Open-access A entrada do capital estrangeiro no sistema de saúde no Brasil

The entry of foreign capital into the health system in Brazil

La entrada de capital extranjero en el sistema de salud en Brasil

Resumos

O estudo descreve o histórico da legislação, analisa a trajetória e dimensiona o capital estrangeiro no sistema de saúde no Brasil. A Lei Orgânica da Saúde restringiu a participação do capital estrangeiro, legislações setoriais permitiram o posterior ingresso na assistência médica suplementar e, em 2015, uma nova lei promoveu a abertura irrestrita, inclusive em hospitais e serviços de saúde. O estudo analisou documentos, legislação e dados de bases secundárias públicas ou obtidos via Lei de Acesso à Informação. Foram considerados investimentos diretos e atos de fusões e aquisições no setor privado da saúde. Foram identificadas cinco fases: ordenamento inaugural, expansão regulada, restrição legal, liberação setorizada e abertura ampliada. De 2016 a 2020, ingressaram no país quase dez vezes mais recursos estrangeiros em serviços de saúde que no quinquênio anterior. Foram identificadas 13 empresas ou fundos, a maioria originária dos Estados Unidos. Normas que permitiram a abertura do capital estrangeiro foram antecedidas por lobbies empresariais e interações público-privadas que podem afetar a qualidade das políticas públicas e a integridade do processo legislativo. O capital aportado busca empresas já constituídas e mais rentáveis, em diversos segmentos de atividade. O ingresso ocorre em redes assistenciais privadas não universais, que atendem clientelas específicas, concentradas geograficamente. Conclui-se que o capital estrangeiro, elemento do processo de financeirização da saúde, se expressa como possível vetor da ampliação de desigualdades de acesso da população aos serviços de saúde e como um obstáculo adicional à consolidação do Sistema Único de Saúde.

Palavras-chave: Universalização da Saúde; Sistemas de Saúde; Marketing de Serviços de Saúde; Financiamento da Assistência à Saúde; Instituições Privadas de Saúde


The study describes the history of legislation, analyzes the trajectory and the amount of foreign capital in the Brazilian health system. The Organic Health Law restricted the participation of foreign capital; sectoral legislation, however, allowed its subsequent entry into supplementary medical care and, in 2015, a new law promoted unrestricted openness, including in hospitals and healthcare services. Our study analyzes documents, legislation, and data obtained from secondary public bases or via the Law on Access to Information. Direct investments and merger and acquisition acts in the private health sector were considered. Five phases were identified: inaugural planning, regulated expansion, legal restriction, sectorized release, and expanded opening. From 2016 to 2020, the amount of foreign resources entering the country’s healthcare services was almost ten times more than the previous five-year period. Thirteen companies or funds were identified, most of them from the United States. Regulation allowing for the opening of foreign capital were preceded by business lobbies and public-private interactions that can affect the quality of public policies and the integrity of the legislative process. The invested capital seeks established and profitable companies in various segments of activity. Admission occurs in non-universal private care networks, which serve specific, geographically concentrated clientele. We conclude that foreign capital, an element of health financialization process, is expressed as a possible vector of the expansion of inequalities in the population’s access to health services and as an additional obstacle to the consolidation of the Brazilian Unified National Health System.

Keywords:  Universalization of Health; Health Systems; Marketing of Health Services; Healthcare Financing; Proprietary Health Facilities


Este estudio describe la historia de la legislación, analiza la trayectoria y dimensiona el capital extranjero en el sistema de salud en Brasil. La Ley Orgánica de Salud restringió la participación de capital extranjero, las legislaciones sectoriales permitieron el posterior ingreso a la asistencia médica complementaria y, en el 2015, una nueva ley promovió la apertura sin restricciones, incluso en hospitales y servicios de salud. El estudio analizó documentos, legislación y datos de bases públicas secundarias u obtenidos por medio de la Ley de Acceso a la Información. Se consideraron inversiones directas y actos de fusiones y adquisiciones en el sector privado de la salud. Se identificaron cinco etapas: ordenamiento inaugural, expansión regulada, restricción legal, liberación sectorizada y apertura ampliada. Del 2016 al 2020 ingresaron al país casi diez veces más recursos extranjeros en servicios de salud que en el quinquenio anterior. Se identificaron 13 empresas o fondos, la mayoría con origen en los EE.UU. Las reglas que permitieron la apertura al capital extranjero fueron precedidas por cabildeos empresariales e interacciones público-privadas que pueden afectar la calidad de las políticas públicas y la integridad del proceso legislativo. El capital aportado busca empresas ya consolidadas y más rentables, en diversos segmentos de actividad. El ingreso se da en redes asistenciales privadas no universales, que atienden a una clientela específica y geográficamente concentrada. Se concluye que el capital extranjero, elemento del proceso de financiarización de la salud, se expresa como un posible vector de la ampliación de desigualdades en el acceso de la población a los servicios de salud y como un obstáculo adicional para la consolidación del Sistema Único de Salud.

