. As mesmas perguntas e instrumentos foram igualmente aplicados aos membros da coorte de 1993, também aos 18 anos. Os acompanhamentos obtiveram a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal de Pelotas.

Foram consideradas como variáveis dependentes o consumo de álcool, uso de drogas ilícitas, consumo de tabaco e os comportamentos sexuais. O consumo de álcool foi investigado para (1) episódio de embriaguez na vida, decorrente da pergunta "quando foi o teu último porre?" e (2) uso experimental de álcool antes dos 14 anos, que foi referido pelos adolescentes para a questão "com que idade tu tomaste bebida de álcool pela primeira vez?". Ter experimentado drogas ilícitas alguma vez na vida (uso de drogas ilícitas) foi avaliado com a pergunta que listou as drogas experimentadas na vida (maconha, cocaína injetada, comprimidos para dormir ou ficar calmo, cocaína cheirada, lança perfume, heroína, ectasy, maconha com crack, crack, LSD, cola de sapateiro, outras e quais) e a frequência. Sobre o fumo, foi perguntado a todos no questionário geral sobre o hábito de consumir tabaco: "tu já tiveste o costume de fumar pelo menos uma vez por semana?". Para avaliar os comportamentos sexuais, as coortes utilizaram perguntas sobre iniciação sexual antes dos 16 anos: "quantos anos tu tinhas quando transaste pela primeira vez?"; para o não uso de preservativos: "tu já usaste camisinha alguma vez na vida?"; para ter tido três ou mais parceiros sexuais: "com quantas pessoas tu já transaste na vida?", que será denominada, para fins textuais, como múltiplos parceiros sexuais.

As variáveis independentes coletadas em 2000/2001 e 2011, respectivamente, incluíram: sexo, idade, cor da pele, escolaridade do adolescente (< 4 anos, 5-7, 8-10, 11-12 anos) e renda per capita em quintis (Q1: 20% dos indivíduos com menor renda, Q2, Q3, Q4 e Q5: 20% dos indivíduos com maior renda) e escolaridade materna (< 4 anos, 5-7, 8-10, 11-12 anos).

Para as análises estatísticas, utilizou-se o software Stata IC V. 11 (StataCorp LP, College Station, Estados Unidos) e foram calculadas as prevalências totais para cada coorte e para cada comportamento de risco, e também estratificadas por sexo e renda per capita. Para a descrição dos dados foram usados o teste-t de Student para comparar diferença de médias e o teste de exato de Fisher para diferença de proporções. Foram calculadas as diferenças absolutas (diferença coorte 1993 - coorte 1982) e relativas (razão coorte 1993/coorte 1982) para a descrição da tendência dos comportamentos de risco nas amostras. Para o cálculo das razões bruta e ajustada por idade foi usada a regressão de Poisson com variância robusta e o teste de Wald para tendência linear. Foram feitas análises estratificadas por sexo, e a interação por sexo nas prevalências dos comportamentos de risco conforme coorte de pertencimento foi analisada.

Adicionalmente, foram realizadas análises estratificadas por renda per capita para a descrição das tendências nas desigualdades socioeconômicas nos comportamentos de risco. Duas medidas foram calculadas para avaliá-las: Índice Angular de Desigualdade (SII por sua sigla em inglês) e Índice de Concentração (CIX por sua sigla em inglês) 12. Ambas levam em conta todos os grupos socioeconômicos e não apenas os extremos. Para avaliar a tendência no SII e no CIX, para cada comportamento foi usado o teste t de Student para amostras e variâncias desiguais (Welch's t-test).

Resultados

As características dos adolescentes, conforme a coorte a que pertencem, estão descritas na Tabela 1. A idade média dos adolescentes das coortes foi de 18,8 (18,78; 18,82) em 2000/2001, para os nascidos em 1982, e 18,4 anos (18,39; 18,41) em 2011, para os nascidos em 1993. A proporção de adolescentes da coorte de 1993 que relataram ser de cor da pele branca e ter menos cinco anos de escolaridade foi menor do que a dos nascidos em 1982. Todavia, a frequência de adolescentes cujas mães atingiram até 10 anos de escolaridade foi maior entre os da coorte de 1993, quando comparados aos da coorte de 1982. Achados semelhantes a esses foram observados quando se avaliou essas características estratificadas por sexo.

