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UMA TRADUÇÃO A SEIS MÃOS DO CAP. VIII DO JOURNAL OF A PASSAGE FROM THE PACIFIC TO THE ATLANTIC (1829), DE HENRY LISTER MAW

Esta tradução tem origem em uma colaboração anterior entre o então mestrando Samuel Lucena de Medeiros, sua orientadora Tatiana de Lima Pedrosa Santos, professora do PPGICH/UEA e Walter Carlos Costa, que orientou, junto com Andréia Guerini, a missão de estudo de um mês de Samuel na PGET/UFSC, dentro do PROCAD Amazônia, que congrega os programas Programa de Pós-Graduação Em Estudos Antrópicos na Amazônia (PPGEAA/UFPA/), Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH/UEA) e Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (PGET/UFSC).

Nessa missão, Samuel examinou o relato de viagem de Charles-Marie de La Condamine, intitulado Relation abrégée d’un voyage dans l’intérieur de l’Amérique méridionale, depuis la côte de la mer du Sud jusqu’aux côtes du Brésil et de la Guiane, en descendant la rivière des Amazones – Lue à l’assemblée publique de l’Académie des Sciences, le 28 avril 1745 - avec une carte du Maragnon ou de la rivière des Amazones, levée par le même e publicado pelo Senado Federal brasileiro em 2000, sob o título Viagem na América Meridional descendo o rio das Amazonas, em tradução da Comissão do Projeto Coleção o Brasil visto por estrangeiros.

A partir do relatório de pesquisa do Samuel, houve uma primeira revisão e acréscimos ligados a questões de arqueologia e história pela Tatiana e, em seguida, por Walter, com acréscimos em relação a questões de tradução cultural. O resultado final foi um artigo a seis mãos, intitulado “Un voyage à travers les idées en Amazonie au XVIIIe siècle: La Condamine, tradução e cultura”, publicado na Cadernos de Tradução, da PGET/UFSC, v. 40 n. 2 (2020).

Quando soubemos que estavam organizando o número monográfico “Tradução de relatos de viagem sobre a Amazônia” da Cadernos de Tradução, decidimos retomar a parceria, trabalhando de novo a seis mãos, de novo sobre o texto de um viajante, só que desta vez não apenas comentando mas também traduzindo um texto.

Como se sabe, a literatura de viagem de estrangeiros sobre a Amazônia é abundante e grande parte dela ainda inédita em português. Assim, procuramos vários livros de viajantes, sobretudo em inglês e francês. Entre os livros conhecidos da Tatiana e do Samuel, que atuam juntos no Laboratório de Arqueologia Alfredo Mendonça, na SEC/AM (Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Amazonas) foi Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic: Crossing the Andes in the Northern Provinces of Peru, and Descending the River Marañon or Amazon, escrito por Henry Lister Maw e publicado em 1829.

Do livro, que baixamos do site www.archive.org, escolhemos o Capítulo VIII, por sua representatividade do conjunto e por sua pequena extensão. Dividimos o trabalho de tradução do texto em 3, a primeira parte ficando com a Tatiana (pp. 214-222), a segunda com o Samuel (pp. 222-230) e a última com o Walter (pp. 230-239). Feitas as traduções, discutimos nossas respectivas escolhas tradutórias e chegamos a uma solução de consenso.

Importância de Henry Lister Maw

Jennifer Speak, organizadora da Literature of travel and exploration an encyclopedia, situa o nosso viajante no contexto de seu tempo e do gênero literatura de viagem no mundo anglo-americano, de maneira bastante precisa:

Três oficiais navais britânicos escreveram relatos divertidos sobre a travessia dos Andes descendo para a Amazônia: Henry Lister Maw em 1829, e William Smyth e Frederick Lowe em 1835. O capitão da marinha americana William Herndon fez uma viagem semelhante em 1850. (Speake 2003Speake, Jennifer (Ed.). Literature of travel and exploration an encyclopedia. Abingdon/New York: Routledge, 2003., 932)1 1 “Three British naval officers wrote entertaining accounts of traversing the Andes on their way to a descent of the Amazon: Henry Lister Maw in 1829, and William Smyth and Frederick Lowe in 1835. The American naval captain William Herndon made a similar journey in 1850.”

O relato de Lister Maw se enquadra também em um contexto mais amplo, o dos viajantes europeus em um momento importante da expansão colonial de alguns países recentemente industrializados, sobretudo Inglaterra e França. Do ponto de vista brasileiro, corresponde igualmente a um interesse renovado das potências europeias em relação ao país, com destaque para a Amazônia.

Por seu lado, Mercedes Cárdenas Martín sublinha a importância de Lister Maw no quadro dos viajantes ingleses ao Peru oitocentista:

Henry Lister Maw. – Marinheiro inglês, chegou a Lima em 1827 como membro da tripulação do navio Menai, da Marinha inglesa. Desejava percorrer nosso país a fim de obter vários dados e observar os costumes. Quando seu navio estava voltando para a Inglaterra, Maw solicitou uma licença para ficar alguns meses no Peru.

As autoridades peruanas concederam-lhe permissão para fazer a viagem que planejara: ir de Lima ao Marañón. O Arcebispo de Lima lhe pediu relatórios sobre os sacerdotes e os povos da região, que ia visitar. Ele recebeu a documentação necessária para as autoridades o ajudassem em sua jornada. Maw partiu de Lima em 27 de novembro de 1827, quando chegou em Trujillo, um compatriota que falava bem o espanhol se juntou a ele. A rota seguida foi: Trujillo, Cajamarca, Chachapoyas, Marañón e Amazonas, no Brasil embarcaram para a Inglaterra.

Antes de partir para sua pátria, Maw enviou às autoridades peruanas os relatórios que conseguiu obter. Seu livro intitula-se: Journal of a passage from the Pacific to the Atlantic crossing the Andes in the Northern Provinces of Peru and descendingthe the River Marañon, publicado em 1829.2 2 “Henry Lister Maw. -Marino inglés, llegó a Lima en 1827 como integrante de la tripulación del barco Menai, de la Armada inglesa. Deseaba recorrer nuestro país para obtener datos variados y observar las costumbres. Cuando su barco regresaba a Inglaterra, Maw solicitó licencia para permanecer algunos meses en el Perú. Las autoridades peruanas le concedieron permiso para hacer el viaje que proyectaba: ir de Lima hacia el Marañón. El arzobispo de Lima leencargó obtener informes sobre los sacerdotes y pueblos de la región, que iba a visitar. Recibió documentación necesaria para que las autoridadeslo ayudasen durante su recorrido. Maw partió de Lima el 27 de noviembrede 1827, al llegar a Trujillo se le unió un compatriota que hablaba bien el castellano. La ruta seguida fue: Trujillo, Cajamarca, Chachapoyas, Marañón y Amazonas, en Brasil se embarcaron con destino a Inglaterra. Antes de partir a su patria, Maw envió a las autoridades peruanas los informes que él pudo obtener. Su libro se titula : Journal of a passage from the Pacific to the Atlantic crossing the Andes in the Northern Provinces of Peru and descendingthe River Marañón, publicado en 1829.”

Os detalhes fornecidos por Cárdenas MartínCárdenas Martín, Mercedes. “Tres viajeros ingleses en el Perú del siglo XIX”. Boletín del Instituto Riva-Agüero nº. 07 (1966). http://repositorio.pucp.edu.pe/index/handle/123456789/114013. Acesso em 03 de janeiro de 2021.
http://repositorio.pucp.edu.pe/index/han...
são confirmados em diversas passagens do livro de Lister Maw e nos ajudaram a compreender melhor a natureza de sua missão.

Dados biográficos

Não abundam os dados biográficos de Henry Lister Maw (1801-1874), mas foi possível retraçar alguns dados essenciais de sua vida e obra através de um verbet do site WikiTree, baseado em uma entrada despecializado em genealogia. O verbete, bastante completo, contém dados familiares, nascimento, formação e sua carreira na Royal Navy, a Marinha Real britânica. Essa parte é a que traz detalhes mais importantes para o nosso entendimento de seu livro de viagem ao Peru e ao Brasil. Diz, entre outras coisas:

Henry Lister Maw (Tenente, 1825). Este oficial entrou na Marinha em 11 de maio de 1818 e foi por algum tempo Midshipman do Liffey 50, carregando o largo pingente nas Índias Orientais do Comodoro Charles Grant, por quem, durante a expedição à Ava, foi autorizado a atuar como Ajudante de Acampamento Naval a Sir Alexander Campbell, Comandante-em-Chefe das tropas.

Enquanto oficiava nessa qualidade, ele parece ter sido empregado guarda do rio Rangoon, e ter realizado a 25 de junho de 1824 a destruição de duas embarcações incendiárias. Em um ataque subsequente a uma forte estocada no rio Dalla, foi sua desgraça, enquanto torcia por seus homens, receber uma bola na cabeça - uma circunstância que o obrigou a retornar à Inglaterra em benefício de sua saúde.

Tendo sempre se distinguido, no entanto, por ‘uma série de galhardetes’ exibindo a ‘mais conspícua e avançada bravura’ e sendo recomendado nos termos mais fortes pelo Capitão Marryat, o oficial naval sênior da estação, ele foi recompensado com uma comissão de tenentes datada de 25 de julho de 1825.

Suas nomeações seguintes foram - 2 de fevereiro de 1826 para o Harrier sloop, Capitão John Pakenham, na costa da Irlanda - 7 de janeiro de 1827 e 2 de outubro de 1829 para os Menai 26 e Volage 28, Capitães Michael Seymour e Lord Colchester, ambos na estação sul-americana - e 3 de dezembro de 1832 e 16 de julho de 1834 como Segundo Tenente do Vernon 50 e Presidente 52, navios-bandeira de Sir George Cockburn na América do Norte e nas Índias Ocidentais. Ele não estava empregado desde 30 de agosto de 1834.

Em 1830 Lieut Maw recebeu a grande medalha de prata da ‘Society for the encouragement of Arts, Manufactures and Commerce’ para fragmentos & coletados por ele na América do Sul; e em julho de 1831 ele tirou a patente de uma invenção de um método melhorado de uso de combustível, de modo a queimar fumaça.

Em 1832 ele publicou uma Memória das Primeiras Operações da Guerra da Birmânia

(WikiTree).3 3 Henry Lister Maw (Lieutenant, 1825). This officer entered the Navy 11 May 1818 and was for some time Midshipman of the Liffey 50, bearing the broad pendant in the East Indies of Commodore Charles Grant, by whom, during the expedition to Ava, he was allowed to act as Naval Aide-de-Camp to Sir Alexander Campbell, Commander-in-Chief of the troops. While officiating in that capacity he appears to have been employed in surveying the Rangoon river, and to have effected 25 June 1824 the destruction of two fire-rafts. In an attack subsequently made on a strong stockade on the Dalla river, it was his misfortune, while cheering on his men, to receive a ball in the head – a circumstance which obliged him to return to England for the benefit of his health. Having all along, however, distinguished himself by “a series of gallantry” exhibitive of the “most conspicuous and forward bravery” and being recommended in the strongest terms by Captain Marryat, the senior naval officer on the station, he was rewarded with a Lieutenant’s commission dated 25 July 1825. His succeeding appointments were – 2 Feb 1826 to the Harrier sloop, Capt John Pakenham, on the coast of Ireland – 7 Jan 1827 and 2 Oct 1829 to the Menai 26 and Volage 28, Capts Michael Seymour and Lord Colchester, both on the South American station – and 3 Dec 1832 and 16 July 1834 as Second-Lieutenant to the Vernon 50 and President 52, flag-ships of Sir George Cockburn in North America and the West Indies. He was not employed since 30 August 1834. In 1830 Lieut Maw was presented with the large silver medal of the “Society for the Encouragement of Arts, Manufactures and Commerce” for fragments &c collected by him in South America; and in July 1831 he took out a patent for an invention of an improved method of using fuel, so as to burn smoke. In 1832 he published a Memoir of the Early Operations of the Burmese War.”

Viajantes e formação de identidade

Cabe destacar a relação dos viajantes com a formação de identidade. Os viajantes, ao fazer as observações da realidade local passam a interagir com um público cada vez maior que os recepciona como uma leitura obrigatória, já que pretensamente refletiria as realidades locais. As traduções desses viajantes fazem parte da leitura obrigatória dos que querem alargar seus conhecimentos em relação à descrição daqueles que singraram e tiveram a oportunidade de descrever os rios da região pela primeira vez. A literatura dos viajantes passa a fazer parte de nossas fontes primárias e nos relegam uma série de “paradigmas incendiários” que são importantes na construção do ambiente amazônico durante o período colonial e imperial.

Henry Lister MawMaw, Henry Lister. Narrativa da passagem do Pacifico ao Atlântico, a travez doa Andes nas provincias do Norte do Peru, e descendo pelo rio Amazonas, até ao Para. Traduzida do inglez (por Antonio Julião da Costa). Liverpool: F. B. Wright, 1831. não é diferente. Seu relato é importante e representa um marco na literatura pela possibilidade de entrecruzamento interdisciplinar com os estudos desenvolvidos na história e na antropologia e, principalmente, na arqueologia. Através de seu relato, é possível encontrarmos descrições pormenorizadas do ambiente amazônico, das populações que aqui se encontravam e de seus produtos culturais. Dessa forma, acreditamos que seu manuscrito e sua respectiva tradução e principalmente popularização possibilitará ferramentas para que se preencha lacunas na história, antropologia e arqueologia da Amazônia. Henry Lister Maw ao percorrer toda a Amazônia peruana e adentrar no Brasil em 1828, dá conta de uma realidade amazônica que era diferente da que figurava simbolicamente como um lugar de prosperidade, de beleza idealizada e referência de identidade nacional.

Ao destacar o capitulo VIII de seu relato, queremos antes de tudo, destacar sua passagem por Tabatinga e sua relação com os locais e o sistema embrionário de coleta e cultivo, bem como sua descrição das etnias que habitavam a região, com destaque especial para os Omáguas.

Visibilidade da Amazônia e reedição de viajantes

A Amazônia está em evidência mundial e o livro de Henry Lister Maw voltou a ser atual. Depois de termos escolhido o livro de Lister Maw e depois de intensas buscas sem resultado positivo, concluímos que não havia nenhuma tradução para o português. No entanto, em outubro de 2020, buscando mais dados sobre Henry Lister Maw, acabamos encontrando uma tradução integral do texto. Encontramos outro dado, mais surpreendente ainda: essa edição foi reimpressa recentemente por uma editora especializadas em reprints de raridades e está à venda na Amazon.uk.co, por £19.95, em capa dura e em edição de bolso por £13.95. Atribuímos o fato ao aumento do interesse internacional pela Amazônia, sobretudo na Europa do Norte e nos Estados Unidos, particularmente entre os meios sensíveis às mudanças climáticas. Continuamos procurando e encontramos a edição integral original, disponível gratuitamente4 4 Disponível em https://archive.org/details/journalofpassage00mawhrich?q=%22henry+lister+maw%22+descending. .

Nos Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, 1881-18825 5 Volume IX, p. 24, disponibilizado on-line pela Fundação Biblioteca Nacional: http://memoria.bn.br/pdf/402630/per402630_1881_A00009.pdf). , encontramos duas referências bem precisas: sobre a obra original de Henry Lister Maw, publicada em Londres, em 1829 e sua tradução para o português, por Antônio Julião da Costa, e publicada em Liverpool em 1831.

1143. - Journal of a passage from the Pacific to the Atlantic, crossing the Andes in the northern provinces of Peru, and descending the river Marañon, or Amazon. By Henry Lister Maw, &. London, John MurrayMaw, Henry Lister. Journal of a passage from the Pacific to the Atlantic, crossing the Andes in the northern provinces of Peru, and descending the river Marañon, or Amazon. London: John Murray, 1829.,

1829, in-8.°

(B. N.)

1144. - Narrativa da passagem do Pacifico ao Atlântico, a travez dos Andes nas provincias do Norte do Peru, e descendo pelo rio Amazonas, até ao Para. Por Henrique Lister Maw. Traduzida do inglez (por Antonio Julião da Costa). Liverpool, F. B. Wright, 1831, in-4.° com 1 ch. do Amazonas.

(B. N.)

Cabe assinalar dois fatos: a velocidade da tradução, publicada apenas três anos depois do original e o nome do tradutor, ausente na cópia digital que utilizamos. Para este artigo, não aprofundamos a pesquisa sobre a tradução e o tradutor. No entanto, em uma pesquisa preliminar, ficamos sabendo que António Julião da Costa foi cônsul português em Liverpool e que realizou várias traduções, muitas delas, como no caso do relato de viagem de Lister Maw, de forma anônima6 6 https://escritoreslusofonos.net/2019/06/02/antonio-juliao-da-costa/. . A própria grafia do nome do tradutor (Antonio, sem acento nos Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, com acento agudo no link do blog Escritores Lusófonos) sugere que era grande a comunicação entre autores brasileiros e portugueses durante o século XIX.

Já tínhamos realizado parcialmente a tradução do Cap. VIII da obra de Lister Maw quando soubemos da existência da tradução de António Julião da Costa. Resolvemos não fazer nenhum cotejo nessa etapa. Uma vez finalizada a nossa tradução, procedemos a um cotejo do Cap. VIII na tradução de Julião da Costa, que nos foi bastante proveitosa para resolver alguns detalhes.

A escrita de Lister Maw

Henry Lister Maw fez uma importante viagem representando a academia científica britânica, atravessando a Amazônia do Pacífico ao Atlântico. Não menos importante foram os extensos registros que realizou acerca do que viu ao percorrer o trajeto intracontinental. Sua escrita é rica em detalhes, ao mesmo tempo em que não utilizou rebuscamentos na linguagem, apresentando as observações de forma simples e, em alguns casos, de forma coloquial.

Para além de um relato puramente técnico e descritivo da viagem, o cronista parece transparecer um genuíno interesse em investigar os pormenores de natureza cultural, científica, geográfica, social, entre outras; aproxima-se do estilo de apreensão do ambiente utilizado pelos clássicos filósofos naturalistas, quase que uma tentativa de registro geral, no que os sentidos puderam captar. Contudo, diferente destes últimos, Henry Lister Maw consegue ultrapassar incumbências da viagem pré-definidas, atentando para deixar registros que, da forma mais aproximada possível, fornecessem ao leitor os elementos para a construção mental propriamente sua.

Podemos perceber o cuidado do naturalista na utilização de termos locais (seja em espanhol, português ou línguas indígenas) ao fazer referência a significantes também locais.

Também recolheu o máximo de produções culturais que pôde, como ferramentas, utensílios, remédios, derivados da flora e fauna sul-americanas, entre outros, para análises e estudos no Reino Unido.

Em sua escrita, destaca-se a preocupação em traçar panoramas sociopolíticos dos lugares por onde passou, com ênfase no poder exercido por figuras e instituições locais, como a Igreja e as forças militares. Tais instituições parecem sempre ter tido o domínio da região. Se no século XIX os sacerdotes poderiam evocar segurança aos habitantes próximos e atualmente são vistos como ameaça ao modo de vida de etnias indígenas, como os Tikuna, os militares por ali permanecem até hoje, sob o enunciado de proteger a porção brasileira da fronteira, sem, no entanto, deixar de interferir em sua configuração tríplice.

Referindo-se ao Marañon, Pueblos, Alcade, indica que tinha contato constante com o idioma espanhol; Galatea, Macaws, Maize, a relação mais próxima e confortável com o idioma materno; Pucuna, Ocopa, Sarayacu, entre outros, mostrando a presença das línguas indígenas no cotidiano dos fronteiristas de seu tempo, em especial o Quíchua e o Tikuna.

Pode-se notar pela descrição detalhada de Maw acerca da chegada e partida de pessoas no porto fronteiriço, que a mobilidade era a principal dinâmica que mantinha tanto o abastecimento de mercadorias quanto de contato entre povoados distantes. O principal ator nesta dinâmica era o indígena, ainda que diferentes em sua cultura e localização geopolítica.

O uso de termos que se aproximam dos atualmente utilizados, como Tabitinga (Tabatinga), Havannah (Havana, capital e maior cidade de Cuba), Tacuna ou Tecuna (Ticuna, ou Magüta, como chamam a si mesmos), Japura (o Rio Japurá), Viranda (Varanda), entre outros, registram a tentativa do cronista de transcrever de forma precisa os vocábulos em idioma estrangeiro que ouvia.

Também recolheu o máximo de produtos que pôde, como ferramentas, utensílios, remédios, derivados de origem na flora e fauna sul-americanas, entre outros, para análises e estudos na Inglaterra. O valor dado a esses produtos era tão elevado na região quanto o inferido pelos viajantes, e prova disso é o registro do autor sobre as relações de trocas locais e os roubos ocasionais ao longo do curso dos rios. A transformação da natureza acaba por conceder valor ao bem derivado, enquanto que a sua origem, a própria natureza, continua como cenário imutável e habitual ao desenvolvimento dos fenômenos interativos humanos.

Acreditamos que a tradução que apresentamos a seguir pode aumentar o interesse dos leitores pela obra de Henry Lister Maw, cujas observações podem enriquecer o debate sobre a história, o presente e o futuro da Amazônia.

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    “Three British naval officers wrote entertaining accounts of traversing the Andes on their way to a descent of the Amazon: Henry Lister Maw in 1829, and William Smyth and Frederick Lowe in 1835. The American naval captain William Herndon made a similar journey in 1850.”
  • 2
    “Henry Lister Maw. -Marino inglés, llegó a Lima en 1827 como integrante de la tripulación del barco Menai, de la Armada inglesa. Deseaba recorrer nuestro país para obtener datos variados y observar las costumbres. Cuando su barco regresaba a Inglaterra, Maw solicitó licencia para permanecer algunos meses en el Perú.
    Las autoridades peruanas le concedieron permiso para hacer el viaje que proyectaba: ir de Lima hacia el Marañón. El arzobispo de Lima leencargó obtener informes sobre los sacerdotes y pueblos de la región, que iba a visitar. Recibió documentación necesaria para que las autoridadeslo ayudasen durante su recorrido. Maw partió de Lima el 27 de noviembrede 1827, al llegar a Trujillo se le unió un compatriota que hablaba bien el castellano. La ruta seguida fue: Trujillo, Cajamarca, Chachapoyas, Marañón y Amazonas, en Brasil se embarcaron con destino a Inglaterra. Antes de partir a su patria, Maw envió a las autoridades peruanas los informes que él pudo obtener. Su libro se titula : Journal of a passage from the Pacific to the Atlantic crossing the Andes in the Northern Provinces of Peru and descendingthe River Marañón, publicado en 1829.”
  • 3
    Henry Lister Maw (Lieutenant, 1825). This officer entered the Navy 11 May 1818 and was for some time Midshipman of the Liffey 50, bearing the broad pendant in the East Indies of Commodore Charles Grant, by whom, during the expedition to Ava, he was allowed to act as Naval Aide-de-Camp to Sir Alexander Campbell, Commander-in-Chief of the troops. While officiating in that capacity he appears to have been employed in surveying the Rangoon river, and to have effected 25 June 1824 the destruction of two fire-rafts. In an attack subsequently made on a strong stockade on the Dalla river, it was his misfortune, while cheering on his men, to receive a ball in the head – a circumstance which obliged him to return to England for the benefit of his health. Having all along, however, distinguished himself by “a series of gallantry” exhibitive of the “most conspicuous and forward bravery” and being recommended in the strongest terms by Captain Marryat, the senior naval officer on the station, he was rewarded with a Lieutenant’s commission dated 25 July 1825. His succeeding appointments were – 2 Feb 1826 to the Harrier sloop, Capt John Pakenham, on the coast of Ireland – 7 Jan 1827 and 2 Oct 1829 to the Menai 26 and Volage 28, Capts Michael Seymour and Lord Colchester, both on the South American station – and 3 Dec 1832 and 16 July 1834 as Second-Lieutenant to the Vernon 50 and President 52, flag-ships of Sir George Cockburn in North America and the West Indies. He was not employed since 30 August 1834. In 1830 Lieut Maw was presented with the large silver medal of the “Society for the Encouragement of Arts, Manufactures and Commerce” for fragments &c collected by him in South America; and in July 1831 he took out a patent for an invention of an improved method of using fuel, so as to burn smoke. In 1832 he published a Memoir of the Early Operations of the Burmese War.”
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  • 5
    Volume IX, p. 24, disponibilizado on-line pela Fundação Biblioteca Nacional: http://memoria.bn.br/pdf/402630/per402630_1881_A00009.pdf).
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Referências