Palabras-clave:  Universalización de la Salud; Sistemas de Salud; Comercialización de los Servicios de Salud; Financiación de la Atención de la Salud; Instituciones Privadas de Salud


Introdução

Capital estrangeiro 1 denomina os recursos financeiros pertencentes a pessoas ou empresas localizadas no exterior, que são aplicados em atividades econômicas de um país, por meio da compra de participação em sociedades empresariais, empréstimos, financiamentos ou negociação de ativos típicos do mercado de capitais. Ao acessar a economia do país anfitrião, os investimentos estrangeiros têm o objetivo de expandir negócios, receitas e lucros, ou visam buscar recursos, mão de obra, eficiência e conhecimento 2.

Impactos gerais do capital estrangeiro nas economias de países emergentes estão bem documentados. São atribuídos ao investimento estrangeiro resultados positivos de modernização econômica e geração de emprego e renda, mas também possíveis efeitos negativos, como benefícios transitórios, repatriação de lucros que deteriora a balança comercial, falta de vínculos com as questões nacionais e perda de soberania política 3,4.

As atividades comerciais inerentes aos sistemas de saúde se diferenciam de outros ramos da economia, pois o mercado setorial é imperfeito, heterogêneo, com informações assimétricas, conflitos de expectativas e variedade de comportamentos e resultados. Antes mais restritos, os investimentos estrangeiros na saúde foram impulsionados por legislações nacionais liberalizantes, surgimento de corporações transnacionais com atuação no setor, interesse de fundos e investidores em mercados de educação, previdência e saúde, e pelo Acordo Geral sobre Comércio de Serviços - GATS (do inglês General Agreement on Trade in Services) da Organização Mundial do Comércio (OMC) 5.

Embora incipiente, com baixa produção de dados empíricos, a literatura sobre capital estrangeiro na saúde busca compreender características, origem e destino dos investimentos, sua presença no mercado do turismo médico, seu efeito na privatização 6 de sistemas de saúde e no acesso da população a serviços assistenciais, assim como sua capacidade de promover, no país destinatário, inovações em tecnologias médicas, gestão, habilidades organizacionais e sistemas de informação 3,4.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 previu que o capital estrangeiro deve atender ao interesse nacional, e a Lei Orgânica da Saúde restringiu sua participação no sistema de saúde. Na segunda metade dos anos de 1990, Emenda Constitucional e Lei específica permitiram investimentos estrangeiros na assistência médica suplementar, em planos e seguros de saúde. Em 2015, o setor saúde foi amplamente aberto ao capital estrangeiro, com permissão legal de ingresso inclusive em hospitais, clínicas e outros serviços de saúde.

O objetivo deste artigo é descrever o histórico da legislação, analisar a trajetória e as características do capital estrangeiro no sistema de saúde no Brasil, conforme corte temporal e setores econômicos delimitados.

Métodos

O estudo consistiu em análise documental e consulta em bases secundárias de dados públicos ou obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Para a descrição do histórico e percurso do capital estrangeiro no sistema de saúde no Brasil, foram consultadas legislação federal, proposituras e tramitações legislativas, documentos técnicos e posicionamentos de atores estratégicos envolvidos.

Para o estudo do volume de estoques de investimentos estrangeiros na saúde, foram considerados os Ingressos de Investimentos Diretos no País (IDP), que são os recursos aplicados diretamente no capital acionário de empresas, excluídos os reinvestimentos de lucros. Os dados foram obtidos mediante LAI, oriundos dos registros do Departamento de Capitais Estrangeiros do Banco Central do Brasil (Bacen).

As informações individualizadas de empresas junto ao Bacen têm sigilo protegido por lei. Assim, os dados foram agrupados por código da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), referente a empresas que realizam atividades econômicas relacionadas à saúde. Conforme restrição legal, observações inferiores a três empresas no mesmo ano tiveram os dados omitidos. Assim, de forma complementar, recorreu-se a informações públicas do mercado, a balanços das companhias e mídia especializada.

Para o levantamento dos fundos e empresas envolvidas, foram consultados os atos de concentração 7, fusões e aquisições nos segmentos de planos de saúde, serviços hospitalares e serviços de medicina diagnóstica, julgados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Os dados foram obtidos em bases públicas, publicações temáticas 8 do Cade e por meio da LAI.

Nas fontes consultadas, optou-se pelo uso de dados até a última data disponível.