Tabela 1:
Descrição das características sociodemográficas dos adolescentes da amostra conforme coorte de nascimento de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1982 e 1993.

Consumo de bebidas alcoólicas: episódio de embriaguez e consumo experimental

Episódio de embriaguez (pelo menos uma vez na vida) - quanto à prevalência desse tipo de comportamento, verificou-se que nos últimos 10 anos (2000/2001-2011) não houve mudança entre as coortes (Tabela 2, Figura 1). A Figura 2 demonstra como esse comportamento se apresenta conforme os quintis de renda. Em síntese, houve aumento nesse período na prevalência de episódios de embriaguez na vida do terceiro ao quinto quintil de renda, principalmente para os meninos (Figura 3a).

Tabela 2:
Tendência dos comportamentos de risco para a saúde dos adolescentes aos 18 anos de idade. Coortes de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1982 e 1993.

Figura 1:
Prevalência de comportamentos de risco em adolescentes pertencentes aos estudos de coorte de 1982 e 1993, conforme sexo. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

Figura 2:
Prevalência de comportamentos de risco em adolescentes pertencentes aos estudos de coorte de 1982 e 1993. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

Figura 3:
Prevalência de comportamentos de risco em adolescentes homens e mulheres pertencentes aos estudos de coorte de 1982 e 1993. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

Consumo experimental de bebidas alcoólicas - a prevalência do consumo experimental de bebidas alcoólicas < 14 anos de idade diminuiu 10 pontos percentuais (p.p.) no período avaliado, sendo estatisticamente significante (Tabela 2). O relato de consumo experimental de bebidas alcoólicas foi 28% menos frequente entre os adolescentes em 2011 do que em 2000/2001. A prevalência do consumo de álcool na última semana aumentou de 56% (IC95%: 53,2; 58,8) em 2000/2001 para 70,2% (IC95%: 68,8; 71,6) em 2011.

Comparando os meninos e as meninas, constatamos que o consumo experimental de bebidas alcoólicas < 14 anos (Figura 1) diminuiu em termos absolutos para ambos os sexos, sendo esta diminuição maior nos meninos do que nas meninas (15 versus 4 p.p., respectivamente). Também houve uma redução na prevalência do consumo experimental de álcool principalmente no primeiro quintil de renda (Figura 2). Além disso, nas desigualdades socioeconômicas observou-se, em termos absolutos, que a desigualdade na prevalência de episódio de embriaguez na vida aumentou 12 p.p. de 2001 para 2011 e continuou sendo mais frequente entre os quintis de renda alta. Entretanto, o consumo experimental < 14 anos diminuiu 17 p.p., sendo significativa esta mudança e com maior prevalência entre os quintis de renda alta, principalmente nas meninas.

Uso de drogas ilícitas

A prevalência do relato de uso de drogas ilícitas na vida diminuiu 16 p.p. de 2000/2001 para 2011 (Tabela 2). Não houve diferenças em termos relativos entre os dois períodos. Todavia, destaca-se que a redução na prevalência do relato de uso de drogas ilícitas foi maior entre os meninos do que nas meninas, 21 versus 12 p.p., respectivamente, e o relato deste tipo de consumo em 2011 foi 55% menos frequente nos meninos e 39% nas meninas (Figura 1).

Ao avaliar a prevalência conforme os quintis de renda, observou-se que a maior redução ocorreu no quintil de renda mais pobre e houve um aumento nos quintis de renda mais rico (Figura 2). Considerando ambos os sexos, evidenciou-se que para os meninos a redução aconteceu no grupo mais baixo de renda e nas meninas houve um aumento em todos os quintis de renda (Figuras 3a e 3b).

