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Gentzler, Edwin. Translation and rewriting in the age of posttranslation studies. New York: Routledge, 2017. 260 p.

Gentzler, Edwin. Translation and rewriting in the age of posttranslation studies. New York: Routledge, 2017. 260 p.

New Perspectives in Translation and Interpreting Studies é uma série da editora Routledge, com doze títulos publicados desde 2012 até 2020. O objetivo da série é divulgar estudos de qualidade e de impacto na área de Estudos da Tradução e da Interpretação, que possam apontar mudanças e novos caminhos, contribuindo para o desenvolvimento da área. Michael Cronin e Moira Inghilleri, dois renomados acadêmicos ligados aos Estudos Culturais, são os editores responsáveis. Os títulos que fazem parte dessa série se referem a temas atuais e a questões centrais que refletem a natureza mutável dos Estudos da Tradução e da Interpretação na atualidade. Vale ressaltar que, apesar de tratar de fenômenos complexos, a coleção se propõe a elaborar uma escrita inovadora e acessível para os leitores menos experientes.

Translation and Rewriting in the Age of Post-Translation Studies, publicado em 2017, é um livro de 260 páginas, que traz provocações para a área de Estudos de Tradução. Ao examinar diferentes culturas tradutórias de onde emergem os textos literários, bem como os elementos tradutórios envolvidos no processo, Edwin GentzlerGentzler, Edwin. Translation and rewriting in the age of post-translation studies. New York: Routledge, 2017. 260 p. desconstrói a ideia de originalidade. Antes de partir para a análise das traduções para diversas línguas, o autor inicia sua reflexão afirmando que os próprios textos consagrados como originais já são reescritas de trabalhos anteriores. Em seguida, considerando traduções tradicionais, reescritas na era do que ele denomina pós-tradução e outras formas de adaptação, Gentzler traz considerações sobre como se deu a circulação de textos literários clássicos, principalmente, por meio de traduções, se espalhando ao nível internacional, inclusive em novos meios e formatos. Assim, Gentzler considera não apenas a relação entre original e tradução, mas também como as relações de reescrita entre textos têm levado a questão da tradução a um nível de maior complexidade.

Após obter um bacharelado no Kenyon College, Gambier, Ohio, em 1973, Edwin Gentzler estudou Germanística na Freie Universität Berlin, em Berlim no período 1978 a 1983. Em 1990, obteve seu doutorado em Literatura Comparada, na Vanderbilt University, Nashville, Tennessee. Atualmente, ele é Professor Emérito de Literatura Comparada da Massachusetts University Amherst, onde, a partir de 1994, ministrou aulas de Tecnologia da Tradução, Estudos da Tradução, Estudos Pós-coloniais e Literatura Comparada e foi diretor do Translation Center (1994 – 2015). Ele é autor de outros dois livros também publicados pela Routledge: Contemporary Translation Theories (1993) e Translation and Identity in the Americas (2008). Além disso, Gentzler coorganizou (com Maria Tymoczko) o livro Translation and Power (2002) e coeditou a série Topics in Translation, hoje descontinuada, da editora Multilingual Matters, com Susan Bassnett.

Em Translation and Rewriting in the Age of Post-Translation Studies, o autor explora conceitos que dialogam com a teoria pós-moderna. A quebra com a ideia de originalidade, defendida por Gentzler neste livro, encontra suas raízes nos conceitos de desconstrução de Derrida, o qual defende a ideia de uma profunda e fundamental condição pré-original localizada nas raízes da cultura. Essa teoria, segundo Gentzler, desafia a natureza dual da relação entre texto original e texto traduzido, a qual sugere uma linearidade do processo tradutório. Neste livro, Gentzler argumenta que essa via de mão única se mostra, na prática, impossível, tendo em vista que os textos caminham em movimento circular e se influenciam mutuamente, sendo o texto dito original também uma reescrita de outros trabalhos anteriores. Esse ponto de vista pós-moderno é considerado controverso e é, por vezes, rejeitado por muitos pesquisadores dos Estudos da Tradução. Apesar da crítica existente, Gentzler prefere acreditar que definições restritas do que seria tradução acabam por deixar de fora diversos fenômenos tradutórios que têm importante papel no sistema onde se inserem.

Influenciado pela teórica canadense Linda Hutcheon, quanto à forma de discutir a nova era da tradução e da reescrita na qual estamos inseridos, Gentzler defende uma ruptura com a ideia de lealdade, priorizando a análise das obras quanto à intertextualidade. O autor explora como as reescritas, inclusive de cunho intersemiótico, dialogam entre si e interagem dentro dos sistemas. Para ele, especialmente no mundo em que vivemos, com informações cada vez mais acessíveis e oriundas de diversas fontes, os textos circulam e se influenciam mutuamente ao invés de se originarem de uma única fonte. Os novos tipos de mídia não só alteram a relação entre autor e tradutor, mas também alteram como os leitores e telespectadores interagem com essas mídias. O conceito de reescrita, presente no título do livro, encontra apoio nos trabalhos de Susan Bassnett e de André Lefevere. Nessa perspectiva, o objetivo de Gentzler é tratar das relações entre textos, e como eles se influenciam mutuamente.

No que diz respeito à estrutura, Translation and Rewriting in the Age of Post-Translation Studies se inicia com uma breve explicação sobre a série da qual ele faz parte. No prefácio, Susan Bassnett tece reflexões sobre pontos do livro que são de suma importância. Ela discute, em primeiro lugar, as diferentes acepções e as implicações do uso do prefixo post, no termo post-translation. Bassnett acredita que a intenção do autor ao empregar este termo foi, sobretudo, a de anunciar um senso de novo ponto de partida e de movimento em direção a novas ideias e formas de pensar. Assim, a perspectiva de Gentzler é a de questionar definições pré-estabelecidas do que é tradução, bem como eliminar a distinção entre textos ditos “originais”, traduções e reescritas. Bassnett diz que Gentzler não está só nessa empreitada, e cita outros autores, dentre os quais destaca-se Lefevere. Para ela, o autor almeja evidenciar que a velha terminologia que coloca traduções e originais em lugares opostos já não se sustenta mais.

Logo depois, há outro prefácio, escrito pelo próprio Gentzler, narrando sua trajetória intelectual, sua interlocução com outros acadêmicos, até chegar ao presente livro. O autor afirma que o primeiro esboço surgiu de um evento para o qual foi convidado na Casa Guilherme de Almeida em 2013. Aqui Gentzler expressa, portanto, seu reconhecimento a todos que contribuíram para que as ideias contidas neste livro pudessem ser desenvolvidas.

Antes de chegarmos às análises propriamente ditas, há ainda uma introdução, a qual situa o leitor quanto ao ponto de vista adotado pelo autor. Dentre outras questões, Gentzler explica, sua aproximação e afinidade com o termo inovador post-translation studies, cunhado pelos estudiosos Stefano Arduini e Siri Nergaard em Translation: A New Paradigm (2011). Nessa perspectiva, a tradução é vista fundamentalmente como interdisciplinar, móvel e de fim aberto, abrindo espaço para investigações ligadas a outras disciplinas como arquitetura, filosofia e economia. Gentzler deixa claro que vê a figura do tradutor como necessariamente um reescritor do texto que procura traduzir. Para ele, traduzir é um processo de experimentação que, inevitavelmente, envolve processos de reescrita, ainda que o tradutor não esteja consciente disso. O autor sugere que todos os tradutores, especialmente aqueles de culturas não hegemônicas traduzindo textos canônicos, tenham noção dos conceitos de construção e de desconstrução. Para Gentzler, o tradutor do século XXI deve se conscientizar de que traduzir é, sobretudo, um processo de reescrita com inúmeras alternativas, mas que seu papel é justamente o de fazer escolhas a fim de limitar essa cadeia de infinitas possibilidades. Esse trabalho, no que lhe concerne, gera resultados que podem ser estudados a fim de compreender o que foi enfatizado, selecionado ou apagado.

Em seguida, nos deparamos com quatro capítulos concisos, que analisam textos clássicos e suas reescritas: A Midsummer Night’s Dream in Germany, Postcolonial Faust, Proust for everyday readers e Hamlet in China. Em todas as análises, Gentzler segue um padrão de focar não somente nas traduções do texto, mas no contexto pré-concepção da obra, no contexto tradutório no qual ela se insere e nas repercussões pós-tradutórias. Há também uma tentativa de posicionar o autor enquanto reescritor. O final de cada capítulo traz uma vasta bibliografia correspondente. Há, por fim, as considerações finais a respeito dos principais pontos tratados em cada capítulo. O livro conta, ainda, com um vasto index, o que facilita ao pesquisador buscar palavras-chave na obra.

Quanto aos seus recursos visuais, o livro traz algumas poucas ilustrações em preto e branco, mostrando traduções intersemióticas das obras para o teatro, cinema, balé, entre outros formatos. Além disso, o livro contém mapas que auxiliam o leitor a se situar dentro do sistema que Gentzler descreve. Há tabelas completas com: listas de traduções existentes, possibilidades de tradução de um termo, cronologia de traduções, seleções de produções fílmicas e adaptações de uma obra para diferentes formatos (tais como música, teatro e filme), bem como uma série de acontecimentos do contexto histórico envolvendo aquela obra. Ademais, o autor vai muito além de comparar e de listar traduções para diversos formatos. Gentzler explica em que contexto histórico se deu aquela reescrita, refletindo a respeito das escolhas feitas em relação ao contexto tradutório da época.

No primeiro capítulo, A Midsummer Night’s Dream in Germany, Gentzler faz uma análise completa, abordando o período pré-concepção da peça, o período contemporâneo à peça e, por fim, o período pós-tradutório. O autor inicia sua reflexão sugerindo que Shakespeare já era, por sua vez, um reescritor. Segundo o autor, Shakespeare bebeu de outras fontes e engendrou uma peça que é toda baseada em tradução e transformação. Desmistificar a ideia de originalidade pura atribuída a um autor canônico do teatro mundial não é tarefa simples e, obviamente, pode ser considerada bastante controversa. Para embasar sua tese, Gentzler investiga trechos dos seguintes textos: The Knight’s Tale, de Chaucer, Metamorfoses, de Ovídio, Fairie Queene, de Edmund Spenser, entre outros. Primeiramente, o autor analisa a cultura tradutória do Período Elizabetano, um período fértil para a tradução, o que favoreceu a difusão das obras de Shakespeare. Em seguida, Gentzler analisa os muitos elementos tradutórios dentro da peça. Depois, o autor se concentra nas primeiras traduções da peça, visto que ela foi levada logo cedo para a Holanda, Alemanha e Escandinávia, por um grupo de dramaturgos ingleses. A recepção no norte da Europa foi crucial, visto que a peça pode ter sido encenada com mais frequência no estrangeiro do que na Inglaterra. Gentzler sugere que a peça foi mantida viva por meio de traduções, visto que foi censurada por alguns críticos ingleses. Por fim, o autor analisa reescritas relevantes da peça, como as produções teatrais de Max Reinhardt na Alemanha e, posteriormente, seu filme de Hollywood A Midsummer Night’s Dream (1935). Além disso, Gentzler também considera o balé de George Balanchine.

No segundo capítulo, Postcolonial Faust, Gentzler discute os neologismos criados por escritores e tradutores brasileiros ao reescrever Faust, sugerindo que as várias formas de canibalizar os textos europeus poderiam servir como inspiração para tradutores pós-coloniais e do novo mundo, os quais são frequentemente mais abertos e criativos em suas traduções. Neste capítulo, fica muito clara a formação do autor no campo dos Estudos Culturais e dos Estudos Pós-coloniais. Primeiramente, o autor olha para a cultura tradutória do Sturm und Drang e períodos clássicos posteriores na Alemanha, uma era produtiva para a tradução, a qual precedeu, ou foi contemporânea, de Goethe quando escrevia o Faust. Além disso, Gentzler observa que a tradição cultural alemã estava sendo formada pela tradução de clássicos greco-latinos e pelo folclore da Europa Central e Ocidental, fatores que influenciaram Goethe fortemente. Neste ponto, Gentzler destaca novamente o papel do autor enquanto reescritor, ao afirmar que o próprio Goethe reescreveu constantemente, fazendo alterações, adições e subtrações de partes da história do Fausto. Em seguida, o autor se volta para a história da tradução do Faust para a língua inglesa, envolvendo dezenas de tradutores. Por fim, Gentzler discute as muitas repercussões pós-tradutórias: adaptações fílmicas, versões de música e produções teatrais.

No terceiro capítulo, Proust for everyday readers, o autor analisa os trabalhos de Susan Bassnett e de André Lefevere acerca de tradução e reescrita. O estudioso se concentra em um dos exemplos escolhidos por eles: À la recherche du temps perdu, de Proust, obra que não apenas teve duas traduções excepcionais para o inglês, mas também uma abundante série de reescritas para o cinema, teatro, quadrinhos, entre outros meios. Neste capítulo, o autor fala também da cultura pré-original e da natureza internacional da Belle Époque em Paris, a qual propiciou condições culturais para o surgimento de um autor como Proust. Gentzler disserta também sobre as repercussões pós-tradutórias de Proust, que impactaram muitas áreas, incluindo a arte em geral e a escrita criativa. Por fim, o estudioso observa os aspectos tradutórios do texto original, afirmando que Proust estava constantemente reescrevendo seu texto, inclusive, não tendo finalizado os três últimos volumes.

O quarto capítulo, Hamlet in China, é, provavelmente, o mais representativo dos posicionamentos defendidos pelo autor. A história de como Hamlet chega à China evidencia, para Gentzler, a impossibilidade de tratar a tradução como um fenômeno linear envolvendo apenas um original e um texto traduzido. Aqui, o autor observa a prevalência de reescritas sobre traduções no mundo contemporâneo. Em 1904, Hamlet foi levado para a China pela primeira vez com as traduções de Lin Shu, marcadas por duas formas de reescrita. Primeiramente, Lin Shu não falava inglês, então, um colega bilíngue leu para ele a tradução de uma versão da história adaptada para crianças, baseada em Hamlet. Em seguida, Lin Shu reescreveu a história com personagens, cenários, crenças e estilo chineses. Assim, Hamlet chegou à China por meio da reescrita de uma tradução oral de um texto adaptado para crianças. Segundo Gentzler, as traduções de Lin eram muito populares e foram encenadas muitas vezes, sendo por muitos anos a única versão disponível na China. Apesar de novas traduções terem se inserido no sistema desde os anos 20, as reescritas anteriores permaneceram fortes. Novas versões de Hamlet na China ainda preservam a mistura intercultural.

Gentzler nos convida a romper com a ideia de lealdade e de originalidade, trazendo exemplos para desconstruirmos os conceitos de controle, de autoria e de autoridade. Ao contrário do que possa parecer, ele não está propondo o fim dos Estudos da Tradução, mas está clamando por uma mudança de perspectiva. Segundo ele, a tradução traz em si um potencial infinito e os Estudos da Tradução podem ir muito além da tendência a se restringir a textos escritos, isolados de seus contextos pré e pós-tradutórios, com análises comparativas unidirecionais, visando a descrever aproximações e diferenças entre um texto considerado original em relação a sua tradução. Gentzler acredita que os Estudos da Tradução podem ir além, especialmente no cenário de constante mudança e movimento em que vivemos.

Gentzler, neste estudo, sublinha o poder transformador da tradução e da reescrita em seus diversos formatos, possibilitando ao público acesso a diversas obras literárias. Este livro trata do poder transformador da tradução, postulando que as reescritas têm assegurado a circulação de textos através das fronteiras e através dos tempos. Nesse sentido, Gentzler considera urgente expandir os horizontes de análise de um fenômeno tão importante e complexo. Portanto, Translation and rewriting in the age of post-translation studies é de interesse especial para todos aqueles ligados aos Estudos da Tradução, Literatura Comparada e Estudos de Mídia. Indico a leitura não para que o leitor necessariamente se deixe convencer pelo autor, mas para que esse leitor se abra à oportunidade de repensar definições consolidadas.

Referências

  • Gentzler, Edwin. Translation and rewriting in the age of post-translation studies New York: Routledge, 2017. 260 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2022
  • Aceito
    01 Nov 2022
  • Publicado
    Dez 2022
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