A caracterização da evolução legislativa, a identificação de atores e seus posicionamentos, o volume e as operações de ingresso do capital estrangeiro, a natureza das organizações e ramos econômicos de investidores e beneficiados foram os principais eixos explorados na análise.

O projeto teve a aprovação de Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ CAAE:55181216.6.0000.5286).

Resultados

O percurso do capital estrangeiro no sistema de saúde

A partir de análise documental e de legislação, foi traçada a evolução da participação do capital estrangeiro no sistema de saúde brasileiro. Foram identificadas cinco fases em diferentes períodos históricos (Quadro 1).

Quadro 1
Evolução da participação do capital estrangeiro na saúde no Brasil.

O ordenamento inaugural (1946-1961)

A primeira fase, de 1946 a 1961, foi a do ordenamento inaugural do tema. A regulamentação que buscou, inicialmente, disciplinar o assunto no Brasil, deu-se ao fim da Ditadura Vargas, no pós-guerra, em 1946, com o Decreto-Lei nº 9.0259, que previa o registro de capital estrangeiro no Banco do Brasil e limitava, em 20% do valor investido, o retorno dos recursos ao exterior. Os investimentos estrangeiros, quando ocorriam, eram atraídos pela urbanização em curso, pelo setor automobilístico que despontava, pela redução de importações e maior produção de bens destinados ao consumo interno. Na saúde, a assistência hospitalar se expandia, foi criado o Ministério da Saúde em 1953 e surgiam as primeiras empresas de saúde, mas que não eram ainda atrativas ao capital estrangeiro.

A expansão regulada (1962-1987)

De 1962 a 1987, um ambiente mais regulamentado caracteriza a fase de certa expansão da entrada do capital estrangeiro. Pouco antes do golpe militar de 1964, a Lei nº 4.131, de 1962 10, marco legal que perdura até hoje, visou a desburocratização nos registros e tratou de reinvestimentos de lucros e taxação de remessas ao exterior. Durante o chamado “milagre econômico” (1968 a 1973), já com atuação do Banco Central, diversos setores receberam investimentos do exterior, inclusive os ramos farmacêutico e químico, em ascensão. Contudo, a derrocada econômica, a crise da previdência social e a privatização fragmentada da assistência médica tornavam o setor da saúde ainda pouco convidativo ao capital estrangeiro. Nos anos de 1960, surgiam as primeiras cooperativas médicas, a medicina de grupo, os seguros-saúde e planos privados próprios de hospitais filantrópicos. É de 1975 o registro da primeira empresa estrangeira de plano de saúde no Brasil, a Omint, da Argentina. Já na transição democrática, de 1985 em diante, amplia-se o movimento da Reforma Sanitária, em defesa do direito à saúde. A proposta de um sistema de saúde público e universal, que desaguaria na Constituição, implicava em críticas ao setor privado e à entrada do capital estrangeiro.

A restrição legal (1988 a 1995)

A terceira fase foi de 1988 a 1995. A Constituição Federal11 criou o Sistema Único de Saúde (SUS) e determinou que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada e que o capital estrangeiro deveria atender ao interesse nacional. Foi vedada sua participação na saúde, exceto quando autorizada por lei específica. Em 1990, a Lei Orgânica da Saúde 12 restringiu o capital estrangeiro no sistema de saúde, com exceção para repasses de organismos internacionais e serviços de saúde sem finalidade lucrativa, mantidos por empresas para seus empregados. Fora da saúde, o que se viu foi a flexibilidade do ordenamento constitucional, com liberação progressiva do capital estrangeiro, por meio de normas e leis específicas. Atividades antes limitadas a empresas nacionais de proprietários brasileiros se tornaram abertas aos investimentos externos, assim como ocorreram aberturas nos segmentos bancário e de seguros, e após as concessões de petróleo, energia e telecomunicações. Com o SUS, houve ampliação gradativa da assistência farmacêutica e da rede assistencial púbica, paralela ao rápido crescimento do mercado de planos de saúde privados no Brasil.

Assim, houve aumento da demanda por serviços de saúde, hospitais, medicina diagnóstica, medicamentos, equipamentos e insumos. Diante da abertura mais acentuada do mercado brasileiro, diminuiu a participação do Estado nas políticas industriais, com retração do desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) nacional, o que levou à crescente importação de bens e insumos de saúde. Os segmentos de planos, seguros de saúde e hospitais privados intensificaram pautas de acesso a recursos públicos, subsídios, isenções fiscais e legislação liberalizante da entrada do capital estrangeiro.

A liberação setorizada (1996-2014)

De 1996 a 2014, a restrição do período anterior deu lugar à fase de abertura setorial na saúde, por meio de legislação ou autorizações ad hoc de ingresso do capital estrangeiro. Em 1996, por pressão empresarial, a Advocacia Geral da União (AGU) deu parecer 13 favorável à entrada de seguradoras estrangeiras nos segmentos de vida, previdência privada e saúde. No mesmo ano, em pleito da Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados, de Capitalização e de Previdência Complementar Aberta (Fenaseg), a Emenda Constitucional (EC) nº 13/199614 foi aprovada por maioria na Câmara dos Deputados (337 votos a 93) e no Senado Federal (56 votos a 10). Deu-se uma nova redação ao artigo 192, parágrafo II, da Constituição, retirando a função de “órgão oficial ressegurador”, que era atribuída ao Instituto Brasileiro de Resseguros (IRB). Assim, a previdência privada e os seguros de saúde, inclusive, foram abertos aos mercados nacional e estrangeiro.

O autor da EC nº 13 foi o então Deputado Federal Antônio Henrique Bitencourt Cunha Bueno (PPB/SP), um ex-corretor ligado ao mercado de seguros, com trajetória nos partidos Arena, PDS, PPR e PPB. Logo depois da aprovação, veio a público 15 que o parlamentar promoveu viagem a Paris, Londres e Lisboa de um grupo de 18 deputados e quatro senadores, custeada por empresas de seguros privados. Após 1996, diversas empresas estrangeiras passaram a atuar no segmento segurador em geral e de saúde no Brasil.

Em 1998, a Lei nº 9.656 (Lei dos Planos de Saúde) 16, que foi sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e atualizada por seguidas medidas provisórias, passou a permitir que pessoas físicas ou jurídicas, domiciliadas no exterior, pudessem constituir ou participar do capital de empresas nacionais que operam no segmento de planos privados de assistência médica e odontológica. A Lei, aprovada por maioria em plenários da Câmara e do Senado, teve sua tramitação marcada por conflitos entre operadoras, entidades médicas e de consumidores. O texto legal contemplou, em grande parte, proposta elaborada pela Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) 17, assimilada pelo relator do projeto de regulamentação dos planos de saúde na Câmara dos Deputados, deputado Pinheiro Landim (PMDB-CE). O parlamentar renunciou ao mandato de deputado em 2003 para evitar sua cassação, após ter sido acusado de participar de suposto esquema de venda de habeas corpus para traficantes 18,19.

Nos anos seguintes à Lei nº 9.65616, deu-se a aquisição de planos de saúde por empresas e fundos estrangeiros. Em 2014, mudanças na legislação (Medida Provisória - MP nº 656/201420) estimularam hospitais filantrópicos, sem fins lucrativos e beneficiários de isenções fiscais, a modificarem sua natureza jurídica para recebimento de investimentos privados. Mesmo sem previsão legal, mas com consentimento de órgãos governamentais, o capital estrangeiro passou a alcançar hospitais e outros serviços adquiridos ou ligados às operadoras de planos de saúde.

A abertura ampliada (2015-2021)

Finalmente, a fase de liberação irrestrita ao capital estrangeiro na Saúde teve início em 2015, até 2021, ano de realização deste estudo. A Lei Federal nº 13.097/201521, sancionada pela presidente Dilma Rousseff, foi uma conversão da MP nº 65620 que, originalmente, previa modificações diversas na legislação tributária. Com tramitação acelerada, não seguiu o fluxo habitual de discussão em plenário, tendo sido aprovada em articulação de Colégio de Líderes.

O autor da emenda foi o então Deputado Federal Manoel Alves da Silva Junior, médico, do PMDB, tendo sido antes filado ao PSB. Ligado ao ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha 22, ambos receberam doações de empresas de planos de saúde, registradas no TSE e referentes às eleições de 2014 23.

Em outra ocasião, o autor da Emenda foi alvo de operação divulgada pela Policia Federal 24, acusado de recebimento de propina de grupo empresarial do ramo de frigoríficos, tendo como contrapartida promover a federalização de inspeções sanitárias, por meio de emenda inserida em outra MP, a de nº 653/201425, cujo objeto inicial tinha natureza diversa. Quanto à emenda do capital estrangeiro, delação tornada pública 26 apontou que sua inserção à MP nº 65620 pode ter sido obtida mediante repasses ilícitos de grupos hospitalares ou de planos de saúde.

Para garantir a autorização irrestrita do ingresso do capital estrangeiro, a EC nº 653 modificou a Lei Orgânica da Saúde, nº 8.080/199012. Na justificativa 27 da emenda, foi destacado que o capital estrangeiro já estava presente em outros segmentos da saúde, que traria maior concorrência para o setor e que a iniciativa privada teria “a função de sanar as deficiências do SUS”.

Para a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) 28, a mudança corrigia a “assimetria de direitos”, pois, até então, os planos de saúde podiam captar recursos para promover sua verticalização, enquanto os hospitais não recebiam capital estrangeiro.

Assim que foi sancionada sem vetos, a Lei passou a ser mais abertamente defendida pelo governo federal. Em Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 29, o então ministro da Saúde, Arthur Chioro, reforçou argumentos de que a Lei corrigia assimetrias de acesso ao capital estrangeiro entre operadoras de planos de saúde e hospitais, passando a assegurar condições de concorrência. Na cobertura da participação do ministro no CNS, a imprensa assim noticiou: “Chioro afirmou que somente ‘desconhecimento e falta de capacidade de análise a fundo da matéria’ e o ‘antagonismo político inadequado’ poderiam gerar a interpretação de que a lei representaria uma ameaça de privatização do sistema de saúde no País30.

A Lei nº 13.09721 foi contestada pela Advocacia-Geral da União (AGU), pelo Ministério Público Federal e por entidades da sociedade civil. No Supremo Tribunal Federal (STF), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 5.435) 31, não julgada até início de 2022, alega que a lei tornou regra a exceção prevista na Constituição Federal, além de ofender o princípio da proibição do retrocesso social.

Outro argumento é que o capital estrangeiro foi inserido em MP que divergia do texto inicial apresentado pelo Executivo, ferindo o princípio da separação dos Poderes; e que escapara do rito ordinário do Congresso Nacional, impedindo amplo debate na sociedade.

Em setembro de 2021, tramitavam na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei - PL nº 1.721/201532, que visa proibir novamente a participação de capital estrangeiro na assistência à saúde; e o PL nº 3.122/202033, que pretende limitar a participação de investimentos estrangeiros em atividades consideradas estratégicas, como a saúde.

Os investimentos diretos, fusões e aquisições

Para traçar a evolução do volume de recursos estrangeiros, foram considerados os ingressos de Investimentos Diretos no País (IDP) de 2010 a 2020, segundo grupos, conforme CNAE, de empresas cujas atividades econômicas têm relação com a Saúde.

O impacto da Lei nº 13.097/201521, pode ser verificado no agrupamento “Atendimento hospitalar, remoção de pacientes, ambulatorial, apoio à gestão de saúde, e outros de atenção à saúde humana” (Quadro 1).

De 2010 a 2015, período de vedação constitucional do capital estrangeiro na rede assistencial de saúde, foram registrados USD 35 milhões de investimentos em serviços hospitalares e ambulatoriais. De 2016 a 2020, já com a abertura irrestrita promovida pela legislação, ingressaram no Brasil USD 348 milhões para o mesmo segmento, quase dez vezes mais. Nota-se que, em 2016, primeiro ano após o início vigência da Lei, ingressaram USD 154 milhões, maior valor da série histórica. Nos anos de 2017 e 2018, ocorreram aportes de USD 40 milhões e USD 44 milhões, respectivamente, seguido por ingresso mais significativo (USD 72 milhões) em 2019. O valor ingressante em 2020 (USD 38 milhões) deve ser analisado com ressalvas, devido à excepcionalidade da crise sanitária no período.

Por restrição legal, para preservar sigilo empresarial, sempre que menos de três empresas recebem capital estrangeiro no mesmo ano, os valores ficam indisponíveis nas bases do Banco Central, usadas neste estudo. Essa limitação, em si, revela que as operações ligadas a planos de saúde, liberadas desde 1999, são unitariamente menos frequentes. Mas, cotejando com informações públicas do próprio mercado, afere-se que movimentaram grande volume de recursos. As três operações mais relevantes na saúde suplementar somaram mais de USD 6,9 bilhões, que correspondem à aquisição da Amil pelo UnitedHealth Group em 2012, por USD 4,9 bilhões 34, o aporte de USD 865 milhões 35, do fundo Bain Capital, na NotreDame Intermédica, em 2014; e o aporte de USD 1,2 bilhão 36 do Carlyle Group junto à administradora de benefícios Qualicorp, em 2019.

Nota-se que o ingresso do capital estrangeiro no setor suplementar ocorre após a legislação setorial de 1999. De 2015 a 2018, diferente dos demais anos analisados, não houve registro e entrada junto a planos de saúde, anos em que ocorreram aportes em hospitais e serviços de saúde.

As informações disponíveis ao estudo não permitem separar todos os recursos estrangeiros alocados nas seguradoras, direcionados especificamente ao setor saúde. Registra-se, porém, que logo após a EC nº 13 ter aberto o setor de seguros ao capital estrangeiro, a Aetna Inc. pagou BRL 425 milhões pela Sul América; a seguradora norte-americana Cigna comprou, por valores não revelados, a Golden Cross 37; assim como ocorreram, no ramo de seguros em geral, fusões e aquisições entre Unibanco Seguros e a AIG e (USD 550 milhões), Paulista e Liberty Mutual (USD 150 milhões), Icatu e ITT Hartford com a (valor não revelado), Sudameris e Generali (valor não revelado), Bradesco e a Allianz (USD 21 milhões), Vera Cruz e a Mapfre com a (USD 20,5 milhões) Banco Excel Econômico e Cigna (USD 70 milhões) 38.

Já o investimento estrangeiro na indústria farmoquímica e de medicamentos, setores que já contavam com autorização legal, apresentou oscilações ao longo do período analisado, com maiores aportes de 2013 a 2016, quando sofreu retração de 2017 a 2020. Os ingressos voltados ao varejo farmacêutico e ao comercio de equipamentos e insumos apresentam baixos valores, possivelmente também por limitação da base consultada (Tabela 1).

Tabela 1
Ingressos de investimentos diretos no país, segundo grupos (Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE) de empresas que realizam atividades econômicas relacionadas ao setor saúde, 2010 a 2020.

No estudo, foram considerados também os atos de concentração, fusão e aquisição analisados pelo Cade de 2005 a 2019. No período, o órgão julgou 181 atos de concentração entre empresas de planos de saúde, hospitais e medicina diagnóstica, envolvendo capital nacional e estrangeiro. As fusões e aquisições ocorreram dentro de um dos três segmentos, mas também de forma “cruzada” entre eles. No primeiro quinquênio, de 2005 a 2009, foram registradas 32 fusões e aquisições, passando para 84 operações entre 2010 e 2014. Nos últimos cinco anos analisados, de 2015 a 2019, foram 65 atos de concentração. Nesse último período, além da maior participação de capital estrangeiro, em função da Lei de 2015, houve expansão de conglomerados econômicos da saúde, caracterizando novos laços societários entre grupos, com número menor de atos de fusões e aquisições se comparado ao quinquênio anterior, porém mais volumosos em termos de recursos e fatia de mercado envolvidos.

No período estudado, foram identificadas 13 companhias ou fundos de investimento remetentes de capital estrangeiros para o setor saúde no Brasil, sendo a maioria (8) originária dos Estados Unidos, duas da Suíça, uma com sede na Argentina e duas brasileiras, mas que fazem gestão de ativos globais. Dessas empresas e fundos, 10 deles atuam predominantemente no mercado financeiro e apenas três (UnitedHealth Group, Bain Capital e Massachusetts Mutual) têm a saúde com ramo de investimento. Os segmentos destinatários do capital estrangeiro são principalmente planos de saúde e redes de hospitais, clínicas e medicina diagnóstica.

Há registros de aportes específicos para o mercado de oncologia ambulatorial e para atividades de check-up médico, orientação psicológica e nutricional. As empresas nacionais receptoras de capital estrangeiro são geralmente aquelas mais bem posicionadas no seu respectivo segmento, como a Rede D’Or, na assistência hospitalar; Dasa e Fleury, na medicina diagnóstica; Amil e Qualicorp, na saúde suplementar. Ressalta-se que houve ingresso de capital estrangeiro na saúde anterior a 2005, período não alcançado pelo presente levantamento. Também ocorreram aquisição do controle de empresas farmacêuticas e rede de farmácias, setor que não foi objeto deste estudo (Quadro 2).

Quadro 2
Capital estrangeiro em atos de concentração, fusão e aquisição de empresas da saúde, segundo origem e destinação, Brasil, 2010 a 2019.

Discussão

Marcos legais estabelecidos em fases e períodos distintos foram determinantes para a entrada do capital estrangeiro no Brasil, principalmente após a legislação liberalizante de 2015.

O estudo corrobora o que se sabe sobre investimentos estrangeiros no setor privado da saúde de países de média e baixa renda, que ocorrem mais frequentemente quando são aprovadas regulações sob medida, favoráveis ao seu ingresso 39.

Não foram percebidas, até pela baixa exposição temporal do sistema de saúde à legislação recente, a maior simetria de concorrência no setor privado da saúde, os benefícios ao SUS e a ampliação do atendimento à população mediante expansão de redes assistenciais privadas, argumentos formalmente apresentados para as alterações legais favoráveis ao capital estrangeiro.

As pressões empresariais e decisões políticas que levaram às sucessivas aberturas do capital estrangeiro, primeiramente em seguros e planos de saúde e, em seguida, à rede assistencial mais ampla de hospitais e serviços, fazem supor a existência de interações público-privadas previamente estabelecidas.

Percebeu-se, nos momentos mais determinantes pró-liberação do capital estrangeiro, pouca variação de arranjos de interação entre Executivo, Legislativo e grupos empresariais interessados. Lobbies do setor privado e atividades calculadas de orientação e pressão caracterizam o processo legislativo 40, mas o que se viu, no caso analisado, é um padrão determinado: (a) escolha dos autores ou relatores das matérias, geralmente parlamentares de menor expressão político-partidária, do chamado “baixo clero”, mas com proximidade com o Governo Federal ou com segmentos empresariais a serem beneficiados; (b) inclusão do capital estrangeiro em proposituras originalmente apresentadas para outras finalidades; (c) tramitação acelerada, alijando a sociedade de mecanismos de participação; (d) acordo prévio de líderes partidários e de bancadas, o que interdita o debate mais amplo e plural no Parlamento; (e) sanção presidencial sem vetos.

Tais práticas carregam o potencial de, ao fim, afetar políticas públicas e a própria integridade, independência e eficácia do Poder Legislativo, cuja atividade tem sido constantemente ameaçada por lobbies, subornos, fraudes, financiamento de campanhas eleitorais e clientelismos, que incluem liberação de emendas parlamentares e cargos no Executivo.

Após a abertura da Lei de 2015, o capital estrangeiro mirou aquisições de estruturas já constituídas, que operam atividades supostamente rentáveis, como hospitais gerais, serviços de média complexidade, oncologia e diagnóstico por imagem. Sabe-se que o SUS é cronicamente subfinanciado e que a injeção de recursos externos é dirigida a redes assistenciais privadas não universais, que atendem clientelas especificas, localizadas em cidades e regiões onde há mais emprego, renda e maior concentração de clientes de planos de saúde, sobretudo em contratos coletivos ligados ao trabalho. Ao contribuir com elevação de gastos privados, cuja proporção já é maior que a de gastos públicos na saúde no Brasil, o capital estrangeiro pode drenar serviços, recursos humanos e financeiros do SUS, constituindo-se em mais um vetor de desigualdades de acesso da população à assistência em saúde.

Organismos internacionais, como o Banco Mundial 41, inserem o capital estrangeiro no conjunto de estratégias visando a cobertura universal de saúde para países de baixa e média renda, que consistiria no incentivo ao financiamento privado e aos gastos direto, em suporte à demanda.

O capital estrangeiro que ingressou no Brasil até agora, salvo exceções, é predominantemente oriundo de fundos que não atuam na área da saúde. São investimentos geralmente de curto prazo, de caráter menos empreendedor e mais rentista. No entanto, não há evidências de que seja mais especulativo do que o capital nacional envolvido na saúde.

Os Estados Unidos têm o maior estoque de investimentos diretos externos em saúde no mundo, o que explica, em parte, vir daquele país o maior volume dos investimentos estrangeiros em saúde no Brasil. Pode contribuir o fato de empresas de saúde nacionais terem proximidade com os modelos assistencial e de negócio do mercado da saúde dos Estados Unidos, e de haver intercâmbio permanente de entidades empresariais do setor entre os dois países.

O refluxo do capital estrangeiro em anos mais recentes não corresponde ao aquecimento do mercado interno da saúde privada, que registrou grande número de operações de fusões e aquisições no mesmo período 42.

Há sinais de maior concentração de investimentos domésticos entre planos de saúde, hospitais, clínicas e laboratórios de diagnóstico. Grandes grupos passaram a promover fusões entre si ou adquiriram empresas menores, visando expansão territorial, ganho de escala em operações e verticalização da rede assistencial.

O estudo revelou que, nos primeiros anos após o início da vigência das alterações legais, ingressaram mais recursos externos, depois retraídos, o que pode expressar a busca imediata por oportunidades de negócios anteriormente represadas pela legislação mais restritiva. Pode-se supor que as oportunidades de investimento estrangeiro lucrativo na saúde sejam limitadas no Brasil. Outra hipótese é que investidores e fundos poderão aguardar um segundo momento, quando o setor estiver menos fragmentado e mais concentrado em poucos grupos nacionais. E, ainda, pode ocorrer o inverso, uma fuga do capital estrangeiro já aportado. Investidores estrangeiros em saúde têm sido confrontados com barreiras internas que os fazem se retirar dos negócios da saúde em países emergentes ou até mesmo desencorajar outros investidores em potencial 43. Veja-se o anúncio da saída da UnitedHealth Group do país, 10 anos após a aquisição da Amil, indício de que o cenário econômico nacional vislumbrado não se confirmou, ou que estrangeiros não se adaptam facilmente às singularidades do setor da saúde nacional.

Não foi possível estabelecer relação entre o fluxo de investimentos externos em geral e na saúde. Em 2019, o Brasil somou USD 874 bilhões de IDP 44, em todos os ramos da economia, maior valor desde 2010, com aumento de 18,4% em relação a 2018. As estimativas mundiais em 2021 eram de queda e posterior retomada mais lenta dos fluxos globais de investimento 45, ainda mais em países como o Brasil, severamente atingidos pela combinação de crises sanitária, econômica e política.

Esta pesquisa reforça, assim como outros estudos 46, que os atos de concentração de empresas são um parâmetro de monitoramento de tendências do setor privado da saúde no Brasil. Acrescenta-se o IDP como indicador adequado, embora limitado, para o monitoramento da entrada de capital estrangeiro na saúde. Mas o problema da qualidade das informações sobre o tema estudado, para ser mais facilmente contornado, dependerá de maior regulamentação dos registros e movimentações de capital estrangeiro na saúde, o que não ocorreu após a legislação, embora tenha sido este um dos argumentos dos defensores das mudanças.

Este artigo contribui para a literatura de quatro maneiras. Primeiro, oferece uma descrição empírica inédita do capital estrangeiro na saúde no Brasil, ao estudar a evolução e o efeito da legislação, agregando dois parâmetros distintos, os investimentos diretos e as fusões e aquisições no setor. Em segundo lugar, acrescenta o sistema de saúde nos estudos de capital estrangeiro, geralmente restritos a outros ramos econômicos. Depois, incentiva introduzir ou destacar o fenômeno do capital estrangeiro nos estudos sobre financeirização da saúde 47. E, ainda, sugere a operacionalização do capital estrangeiro na saúde como objeto de estudo específico, considerando sua frequência, volume de recursos envolvidos e um potencial de promover novos arranjos para as reconfigurações no sistema de saúde.

Nosso estudo, exploratório, tem limitações, devido ao corte temporal empregado e à natureza dos dados utilizados, públicos ou obtidos por LAI. Duas das fontes principais, Bacen e Cade, são legalmente impedidos de divulgar informações individualizadas sobre empresas.

São também limitantes a agregação simplificadora, a imprecisão na identificação do setor de atividade econômica de parte dos beneficiados, a atuação da empresa receptora em diferentes ramos, os recursos ingressantes não captados em fundos de investimentos para os quais não há informação sobre a composição da carteira, o dinamismo e a fluidez da entrada e saída de capital, oscilações de investimento em função de paridades cambiais.

O Cade não analisa fusões e aquisições de menor valor, o que pode fazer escapar as pequenas operações, mesmo que tenham capital estrangeiro envolvido. No caso dos seguros, o dado agregado não permitiu aprofundar os recursos estrangeiros junto às seguradoras de saúde. O volume de recursos estrangeiros agrupados em “demais investimentos na saúde”, por ausência de CNAE da empresa receptora, foi outro limitador. Soma-se a dificuldade de diferenciar informações de investidores diretos, que possuem algum interesse na empresa na qual fez investimento, e de investidores em carteiras, que não buscam exercer influência sobre a gestão empresarial.

Não foi alcançado o levantamento do capital estrangeiro envolvido na formação de profissionais de saúde e na produção local de tecnologias e insumos de saúde.

Por fim, a observação transversal não produz evidências do impacto do capital estrangeiro na rede assistencial da saúde e na população assistida, o que demandará estudos sobre as trajetórias e finalidades de uso dos investimentos.

Conclusão

A trajetória do capital estrangeiro no setor saúde no Brasil foi delineada por marcos regulatórios que dispõem sobre entradas e saídas de investimentos, legislação que permitiu o ingresso, primeiro em segmentos específicos e, depois, irrestritamente na assistência à saúde, além de flexibilidades antes da adoção de estatutos legais.

As mudanças na legislação foram indutoras, mas a trajetória futura dos investimentos externos dependerá de conjunturas econômica, política e regulatória. As deliberações que culminaram na ampla abertura do capital estrangeiro na saúde podem ter sido influenciadas por lobbies empresariais e interações público-privadas, capaz de afetar a qualidade de políticas públicas e a integridade do processo legislativo.

O capital estrangeiro é um componente da financeirização, da atuação crescente dos mercados, instituições e agentes financeiros na saúde. Ao se associar a redes assistenciais privadas não universais, o capital estrangeiro se torna possível vetor de tendências de regressividade, de aumento dos gastos privados em saúde e das desigualdades de acesso da população aos serviços, provável obstáculo adicional à consolidação do SUS.

Agradecimentos

Ao financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (processo nº 405077/2013-0).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2021
  • Revisado
    04 Mar 2022
  • Aceito
    10 Mar 2022
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