Quanto às desigualdades socioeconômicas, embora a prevalência do relato de uso de drogas ilícitas em 2000/2001 foi mais frequente nos mais ricos do que nos mais pobres, esta situação foi distinta em 2011 (SII = 4,9 e CIX = 2,9 versus SII = -2,9 e CIX = -3,6, respectivamente), mas sem mudança na magnitude das desigualdades socioeconômicas.

Uso de tabaco

A prevalência de consumo de fumo (tabaco), pelo menos uma vez por semana, diminuiu 7 pp de 2000/01 para 2011 (Tabela 2). Essa diferença também foi significativa em termos relativos, uma vez que em 2011 o relato de fumo entre os adolescentes foi 48% menos frequente do que em 2000/2001. Todavia, os meninos apresentaram uma redução na frequência do consumo de fumo quando comparados com as meninas, de 5 p.p. e 9 p.p., respectivamente. Em termos relativos, o relato de fumo entre as meninas foi 18% menos frequente em 2011 (Figura 1).

Observou-se ainda uma redução na prevalência de fumo entre todos os quintis de renda, principalmente entre aqueles do quintil 1 (Figura 2) e para ambos os sexos quando avaliados separadamente (Figuras 3a e 3b). Ademais, não houve mudança nas desigualdades socioeconômicas na prevalência de fumo, embora ela permaneça mais concentrada nos quintis de menor renda durante os dois períodos avaliados.

Comportamentos sexuais

Iniciação sexual antes dos 16 anos - no momento da entrevista, aproximadamente 80% dos adolescentes de ambas as coortes relataram já ter se iniciado sexualmente (dados não apresentados nas tabelas). Diferenças na prevalência total de iniciação sexual < 16 anos de idade, de 2000/2001 para 2011, em termos absolutos e relativos (p = 0,2), não foram constatadas (Tabela 2), embora tenha diminuído entre os meninos e aumentado entre as meninas. Em termos relativos, o relato de iniciação sexual < 16 anos foi 13% menos frequente nos meninos e 15% mais frequente nas meninas em 2011 do que em 2000/2001, a idade média de início de relações sexuais em 2000/2001 para as meninas foi de 15,8 anos (DP 1,5) e para os meninos de 14,5 anos (DP 1,7), no entanto, em 2011 foi de 15,3 anos para as meninas (DP 1,5) e de 14,9 anos para os meninos (DE 1,7). Quanto à prevalência de iniciação sexual, segundo a renda em quintis dos adolescentes e o sexo, houve uma diminuição (Figura 2), sendo esta semelhante entre meninos e meninas (Figuras 3a e 3b).

Não uso de preservativo alguma vez na vida e múltiplos parceiros sexuais - em 10 anos, a prevalência de não ter usado preservativo alguma vez na vida diminuiu e aumentou a de múltiplos parceiros sexuais (Tabela 2). Em ambos os sexos, a frequência de relato de não uso de preservativo foi menor em 2011 do que em 2000/2001, e a prevalência de ter tido múltiplos parceiros sexuais aumentou 7 p.p. nos meninos e 14 p.p. nas meninas (Figura 1). Esse último comportamento apresentou aumento nos quintis de renda mais ricos e diminuição nos mais pobres entre as mulheres. No entanto, para os homens aumentou nos quintis extremos (Figuras 2, 3a e 3b). As desigualdades socioeconômicas diminuíram de 2000/01 para 2011 em termos absolutos (diferença em SII = 21 p.p.; p = 0,01) e relativos (diferença em CIX = 7 p.p.; p = 0,02) apenas para a prevalência de iniciação sexual < 16 anos, mas continuou sendo mais frequente entre os grupos de menor quintil de renda.

Portanto, em resumo, os resultados mostraram uma diminuição marcada na prevalência de uso experimental de álcool e aumento no número de parceiros sexuais nos quintis de renda mais ricos. Já a prevalência de fumo e iniciação sexual < 16 anos diminuiu principalmente nos quintis de menor renda. Para a maioria desses comportamentos diminuiu o gap na prevalência entre meninos e meninas, exceto para não uso de preservativo e múltiplos parceiros sexuais. Já entre os quintis de renda, o gap diminuiu apenas para iniciação sexual (< 16 anos) e uso experimental de álcool (< 14 anos).

