DEBATE DEBATE
Ubiratan D'Ambrosio
Universidade Estadual de Campinas
Debate on the paper by Ana Maria C. Aleksandrowicz
Muito oportuna a discussão sobre o importante conflito que vem sendo focalizado nos últimos anos por importantes setores da vida acadêmica. As partes envolvidas vão se polarizando em ataques e defesas que - muitas vezes carregados de conotações corporativistas - têm tido como efeito uma intimidação à crítica salutar e necessária para se fazer avançar o conjunto de explicações próprios de uma civilização. Aleksandrowicz faz uma revisão parcial da literatura recente sobre o que vem sendo chamado a "Guerra das Ciências", uma extensão óbvia do que C. P. Snow denominou, há quase quarenta anos, as "Duas Culturas". A discussão não pode deixar de considerar aspectos históricos e geopolíticos.
A história nos mostra que tais conflitos acompanham a evolução do conhecimento. Particularmente, na cultura ocidental, o conhecimento desenvolvido nas academias (héka = distante + demos = povo) e no isolamento dos mosteiros é assimilado pela população em geral, tornando-se parte do cotidiano e alterando comportamentos.
Comportamento e conhecimento estão intimamente associados, em uma relação que poderíamos chamar simbiótica. São a resposta às pulsões de sobrevivência e de transcendência que distinguem a espécie humana e que dão origem a sistemas de explicações e maneiras de lidar com o cotidiano, organizadas como mitos, tradições, artes e tecnologias, e ciências. Todas as respostas às pulsões de sobrevivência e de transcendência originam-se e se organizam em determinado ambiente espacial e temporal. Em outros tempos e em outras regiões, as respostas são obviamente distintas. Um processo de dinâmica cultural que se dá nos encontros de indivíduos com outros, de comunidades com outras, de povos com outros, é responsável pelas transformações dessas respostas. Essas transformações ocorrem lentamente e estão incorporadas à história de cada indivíduo, da comunidade e do povo, como discuto amplamente no meu livro Etnomatemática (D'Ambrosio, 1990). Nesse livro, tomo, como foco das minhas reflexões, o conhecimento matemático, que é central na civilização moderna. É interessante notar que um argumento importante de Sokal & Bricmont é a apropriação de linguagem e resultados da matemática pelos intelectuais que são alvo dos ataques. Recentemente, Sokal (1999) retoma a centralidade do conhecimento matemático na sociedade moderna em editorial pago, no qual ataca programas inovadores de educação matemática nos Estados Unidos.
A partir das grandes navegações, caminha-se para uma civilização planetária. Por um lado, a cultura ocidental, levada pelos conquistadores e colonizadores a todo planeta, perturbou os princípios básicos da dinâmica cultural, dando origem aos culturalmente excluídos e subordinados. Por outro lado, a reorganização política e econômica, que veio com o fim do regime colonial, abalou a hegemonia dos sistemas de explicações e de maneiras de lidar com o cotidiano, organizadas como mitos, tradições, artes e tecnologias, e ciências. São freqüentemente notadas e denunciadas as inadequações do sistema hegemônico nas áreas da política, da economia, das religiões, da saúde, da agricultura, da tecnologia e das ciências em geral. As diferentes culturas, há tantos anos reprimidas e subordinadas, começam a manifestar-se. A chamada pós-modernidade - no meu entender, uma denominação muito infeliz - é uma forma de reação à hegemonia associada à modernidade. "A transdisciplinaridade repousa sobre uma atitude aberta, de respeito mútuo e mesmo de humildade com relação a mitos, religiões e sistemas de explicações e de conhecimentos, rejeitando qualquer tipo de arrogância ou prepotência. A transdisciplinaridade é transcultural na sua essência" (D'Ambrosio, 1997: 80). A defesa de posições hegemônicas, tais como os fundamentalismos, manifesta-se nas Ciências em uma forma de arrogância da academia tão bem notada na chamada "Guerra das Ciências".
D'AMBROSIO, U., 1990. Etnomatemática. São Paulo: Editora Ática.
D'AMBROSIO, U., 1997. Transdisciplinaridade. São Paulo: Editora Palas Athena.
SOKAL, A., 1999. Open letter to the U. S. Secretary of Education Richard Riley. Washington Post, Washington, D.C., 18 nov.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
18 Mar 2003 -
Data do Fascículo
Dez 2000