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ENTREVISTA COM CHANGSEN LI

Esta entrevista tem como objetivo apresentar as contribuições acadêmicas e profissionais do professor titular da Universidade Politécnica de Macau, Changsen Li, conhecido por James Li, e sua relação com a tradução de textos do chinês ao português. Entre os temas abordados nesta entrevista, destaca-se a sua tradução para o chinês do livro Nam Van - Contos de Macau, de Henrique Senna Fernandes (2003)Fernandes, Henrique de Senna (飞历奇). Nam Van-Contos de Macau(南湾:澳门短篇小说集). Tradução de Changsen Li & Wai Hao Choi (李长森&崔维孝). Macau: Associação Promotora de Instrução dos Macaenses (澳门土生教育协进会), 2003., bem como discute-se sobre o seu livro intitulado Aspectos Teórico-Práticos de Tradução Chinês-Português, publicado em 2002 e revisado em 2020 (Li & Choi, 2002Li, Changsen & Choi, Wai Hao. Aspectos Teórico-Práticos de Tradução Português-Chinês (实用葡汉翻译教程). Macau: Instituto Politécnico de Macau, 2002.; 2020Li, Changsen & Choi, Wai Hao. Aspectos Teórico-Práticos de Tradução Português-Chinês (实用葡汉翻译教程). Macau: Instituto Politécnico de Macau, 2020.), o qual é amplamente utilizado no ensino de tradução chinês-português em toda a China. O texto nos convida a conhecer a história do ensino de português na China e o percurso de aprendizagem do português pelo professor Changsen Li, além de refletir sobre as habilidades necessárias para ser tornar um tradutor qualificado chinês-português e o lugar da teoria e prática de tradução nos cursos de graduação em Tradução e Interpretação Chinês-Português na China. Consideramos que a reflexão sobre essas questões, por meio da compartilhada longa jornada e da vasta experiência do Professor Changsen Li na execução das atividades profissionais e pedagógicas de tradução chinês-português, é de suma importância tanto para os tradutores quanto para os professores no contexto da atividade profissional e da didática da tradução chinês-português.

Cadernos de Tradução (CT): O senhor poderia nos contar o seu percurso de aprendizagem de português?

Changsen Li (CL): A minha experiência de aprender português é muito peculiar e difícil que os jovens de hoje compreendam. Isso foi há 58 anos. Num belo dia de calor de julho de 1965, na antiga cidade Xi’an, primeira capital da China reunificada há dois mil anos, eu estava a reparar o fogão da cozinha lá de casa. Naquela altura, já tinha terminado o curso secundário e participado no exame de admissão nacional. Durante quase um mês em que esperava pelo resultado, tinha que aproveitar o tempo livre, tão raro durante os seis anos de estudo na escola secundária, para ajudar em casa a fazer uns trabalhos domésticos, pois a minha mãe tinha que trabalhar fora para sustentar a casa de quatro pessoas. No momento de tirar um tijolo quebrado da fornalha, chegou um carteiro que chamou pelo meu nome. Depois de ter assinado um impresso de mãos sujas, recebi uma carta registada; era o comunicado de admissão informando que eu tinha sido chamado para a Faculdade de Línguas Estrangeiras do Instituto da Radiodifusão de Pequim (hoje se chama Universidade de Comunicação da China). Corri sem demora para a estação ferroviária para comunicar a notícia à minha mãe que estava limpando a plataforma da estação. A reação dela foi inesquecível, pois foi uma mistura complexa de alegria e preocupação. E eu entendia muito bem o misto de emoções contraditórias no fundo do coração da minha mãe. Por um lado, ela sabia que estudar em Pequim sempre tinha sido o meu sonho. Naquela altura, a China tinha por ano mais de um milhão de finalistas do ensino secundário. Era uma grande honra para qualquer pessoa ser escolhida para ir estudar em Pequim, Capital da República. Por isso, minha mãe estava muito feliz com a grata notícia de o seu filho ter sido admitido por uma universidade de primeira categoria. Era uma oportunidade preciosa e rara que nem toda a gente tinha a sorte de poder alcançar. Economicamente, por outro lado, não era nada fácil sustentar, sozinha, um estudante universitário em Pequim, uma das maiores cidades chinesas e muito longe da família. O meu pai faleceu durante a época do “Grande Salto em Frente”, quando eu tinha doze anos e estudava numa escola primária. Minha mãe viu-se obrigada a trabalhar na estação ferroviária para sustentar a casa. Tinha ainda um avô e um irmão mais novo que também dependiam do miserável salário da minha mãe. Durante os seis anos de estudo na escola secundária, deu para perceber o quanto a minha mãe sofria. Para aliviar os encargos dela, muitas vezes, tive vontade de suspender o curso e trabalhar, até que um dia, depois de terminar o 3º ano do secundário, fui candidatar-me a um cargo de fogueiro de comboio. Mas a tentativa falhou não apenas por ter uma idade inferior ao que era exigido, como também pela oposição firme da minha mãe. Agora, era fato que ir para Pequim estudar significava que a minha mãe iria sofrer mais ainda. A primeira dificuldade foi a viagem. Naquela altura, a minha mãe ganhava mensalmente 30 yuans (RMB), quando um bilhete de comboio custava 20. Apesar dos 40% de desconto que me dava o comunicado de admissão, faltavam-me ainda 12 yuans, valor equivalente ao que gastávamos em alimentação para duas pessoas durante um mês. Para atenuar a preocupação da minha mãe, fui trabalhar num canteiro de obra de construção, e escolhi um trabalho de que ninguém gostava: remover túmulos anónimos, pois a remuneração era boa: 2 yuans e 45 centavos por dia. Nesses 20 dias até à minha partida, ganhei o que considerava ser uma fortuna. Além de pagar a viagem de Xi’an para Pequim, ainda podia comprar uma mochila, uma bacia, e uma caneta de marca nacional “Herói”, que sempre tinha sonhado ter durante o secundário, e ainda uns materiais escolares para o meu irmão mais novo para o ano letivo seguinte. Antes de acabar o mês de agosto, deixei pela primeira vez a minha casa e fui para Pequim começar a minha vida universitária. A viagem levou mais de 20 horas só em posição sentada, mas não senti nenhum cansaço. Quando cheguei ao Instituto da Radiodifusão de Pequim, um funcionário disse-me que ia aprender português. Foi, assim, por acaso, que descobri a língua portuguesa, apesar de não ter nada de conhecimento sobre esta língua e nem sobre Portugal. Recordo-me de que, na altura, fiquei um pouco assustado, pois o meu desejo era aprender francês, língua que achava ser a mais bonita do mundo, pois nunca tinha ouvido falar dessa tal língua portuguesa. Nos anos 60, só muito poucas pessoas tinham ouvido falar de Portugal na China. A partir dessa data, o meu destino ficou estreitamente ligado à língua portuguesa. No processo de aprendizagem da língua portuguesa, os professores brasileiros contribuíram muito para formar os primeiros falantes e tradutores de português na China. Ao recordar aqueles nossos primeiros cursos de português, não podemos deixar de nos lembrar dos primeiros professores vindos de países lusófonos, nomeadamente do Brasil, para dar aulas na China, apesar de não existirem, à época, relações diplomáticas entre a China e esses países. Hoje, quando contemplamos o atual desenvolvimento do ensino da língua portuguesa na China e o grande aumento de cursos dessa língua, em muitas universidades de todo o país, é preciso render homenagem aos pioneiros brasileiros que prestaram apoio à criação desses primeiros cursos. E eu aprendi com eles não só a língua portuguesa, mas também o espírito do internacionalismo. E aqui cabe destacar algumas dessas pessoas, que foram: 1) Mara Mazzoncinni (1925-1983), engenheira brasileira de ascendência italiana que vivia no coração dos primeiros jovens estudantes de português de duas instituições, o Instituto da Radiodifusão de Pequim (IRP) e o Instituto de Línguas Estrangeiras de Pequim (ILEP). Ela foi a primeira professora que chegou à China em 1960 para lecionar português nesses dois institutos. Sua amabilidade e dedicação deixaram profundas marcas nos alunos. Outro nome é de Benedito Carvalho e sua esposa Lídia Carvalho. Benedito Carvalho foi oficial do Exército e ex-dirigente do Partido Comunista Brasileiro que participou da insurreição de 1935, no Brasil, e personalidade que trabalhava como tradutor. O senhor Benedito Carvalho viveu muito tempo na China, durante a década de 60 do século passado, trabalhando no ILEP e também na Rádio Pequim, no serviço da língua portuguesa. 2) Amarílio de Vasconcelos e sua esposa Raquel Cossoy. Amarílio de Oliveira Vasconcelos era jornalista e militante do Partido Comunista do Brasil (PCB), eleito para a câmara municipal, vereador do antigo Distrito Federal (1ª Legislatura de 1947 a 1951). Era também membro do Comitê Central (CC) do PCB, e reorganizou o Partido Comunista em 1943. Ele foi preso pelas autoridades militares e depois refugiado em outros países. Ajudou a montar a Agência de Notícias Xinhua no Brasil. Em 3 de Dezembro de 1962, ele e sua esposa Raquel Cossoy foram pessoalmente recebidos pelo Presidente Mao Zedong. Em 1978, o casal deixou Pequim e regressou ao Brasil. A Dra. Raguel Cossoy foi professora da Turma 64-7 da Faculdade de Línguas Estrangeiras do IRP. 3) Carlos Frydman (1924-) é poeta brasileiro nascido em Varsóvia, Polônia. Como um dos primeiros professores de português na China, ele era militante do Partido Comunista Brasileiro entre 1952 e 1958, o que lhe custa prisão política. Em 1956 viajou pela Europa com o Teatro Popular Brasileiro, dirigido pelo poeta Solano Trindade. Nas décadas de 1950 e 1960 publicou poemas nos jornais Notícias de Hoje (SP) e Imprensa Popular (RJ). No período de 1992 a 1994 atua como segundo Vice-Presidente da União Brasileira de Escritores. Em maio de 1990, quando o Presidente chinês foi visitar pela primeira vez o Brasil, eu, como jornalista da comitiva, também fui ao Brasil fazer cobertura das atividades de visita, e tive oportunidade de ter encontro com o Sr. Carlos Frydman em S. Paulo, e cumprimentá-lo em nome de todos os alunos chineses. 3) Jayme Martins (1930-), jornalista brasileiro que dedicou quase toda a sua juventude à formação de profissionais da língua portuguesa na China. Além de ter sido professor comum de ambas as instituições de ensino superior, era também formador de jornalistas de língua portuguesa, da Rádio Pequim. Durante mais de 20 anos de estadia em Pequim, deu enormes contribuições em prol do ensino e divulgação da língua portuguesa. Eu visitei o casal Martins três vezes quando estive no Brasil, tanto na qualidade de jornalista como na de professor para visitar diversas universidades de Brasília, S. Paulo e Rio de Janeiro. 4) Rosália Galiano foi a professora de português da Turma 6512 do IRP. E o seu marido Alfredo Galiano era editor paulista e trabalhou na Radio Pequim como locutor do programa de língua portuguesa. Sua voz comovente e magnética deixou maravilhosa e profunda impressão em milhares de ouvintes de rádio. Rosália insere-se na linhagem dos melhores professores que serviram na China, pessoa de cultura, de educação e de profissionalismo que ajudava a China a forjar uma poderosa equipe de tradutores e intérpretes de português. Ela gosta muito da China e sua cultura, até podia cantar na ópera de Pequim. 5) Luiz Ventura (1930-) e sua esposa Lilian Ventura. Luiz é um famoso pintor, desenhista, gravador e mosaicista brasileiro, que nasceu em São Paulo. Na década de 40, realizou as suas primeiras gravuras em madeira; trabalhou como auxiliar de cenografia no Teatro Brasileiro de Comédia. Em l949, viajou pela Europa e residiu durante dois anos em Paris, onde frequentou a Academia Livre de Arte Grande Chaumière, museus e gabinetes de artes plásticas. Durante as décadas de 60 e 70, viveu na China Popular, onde deu aulas de língua portuguesa, enquanto estudava a técnica oriental de gravura em madeira. Entre professores de outros países lusófonos, destaca-se um angolano, Sócrates de Oliveira Dáskalos (1921-2002), grande lutador pela independência nacional e renomado escritor e político angolano. Homem muito culto, com uma rica experiência de ensino no Liceu de Benguela. Chegou a Pequim em 1965, com 44 anos de idade para ser o professor da Turma 6513 do IRP. Foi o primeiro professor que divulgou a cultura e a história luso-africanas aos alunos chineses. Graças à influência e à orientação direta dos referidos professores, eu pude concluir com sucesso o meu estudo da língua portuguesa, e seguir, ao longo de meio século, o caminho de tradução, interpretação, jornalismo, ensino e investigação da língua portuguesa.

(CT): Por qual motivo começou a exercer atividades profissionais de tradução chinês-português?

(CL): Não há motivo. Naquela altura, tudo dependeu das necessidades do governo. Entretanto, depois de começar a estudar português, compreendi pouco a pouco a importância e o papel desta língua no domínio diplomático do país. Desde a fundação da RPC, em 1949, até os primeiros anos da década de 60 do século passado, a China Continental não tinha profissionais bilingues chinês-português, nem instituições para ensinar esta língua estrangeira. Apesar de que, naquela altura, poucos países mantinham relações diplomáticas com a Nova China, o Partido Comunista Chinês (PCC) desenvolvia contactos com quase todos os partidos comunistas e operários do mundo, inclusive o Partido Comunista Brasileiro e o Partido Comunista Português. Por isso, para atender à necessidade de receber visitas de dirigentes ou delegados desses partidos ou indivíduos de esquerda, procedentes de países lusófonos, o PCC e o Governo da China só podiam valer-se de intérpretes de Espanhol ou Inglês para realizar negociações ou manter encontros com delegações ou indivíduos que falavam português. Ao entrar na década de 1960, devido às divergências ideológicas e às controvérsias abertas entre o PCC e o Partido Comunista da União Soviética (PCUS), o Governo chinês tratou de assumir uma política externa independente, ao mesmo tempo em que o então Presidente Mao Zedong formulou a teoria dos “três mundos”, destacando o apoio da China aos países e povos do “terceiro mundo”, nomeadamente os países e povos que combatiam o imperialismo e o colonialismo e lutavam pela independência nacional. Um episódio impressionante para mim foi a visita do vice-presidente brasileiro João Goulart (Jango) à China em agosto de 1961. Quando ele fez uso da palavra em português perante milhares de ouvintes chineses no Grande Palácio do Povo de Pequim, quase ninguém entendeu o que ele falava. Encarando a situação de falta de intérpretes chinês-português nas atividades de recebimento e das negociações, o governo central viu-se obrigado a, por um lado, recrutar tradutores de espanhol para acompanhar improvisadamente a visita, e, por outro lado, pedir à Companhia Comercial de Nanguang, de Macau, para mandar rapidamente funcionários chineses que entendiam a língua portuguesa, servindo de tradutores e intérpretes. O mesmo aconteceu com a visita do Secretário Geral do Partido Comunista Brasileiro, Luiz Carlos Prestes, à China em outubro de 1959. O encontro e a comunicação entre Mao Zedong e Luiz Prestes, dirigentes do PCC e do PCB, dependiam também de um intérprete de outra língua. Estes casos embaraçosos demonstraram a importância da língua portuguesa no mundo e a necessidade urgente de formação de profissionais bilingues chinês-português. Sem dúvida, esta história reforçou minha decisão para exercer as atividades profissionais de tradução chinês-português. Nestas circunstâncias, o IRB criou, em 1960, a Faculdade de Línguas Estrangeiras (FLE), sobretudo com as principais línguas dos países do Terceiro Mundo, inclusive a língua portuguesa, pois a maior parte dos países lusófonos, nomeadamente os territórios africanos sob dominação portuguesa, pertenciam, naquela altura, ao terceiro mundo, segundo a referida teoria de Mao. A par da polémica aberta cada vez mais renhida entre os dois maiores partidos comunistas do mundo, o PCC e o PCUS, o governo chinês acelerou o passo em apoio aos países do Terceiro Mundo. Em tais circunstâncias, o IRB criou, em 1965, de uma só vez, duas turmas de Língua Portuguesa (a Turma 6512, com a professora brasileira Rosália Galiano, e a Turma 6513, com o professor angolano Sócrates de Oliveira Dáskalos). As duas turmas contavam com 40 alunos, selecionados em 13 centros municipais e províncias. E eu fui designado para estudar o português brasileiro na turma 6512. Quando comecei a aprender português não tinha ideia nenhuma nem possuía mínimo conhecimento prático sobre essa língua e também não conhecia nada de Portugal para além de saber que era um pequeno país da Europa. Pouco a pouco, com os ensinamentos dos meus professores brasileiros, fui aprendendo muitas coisas sobre a língua e a cultura lusófona. Daí, foi um passo para começar a gostar de uma língua que hoje considero maravilhosa, sobretudo se a compararmos com outras línguas que antes tinha aprendido, como o russo. Sem dúvida, a decisão de aprender a língua portuguesa no primeiro dia determinou o meu futuro: exercer atividades profissionais de tradução chinês-português.

(CT): Qual foi o trabalho ou momento que mais o impressionou na sua longa jornada de atividades de tradução?

(CL): Para mim, a primeira prova foi a tradução de um grande texto do Jornal Reminribao (Diário Popular) intitulado “Internacionalismo ou Revisionismo”, a ser transmitido na emissão da língua portuguesa da Rádio Pequim, quando se comemorava o 100º aniversário da Comuna de Paris de 1871. O trabalho foi duro e glorioso. É “duro” porque o texto era de tal forma longo que levou uma hora e meia a ser transmitido na emissora, sendo que o seu conteúdo político e teórico visava criticar o PCUS; é “glorioso” porque constituiu um importante trabalho político, apenas confiado a tradutores competentes e conscientes dos diversos departamentos de línguas estrangeiras. Isso comprovou que o meu trabalho foi altamente reconhecido pela Rádio Pequim. Também acho que esta prática me trouxe a autoconfiança na carreira de tradução. Daí eu continuava a praticar a tradução e interpretação e estudar sua teoria, traduzindo milhões e milhões de palavras quase em todos os campos, inclusive textos jurídicos, científicos e literários etc.. E comecei a fazer pesquisas académicas linguísticas, históricas, culturais e sociais, além de desenvolver atividades pedagógicas de tradução na universidade, com base nas experiências de prática de tradução.

(CT): Sente-se feliz com a sua tradução chinesa de Nam Van-contos de Macau de Henrique Senna Fernandes? Como foi o processo de tradução dessa obra?

(CL): Sim! É verdade! Sem dúvida, o Dr. Henrique de Senna Fernandes (1923-2010) e a sua obra Nam Van – Contos de Macau (Fernandes, 1997Fernandes, Henrique de Senna. Nam Van-Contos de Macau. 2. ed. Macau: Instituto Cultural de Macau, 1997.) são os primeiros acervos escolhidos e colocados no futuro museu de literatura de Macau e da China. Apesar de tantas obras literárias sob pinceladas daquele advogado macaense, eu adorava mais o Nam Van – Contos de Macau, cujos contos revelam vividamente o mundo espiritual da comunidade macaense, fruto de coexistência e convivência das diferentes raças por mais de quatro séculos nesta exígua península. Em particular, entendo e conheço, através de minha prática de tradução para a versão chinesa, o verdadeiro valor cultural e histórico daqueles contos. Por iniciativa da Associação Promotora de Instrução dos Macaenses foi lançada ao público, em novembro de 2003 e em versão chinesa, a coletânea literária Nam Van – Contos de Macau com seis contos, de Henrique de Senna Fernandes, cuja tradução foi feita por mim em colaboração com Wai Hao Choi, professor do Instituto Politécnico de Macau. Eu sou autor da tradução dos primeiros cinco contos (Fernandes, 2003Fernandes, Henrique de Senna (飞历奇). Nam Van-Contos de Macau(南湾:澳门短篇小说集). Tradução de Changsen Li & Wai Hao Choi (李长森&崔维孝). Macau: Associação Promotora de Instrução dos Macaenses (澳门土生教育协进会), 2003.). Nam Van - Contos de Macau, que pertence à série “Coleção Rua Central”, foi lançado originalmente em 1978, e foi o primeiro livro escrito por Henrique de Senna Fernandes. A obra reúne seis contos que, além de retratar Macau das décadas da primeira metade do século passado, reconstituem o ambiente humano, histórico e geográfico deste enclave português na Ásia Oriental. “Nam Van” é o nome chinês da Praia Grande, em Macau, considerada centro da vida administrativa e social da cidade e zona residencial preferida de seus moradores, nomeadamente os macaenses, onde o autor nasceu e viveu. Um dia de 2003, o Dr. Jorge Rangel, Presidente do IIM, e o Dr. José Damião Rodrigues, Presidente da APIM, convidaram três professores do então Instituto Politécnico de Macau (IPM), - o Prof. Lei Heong Iok, o Prof. Wai Hao Choi e eu - para um almoço no Clube Militar, durante o qual eles nos pediram para traduzir Nam Van – Contos de Macau, de Senna Fernandes, a partir da 2ª edição publicada pelo ICM em outubro de 1996. Na ocasião, eu e o Prof. Choi fomos designados para fazer este honrado trabalho. O livro, que foi muito difundido na comunidade macaense, conta com seis contos: “A-Chan, a tancareira”; “Um encontro imprevisto”; “Chá com essência de cereja”; “Uma pesca ao largo de Macau”; “Candy”; e “A desforra dum china-rico”. Eu estava encarregado de traduzir os primeiros cinco contos, e, por sua vez, o Prof. Choi iria traduzir o último conto, que é “A desforra dum china-rico”. Toda a tradução levou quatro meses, e eu usei mais dois meses para revisar todos os contos e uniformizar a linguagem e o estilo de tradução. Finalmente, a versão chinesa do livro foi lançada ao fim do ano, com tiragem de 2000 exemplares, e com a capa bem desenhada pelo célebre escritor, pintor e historiador macaense, Dr. Leonel Barros. A tradução não foi nada fácil, pois devíamos entender muitas coisas por atrás das letras de Henrique de Senna Fernandes. Para manter a qualidade de tradução, não tive tanta pressa para começar o trabalho, mas sim tinha lido três vezes todos os contos, e ainda outras obras dele, inclusive os romances A Trança Feiticeira e Amor e Dedinhos de Pé, para poder entender o mundo espiritual e o sentimento essencial do fundo do coração do autor. Apesar de ter tido experiências de quase 40 anos em traduzir muitas coisas do chinês para o português e vice-versa, inclusive traduções jurídicas, literárias, económicas, comerciais, científicas e académicas, não ousei ser negligente perante os contos de Senna Fernandes, uma vez que a comunidade macaense foi um novo tópico para a minha carreira de tradução. Por causa das razões históricas, geográficas e antropológicas, em contos narrados pelo autor, são nítidas as relações um tanto complexas entre culturas distintas – a chinesa, a portuguesa e a macaense, esta última um produto do encontro Oriente-Ocidente sobre um mesmo solo, que é exíguo território de Macau (tido como ponto de encontro e intercâmbio entre culturas). As estórias narradas em contos não são complicadas, mas vivas e comoventes, e revelam profundamente a realidade social e o destino de uma comunidade misturada por culturas diferentes e a situação embaraçosa de sua vida. Sendo um advogado, Henrique Senna Fernandes não podia esconder a alegria ao ter visto a positiva reação do público à sua primeira obra literária, tal como ele diz na “Nota de Abertura” da 2.a edição de Nam Van – Contos de Macau: “O livro levou tempo para se implantar, a sua trajetória escorou desânimos, marcou uma fase da vida, selou uma vocação e tornou compensadoramente conhecido o escritor. Orgulho-me enternecidamente dele.” Acho que isso foi a força motriz e fonte inesgotável para criar tantas personagens vívidas e trágicas que andavam nas ruas de Macau dos tempos antigos. No decorrer de tradução, não só compreendo as estórias narradas por Senna Fernandes, e traduzo com toda a atenção para evitar qualquer perda de componentes essenciais, mas também conheço o autor e a comunidade macaense que ele representa. Em Nam Van – Contos de Macau, o corpo central da narrativa é decorado, em muitos textos, por um conjunto de descrições laterais de grande valor histórico, porque fixam aspetos da cidade que ajudam a compor o ambiente social e político dos fins do século XIX, dos inícios do século XX, da guerra do Pacífico e dos anos imediatamente subsequentes. Alguns textos são registos memorialistas, como “Uma pesca ao largo de Macau”, que nos dão a conhecer pormenores da ilustre família de Senna Fernandes e da vida do escritor desde os bancos da escola, com particular ênfase para os tempos difíceis da guerra do Pacífico. Outros são interessantes descrições de espaços e de ambientes da cidade que o tempo se encarregou de alterar ou apagar, é o caso de “Chá com essência de cereja” e “Candy”, contribuições valiosas para a reconstituição histórica da cidade. Para garantir a qualidade de tradução, tive vários encontros com o Dr. Senna Fernandes, para esclarecer minhas dúvidas sobre os contos. Por sua vez, o Dr. Senna Fernandes também prestava atenção nos trabalhos de tradução, e escreveu um prefácio exclusivamente para sua publicação. Nam Van – Contos de Macau constitui um precioso legado de literatura lusófona, através do qual Macau pode ser sempre objeto de recriações, de revisitações e de certezas quanto ao valor que a literatura de inspiração macaense oferece como fonte de reconhecimentos e de reencontros. Por isso, espero que Nam Van – Contos de Macau, de Senna Fernandes, inclusive as várias edições e versões, até uma edição lançada no Brasil, seja um dos primeiros objetos a ser escolhido para o futuro museu de literatura de Macau, na seção da literatura portuguesa e também da literatura chinesa, pois os residentes de Macau poderão apreciar e salvaguardar, geração após geração, o verdadeiro valor de Macau.

(CT): Como define a tradução? O que pensa sobre a função da tradução chinês-português para a China e para Macau?

(CL): Tradução é um processo de decodificação de uma mensagem de uma língua de origem para uma língua de destino. Parece bastante simples, mas é uma atividade cognitiva e de alta complexidade, que tem como demanda central a negociação de significado entre línguas. A razão para esta complexidade é que a tradução envolve não só questão linguística, mas sobretudo questão cultural. A língua é portadora da cultura. Portanto, a cultura por trás da língua é muito diferente, o que é essencial para uma tradução precisa. Outro ponto importante é que a tradução não é apenas meramente sintática ou lexical, mas sim uma atividade entre culturas diferentes, sendo veiculada por meio da língua em seu registro escrito. Isto é, o que traduzimos de chinês para o português ou vice-versa deve ser relevante e próximo dos leitores do país. Afinal, é uma questão de identificação e empatia. A tradução serve para construir pontes e aproximar pessoas.

(CT): Podia compartilhar um pouco da sua ampla experiência de ensino de tradução chinês-português em Macau?

(CL): De facto, a minha carreira profissional de ensino, como professor, na área de tradução e interpretação chinês-português não foi longa. Já se passaram quase 60 anos desde que comecei a aprender português. Divide-se basicamente em duas fases: 1. Aprendizagem e prática da língua portuguesa, incluindo o estudo da língua e cultura portuguesas na universidade e a prática de trabalhar como tradutor e jornalista numa empresa de meios de comunicação radiofónicos. Esse período é de quase 30 anos; 2. Dedicação ao ensino e à investigação académica em tradução chinês-português na universidade, incluindo a continuação de alguns cursos de mestrado e doutoramento após a reforma. Esse período é também de quase 30 anos. Deve dizer-se que a prática da tradução nos primeiros trinta anos estabeleceu uma base sólida para a investigação e o ensino da teoria da tradução nos últimos trinta anos, o que é um diferencial em relação a outros professores.

(CT): Quais as disciplinas ensinadas e quais se ensinam nos cursos de tradução chinês-português? E qual é o lugar da teoria e da prática de tradução no curriculum?

(CL): Talvez devido ao acúmulo de prática nos países de língua portuguesa nos primeiros 30 anos, estive particularmente interessado em muitos campos, incluindo linguística, história, literatura, intercâmbios culturais entre a China e o Ocidente, relações internacionais etc., com diferentes matérias ensinadas nas universidades de acordo com as necessidades dos diferentes períodos. Entretanto, provavelmente por causa de ter mais trabalhos administrativos nos campos pedagógicos e científicos, não tinha muita carga horária de ensino por causa do encargo administrativo. Só depois da aposentadoria, pude ter mais oportunidade para me dedicar ao ensino. Nos últimos anos, tenho lecionado principalmente as disciplinas “Teoria e Prática da Tradução”, “Prática da Tradução Chinês-Português” e “Prática da Tradução Português-Chinesa”, do curso de licenciatura. “Tradução Jurídica e Administrativa” para o Mestrado; “História da Tradução Chinesa e Ocidental” para o curso de doutoramento, e ainda alguns cursos ou palestras temáticas em várias universidades de Macau ou do Interior da China, principalmente sobre a temática da “História do Intercâmbio Cultural Sino-Ocidental”, além de orientar vários doutorandos.

(CT): Quais habilidades devem ter os tradutores do chinês-português-chinês?

(CL): Para obter uma tradução chinês-português ideal, é preciso reconhecer as características e as competências de um bom tradutor, que deve ter as seguintes capacidades e competências essenciais necessárias. A primeira competência essencial para uma boa tradução é que a língua materna do tradutor seja a mesma que a língua final da tradução. Esta é a única maneira de garantir uma tradução da mais alta qualidade. Um tradutor qualificado, que traduz para a sua língua nativa, além de ter uma gama muito alargada de conhecimentos culturais e competências linguísticas, possui um extenso vocabulário tanto em chinês como em português. Assim, com este tipo de prestador de serviços, a margem de erro é também muito menor do que com um tradutor que não traduz para a sua língua materna. Neste caso, a tradução é suscetível de conter erros e inconsistências que podem afetar gravemente o resultado de tradução. A segunda competência ou capacidade que um tradutor qualificado deve ter é a especialização por setores ou áreas a que o texto de origem se refere. Um bom tradutor é geralmente um especialista na área do documento a ser traduzido, principalmente nas traduções médicas, financeiras, tecnológicas, militares e publicitárias etc. O conhecimento especializado do tradutor irá garantir uma tradução perfeita da terminologia específica do sector e de quaisquer normas e padrões que necessitem de ser aplicados. Por isso, é recomendável recorrer a um tradutor especializado no seu sector de atividade, pois só ele será capaz de garantir um resultado fiável, fiel ao conteúdo original e adaptado ao público-alvo e às especificidades do sector no país de destino. É mais importante em determinados sectores específicos, tais como o médico, financeiro e jurídico, porque os erros numa tradução deste tipo podem ter consequências muito graves. A terceira competência ou capacidade também é muito importante. Isto é, um tradutor qualificado deve possuir conhecimentos multifacetados da cultura local, ou seja, do país de destino. Além de um perfeito domínio da língua e do setor, o tradutor tem de possuir um conhecimento excelente da cultura local, a fim de adaptar o texto às normas culturais e aos hábitos locais do público-alvo. De fato, uma grande parte do processo de tradução consiste em fornecer uma tradução precisa e que também respeite as idiossincrasias da cultura local, por exemplo no setor do marketing, em que o tradutor tem de traduzir com o máximo cuidado slogans, expressões idiomáticas etc., de forma a refletir a mensagem original. Além disso, um bom tradutor deve ter, portanto, um bom conhecimento do contexto sociocultural do país de destino da tradução. Outra habilidade que deve ser dominada por um bom tradutor é trabalhar com rigor, cuidado, pontualidade e discrição, que são competências importantes de qualquer bom tradutor profissional para garantir o resultado final de tradução. Um tradutor qualificado irá traduzir cada palavra com a máxima precisão e cuidado, para que o resultado final seja uma tradução fiel à versão original do texto e sem erros. Um tradutor qualificado irá também entregar a tradução dentro do prazo e respeitar a confidencialidade da informação facultada pelo cliente. Antes de acabar o trabalho de tradução, um bom tradutor deve rever com cuidado o texto de destino, para saber se o resultado de tradução é harmonioso e natural. Um tradutor profissional experiente deverá ser capaz de produzir uma tradução harmoniosa, conforme com o original, mas não palavra por palavra. O tradutor deve também manter a mensagem original, assim como o tom e o nível de linguagem utilizado, ao mesmo tempo que adapta o texto às especificidades linguísticas e culturais do país de destino da tradução. O documento final deve, portanto, ser fluido e lido sem qualquer dificuldade.

(CT): Quais critérios devem ser considerados para avaliar uma tradução?

(CL): Os critérios e os princípios da tradução são há muito debatidos. No que diz respeito à tradução chinês-português ou vice-versa, acredito que os padrões para medir os melhores resultados de tradução são os três princípios de confiabilidade, expressividade e airosidade, conhecidas como “tríade de tradução”, apresentada, há mais de 100 anos, pelo Sr. Yan Fu, fundador da teoria de tradução entre a língua chinesa e as línguas ocidentais.

(CT): O que pensa sobre a prática de tradução, o ensino de tradução e a pesquisa sobre a tradução?

(CL): A prática da tradução é a única forma eficaz de aprender competências de tradução e melhorar os padrões de tradução. A qualidade da tradução depende da acumulação de experiências, e as experiências dependem de uma série de práticas contínuas; o ensino da tradução consiste em teorizar sistematicamente as experiências de tradução acumulada pelos antecessores e lecioná-las aos alunos de tradução, através de ensinamentos bem organizados na sala de aula; por sua vez, a pesquisa de tradução pertence ao âmbito da investigação teórica, que analisa e compara as semelhanças e diferenças da tradução em diferentes línguas, inclusive a tradução chinês-português, eleva as experiências úteis na tradução a um nível teórico, e promove o desenvolvimento do setor da tradução.

(CT): Em que circunstâncias publicou em 2002 o livro didático Aspetos Teórico-Práticos de Tradução Português-Chinês? E após 20 anos publicou a sua versão revista, quais revisões fizeram? Por quê?

(CL): Na China, o primeiro curso de português foi criado em 1960 no Instituto da Radiodifusão de Pequim, mas durante mais de 40 anos até 2002, não houve nenhum material didático para ensinar a tradução chinês-português ou vice-versa, mesmo em Macau que foi governado por Portugal desde meados do século XVI. Por isso, autorizado pelo então Instituto Politécnico de Macau, decidi colaborar com o professor Wai Hao Choi para redigir o livro Aspetos Teórico-Práticos de Tradução Português-Chinês, que foi publicado em dezembro de 2002. Naquela altura, pensava que a publicação do livro podia provocar o interesse e atenção de outros professores da nova geração para fazer mais pesquisas e escrever novos livros melhores, mas isso não aconteceu. No entanto, nas duas décadas desde a publicação deste manual escolar, o número de instituições de ensino superior que oferecem cursos de português na China aumentou rapidamente de três para mais de cinquenta, e o número de alunos matriculados a cada ano excede muito o número de alunos formados nos 40 anos anteriores. O livro didático publicado em 2002 já não podia responder às necessidades da situação do rápido desenvolvimento de ensino da tradução chinês-português. Por isso, por sugestão minha, o Instituto Politécnico de Macau decidiu complementar e rever o manual original e publicá-lo novamente em 2020.

(CT): Como é o perfil dos alunos de tradução chinês-português em Macau?

(CL): Macau é um lugar com uma longa tradição de ensino da tradução chinês-português. A história dos intercâmbios culturais entre a China e o Ocidente ao longo de mais de 450 anos constituiu o ambiente linguístico e as características culturais únicas de Macau. Embora o número de falantes de português em Macau seja reduzido, a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) estipula que o português seja uma das línguas oficiais da RAEM. Por isso, o Governo da RAEM presta grande atenção e importância ao cultivo de talentos bilíngues, nomeadamente na formação de técnicos e funcionários especializados no âmbito de tradução chinês-português, e tem feito um grande investimento financeiro para este objetivo. Atualmente, cinco universidades de Macau oferecem cursos de português e de tradução chinês-português. As universidades de Macau que oferecem cursos de língua portuguesa incluem a Universidade de Macau, a Universidade Politécnica de Macau, a Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, a Universidade da Cidade de Macau e a Universidade de São José. Entre elas, a Universidade de Macau e a Universidade Politécnica de Macau também oferecem programas de doutoramento e mestrado em tradução chinês-português. Além disso, a RAEM estreita as relações de cooperação cultural e educacional com muitos países da língua portuguesa, e centenas de estudantes de Portugal, Brasil, Guiné-Bissau, Cabo-Verde, Moçambique e Angola vieram a Macau para estudar a língua chinesa e as técnicas de tradução português-chinês. Nos últimos anos, os cursos de tradução chinês-português de Macau tornaram-se uma enorme atração e influência para os estudantes chineses do Continente. Todos os anos, muitos diplomados do ensino secundário do Interior da China candidatam-se a cursos de tradução chinês-português em Macau. Como não existem programas de doutoramento nesta área no Continente, Macau tornou-se a primeira escolha para muitos estudantes que desejam obter um doutoramento em tradução chinês-português, mas viajam incondicionalmente para os países de língua portuguesa. Acredita-se que, com o rápido desenvolvimento das relações entre a China e os países de língua portuguesa, cada vez mais estudantes chineses do continente virão a Macau para estudar tradução chinês-português no futuro.

(CT): Quais expectativas tem para os aprendizes de tradução chinês-português?

(CL): A par com o rápido desenvolvimento das relações de cooperação entre a China e os países lusófonos, o futuro da língua portuguesa é cada vez mais brilhante nos mercados de talentos profissionais da China. Hoje em dia, milhares de técnicos chineses estão a trabalhar em países lusófonos para ajudar a construir centenas de projetos de infraestrutura, que requerem muitos profissionais de línguas. O professor Carlos André confirma a “ideia de que aprender português é uma garantia de empregabilidade. Os estudantes chineses acham que lhes abre portas no jornalismo, na diplomacia e nas empresas”1 1 Jornal Expresso. Disponível em: https://expresso.pt/cultura/portugues-e-a-lingua-da-moda-e-do-emprego-na-china=f838497. . O português é a língua da moda e do emprego na China. Para responder à necessidade de tradutores, a China tem criado cursos de língua portuguesa e de tradução chinês-português em mais de 50 universidades. Por isso, os alunos devem apreciar estas oportunidades para aprender bem a língua portuguesa, no intuito de tornar-se tradutores qualificados nos contatos entre a China e os países da língua portuguesa.

(CT): Quais expectativas tem para os docentes e formadores de tradução chinês-português?

(CL): Graças ao rápido desenvolvimento de ensino da língua portuguesa na China, as universidades que oferecem o curso de português aumentaram drasticamente de três para mais de cinquenta nos últimos 20 anos. Ao mesmo tempo, os docentes bilíngues aumentaram de dezenas para centenas. Por isso, a maioria dos docentes e formadores de tradução chinês-português são muito jovens. Nessas circunstâncias, apareceram dois casos contraditórios: por um lado, as escolas de ensino superior carecem de mais professores bilíngues experientes, e, por outro lado, muitos docentes existentes não possuem nível acadêmico correspondente. Por isso, o grande desafio para garantir a qualidade pedagógica na área de ensino da língua portuguesa e de tradução chinês-português consiste em oferecer mais oportunidades para os docentes existentes poderem elevar o seu nível acadêmico, através de frequência de cursos de mestrado e doutoramento.

(CT): Como é que os tradutores fazem diante das novas tendências tecnológicas e o desenvolvimento da Inteligência Artificial, como ChatGPT?

(CL): Para mim é difícil responder ou fazer comentários, pois já tenho mais de 70 anos, idade em que não consigo seguir os rápidos passos das novas tendências tecnológicas e do desenvolvimento da IA. Relativamente ao sistema ChatGPT, é pior ainda! Dizem que o ChatGPT foi lançado em dezembro de 2022, e mostra o potencial da inteligência artificial e atingiu um milhão de usuários em apenas uma semana. Não sei se o usuário pode usá-lo diretamente em português, mas acho que deve ser uma nova tecnologia revolucionária para ajudar os trabalhos de tradução, e aceitável pelos jovens tradutores.

Agradecimentos

Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do Projeto Científico RP/FLT-08/2022, financiado pela Universidade Politécnica de Macau, China.

Referências

  • Fernandes, Henrique de Senna. Nam Van-Contos de Macau. 2. ed. Macau: Instituto Cultural de Macau, 1997.
  • Fernandes, Henrique de Senna (飞历奇). Nam Van-Contos de Macau(南湾:澳门短篇小说集). Tradução de Changsen Li & Wai Hao Choi (李长森&崔维孝). Macau: Associação Promotora de Instrução dos Macaenses (澳门土生教育协进会), 2003.
  • Li, Changsen & Choi, Wai Hao. Aspectos Teórico-Práticos de Tradução Português-Chinês (实用葡汉翻译教程) Macau: Instituto Politécnico de Macau, 2002.
  • Li, Changsen & Choi, Wai Hao. Aspectos Teórico-Práticos de Tradução Português-Chinês (实用葡汉翻译教程) Macau: Instituto Politécnico de Macau, 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2023
  • Aceito
    29 Nov 2023
  • Publicado
    Dez 2023
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