Discussão

A maioria dos comportamentos de risco avaliados diminuiu e as desigualdades socioeconômicas persistiram especialmente nos grupos de menor renda per capita, exceto para o consumo de bebidas alcoólicas, cuja prevalência foi maior nos grupos de maior renda. Tem-se em conta que nas últimas duas décadas alguns acontecimentos podem ter influenciado algumas dessas tendências e padrões de desigualdade observados de 2000/2001 a 2011, tais como: maior afluência econômica do país e inserção no mercado laboral e de conquistas de igualdade de direitos/comportamentos; efetivação do ensino fundamental obrigatório; proibição de venda de bebidas alcoólicas para < 18 anos e de dirigir após beber; inserção no currículo escolar da educação sexual e proibição da propaganda de fumo.

A diminuição da prevalência de uso experimental de álcool < 14 anos de idade, principalmente entre os meninos e com maior renda, é consistente com a da Pesquisa Nacional de Saúde da Escola (PeNSE), de 2009 e 2012 13), (14. A diminuição entre os meninos pode evidenciar novas posturas frente a comportamentos reconhecidos na cultura como masculinos e de iniciação da fase adulta. Todavia, devido à sua avaliação em "alguma vez na vida" impõe limitações à análise. Embora o governo brasileiro tenha estabelecido leis de proibição para a venda de bebidas alcoólicas a menores de idade, a prevalência de episódios de embriaguez não mudou de 2000/2001 para 2011, estando acima da apontada pela Organização Mundial da Saúde para a América Latina (12,4%) no último relatório global 15. Evidenciou-se um aumento no gap entre os meninos ricos e pobres na prevalência de episódios de embriaguez devido ao aumento na prevalência entre os ricos. Apesar da maior afluência econômica do país, gerando uma maior capacidade aquisitiva entre os grupos socialmente mais favorecidos 16, isto não explicaria totalmente uma maior prevalência para um grupo. Novos estudos, com metodologia qualitativa e/ou quantitativa para compreender tal achado, poderiam explicar esse comportamento.

Múltiplas ações foram estabelecidas pelo governo brasileiro para o controle das drogas ilícitas. Nossos resultados apontam para uma diminuição no relato do uso de drogas ilícitas na última década. Entretanto, não é possível garantir a ausência de viés de informação nesses achados, pela forte desaprovação social que esse comportamento gera. Esses resultados, no entanto, vão ao encontro das estimativas apresentadas recentemente em relatórios nacional e internacional 17, mas diferentemente da PeNSE (2012) que apontou aumento na experimentação de drogas ilícitas 13), (14. Influências como os locais de tráfico, o valor de compra das drogas e a descriminalização para a experimentação e uso, ou mesmo a maior pressão social sobre os jovens em relação a perseguir uma maior escolaridade e ter uma inserção cedo no mercado de trabalho para os de menor renda podem se refletir nesse achado.

O Brasil aderiu a políticas globais para a redução do consumo de tabaco como estratégia para a prevenção de doenças crônicas. Ações como o aumento das taxas, proibição de venda unitária e para os menores de idade, fumo em locais fechados, propaganda nas embalagens sobre doenças decorrentes, têm sido as principais atividades para combater o consumo de tabaco (cigarro) pela população. Parte dessas iniciativas pode explicar a redução no consumo de tabaco entre adolescentes, também encontrada em outros estudos 13), (14), (15), (17), (18), (19. O aumento entre as mulheres e de baixa renda pode estar associado ao fato delas terem ingressado após os homens no tabagismo, incrementando a prevalência 20. Entre as mais pobres ele pode ser símbolo de emancipação e alívio de tensão.

A partir da segunda metade dos anos 1980, no Brasil, passou-se a discutir a sexualidade em várias instâncias sociais, incluindo nas escolas; muito desta necessidade se deu pela visibilidade da AIDS, que também delatava novos comportamentos sexuais. Embora sejam múltiplos os esforços em nível nacional - como as mudanças nas políticas para fumo, consumo de álcool e na educação sexual para os adolescentes - os resultados deste estudo apontam para um aumento no número de múltiplos parceiros sexuais para ambos os sexos, assim como os dados da PeNSE 13), (14 e de outros países 21.

