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Relato de experiência sobre ampliação do acesso ao aborto legal por violência sexual no Município do Rio de Janeiro, Brasil

Relato de una experiencia sobre la ampliación del acceso al aborto legal por violencia sexual en el Municipio de Río de Janeiro, Brasil

Resumos

Trata-se de relato de experiência desenvolvida na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-RJ), para ampliar o número de maternidades municipais que atendem ao aborto legal por estupro. No Brasil, existem três permissivos legais para realização do aborto: risco à vida da gestante, estupro e anencefalia do feto. Diante da alta ocorrência de violência sexual contra as mulheres, os profissionais que atuam no Sistema Único de Saúde precisam estar qualificados para este atendimento e potencial desfecho em aborto, caso seja esta a escolha da mulher. Apesar das normas e diretrizes, ainda existem barreiras importantes no acesso a este direito, sendo a alegação da objeção de consciência pelos profissionais um dos principais obstáculos enfrentados. O objetivo do trabalho é apresentar uma metodologia de sensibilização de profissionais de saúde, para qualificar o atendimento às vítimas de violência sexual e ampliar o acesso ao aborto legal nas maternidades municipais. A metodologia contou com três etapas: oficina de trabalho, sensibilizações nas maternidades e monitoramento. Esta experiência foi acompanhada pelo aumento do número de maternidades que realizam o aborto legal por estupro, passando de duas unidades em 2016 para dez em 2019. Também fortaleceu diretrizes para melhoria no atendimento, como priorização dos casos no acolhimento e classificação de risco, oferta de atendimento multiprofissional e garantia da presença do acompanhante na internação. Fatores que favoreceram este trabalho foram: vontade política da gestão da SMS-RJ; aposta em ações descentralizadas de educação permanente; envolvimento dos profissionais de saúde.

Palavras-chave:
Aborto Legal; Delitos Sexuais; Maternidades; Educação Continuada; Sistema Único de Saúde


Se trata de un relato sobre una experiencia, desarrollada en la Secretaría Municipal de Salud de Río de Janeiro (SMS-RJ), para ampliar el número de maternidades municipales que atienden abortos legales por violación. En Brasil, existen tres supuestos legales para abortar: riesgo para la vida de la gestante, violación y anencefalia del feto. Ante la alta ocurrencia de violencia sexual contra las mujeres, los profesionales que actúan en el Sistema Único de Salud (SUS)necesitan estar cualificados para este tipo de atención y desenlace potencial en aborto, en caso de que esta sea la elección de la mujer. A pesar de las normas y directrices, todavía existen barreras importantes en el acceso a este derecho, siendo la alegación de objeción de conciencia -por parte de los profesionales- uno de los principales obstáculos a los que se hace frente. El objetivo del trabajo es presentar una metodología de sensibilización para profesionales de salud, con el fin cualificar la atención a las víctimas de violencia sexual y ampliar el acceso al aborto legal en las maternidades municipales. La metodología contó con tres etapas: taller de trabajo, sensibilizaciones en maternidades y supervisión. Se realizó un seguimiento de esta experiencia, debido al aumento del número de maternidades donde se permite el aborto legal por violación, pasando de dos unidades en 2016 a diez en 2019. También se fortalecieron las directrices para la mejora en la atención, como la priorización de los casos en la acogida y clasificación de riesgo, la oferta de atención multiprofesional, así como la garantía de la presencia de un acompañante durante el internamiento. Los factores que favorecieron este trabajo fueron: voluntad política de la unidad de gestión de la SMS-RJ; la apuesta en acciones descentralizadas de educación permanente, así como la implicación de los profesionales de salud.


The article reports on an experience developed by the Rio de Janeiro Municipal Health Department (SMS-RJ) to expand the number of municipal maternity hospitals that provide legal abortion for rape victims. Brazil’s legislation allows legal abortions in three cases: risk to the woman’s life, rape, and fetal anencephaly. Given the high rate of sexual violence against Brazilian women, health professionals working in the Brazilian Unified National Health System (SUS) need to be trained for such care with abortion as the potential outcome if that is the woman’s choice. Despite the legal provisions and guidelines, Brazilian women still experience important barriers when attempting to access this right. One of the main obstacles is health professionals’ claim of conscientious objection. The study aims to present an awareness-raising methodology for health professionals to improve the care for victims of sexual violence and expand access to legal abortion in the municipal maternity hospitals. The methodology involved three stages: a workshop, awareness-raising in the maternity hospitals, and monitoring. This experience resulted in an increase in the number of maternity hospitals that perform legal abortion for rape victims, from two hospitals in 2016 to ten in 2019. The experience also strengthened the guidelines for the improvement of care, such as prioritization of cases for reception of patients and risk classification, supply of multidisciplinary care, and safeguards for the presence of an accompanying person during the patient’s hospital stay. Factors that favored this work included political determination by the administration of the SMS-RJ, the wager on decentralized activities in permanent education, and the health professionals’ direct involvement.

Keywords:
Legal Abortion; Sex Offenses; Maternity Hospitals; Continuing Education; Unified Health System


Introdução

No Brasil, existem três permissivos legais para a realização do aborto: em casos de risco à vida da gestante, estupro 11. Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União 1940; 31 dez. e gravidez de feto anencéfalo 22. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental nº 54. Diário da Justiça Eletrônico 2012; (78). http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=77&dataPublicacaoDj=20/04/2012&incidente=2226954&codCapitulo=2&numMateria=10&codMateria=4.
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. Para garantir esse direito, os serviços de saúde, especialmente maternidades do Sistema Único de Saúde (SUS), precisam estar preparados para atender às mulheres no tempo oportuno, com acolhimento e resolutividade.

Embora a Lei nº 12.845/201333. Brasil. Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre o tratamento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. Diário Oficial da União 2013; 2 ago. e a Norma Técnica do Ministério da Saúde 44. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: norma técnica. 3ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. (Série A. Normas e Manuais Técnicos) (Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos - Caderno 6)., de 2012, estabeleçam as responsabilidades dos serviços no atendimento às vítimas de violência sexual e nos casos de aborto legal, ainda hoje existem obstáculos no acesso a este direito. Nos casos de aborto legal por violência sexual, as barreiras incluem: falta de informação dos profissionais sobre a legislação e as políticas públicas; solicitação inadequada do boletim de ocorrência policial; e dificuldade de identificação de profissionais que se disponibilizem para assistir o aborto previsto em lei 55. Madeiro AP, Diniz D. Serviços de aborto legal no Brasil - um estudo nacional. Ciênc Saúde Colet 2016; 21:563-72.,66. Soares GS. Profissionais de saúde frente ao aborto legal no Brasil: desafios, conflitos e significados. Cad Saúde Pública 2003; 19 Suppl 2:S399-406..

A alegação da objeção de consciência, quando há recusa do profissional em realizar o procedimento, apresenta-se como grande dificultador 77. Diniz D. Objeção de consciência e aborto: direitos e deveres dos médicos na saúde pública. Rev Saúde Pública 2011; 45:981-5.,88. Ipas. Objeción de conciencia: una barrera para acceder a los servicios de aborto en América Latina. LACCOS-S17 2017. http://www.redaas.org.ar/archivos-recursos/403-Objecion%20de%20Conciencia.pdf (acessado em 23/Nov/2019).
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. No entanto, esse não é um direito absoluto e a instituição não pode alegá-lo para se furtar a prestar assistência 99. Galli B, Drezett J, Cavagua Neto M. Aborto e objeção de consciência. Ciênc Cult (São Paulo) 2012; 64:32-5., tendo o dever de informar à mulher sobre seus direitos e garantir a atenção ao abortamento por outro profissional ou serviço 44. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: norma técnica. 3ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. (Série A. Normas e Manuais Técnicos) (Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos - Caderno 6)..

Os dados de estupro do Estado e Município do Rio de Janeiro indicam a alta ocorrência deste tipo de violência. O Dossiê Mulher1010. Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Dossiê Mulher 2019. http://www.isp.rj.gov.br/Conteudo.asp?ident=48 (acessado em 23/Nov/2019).
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, do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, aponta que em 2018 ocorreram no Estado do Rio de Janeiro 4.543 casos de estupro contra mulheres, sendo 1.400 casos registrados na capital. Os registros feitos pelo poder público não documentam a totalidade das ocorrências, já que evidências indicam subnotificação dada a natureza do delito e o tabu envolvido 1111. Cerqueira D, Coelho D. Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde. http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=21842 (acessado em 23/Nov/2019).
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A Tabela 1 apresenta os abortos previstos em lei registrados no Estado e Município do Rio de Janeiro nos últimos quatro anos. Os dados foram obtidos no Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) com o código O04 - “Aborto por razões médicas e legais” da Classificação Internacional de Doenças, 10ª Revisão (CID-10), que inclui procedimentos realizados dentro dos três permissivos.

Tabela 1
Aborto por razões médicas e legais. Internações hospitalares efetuadas no Município e no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, 2015-2018.

Os dados demonstram baixo registro dos procedimentos realizados no SUS, se comparado ao número de estupros e gravidezes em potencial, e não detalham os tipos de permissivos legais. Em 2011, por exemplo, estima-se que cerca de 7% dos estupros resultaram em gravidez 1111. Cerqueira D, Coelho D. Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde. http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=21842 (acessado em 23/Nov/2019).
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. Se aplicada essa média ao número de estupros no estado, seriam 318 gestações decorrentes de estupro em 2018. No mesmo ano, foram registrados 89 abortos legais no estado.

Essa diferença pode assinalar dificuldades de acesso ao procedimento e falta de informação das mulheres sobre o direito de realizar o aborto nos casos de estupro, de forma segura e gratuita no sistema público 1212. Diniz D, Dios VC, Mastrella M, Madeiro AP. A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil. Rev Bioét 2014; 22:291-8.,1313. Faúndes A, Duarte GA, Osis MJD, Andalaft-Neto J. Variações no conhecimento e nas opiniões dos ginecologistas e obstetras brasileiros sobre o aborto legal, entre 2003 e 2005. Rev Bras Ginecol Obstet 2007; 29:192-9.. É necessário ainda considerar problemas quanto à codificação, pois há outros códigos para abortamento que acabam sendo utilizados por dificuldade do profissional em assumir que realiza este procedimento.

Considerando esse contexto, o presente trabalho apresenta relato de experiência desenvolvida na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-RJ), que teve como objetivo a implantação de uma metodologia de sensibilização de gestores e profissionais de saúde, para qualificar o atendimento às vítimas de violência sexual e ampliar o acesso ao aborto legal.

Metodologia

A metodologia apresentada (Figura 1) foi elaborada por um Grupo de Trabalho (GT) coordenado pela Superintendência de Maternidades da SMS-RJ, sendo responsável pela mobilização das ações de sensibilização dos profissionais e gestores. O GT foi composto por cerca de 10 profissionais, mais frequentes nas reuniões, incluindo psicólogas, assistentes sociais e enfermeiros de três das doze maternidades da rede municipal.

Figura 1
Metodologia de sensibilização para profissionais de saúde sobre aborto por violência sexual.

Esse GT se mobilizou a partir da participação da equipe da SMS-RJ no GT Aborto do Fórum Perinatal da Região Metropolitana I, espaço de debate entre gestores, profissionais de saúde, movimentos sociais, que trata de políticas públicas voltadas à saúde da mulher e da criança 1414. Comissão Intergestora Bipartite do Estado do Rio de Janeiro. Deliberação CIB-RJ nº 3.621 de 17 de dezembro de 2015. http://www.cib.rj.gov.br/deliberacoes-cib/442-2015/dezembro/4118-deliberacao-cib-n-3-621-de-17-de-dezembro-de-2015.html (acessado em 05/Fev/2020).
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.

A implantação da metodologia aconteceu de outubro de 2017 a outubro de 2018 e foi dividida em três etapas: (i) Oficina de trabalho: marco inicial do processo, reuniu direções das maternidades e a equipe multidisciplinar de atendimento (psicólogos, assistentes sociais, médicos, enfermeiros) que tiveram acesso às principais diretrizes, legislações e dados sobre violência sexual e aborto legal, e participaram de uma discussão de casos de mulheres que buscaram atendimento; (ii) Sensibilizações nas maternidades: a partir da Oficina, foram formados Grupos Multiplicadores em todas as 12 maternidades da rede a fim de sensibilizar as equipes assistenciais, da rotina e dos plantões, de modo a disseminar os protocolos e fluxos acordados. Para apoiar esse processo, foi criado o fôlder Orientações sobre Atendimento à Vítima de Violência Sexual e Aborto Legal (Material Suplementar: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/site/public_site/arquivo/csp-1812-19-material-suplementar_7829.pdf), com as principais informações sobre estas linhas de cuidado, que foi entregue a cada profissional. Buscou-se também promover atividades de sensibilização específicas com a equipe médica, que frequentemente se coloca contrária à realização do aborto alegando objeção de consciência, conforme experiência da equipe da SMS-RJ, corroborada por estudos sobre o tema 77. Diniz D. Objeção de consciência e aborto: direitos e deveres dos médicos na saúde pública. Rev Saúde Pública 2011; 45:981-5.,88. Ipas. Objeción de conciencia: una barrera para acceder a los servicios de aborto en América Latina. LACCOS-S17 2017. http://www.redaas.org.ar/archivos-recursos/403-Objecion%20de%20Conciencia.pdf (acessado em 23/Nov/2019).
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,99. Galli B, Drezett J, Cavagua Neto M. Aborto e objeção de consciência. Ciênc Cult (São Paulo) 2012; 64:32-5.; e (iii) Monitoramento: por fim, foram realizadas visitas do GT às maternidades para o diagnóstico do atendimento. Foram aplicados questionários junto aos Grupos Multiplicadores (compostos por equipe multiprofissional e direções) e aos profissionais que atuavam nas maternidades no momento das visitas.

Os questionários aplicados continham perguntas referentes ao funcionamento da instituição e foram abordados os seguintes itens: fluxos e protocolos de atendimento elaborados; acolhimento e classificação de risco implementados; oferta de exames e medicações; oferta de atendimento multiprofissional; atividades para discussão de casos; notificação dos casos nos sistemas de informação; métodos para realizar o aborto legal; alegação da objeção de consciência; organização do grupo multiplicador e das sensibilizações.

Após a realização das visitas, os dados consolidados foram apresentados aos Grupos Multiplicadores. O monitoramento das ações deve acontecer bianualmente, aproximando equipes de gestão e assistência nestas ocasiões.

Resultados

Os dados de aborto legal por violência sexual apresentados na Tabela 2 demonstram a ampliação do número de maternidades municipais que realizam o procedimento nos últimos quatro anos. Em 2016, apenas duas maternidades realizaram aborto legal por violência sexual, somando 53 atendimentos. Nos anos seguintes, houve um aumento do número de serviços e abortos realizados, chegando a 106 procedimentos em 2018 e dez maternidades com casos até julho de 2019.

Tabela 2
Número de maternidades com casos de aborto legal por violência sexual e número de procedimentos realizados no Município do Rio de Janeiro, Brasil, 2016-2019.

Em 2017 e 2018, houve aumento do registro do número de abortos legais no SIH/SUS e no instrumento próprio da SMS-RJ em relação ao ano de 2016. Comparando os dados da SMS-RJ com aqueles extraídos do SIH/SUS percebe-se uma discrepância, especialmente em 2017 e 2018, e algumas hipóteses para esta diferença incluem o maior registro das interrupções nos outros permissivos legais além da violência sexual e a alimentação ainda inconsistente do sistema de informação.

Além do aumento do número de casos, após as visitas de monitoramento constatou-se que todas as 12 maternidades da SMS-RJ estão aptas para realizar o aborto legal por violência sexual, com o fortalecimento das seguintes diretrizes:

a) Prioridade às vítimas de violência sexual e aos casos de aborto legal nas portas de entrada, com acolhimento e classificação de risco pela enfermagem em 100% das maternidades;

b) Nos casos de violência sexual, acolhimento, oferta dos testes rápidos, medicações para profilaxia das infecções sexualmente transmissíveis e contracepção de emergência em 100% das maternidades, necessitando de ajustes de fluxos em alguns dos serviços visitados;

c) Oferta de atendimento multiprofissional em 100% das maternidades, com espaços para discussão dos casos de aborto legal em 50% dos serviços (relatado nas seis maternidades com casos até outubro de 2018); e a

d) Garantia da presença de acompanhante durante a internação para mulheres que realizam o aborto legal em 100% das maternidades.

Os dados dizem respeito aos abortos realizados, não havendo registro detalhado do número total de procedimentos solicitados (incluindo os recusados). O abortamento medicamentoso é a primeira opção em gestações de até 12 semanas em 75% das maternidades, e a Aspiração Manual Intrauterina foi citada apenas em três maternidades como método de primeira escolha quando a idade gestacional é inferior a 12 semanas.

A objeção de consciência foi relatada verbalmente por todos os Grupos Multiplicadores, porém, ao solicitar maior detalhamento quanto à sua frequência e mapeamento por plantão, as equipes locais não disponibilizam dados consolidados sobre este ponto. Cabe destacar que em situações de manifestação da objeção de consciência pelas equipes em casos de aborto legal, as direções dos serviços assumem a condução e são responsáveis pela realização do procedimento.

O monitoramento também apontou dificuldades para a consolidação e qualificação do atendimento, tais como: desconhecimento das normativas; fluxos ainda em construção e a serem implantados em alguns serviços; mapeamento incipiente sobre objeção de consciência; fragilidade no encaminhamento das usuárias após o aborto; desalinhamento entre os dados registrados nos sistemas.

Discussão

A garantia do aborto legal em serviços do SUS permite que o procedimento seja realizado em condições seguras, sem que as mulheres precisem se expor a situações de risco, que podem lhes causar danos à saúde e mesmo levar à morte 1515. Anjos K, Santos, V, Souzas R, Eugênio B. Aborto e saúde pública no Brasil: reflexões sob a perspectiva dos direitos humanos. Saúde Debate 2013; 37:504-15..

A experiência relatada demonstra que é possível atingir esse objetivo no atendimento às mulheres, desde que haja vontade política da gestão e o compromisso dos profissionais envolvidos, como houve no caso do Rio de Janeiro. Somado a isso, algumas condições contribuíram para a realização deste trabalho, tais como: aposta em ações descentralizadas de educação permanente; formação do GT e a elaboração colegiada da metodologia de sensibilização; acompanhamento dos dados sobre atendimentos; monitoramento local com visitas às maternidades.

A etapa de monitoramento foi fundamental para a avaliação das ações, sendo possível identificar que as equipes das maternidades ainda tinham questões e enfrentavam resistências internas para incorporar as diretrizes apresentadas. Mesmo com resistências, abriram-se espaços de diálogo e de reforço sobre as políticas institucionais para a garantia do aborto legal. Ainda assim, é necessário enfrentar as dificuldades apontadas, realizando novos ciclos de monitoramento e melhorando a qualidade dos registros para superar a diferença observada entre as fontes.

O enfoque na sensibilização dos profissionais envolvidos no atendimento, incluindo diaristas e plantonistas, foi uma importante estratégia para combater condutas isoladas, baseadas em crenças e valores individuais. As sensibilizações foram iniciadas em oito das doze maternidades, e estavam em processo de desenvolvimento e atualização nas demais nos anos de 2018 e 2019. O objetivo é alcançar todos os profissionais das diferentes categorias, realizando o monitoramento periódico para acompanhar o andamento dessas ações.

A metodologia apresentada foi construída de forma coletiva, embasada nas diretrizes que norteiam o trabalho no SUS, e deve ser avaliada e aprimorada. A gravidade das situações atendidas deve ser enfrentada, assim como a necessidade de oferecer assistência que envolva acolhimento, resolutividade e respeito às mulheres que procuram esses serviços.

A reprodução dessa metodologia em outros estados e municípios pode favorecer a ampliação do acesso ao aborto legal, bem como servir de apoio às equipes assistenciais, sobretudo no conhecimento das normativas vigentes. A proposta apresentada tem o potencial de impulsionar a melhora do cenário no atendimento às mulheres, mediante investimento da gestão e dos profissionais de saúde.

Por fim, é importante destacar que este é um processo em construção, e que ainda é necessário avançar consideravelmente na organização dos serviços para o acolhimento e atendimento adequado às mulheres que sofrem violência sexual e que demandam o aborto legal.

Agradecimentos

Agradecimentos aos gestores e profissionais de saúde das maternidades da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

Referências

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  • 2
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    6 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2019
  • Revisado
    08 Jan 2020
  • Aceito
    14 Jan 2020
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