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  • Animal Diversity Web. Chelonoidis carbonaria – Red-footed Tortoise. http://animaldiversity.org/accounts/Chelonoidis_carbonaria/ Acesso em 04 de março de 2021.
    » http://animaldiversity.org/accounts/Chelonoidis_carbonaria/
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    » http://ampa.org.br/especies/peixe-boi-da-amazonia/
  • L. B. Chetkiewicz, L. B. et al “Planning to Save a Species: the Jaguar as a Model”. Conservation Biology, 16 (2002): 58-72, 2002. doi:10.1046/j.1523-1739.2002.00352.x. https://web.archive.org/web/20111005211413/http://www.jaguarresearchcenter.com/The_jaguar.pdf Acesso em 03 de janeiro de 2021.
    » https://doi.org/10.1046/j.1523-1739.2002.00352.x» https://web.archive.org/web/20111005211413/http://www.jaguarresearchcenter.com/The_jaguar.pdf
  • Cárdenas Martín, Mercedes. “Tres viajeros ingleses en el Perú del siglo XIX”. Boletín del Instituto Riva-Agüero nº. 07 (1966). http://repositorio.pucp.edu.pe/index/handle/123456789/114013 Acesso em 03 de janeiro de 2021.
    » http://repositorio.pucp.edu.pe/index/handle/123456789/114013
  • Daniel, João. “O Tesouro Descoberto do Rio Amazonas”. Separata dos Anais da Biblioteca Nacional v. 95, t. 1-2. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1975-76.
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  • Henry Lister Maw RN (1801 - 1874) WikiTree https://www.wikitree.com/wiki/Maw-122 Acesso em 03 de março de 2021.
    » https://www.wikitree.com/wiki/Maw-122
  • Maw, Henry Lister. Journal of a passage from the Pacific to the Atlantic, crossing the Andes in the northern provinces of Peru, and descending the river Marañon, or Amazon London: John Murray, 1829.
  • Maw, Henry Lister. Narrativa da passagem do Pacifico ao Atlântico, a travez doa Andes nas provincias do Norte do Peru, e descendo pelo rio Amazonas, até ao Para Traduzida do inglez (por Antonio Julião da Costa). Liverpool: F. B. Wright, 1831.
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  • Speake, Jennifer (Ed.). Literature of travel and exploration an encyclopedia Abingdon/New York: Routledge, 2003.
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    » https://web.archive.org/web/20060719094416/http://www.brasilmergulho.com.br/port/naufragios/descricao/index.shtml

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Jul 2021
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