Embora a prevalência do relato de não ter usado preservativo alguma vez na vida entre as coortes sugira uma diminuição, a baixa prevalência nos dois períodos pode indicar um viés de informação devido à reprovação social para aceitar envolvimento em relações sexuais sem proteção. A diminuição do gap nas prevalências para iniciação sexual e múltiplos parceiros sexuais se destaca. Essa diminuição foi decorrente de um aumento maior na prevalência entre as adolescentes. Muitos fatores podem ser explicados em consequência das mulheres terem mais acesso ao mercado de trabalho e à escolaridade, logo novas configurações e possibilidades nas relações familiares, sexuais e sociais ocorreram 22. Em concordância com outros estudos (13), (14), (21), (23, a prevalência desses comportamentos de risco tende a ser maior entre os grupos de menor renda, entretanto, o gap diminuiu na última década, especialmente para a iniciação sexual. Em geral, comportamentos sexuais de risco e alguns eventos adversos em saúde sexual estão associados com o consumo de álcool.

Algumas limitações deste estudo podem estar relacionadas ao autorrelato dos adolescentes mediante questionários anônimos. O anonimato pode não ter sido suficiente para as respostas retratarem as práticas, embora haja indicativos de que esta metodologia não afeta a veracidade das respostas 24. Alguns eventos podem ser mais suscetíveis ao viés de recordatório. No caso dos adolescentes homens da coorte de 1982 entrevistados no alistamento militar, o local de aplicação do instrumento pode ter influenciado nas respostas, aumentando a frequência dos comportamentos negativos. É importante ainda observar que alguns comportamentos podem ocorrer em conjunto, como o consumo de tabaco e de álcool, algo não avaliado neste trabalho. Cabe ressaltar ainda que a maioria dos comportamentos estudados está sujeita a aspectos sociais e culturais de cada região ou país, portanto, deve-se ter cuidado com a extrapolação destes resultados para outros contextos. Contudo, as vantagens do presente estudo são: ser de base populacional, abranger grupos com distintas idades e formações, ter uma avaliação de ambos os comportamentos de riscos com perguntas iguais. Tais características permitem que tendências socioeconômicas, pouco exploradas por outros trabalhos, possam ser analisadas.

Políticas de intervenção devem atender as diferentes desigualdades sociais da população, tais como a redução das diferenças socioeconômicas com ações como o aumento da oferta de emprego, ampla educação em saúde, cobertura de educação de qualidade, acesso a serviços de saúde com qualidade são algumas das esferas que devem ser exploradas com mais cuidado na redução de desigualdades na população.

Agradecimentos

As coortes de nascimentos de 1982 e de 1993 são atualmente financiadas pela The Wellcome Trust, por meio do programa Major Awards for Latin America on Health Consequences of Population Change. Fases anteriores dos estudos foram financiadas pelo International Development Research Center, Organização Mundial de Saúde, Overseas Development Administration, União Europeia, Programa de Apoio a Núcleos de Excelência, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Ministério da Saúde.

Referências

  • 1 World Health Organization. Adolescent friendly health services: an agenda for change. Geneva: World Health Organization; 2002.
  • 2 Fondo de las Naciones Unidas para la Infancia. Estado Mundial de la Infancia 2011. La adolescencia una epoca de oportunidades. New York: Fondo de las Naciones Unidas para la Infancia; 2011.
  • 3 Organización Panamericana de la Salud. Epidemiología del uso de drogas en América Latina y el Caribe: un enfoque de salud pública. Washington DC: Organización Panamericana de la Salud; 2009.
  • 4 Malta DC, Moura EC, Silva SA, Oliveira PP, Silva VL. Prevalence of smoking among adults residing in the Federal District of Brasilia and in the state capitals of Brazil, 2008. J Bras Pneumol 2010; 36:75-83.
  • 5 Noto AR, Meer-Sanchez Z, Locatelli DP, Battisti M, Moura YG, Amato TC, et al. Primeiro levantamento sobre o consumo de substâncias psicoativas entre estudantes de ensino fundamental (8º e 9º anos) e médio (1º ao 3º ano) representativo da rede particular de ensino do Município de São Paulo. Relatório de Pesquisa. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas; 2010.
  • 6 Becker R, De-Oliveira E. Comportamento de risco na adolescência. J Pediatr (Rio J.) 2001; 77 Suppl 2:S125-34.
  • 7 Organização das Nações Unids para a Educação, a Ciência e a Cultura. Orientações técnicas de educação em sexualidade para o cenário brasileiro: tópicos e objetivos de aprendizagem. Brasília: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura; 2014.
  • 8 Lemstra M, Bennett NR, Neudorf C, Kunst A, Nannapaneni U, Warren LM, et al. A meta-analysis of marijuana and alcohol use by socio-economic status in adolescents aged 10-15 years. Can J Public Health 2008; 99:172-7.
  • 9 World Health Organization. Handbook on health inequality monitoring with a special focus on low- and middle-income countries. Geneva: World Health Organization; 2013.
  • 10 Gonçalves H, Assunção MC, Wehrmeister FC, Oliveira IO, Barros FC, Victora CG, et al. Cohort profile update: the 1993 Pelotas (Brazil) Birth Cohort follow-up visits in adolescence. Int J Epidemiol 2014; 43:1082-8.
  • 11 Victora CG, Barros FC, Lima RC, Behague DP, Gonçalves H, Horta BL, et al. The Pelotas birth cohort study, Rio Grande do Sul, Brazil, 1982-2001. Cad Saúde Pública 2003; 19:1241-56.
  • 12 Barros AJD, Victora CG. Measuring coverage in MNCH: determining and interpreting inequalities in coverage of maternal, newborn, and child health interventions. PLoS Med 2013; 10:e1001390.
  • 13 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2012. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2013.
  • 14 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2009. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.
  • 15 World Health Organization. Global status report on alcohol anda health 2014. Geneva: World Health Organization; 2014.
  • 16 World Health Organization. Global status report on alcohol and health 2011. Geneva: World Health Organization; 2011.
  • 17 Carlini ELA, Noto AR, Meer-Sanchez Z, Carlini CMA, Locatelli DP, Abeid LR, et al. VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas; 2010.
  • 18 Franco-Marina F, Lazcano-Ponce E. Tendencias del tabaquismo en adultos en México entre 1988 y 2008. Salud Pública Méx 2010; 52 Suppl 2:S108-19.
  • 19 Doku D, Koivusilta L, Rainio S, Rimpela A. Socioeconomic differences in smoking among Finnish adolescents from 1977 to 2007. J Adolesc Health 2010; 47:479-87.
  • 20 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Jovens e mulheres na mira da indústria do tabaco. http://www.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=jovem&link=namira.htm (acessado em 05/Nov/2014).
    » http://www.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=jovem&link=namira.htm
  • 21 Anderson JE, Mueller TE. Trends in sexual risk behavior and unprotected sex among high school students, 1991-2005: the role of substance use. J Sch Health 2008; 78:575-80.
  • 22 Barsted LL, Pitangy J. O progresso das mulheres no Brasil 2003-2010. Rio de Janeiro: Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação/Brasília: ONU Mulheres; 2011.
  • 23 Aicken CR, Nardone A, Mercer CH. Alcohol misuse, sexual risk behaviour and adverse sexual health outcomes: evidence from Britain&apos;s national probability sexual behaviour surveys. J Public Health (Oxf) 2011; 33:262-71.
  • 24 Harrison L. The validity of self-reported drug use in survey research: an overview and critique of research methods. NIDA Res Monogr 1997; 167:17-36.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2015
  • Revisado
    27 Jan 2016
  • Aceito
    24 Fev 2016
location_on
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rua Leopoldo Bulhões, 1480 , 21041-210 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.:+55 21 2598-2511, Fax: +55 21 2598-2737 / +55 21 2598-2514 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro