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Atividades metalinguísticas acerca de um mesmo termo: estudo comparativo no processo de tradução colaborativa

Metalinguistic activities on the same term: A comparative study in the collaborative translation process

Resumo

Este trabalho tem como objetivo analisar e comparar o percurso singular tomado por duas díades que traduziram, colaborativamente, um mesmo termo latino. O processo de tradução a dois, ou tradução colaborativa, é um evento de linguagem fortemente marcado pela interação entre agentes tradutores (O’Brien, 2011). A partir desse evento, é possível observar e analisar atividades metalinguísticas de ordens diversas, sejam elas, lexical, morfossintática, semântica, pragmática, discursiva, implicadas na leitura do texto fonte e na escritura tradutória do texto alvo (Pym, 2017; Venuti, 2012). Os dados analisados neste estudo compreendem registros de fala e escrita coletados através do Sistema Ramos (Calil, 2020), um sistema de captura multimodal que permite o acesso à negociação oral das díades e às respectivas atividades metalinguísticas. Em nosso estudo, foram visibilizadas as seguintes estratégias utilizadas pelas díades no processo de tradução do termo latino, a saber: recorrência à homofonia e à homografia entre as línguas; identificação de elementos morfológicos essenciais à compreensão do texto latino; reflexões sobre as possibilidades semânticas de um termo latino que melhor se apresente para a escrita do texto em língua materna. Todavia, cada díade seguiu caminhos particulares no curso dessas estratégias.

Palavras-chave
tradução colaborativa; atividade metalinguística; ensino e aprendizagem de língua

Abstract

This paper aims to analyze and compare the unique path taken by two dyads who collaboratively translated the same Latin term. The process of two-way translation, or collaborative translation, is a language event strongly marked by interaction between translating agents (O'Brien, 2011). From this event, it is possible to observe and analyze metalinguistic activities of various kinds, including lexical, morphosyntactic, semantic, pragmatic and discursive, involved in reading the target text and writing the target text in translation (Pym, 2017; Venuti, 2012). The data analyzed in this study comprise speech and writing records collected through the Ramos System (Calil, 2020), a multimodal capture system that allows access to the oral negotiation of the dyads and their respective metalinguistic activities. In our study, the following strategies used by dyads in the translation process of the Latin term were made visible, namely: recurrence to homophony and homography between languages; identification of morphological elements essential to understanding the Latin text; reflections on the semantic possibilities of a Latin term that best presents itself for the writing of the text in the mother tongue. However, each dyad followed particular paths in the course of these strategies.

Keywords
collaborative translation; metalinguistic activity; language teaching and learning

1. Introdução

Neste trabalho, analisamos e comparamos os movimentos de negociação e as atividades metalinguísticas constitutivos do processo de tradução colaborativa em situação de sala de aula, envolvendo díades de alunos universitários que cursaram a disciplina Introdução à Língua Latina. Um evento de tradução colaborativa é uma cena enunciativa marcada pela interação entre agentes (ou sujeitos) tradutores (O’Brien, 2011O’Brien, S. (2011). Collaborative Translation. In Y. Gambier & L. Doorslaer (Orgs.). Handbook of Translation Studies: volume 2 (pp. 17–20). John Benjamins Publishing Company. ) através da qual podemos visibilizar atividades reflexivas sobre as organizações lexical, semântica, pragmática e discursiva da língua estrangeira (LE), impressas no texto fonte (TF) – ou texto de partida –, e da língua materna, expressas na escritura1 1 O termo “escritura”, nessa situação, faz referência à escrita em processo; quando fazemos uso do termo “escrita”, por sua vez, referimo-nos ao texto escrito, produto final. do texto alvo (TA) ou texto de chegada (Pym, 2017Pym, A. (2017). Explorando as Teorias da Tradução. (R. B. Faveri, C. B. Faveri, & J. Steil, Trad.). Perspectiva.; Venuti, 2012Venuti, L. (Ed.). (2012). The Translation Studies Reader. Routledge.).

Os dados de nossa pesquisa compreendem registros de fala e escrita, coletados pelo professor-pesquisador em disciplinas de latim ministradas para os cursos de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e seguem as diretrizes de coleta e padronização do Sistema Ramos (SR) (Calil, 2020Calil, E. (2020). Sistema Ramos: método para captura multimodal de processos de escritura a dois no tempo e no espaço real da sala de aula. Alfa: Revista de Linguística, 64, 1–29. https://doi.org/10.1590/1981-5794-e11705
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), um sistema de captura multimodal que possibilita o registro dos processos de tradução colaborativa em situação ecológica, isto é, em tempo e espaço real, na sala de aula, por meio de diferentes mídias – sonora, visual e escrita. Essas mídias registram todas as ações gestuais e as falas dos alunos sincronizadas em um mesmo dado, resultando em um registro fílmico multimodal. Em tal registro, estão inscritas todas as tomadas de posição dos alunos, permitindo observar porque, como e de que maneira os alunos fizeram as escolhas daquilo que será inscrito no texto escrito2 2 Para efeito deste trabalho, usaremos indistintamente os termos “produção escrita”, “texto escrito” e “manuscrito” para nos referirmos ao texto escrito que semantiza (ou traduz) o texto alvo. .

Os estudos, em seu conjunto, nos mostram quais caminhos linguísticos os alunos seguem para a escolha de um termo que restará na versão traduzida do texto. Elegemos, para este trabalho, cenas linguageiras de duas díades que buscam encontrar o sentido para um termo latino, “statim”, presente no texto de partida em três (03) situações, permitindo visibilizar as soluções ou pistas linguísticas (conhecimentos formalizados e conhecimentos ainda não formalizados) encontradas, ou seguidas, pelos alunos. O fato de a palavra latina estar em três situações no texto foi particularmente significativo, dado que os alunos ora se concentravam apenas no termo, ora nas relações do termo com outros na frase, ora na estrutura das duas línguas e, finalmente, no termo inserido no texto enquanto maior unidade de sentido.

As díades seguiram percursos bem singulares, ainda que, todos eles, na esteira das: 1. recorrência à relação fônica e gráfica do termo latino com um possível correspondente português; 2. identificação de elementos morfológicos essenciais à compreensão do texto latino e, consequentemente, à tradução; 3. reflexões sobre as possibilidades semânticas de um termo latino que melhor se apresentem para a escrita do texto em língua materna.

Nosso texto está organizado em seis seções. Na seção que segue à Introdução, expomos, de forma sucinta, a compreensão de estudiosos cujo foco de interesse é a tradução (e.g., Pym, 2017Pym, A. (2017). Explorando as Teorias da Tradução. (R. B. Faveri, C. B. Faveri, & J. Steil, Trad.). Perspectiva.; Venuti, 2012Venuti, L. (Ed.). (2012). The Translation Studies Reader. Routledge.; Bassnett, 2003Bassnett, S. (2003). Estudos de tradução: fundamentos de uma disciplina. (V. C. Figueiredo, Trad.). Fundação Calouste Gulbenkian.; Eco, 2007Eco, U. (2007). Quase a mesma coisa. (E. Aguiar, Trad.). Editora Record.; Meschonnic, 2010Meschonnic, H. (2010). Poética do traduzir. (J. P. Ferreira, & S. Fenerich, Trad.). Perspectiva.) e a tradução pedagógica (Hurtado Albir, 1999Hurtado Albir, A. (Org.). (1999). Enseñar a traducir: metodología en la formación de traductores e intérpretes. Edelsa., 2001; Nord, 2016Nord, C. (2016). Análise textual em tradução: bases teóricas, métodos e aplicação didática. (M. E. Zipser, Trad.). Rafael Copetti Editor.). Na terceira seção, discorremos sobre a escrita e a tradução colaborativa no campo ecológico da sala de aula, bem como sobre o entendimento da noção de “atividade metalinguística”. Na seção seguinte, explicamos a metodologia usada para coletar os dados, o protocolo de coleta e a constituição do corpus. Em seção posterior, apresentamos a análise dos dados e, ao final, compartilhamos as considerações finais.

2. Tradução e tradução pedagógica: alguns apontamentos

Consoante Pym (2017, p. 18)Pym, A. (2017). Explorando as Teorias da Tradução. (R. B. Faveri, C. B. Faveri, & J. Steil, Trad.). Perspectiva. – e para muitos estudiosos do campo da tradução –, o ato de traduzir “seria um conjunto de processos que conduziriam à passagem (de textos, da língua, da cultura) de um lado para o outro”. O termo “passagem” não esconde aqui, como assume o próprio autor (e tantos outros), a problemática que o envolve, pois ela não se realiza através de transposição direta de uma língua para outra, especialmente quando se considera que cada língua é constitutiva de historicidade e de uma alteridade radical (Authier-Revuz, 1990Authier-Revuz, J. (1990). Heterogeneidade enunciativa. (C. M. Cruz, & J. W. Geraldi, Trad.). Cadernos de Estudos Linguísticos, (19), 25–42., 2004Authier-Revuz, J. (2004). Heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva: elementos para uma abordagem do outro no discurso. (L. B. Barbisan, & V. N. Flores, Trad.) In J. Authier-Revuz (Org.), Entre a transparência e a opacidade: um estudo enunciativo do sentido (pp. 11–49). EDIPUCRS.) que não pode, linguisticamente, ser completamente recuperada em outra língua. Por outro lado, isto que constitui as línguas (e os textos) não impede os “gestos de tradução” e ainda permite que o mesmo texto possa ser traduzido várias vezes em uma mesma época ou continuem sendo traduzidos. Assim, grosso modo, a tradução envolve duas instâncias: o texto fonte e o texto alvo; ou, em outras palavras, o texto de partida e o texto de chegada (Hurtado Albir, 1999Hurtado Albir, A. (Org.). (1999). Enseñar a traducir: metodología en la formación de traductores e intérpretes. Edelsa., 2001Hurtado Albir, A. (2001). Traducción y Traductología: introducción a la Traductología. Cátedra.; Nord, 2016Nord, C. (2016). Análise textual em tradução: bases teóricas, métodos e aplicação didática. (M. E. Zipser, Trad.). Rafael Copetti Editor.; Bassnett, 2003Bassnett, S. (2003). Estudos de tradução: fundamentos de uma disciplina. (V. C. Figueiredo, Trad.). Fundação Calouste Gulbenkian.; Pym, 2017Pym, A. (2017). Explorando as Teorias da Tradução. (R. B. Faveri, C. B. Faveri, & J. Steil, Trad.). Perspectiva.; Venuti, 2012Venuti, L. (Ed.). (2012). The Translation Studies Reader. Routledge.).

Escritor e tradutor, Eco (2007)Eco, U. (2007). Quase a mesma coisa. (E. Aguiar, Trad.). Editora Record. afirma:

Traduzir quer dizer entender o sistema interno de uma língua, a estrutura de um texto dado nessa língua e construir um duplo do sistema textual que, submetido a certa descrição, possa traduzir efeitos análogos no leitor, tanto no plano semântico e sintático, quanto no plano estilístico, métrico, fonosimbólico

(Eco, 2007Eco, U. (2007). Quase a mesma coisa. (E. Aguiar, Trad.). Editora Record., p. 17).

Nesse sentido, o tradutor deve ter conhecimento tanto da organização da língua a ser traduzida, da forma como ela é semantizada ou permite semantizar nos diversos gêneros textuais discursivos. No mesmo tom de Eco (2007)Eco, U. (2007). Quase a mesma coisa. (E. Aguiar, Trad.). Editora Record., Meschonnic (2010)Meschonnic, H. (2010). Poética do traduzir. (J. P. Ferreira, & S. Fenerich, Trad.). Perspectiva. reconhece a historicidade que constitui cada texto, de sorte que, para ele, a tradução seria uma “reenunciação de um sujeito histórico”3 3 A questão da “reformulação” que lemos em Hurtado Albir (2001) alinha-se, em larga medida, com a de “reenunciação” proposta por Meschonnic (2010). . Não especificamente uma reenunciação direta, mas uma forma de manifestação através da qual nuances do TF e do TA podem sempre escapar do tratamento que o tradutor, também marcado pela sua historicidade, dá ao texto. É que, para Meschonnic (2010)Meschonnic, H. (2010). Poética do traduzir. (J. P. Ferreira, & S. Fenerich, Trad.). Perspectiva., a tradução não seria apenas uma ação que retoma a função do texto de partida no contexto de chegada, haja vista que, para ele, a tradução é, antes de tudo, espaço de criação.

É sob o lastro da epistemologia funcionalista, e da defesa da tradução pedagógica no campo da didática de ensino de línguas, que conhecemos as teorias de Hurtado Albir (1999Hurtado Albir, A. (Org.). (1999). Enseñar a traducir: metodología en la formación de traductores e intérpretes. Edelsa., 2001)Hurtado Albir, A. (2001). Traducción y Traductología: introducción a la Traductología. Cátedra. e Nord (2016)Nord, C. (2016). Análise textual em tradução: bases teóricas, métodos e aplicação didática. (M. E. Zipser, Trad.). Rafael Copetti Editor.. Nas palavras de Nord (2016)Nord, C. (2016). Análise textual em tradução: bases teóricas, métodos e aplicação didática. (M. E. Zipser, Trad.). Rafael Copetti Editor.,

Tradução é a produção de um texto alvo funcional, mantendo-se uma relação com um determinado texto fonte que é especificada de acordo com a função pretendida ou exigida do texto alvo (skopos). A tradução permite que um ato comunicativo aconteça, o que de outra forma não seria possível devido às barreiras linguísticas e culturais

(Nord, 2016Nord, C. (2016). Análise textual em tradução: bases teóricas, métodos e aplicação didática. (M. E. Zipser, Trad.). Rafael Copetti Editor., p. 61).

Para Nord (2016)Nord, C. (2016). Análise textual em tradução: bases teóricas, métodos e aplicação didática. (M. E. Zipser, Trad.). Rafael Copetti Editor., a tradução é um modo de ultrapassar as “barreiras linguísticas e culturais” de um povo, através de uma ação, a produção de um texto, cuja finalidade é a realização do ato comunicativo pretendido pelo TA. Um ato comunicativo que se realiza, todavia, na esteira do que se pode ler no TF.

Pensando nessa estreita relação, Hurtado Albir (2001, p. 41)Hurtado Albir, A. (2001). Traducción y Traductología: introducción a la Traductología. Cátedra. considera a tradução como um “processo interpretativo e comunicativo” que se realiza na “reformulação de um texto por meio de outra língua que se desenvolve em um contexto social e com uma finalidade determinada”.

2.1 Tradução pedagógica

Como anunciamos, o uso da tradução está relacionado às metodologias no ensino de línguas (Hurtado Albir, 2001Hurtado Albir, A. (2001). Traducción y Traductología: introducción a la Traductología. Cátedra.). Nessa perspectiva, a tradução pedagógica, para Hurtado Albir (2001, p. 55)Hurtado Albir, A. (2001). Traducción y Traductología: introducción a la Traductología. Cátedra., compreende a utilização da tradução de textos na didática de línguas, cujo objetivo da tradução é essencialmente um aperfeiçoamento linguístico. Conforme a autora, a tradução pedagógica é atualmente um campo aberto de investigação, dada a conveniência no avanço de novas aplicações em diferentes contextos educativos, sobretudo quando se recolhe e confronta resultados que validem a sua aplicação (Hurtado Albir, 2001Hurtado Albir, A. (2001). Traducción y Traductología: introducción a la Traductología. Cátedra., p. 55). Ainda, consoante Hurtado Albir (2001, p. 15)Hurtado Albir, A. (2001). Traducción y Traductología: introducción a la Traductología. Cátedra., são utilizadas duas estratégias no processo de aprendizagem de língua: a tradução interiorizada, uma “confrontação espontânea com a língua materna”, em comparação com a LE; e a tradução explicativa, ligada ao “uso deliberado e pontual da tradução para acessar a uma unidade de outra língua”.

Nord (2016)Nord, C. (2016). Análise textual em tradução: bases teóricas, métodos e aplicação didática. (M. E. Zipser, Trad.). Rafael Copetti Editor. defende ser necessária a diferenciação entre a tradução desenvolvida na didática das línguas e a tradução voltada para a formação de tradutores. Se, por um lado, tem-se a tradução voltada para o processo de formação de profissionais tradutores, do outro, tem-se o uso da tradução no processo de aprendizagem de uma LE. Essa metodologia responde a diferentes finalidades: a verificação da compreensão textual entre as línguas envolvidas, a aquisição de um melhor desempenho na língua que está sendo aprendida, além da utilização de habilidades técnicas.

Para Nord (2016)Nord, C. (2016). Análise textual em tradução: bases teóricas, métodos e aplicação didática. (M. E. Zipser, Trad.). Rafael Copetti Editor., a atividade de tradução em ambiente escolar favorece a construção de capacidades cognitivas essenciais para o aprendizado de qualquer LE, além de possibilitar ao aluno um encontro com a alteridade de sua própria LM. Mas, para uma boa execução dessa atividade, professores e alunos devem ter clareza nos objetivos a serem alcançados. Com o objetivo do ensino bem definido, as considerações seguintes acerca da aplicação do modelo de análise textual orientado à tradução podem ser relevantes tanto para o treinamento de tradutores quanto para o ensino de uma LE, sobretudo se as habilidades tradutórias constituírem parte do conteúdo no ensino de línguas (Nord, 2016Nord, C. (2016). Análise textual em tradução: bases teóricas, métodos e aplicação didática. (M. E. Zipser, Trad.). Rafael Copetti Editor., p. 245).

O modelo de análise textual proposto por Nord (2016)Nord, C. (2016). Análise textual em tradução: bases teóricas, métodos e aplicação didática. (M. E. Zipser, Trad.). Rafael Copetti Editor. compreende tanto aspectos intra quanto extratextuais, levando em conta, para tanto, os elementos culturais e comunicativos do TF e do TA, o que objetiva a produção de traduções satisfatórias e funcionais na cultura alvo. Para Nord (2016, p. 16)Nord, C. (2016). Análise textual em tradução: bases teóricas, métodos e aplicação didática. (M. E. Zipser, Trad.). Rafael Copetti Editor., é necessário um modelo de análise do TF que possa ser aplicado a todos os tipos de texto, podendo, assim, ser usado em qualquer tarefa de tradução. Esse modelo visa a habilitação de tradutores para o entendimento da função dos elementos ou das características presentes no TF. Desse modo, o tradutor pode escolher, tendo em mente esse conceito funcional, quais estratégias de tradução são mais adequadas para a finalidade da tradução em que está trabalhando.

Assumindo o exercício de tradução em sala de aula como atividade pedagógica para introduzir os alunos na estrutura de uma LE e, por conseguinte, fazê-lo avançar na compreensão dessa estrutura (e.g., semântica, morfossintática, pragmática, discursiva), os dados aqui em estudo são gerados em uma cena enunciativa que se alinha à metodologia de ensino das línguas que considera significativa a tradução colaborativa.

Pouca atenção tem sido dada ao processo de tradução colaborativa em sala de aula. Considerando a literatura brasileira, destacamos algumas pesquisas, cada uma delas com metodologias diferentes, que demonstram a produtividade da tradução colaborativa. Reis et al. (2018)Reis, F.; Leal, I., & Stallaert, C. (2018). Traduções Colaborativas: o caso das fanfictions. Ilha do Desterro. 71(2), 93–107. http://dx.doi.org/10.5007/2175-8026.2018v71n2p93
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concentram-se na tradução de seriados e livros, disponibilizando-a “em redes sociais como Twitter e Facebook ou em sites de armazenamento em nuvens como Google Drive, Dropbox ou Minhateca” (Reis et al., 2018Reis, F.; Leal, I., & Stallaert, C. (2018). Traduções Colaborativas: o caso das fanfictions. Ilha do Desterro. 71(2), 93–107. http://dx.doi.org/10.5007/2175-8026.2018v71n2p93
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, p. 98). Estudos desenvolvidos por Demétrio (2022)Demétrio, A. P. C. (2022). Tradução colaborativa (TC): uma proposta para o desenvolvimento da produção escrita em aula de espanhol como língua estrangeira (LE). [Tese de Doutorado]. Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/242628
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e O’Brien (2011)O’Brien, S. (2011). Collaborative Translation. In Y. Gambier & L. Doorslaer (Orgs.). Handbook of Translation Studies: volume 2 (pp. 17–20). John Benjamins Publishing Company. analisam as ações realizadas por tradutores em ferramentas como o Google Drive.

Destacamos, também, as pesquisas desenvolvidas pelo grupo de estudos coreanos da Universidade de São Paulo (USP). Em um dos projetos desenvolvidos pelo grupo, foi analisada a potencialidade do dispositivo WhatsApp como recurso para dúvidas, comentários e acréscimos ao texto de alunos que traduzem textos folclóricos coreanos em rede (Im et al., 2021Im, Y. J., Girão, L. C., Guimarães, C., Murari, J., Torelli, L., Brito, M., & Okabayashi, N. (2021). Contos folclóricos coreanos: perspectivas para uma tradução colaborativa no Brasil. Revista de Estudos Orientais, (9), 47–69. https://doi.org/10.11606/issn.2763-650X.i9p47-69
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).

Em estudo desenvolvido na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), privilegiou-se a negociação entre pesquisadores da Pós-Graduação em Estudos da Tradução, nos níveis de mestrado e doutorado. Os participantes, competentes no inglês, o idioma de partida, negociavam as adequações necessárias para o TA. Essas negociações foram gravadas por meio de celular, e os participantes tiveram suas falas transcritas para análise. Foram verificados quais fatores pragmáticos e semânticos interferiram na tomada de decisões para a construção do texto (Guckert, 2019Guckert, F. C. (2019). Tradução colaborativa: análise de três oficinas com pesquisadores de Estudos da Tradução da UFSC. [Dissertação de Mestrado]. Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/211366
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, p. 103).

Nossa pesquisa visa, em larga medida, contribuir com esses estudos, especialmente aqueles que privilegiam a tradução colaborativa em ambiente escolar.

3. A escrita colaborativa e a tradução colaborativa

A proposta de investigação aqui apresentada se alinha às pesquisas desenvolvidas no campo da Didática da Escrita (Fabre, 1990Fabre, C. (1990). Les brouillions d’écoliers ou l’entrée dans l’écriture. Ed. Ceditel/L’Atelier du texte.; Doquet-Lacost, 2011Doquet-Lacost, C. (2011). L’écriture débutant: pratiques scripturales à l’école élémentaire. Presses Universitaires de Rennes.; Calil, 1998Calil, E. (1998). Autoria: a criança e a escrita de histórias inventadas. Editora da UFAL., 2008Calil, E. (2008). Escutar o invisível: escritura & poesia na sala de aula. Editora Unesp., 2016Calil, E. (2016). O sentido das palavras e como eles se relacionam com o texto em curso: estudo sobre comentários semânticos feitos por uma díade de alunas de 7 anos de idade. Alfa: Revista de Linguística, 60(3), 531–555. https://doi.org/10.1590/1981-5794-1612-4
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), especialmente àquelas que mobilizam em sala de aula situações de escrita colaborativa. Nesses estudos, entende-se que a escrita colaborativa é uma situação didática na qual alunos dialogam para construir um único texto, ao contrário da escrita individual, em que normalmente se escreve sozinho e em silêncio. Em situações de escrita colaborativa, a presença do outro pode suscitar um processo de reflexão sobre a linguagem de modo intenso, pois o sujeito é levado a escrever sob os questionamentos próprios e também sob os questionamentos do parceiro. Na escrita a dois (ou mais), a interação demanda negociação e resolução dos problemas concretos que surgem durante a escrita (Calil, 1998Calil, E. (1998). Autoria: a criança e a escrita de histórias inventadas. Editora da UFAL., 2016Calil, E. (2016). O sentido das palavras e como eles se relacionam com o texto em curso: estudo sobre comentários semânticos feitos por uma díade de alunas de 7 anos de idade. Alfa: Revista de Linguística, 60(3), 531–555. https://doi.org/10.1590/1981-5794-1612-4
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, 2017Calil, E. (2017). Rasura oral comentada: definição, funcionamento e tipos em processos de escritura a dois. In C. L. C. Silva; A. Del Ré & M. Cavalcante (Orgs.), A criança na/com a linguagem: saberes em contraponto (pp. 161–192). UFRGS.; Felipeto, 2008Felipeto, C. (2008). Rasura e equívoco no processo de escritura em sala de aula. EDUEL-Ed.; Barbeiro et al., 2022Barbeiro, L. F., Pereira, L. Á., Calil, E., & Cardoso, I. (2022). Termos metalinguísticos e operações de natureza gramatical na escrita colaborativa dos alunos do ensino básico / Metalinguistic terms and grammatical choices in the collaborative writing of primary school students. TEJUELO. Didáctica de la Lengua y la Literatura. Educación, 35(2), 45–76. https://doi.org/10.17398/1988-8430.35.2.45
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; Boré, 2010Boré, C. (2010). Modalités de la fiction dans l’écriture scolaire. L’Harmattan., 2012Boré, C. (2012). Le discours direct dans des écrits fictionnels scolaires: marques et significations. In F. Sitri, S. Branca-Rosoff, C. Doquet, J. Lefebvre & S. Pétillon (Eds.), L’Hétérogène à l’oeuvre dans la langue et les discours. Hommage à Jacqueline Authier-Revuz (pp. 117–134). Editions Lambert-Lucas.; Camps, 2019Camps, A. (2019). La actividad metalingüística en la aprendizaje de la gramática. In A. Leal, F. Oliveira, F. Silva, I. M. Duarte, J. Veloso, P. Silvano & S. V. Rodrigues. (Orgs.), A linguística na formação do professor: das teorias às práticas (pp. 11–22). Universidade do Porto. Faculdade de Letras. https://doi.org/10.21747/978-989-8969-20-0/linga1
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).

As tarefas de escrita colaborativa podem ser favoráveis à aprendizagem porque encorajam os alunos a refletirem sobre a linguagem, pois negociam sobre o que escrever e sobre o como escrever. Ressaltam-se as dúvidas ortográficas, semânticas, gramaticais e sobre o uso dos sinais de pontuação ou acentuação, por exemplo, revelando de que maneira os alunos assimilam o que estão aprendendo e como estão sistematizando esse conhecimento. A escrita colaborativa é, ainda, um processo que revela autonomia e constante planejamento de linguagem, que pode se manifestar em vários domínios da língua (fala, leitura, gramática, texto, discurso) e de diferentes formas, sejam elas no plano fonológico, morfológico, sintático, lexical, semântico, discursivo, textual ou gráfico.

De modo geral, aprendemos a ler, escrever e, também, traduzir com informações explícitas de ensino e em contextos escolares formais, cuja dinâmica, em regra, constitui-se de conteúdo programático para o ano/série e de ação pedagógica do professor (Calil & Myhill, 2020Calil, E., & Myhill, D. (2020). Dialogue, erasure, and spontaneous comments during textual composition: what students’ metalinguistic talk reveals about newly literate writers’ understanding of revision. Linguistics and Education, 60, 1–15. https://doi.org/10.1016/j.linged.2020.100875
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). O conteúdo escolar, comumente, é apresentado ao aluno através de explicações sobre a linguagem. O professor sempre faz uso de atividades metalinguísticas, sendo, através delas, que os alunos aprendem o que é explicitado. Na prática escolar, a escrita colaborativa pode atuar em duas frentes de interesse, sejam elas: a) o desenvolvimento da atividade metalinguística e metacognitiva dos escreventes que, ao dialogar enquanto escrevem, “desenvolve(m) o pensamento metalinguístico” (Myhill & Jones, 2015Myhill, D., & Jones S. (2015). Conceptualizing metalinguistic understanding in writing / Conceptualización de la competencia metalingüística en la escritura. Cultura y Educación, 27(4), 839–867. https://doi.org/10.1080/11356405.2015.1089387
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; Calil & Myhill, 2020Calil, E., & Myhill, D. (2020). Dialogue, erasure, and spontaneous comments during textual composition: what students’ metalinguistic talk reveals about newly literate writers’ understanding of revision. Linguistics and Education, 60, 1–15. https://doi.org/10.1016/j.linged.2020.100875
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; Barbeiro et al., 2022Barbeiro, L. F., Pereira, L. Á., Calil, E., & Cardoso, I. (2022). Termos metalinguísticos e operações de natureza gramatical na escrita colaborativa dos alunos do ensino básico / Metalinguistic terms and grammatical choices in the collaborative writing of primary school students. TEJUELO. Didáctica de la Lengua y la Literatura. Educación, 35(2), 45–76. https://doi.org/10.17398/1988-8430.35.2.45
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); e b) o termômetro didático para o professor que, ao estabelecer em sala de aula uma postura mediadora e reflexiva sobre os fenômenos linguísticos manifestos na escritura em ato, favorece o desenvolvimento sistematizado desses conhecimentos.

Assim como na escrita colaborativa, a tradução colaborativa potencializa as atividades metalinguísticas dos agentes tradutores. Ainda que sendo alunos universitários que já dominam a LM, escrever na própria língua prescinde de atividades meta, ler o texto de LE prescinde de atividades meta, efetivar o movimento de tradução só se pode fazê-lo se atividades metas e múltiplas forem processadas. Dá-se visibilidade a um componente a mais na tradução colaborativa, pois os tradutores dialogam não apenas sobre a LE, mas sobre a sua própria língua, a LM. Assim, o diálogo entre os sujeitos que estão traduzindo se constitui, grosso modo, de um conjunto de dimensões: os saberes sobre a LM, sobre a LE e as possibilidades de semantizar, na LM, o que está dito na LE. Por isso, assumimos, com Humboldt (2010)Humboldt, W. (2010). Introdução a Agamêmnon. (S. K. Lages, Trad.) In W. Heidermann (Org.), Clássicos da Teoria da Tradução: Alemão-Português (pp. 104–119.) Núcleo de Pesquisas em Literatura e Tradução. , que, ao traduzir textos, os alunos aprendem sobre a sua própria língua, tornando-a mais plástica, “aumentando a importância e capacidade expressiva da própria língua” (Humboldt, 2010Humboldt, W. (2010). Introdução a Agamêmnon. (S. K. Lages, Trad.) In W. Heidermann (Org.), Clássicos da Teoria da Tradução: Alemão-Português (pp. 104–119.) Núcleo de Pesquisas em Literatura e Tradução. , p. 105).

O diálogo entre os alunos nos permite observar o que eles “sabem”, o que estão “formalizando” e as dúvidas no que respeita aos assuntos que estão aprendendo. Podemos dizer que temos acesso, ainda que minimamente, à maneira particular como os alunos interiorizaram os conhecimentos apresentados em sala de aula.

3.1. Atividades metalinguísticas e o processo de escrita/tradução colaborativa

A expressão “atividade metalinguística” liga-se diretamente à noção de “metalinguagem”. Todavia, não tratamos aqui da metalinguagem como atividade linguística ligada a um campo específico para a construção de termos técnicos científicos operacionais a um dado objeto. Um exemplo disto é o uso de termos técnicos como “texto fonte” ou “texto alvo”, com os quais nos referimos aos textos em LE e em LM (bem como não nos interessa questionar se melhor seria nomear “agente tradutor” ou “sujeito tradutor”). Não problematizamos, portanto, o alcance ou não destes termos ou a criação de outros, o que seria um objetivo diferente em nosso estudo. A atividade metalinguística que nos interessa é aquela em que, através dos diálogos entre os alunos, podemos observar os conhecimentos assimilados por eles e como esse conhecimento é fator decisivo para o reconhecimento de palavras, desinências morfológicas e sintaxe da LE. Tratam-se das falas de aprendizes, em LM, sobre a estrutura e o vocabulário de uma língua que ainda estão em processo de sistematização. Nesse sentido, damos visibilidade ao modo como os alunos estão sistematizando conhecimentos linguísticos sobre a LE e como anunciam o que já aprenderam de modo espontâneo em exercício de tradução colaborativa.

Tratam-se as atividades metalinguísticas de uma atenção dada à linguagem através de um “monitoramento realizado de modo consciente e da manipulação da linguagem para a criação de sentidos a partir de uma compreensão dos fatos compartilhados” entre os falantes de uma língua (Myhill & Jones, 2015Myhill, D., & Jones S. (2015). Conceptualizing metalinguistic understanding in writing / Conceptualización de la competencia metalingüística en la escritura. Cultura y Educación, 27(4), 839–867. https://doi.org/10.1080/11356405.2015.1089387
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, p. 841). Como o comportamento linguístico é gerido cognitivamente, a metalinguagem é um evento em que o sujeito pensa sobre seu próprio discurso para compor um texto em ato comunicativo, e a aprendizagem sobre elementos específicos relacionados aos gêneros textuais, a depender das tarefas propostas – conteúdos, elementos discursivos, formas linguísticas e textuais. No caso da tradução colaborativa, a atividade metalinguística é agenciada por atividades cognitivas relacionadas às camadas fonológica, lexical, semântica, sintática, pragmática e metatextual (Gombert, 1992Gombert, J. E. (1992). Metalinguistic development. The University of Chicago Press. ) sobre a LE e a LM.

No momento em que os alunos que estão traduzindo o texto latino, por exemplo, e se depararam com a palavra latina “regit”, houve o reconhecimento de que se estaria mediante um “verbo”, dada a desinência número pessoal (it) de “regit”. Imediatamente, foi possível traduzir como a forma verbal “rege” (3ª pessoa do singular do verbo “reger”, em português), dada a semelhança homofônica entre as formas “regit” e “rege”. Os alunos, após discutirem e apresentarem sinônimos para o verbo “reger” em português, a exemplo de “comandar”, “controlar”, “dominar”, dentre outros, elegeram o verbo “governar” como possível tradução para “regit”. O movimento é, no mínimo curioso, pois de “regit” a “governar”, uma análise aí se impõe, para usarmos os termos de Mahrer (2021, p. 258)Mahrer, R. (2021). Para uma linguística da produção escrita: alguns pré-requisitos teóricos / Pour une linguistique de la production écrite: quelques préalables théoriques. (M. H. A. Lima, & C. L. Pinheiro, Trad.). Revista Letras Raras, 10(1), 243–259. https://doi.org10.5281/zenodo.102623999
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, “é a da passagem [...] entre o que vem primeiro (o disponível) e o que vem a seguir (o mais caro, o mais “inventado”) e a análise também desse caminho: o que é inventado entre as duas formas e como a primeira forma ajuda a descobrir a segunda”. Não se trata, para nós, de uma “adequação” na linguagem para que o enunciado fique melhor dito em uma língua, mas de como os sujeitos se identificam mais com uma palavra do que com outra. Há subjetividade e identidade (discursiva, social, histórica etc.) nessas escolhas.

Ainda podemos destacar que o reconhecimento de “regit” como verbo também acena para o conhecimento da sintaxe do latim, em cujos enunciados os verbos apresentam-se no final das orações ou frases. Todo esse processo, em larga medida, é aprendido em sala de aula, pelas informações que o professor oferece. Ou, como podemos dizer, pelas atividades metalinguísticas elaboradas pelo professor sobre a LE que está ensinando. Traduzir requer um nível elevado de abstração e elaboração exigido no processamento cognitivo, de modo que o desenvolvimento metalinguístico parece ser de importância primordial na execução de tarefas dessa natureza.

Os contextos colaborativos de tradução e escrita fornecem aos professores uma janela sobre o pensamento metalinguístico dos sujeitos que estão executando uma tarefa escolar, que nem sempre pode ser discernida quando se olha para a produção final. O diálogo entre os alunos pode ajudá-los na tomada de decisão sobre o texto. Os professores, por sua vez, podem pensar mais sobre como suas tarefas e interações ajudam os alunos a pensar metalinguisticamente sobre uma língua, nos seus diferentes níveis de organização, e sobre a sua utilização em ligação a diferentes contextos e objetivos sociocomunicativos.

4. Metodologia: protocolo de coleta e exposição dos dados

Para a realização da coleta dos dados analíticos, utilizou-se o Sistema Ramos (SR), desenvolvido pelo Laboratório do Manuscrito Escolar (LAME/UFAL), fundado e coordenado pelo professor Eduardo Calil. O referido sistema é uma ferramenta de captura multimodal, constituída por diferentes mídias: microfone, câmera, gravador e caneta de registro da escrita em tempo real (Calil, 2020Calil, E., & Myhill, D. (2020). Dialogue, erasure, and spontaneous comments during textual composition: what students’ metalinguistic talk reveals about newly literate writers’ understanding of revision. Linguistics and Education, 60, 1–15. https://doi.org/10.1016/j.linged.2020.100875
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). A sincronização dessas mídias permite acesso a toda cena enunciativa, conforme descrito na Figura 1. Na figura 2, temos a disposição das mídias no filme-sincronizado pelo Sistema Ramos.

Figura 1
Captura de tela do filme-sincronizado da díade 01
Figura 2
Disposição das mídias no filme-sincronizado pelo SR

Os alunos utilizam uma caneta inteligente de modelo Livescribe Echo 2GB, com aplicativo HandSpy e uma folha A4 com micropontos impressos, de modo que os movimentos de escrita registrados nessa folha possam ser analisados (Calil, 2020Calil, E. (2020). Sistema Ramos: método para captura multimodal de processos de escritura a dois no tempo e no espaço real da sala de aula. Alfa: Revista de Linguística, 64, 1–29. https://doi.org/10.1590/1981-5794-e11705
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, p. 08). O aplicativo HandSpy grava o filme da escrita, armazenando-o em arquivo XML. Os dados fílmicos “podem ser extraídos com a ajuda do programa data capture tool para um computador com sistema operacional Windows” (Calil, 2020Calil, E., & Myhill, D. (2020). Dialogue, erasure, and spontaneous comments during textual composition: what students’ metalinguistic talk reveals about newly literate writers’ understanding of revision. Linguistics and Education, 60, 1–15. https://doi.org/10.1016/j.linged.2020.100875
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, p. 08). É o uso simultâneo das mídias que permite a captura das dimensões visual, sonora e escritural (Calil, 2020Calil, E., & Myhill, D. (2020). Dialogue, erasure, and spontaneous comments during textual composition: what students’ metalinguistic talk reveals about newly literate writers’ understanding of revision. Linguistics and Education, 60, 1–15. https://doi.org/10.1016/j.linged.2020.100875
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). Com o SR visibiliza-se o modo como os alunos negociam, em situação dialogal, o que pode, deve ou não entrar no TA e a negociação dos saberes adquiridos na aquisição da LE e que envolve a construção do texto em LM.

Na execução da atividade, foi definido qual aluno de cada dupla assumiria o papel de “escrevente”. Na transcrição dos dados, que serão apresentados na seção de análise, o aluno identificado por letra seguida de asterisco (*), F*, por exemplo, corresponde ao aluno-tradutor que está escrevendo o texto. Definidos os alunos escreventes e os não escreventes, a professora da disciplina Introdução à Língua Latina distribuiu e leu o texto escrito em latim. Nesse momento, ainda sem ter acesso à caneta Livescribe Echo 2GB, os alunos procediam com anotações no TF.

Na apresentação dos dados analisados, mantemos um padrão para nos referir a eles, em conformidade com orientações do Laboratório do Manuscrito Escolar (LAME). Assim, nas codificações “LE_2019-2_NE_D1_1” e “LE_2019-2_NE_D2_1”, temos as transcrições dos diálogos das díades 01 e 02, respectivamente. As informações compreendidas na nomeação dos arquivos são: LE = curso correspondente (Letras Espanhol); 2019-2 = ano da disciplina e semestre correspondentes; NE = título do texto a ser traduzido (“Narcissus et Echo”); D1/D2 = número da díade; 1 = número da versão da transcrição. Para a exposição dos excertos dos textos dialogais, tem-se a numeração do turno de fala do material gravado e transcrito, o tempo da gravação em que se encontra o respectivo turno e a letra que representa o aluno, a exemplo de “147. [12:50] J”. Mantemos o padrão de uniformização da transcrição, com sinais que fazem referência a pausas de até dois segundos (...), pausas mais longas (: e :::) e interposição de falas (∟).

4.1 Sobre os dados

Os dados analisados fazem parte do corpus do Projeto Tradução Colaborativa em sala de aula (TRAÇO), executado e coordenado pela professora Maria Hozanete Alves de Lima, cujo objetivo é conduzir os estudantes à compreensão do funcionamento da língua por meio de um domínio básico de estruturas linguísticas, de organização da frase, de unidades lexicais explicitadas em sala, da temática do texto a ser traduzido e da comparação estrutural entre a LE e a LM. Os dados analisados foram coletados no período de 2019.2, na disciplina Introdução à Língua Latina, e gerados em um encontro semanal cuja duração total foi de 100 minutos, o que corresponde a 2h/aula semanais na universidade na qual foram coletados.

Na disciplina, a tradução e o processo de tradução constituem uma “unidade de trabalho” que atravessa a disciplina durante todo o semestre letivo. O texto traduzido, entregue à professora, retorna aos alunos para que sejam discutidas as dificuldades encontradas, revisitados os conhecimentos essenciais à compreensão do TF e explorados novos sentidos e possibilidades de dizer.

Tratam-se os dados do processo de tradução colaborativa de duas díades sobre o texto latino “Narcissus et Echo”4 4 Traduzido, na língua portuguesa, como “Narciso e Eco”. , em cujas análises preliminares, pode-se dar visibilidade a atividades metalinguísticas substantivadas através de um processo de negociação entre os agentes tradutores que dialogam sobre a estrutura e sobre o significado lexical dos termos latinos. Os dados em análise são traduções de textos “facilitados”5 5 Usamos o termo “facilitado” para indicar que os textos não estão em sua versão original, mas são produzidos a partir destes, pois os alunos estão iniciando os estudos da disciplina. Após o estudo e a tradução do texto facilitado, a versão original é apresentada a eles. Estes textos facilitados tomam como ponto de partida o material didático Fabulae Syrae, publicado pelo prof. Dr. Luigi Miraglia (2010). , considerando que os alunos estão tendo um primeiro contato com a estrutura da língua latina. Nesses textos, são lidas narrativas da mitologia greco-latina apresentadas no livro “Metamorphoses”, do poeta romano Publius Ovidius Naso (43 a.C. – 17 ou 18 d.C.). Há dois momentos específicos no tratamento desses dados. Inicialmente, os alunos dialogam sobre o texto e as possibilidades de tradução, após isto, com a caneta em mãos, voltam ao início do texto, mantendo novos diálogos e, dessa vez, escrevendo. Elegemos, para nosso estudo comparativo, o segundo momento, pois é aí que os alunos escrevem suas decisões.

Analisamos duas díades e mostramos como cada uma delas procede na tentativa de atribuir sentidos para o termo latino “statim”, que, na língua latina, integra a classe dos advérbios e pode ser traduzido, em português, com o sentido de “imediatamente”, “de repente” ou “instantaneamente”, denunciando uma ação denotativa de algo imediato, sem demora. O termo não é completamente desconhecido dos alunos, pois, no último exercício de tradução, ele aparece em três momentos em um texto também facilitado que narra a fábula mitológica sobre os personagens “Orpheus et Eurydice”. Quanto à apresentação do termo nos excertos do TF, ele será identificado por um pequeno retângulo vermelho.

5. Análise dos dados

Quando da análise dos dados, observamos que os alunos recorrem à homofonia e à homografia, isto é, à proximidade fonética e gráfica entre palavras. Esse fato é compreensível, pois circulam informações na sala de aula sobre a língua latina como sendo o grande superstrato na formação das línguas românicas, e isso leva os alunos a encontrar correspondências entre os significantes latinos e os significantes de outros idiomas, a exemplo do espanhol, do francês, do italiano e do português. Tomamos como exemplo geral para explicar este fato uma negociação entre os alunos assim que têm acesso ao texto latino, como vemos no fragmento 01:

Fragmento 1

Essa discussão circula em torno da palavra “statim”, vista na linha 4 do texto, como vemos na figura 3:

Figura 3
Primeira ocorrência do “statim” no texto latino “Narcissus et Echo”

O aluno F* associa o “statim” à ideia de imobilidade, relacionando seu significado ao da palavra “parada” (turno 148), “Statim me lembra parada”. Na sequência, ficam expostos os resíduos fônicos e gráficos que há entre os vocábulos “statim” e “estátua”, sendo eles “stat”. Essa questão fica evidente quando F* desdobra seu enunciado, explicando que “parada” seria “tipo ‘estátua’”. A palavra “estátua” sustenta a noção de algo sem movimento, parado, fixo. Por outro lado, J recusa a associação apresentada por F*, justificando uma possível etimologia de estátua no latim (turno 151), “‘Estátua’ não é statum?”. No turno 149, antes de toda a discussão sobre as relações que estavam sendo estabelecidas, J opina sobre o significado “repetiu” que, no momento, parece não ter recebido nenhum tratamento linguístico pelos alunos. Em fragmentos que seguem, portanto, haverá reconhecimento de que “statim” poderá ser verbo. A homofonia e a homografia acabam por se estabelecer como um dos recursos iniciais que movem a leitura tradutória dos alunos.

No fragmento (2) seguinte, quando os alunos já realizaram uma primeira discussão do texto e partem para o momento da produção escrita, as negociações são retomadas, e outras cenas enunciativas movem novas dúvidas, conhecimentos, reconhecimentos, retomadas e avanços. A díade 01 segue o caminho da associação, como exposto no fragmento 02:

Fragmento 2

Na busca por um correspondente homofônico e/ou homográfico, a díade recorre também a outros idiomas, além da sua LM, demonstrando que as discussões no processo de tradução a dois não se resumem exclusivamente ao latim, língua do TF, e ao português, língua do texto meta.

A aluna F* ainda recorre à Língua Inglesa para buscar formas de sentido para o “statim”. Cita, assim, a forma verbal “staring”, dada certa proximidade percebida entre a escrita (ambos se iniciam com o significante “sta”) e, consequentemente, entre os sons de suas produções (ambos introduzidos por uma fricção, promovida pelo ‘s’, seguida de uma oclusão, proporcionada pelo ‘t’). Resgata-se, nessa relação, um correspondente semântico, agora para o termo inglês “staring” que pode significar, na língua portuguesa, “encarar”. Será a decisão tomada, e a forma verbal se inscreve no manuscrito dos alunos, exposto na figura 4:

Figura 4
Recorte do manuscrito da díade 01

Nesse momento, se torna perceptível que as similaridades gráficas e fônicas podem perturbar o sentido do texto, o que leva os alunos a recorrerem a outros estratos linguísticos ou projetarem o que já conhecem (inclusive o que já sabem sobre outras línguas estrangeiras) do texto que estão traduzindo. Desse modo, uma significação pode ser encontrada em outras fontes, isto é, naquilo que os alunos já sabem acerca do mito a ser traduzido, nos seus conhecimentos sobre a estrutura da língua latina, no vocabulário do próprio texto a ser traduzido ou de textos anteriores e, ainda, na própria construção de sentido que estão atribuindo ao TA. Isso é perceptível na segunda ocorrência da palavra “statim” no texto, em que o termo é traduzido como a forma verbal “repetindo”, ou seja, um significante que não possui quaisquer semelhanças, sejam elas fônicas e/ou gráficas com a palavra latina em questão, tampouco com a escolha anterior do termo “encarar”, realizada sob a feição da Língua Inglesa. Observemos, na figura 5, como se presentifica pela segunda vez, na linha 7 do texto, o termo “statim”:

Figura 5
Segunda ocorrência do “statim” no texto latino “Narcissus et Echo”

Os alunos se deparam com algo que parece problemático em relação à decisão tomada anteriormente quanto à natureza morfológica da palavra. Eis o ponto de tensão no fragmento 3:

Fragmento 3

O aluno F* cogita a impossibilidade do termo ser um verbo, visto que o substantivo reconhecido como sujeito, “Echo”, e o suposto verbo, “statim”, estão separados por uma vírgula, ao que anuncia “Olha! Eu acho que não dá pra ser verbo não, hein? Tá separado :: por vírgula”. J, por sua vez, tenta defender o caráter verbal da palavra, justificando que o sistema de pontuação da língua latina não se configura da mesma forma que o da língua portuguesa (turno 682), “Não pensa latim, português… :: Não pensa português, pensa em latim”, ou se apoiando na ideia de que o latim sequer possuía um sistema de pontuação, pois este teria sido inventado tempos depois (turnos 686, 688 e 696), “Mas eles não separavam. Isso foi uma criação pra…”, “pra organizar os textos, :: porque antigamente não existia…”, “Mas isso foi depois, querida. ::: A vírgula foi depois. ::: Lembra que foi…? :: Esqueci o nome da pessoa que criou. :: Foi um grego… ::: que criou os pontos de exclamação”.

Por mais que F* considere, fazendo uso de outras frases no texto como exemplos de que o sujeito de uma oração não pode ser separado do verbo por uma vírgula, J não cede à escuta do colega. Essa discussão é interessante porque nos mostra que os alunos trazem conhecimentos (ainda que incertos, titubeantes) de outras disciplinas que estão cursando. A discussão se prolonga um pouco mais, como descrito no fragmento 4:

Fragmento 4

No turno 698, J pronuncia “dois pontos”, barrando uma possível forma verbal finita e defendendo seu argumento quando, no turno 703, anuncia que vai retirar a vírgula. Na fala de J, no turno 704, há uma tomada de posição, ao que parece, sobre a possibilidade de emendar a vírgula à letra “r”, ao que diz “.: É…:: É só puxar com o r”. Por outro lado, F* não cede aos argumentos do parceiro e insiste (turno 705), dizendo “Será que não é, tipo: ‘Eco, repetindo’... :: Faria mais sentido, não? :: Porque aí dá pra usar a vírgula: ‘Eco, repetindo’”. Como uma resolução final, após essas várias discordâncias entre a díade, os alunos recorrem a uma postura linguística que mantenha a pontuação original do texto latino. A dupla opta pela manutenção do “statim” como um verbo, mas o traduzem como a forma nominal de gerúndio do verbo “repetir”, “repetindo”, sendo justificável para os alunos a existência de uma vírgula entre o sujeito e o predicado verbal, o que não seria possível se o verbo estivesse flexionado, como mostra, na figura 6, a tradução realizada:

Figura 6
Recorte do manuscrito da díade 01

A terceira ocorrência do termo “statim” no texto latino se encontra na linha 25, aqui exposto na figura 7:

Figura 7
Terceira ocorrência do “statim” no texto latino “Narcissus et Echo”

Nesse excerto, os alunos modificam completamente o sentido da palavra “statim”, deixando de lado todas as discussões realizadas até o momento. Vejamos no fragmento a seguir:

Fragmento 5

O termo latino é lido como “ecoou”. Se, por um lado, o caminho parece ser de completo nonsense, dado o abandono de tudo que haviam discutido sobre o referido termo, por outro, no fragmento 2, especificamente no turno 623, J havia afirmado “Ecoou o amor? A Narciso?”. Também no fragmento 4, no turno 699, F* recupera a semanticidade de “ecoou” através do gerúndio “ecoando”, quando anuncia “Eu acho que pode ser:: ‘Eco,: ecoando,’ :: Sei lá!”. No turno 979, J diz “‘Cujo :: o amor :: ecoou’..”, ao que F*, no turno 980, confirma, “‘Ecoou :: pra cima’”. No momento, tudo parecia fazer sentido, haja vista que a discussão está ligada ao fato de Narciso estar de cabeça baixa observando a própria imagem. Ao enunciar, no turno 980, “Ecoou :: pra cima”. :: Ah, é, tipo...,”, F* adiciona o complemento circunstancial “pra cima”, como possível tradução de “accensus est”, observado na linha 26 do texto (vide figura 7). Assim, no manuscrito (figura 8), visualiza-se a decisão tomada pelos alunos:

Figura 8
Recorte do manuscrito da díade 01

Ainda é possível, acreditamos, que haja uma relação entre as palavras “Echo” e “ecoou”, uma vez que os alunos sabem que a personagem apenas repete o final das perguntas de “Narciso”, ou, dizendo de outro modo, “ecoando” parte da fala de “Narciso”.

Veremos, agora, como a díade 02 enfrentou o termo “statim”. Essa díade, diferentemente da díade 01, não recorre, como uma primeira alternativa, à homofonia ou à homografia entre o latim e outra(s) língua(s) para atribuir um significado ao termo. No fragmento 16 6 Por se tratar da díade 02, mantemos a enumeração dos fragmentos, contabilizando a partir do fragmento 1. Quanto às figuras, damos continuidade à enumeração já presente no nosso texto. do texto dialogal da díade 02, lemos as falas sobre o primeiro momento em que os alunos se deparam com o termo.

Fragmento 1

O termo, como percebido, é uma incógnita para os alunos. O fato das palavras “Narcissum” e “statim” terem como desinências “-um” e “-im”, respectivamente, leva os alunos a reconhecê-las como formas no acusativo (em latim, a desinência “m” pode apresentar valor de objeto direto), ainda que os alunos não tenham estudado palavras cuja desinência “im”, com “i” tenha se apresentado como objeto direto. No material didático da disciplina, até o momento da tradução do texto “Narcissus et Echo”, as desinências de acusativo singular estudadas foram “am”, “um” e “em”. Por isso, a palavra “Narcissum” parece ser facilmente identificada como objeto direto da sentença “Statim Echo Narcissum amavit”, nos turnos 97, 99 e 100, “E-... :: ‘Narciso’ ::: Aqui é o objeto direto”, “Amou ele’, né?” e “Aqui é objeto direto”. Com isso, a possibilidade do “statim” ser objeto direto é descartada, apesar da dupla considerar que, em sua composição morfológica, há indícios de marca de acusativo.

Os alunos percebem que o termo “statim” aparece mais vezes no texto a ser traduzido, fazendo-os repensar possíveis significações e prováveis funções sintáticas que o termo pode adquirir, observando seus demais contextos de ocorrência textual, como pode ser visualizado no fragmento 2 do texto dialogal da díade 02:

Fragmento 2

B nota mais ocorrências de “statim” no texto latino e logo descarta a possibilidade do termo ser sujeito, uma vez que “está no acusativo”, como afirma no turno 186, “Sujeito não é, porque ela tá no acusativo”. Todavia, a díade reconhece a estrutura mínima – recorrente também no material didático da disciplina – sendo ela “sujeito/objeto direto/verbo”, presente em “Statim Narcissum amavit” (vide figura 3). O sujeito de terceira pessoa (Eco) estaria assegurado, nessa estrutura, pela desinência do verbo “amavit”. A dupla realiza, portanto, o reconhecimento e a consequente tradução das palavras em função de sujeito (Echo), núcleo do predicado (amavit) e objeto direto (Narcissum). T*, enfim, enuncia como possibilidade para o “statim” uma expressão de valor adverbial, sugerindo, no turno 191, “Será que aqui não é assim: :: ‘de uma primeira vista’ :: ‘ela amou a ele’?”.

Outro momento de tensão se estabelece no momento em que B sugere que “Echo” sempre repete as falas de “Narciso”, o que pode ser observado no próximo fragmento, no turno 196.

Fragmento 3

Nesse momento, há o apagamento do sentido suposto em “de uma primeira vista”, apresentado no turno 191, “Será que aqui não é assim: :: ‘de uma primeira vista’ :: ‘ela amou a ele’?”. Uma ideia nova surge, “statim” é alçado à condição de verbo, “repetiu”, e, imediatamente, de advérbio desse verbo, “repetidamente”. Por outro lado, no turno 199, T* retorna com a possibilidade de um sentido que já havia declarado, “de uma primeira vista”, agora expresso pelo também advérbio “repentinamente”.

O que parecia ser um encontro factível é desfeito, mais uma vez, quando B volta a repensar sobre o sentido da palavra quando se dá conta da segunda disposição do termo “statim”, no turno 202, “Aí aqui ficaria como?”, apontando a localização do termo. No desenrolar das reflexões, há duas atividades metalinguísticas. A primeira se trata do entendimento por T*, no turno 205, de que o termo estaria assumindo funções diferentes, ao que afirma “É, porque… :: aqui, como eles estão :: em funções diferentes”. Argumentando um pouco mais, T* se vale de tudo que já haviam agenciado e fala “Pode. :: Não é? :: Porque aqui (no segundo ‘statim’) a gente tá deduzindo… :: que… :: ele faz uma pergunta, e ela repete o finalzinho da pergunta, né? :: Então é essa repetição (faz gesto com a mão) pa-pa-pa. :: Mas lá em cima (o primeiro ‘statim’) não há nenhuma pergunta, né?”. Na continuidade da discussão, como leremos, no turno 228, do fragmento 4, T* assume a decisão de manter um adjunto adverbial que ela própria havia sugerido.

Fragmento 4

E, assim, vemos, na figura 9, a formalização escrita do que foi decidido oralmente:

Figura 9
Recorte do manuscrito da díade 02

O argumento levantado anteriormente para traduzir “statim” como “respondeu” se oficializa na produção escrita, como vemos no produto escrito, aqui exposto na figura 10:

Figura 10
Recorte do manuscrito da díade 02

Sabendo que, sob essa perspectiva, o termo “statim” ora teria caráter adverbial, ora teria caráter verbal, T* havia proposto que, por estar exercendo funções diferentes, provavelmente por não preceder diálogos, em “Statim Echo Narcissum amavit”, e, depois, por anteceder as respostas da personagem Eco, em “Echo, statim”, é possível que o termo seja traduzido de formas diferentes, como nos mostra suas tentativas de convencer o seu parceiro, nos turnos 205, 207 e 209.

Quanto à última ocorrência do termo no texto latino (vide figura 8), o princípio de que o termo exerce funções diferentes prevalece e veremos como não há negociação direta sobre a possibilidade de sentido. A díade já não fala mais no termo “statim”, o que é bem curioso. O diálogo entre eles, exposto a seguir, não permite uma análise mais contundente.

Fragmento 5

Como é perceptível, a dupla não verbaliza a escolha para a tradução do termo, que parece ser ignorado completamente. Podemos apenas sublinhar que a palavra “próprio” estaria assumindo o sentido de “statim”. Ainda assim, nossa postura seria apagada pelos argumentos incompletos no turno 538, em que B fala, “É, bota, :: que a gente sabe que ele… (T* escreve). ::: Aqui é ‘tanto’, né?”. Ela procura dizer que reconhece “Narciso” ter um amor exagerado por ele próprio. Tal tomada de decisão leva a díade à seguinte inscrição no manuscrito, conforme mostra a figura 11:

Figura 11
Recorte do manuscrito da díade 02

No grupo de análises envolvendo as duas díades, observamos de que maneira os alunos recuperam as palavras já conhecidas, a estrutura da língua que estão em trânsito de aprendizagem e procuram traduzir unidades lexicais ainda desconhecidas. No conjunto das atividades metalinguísticas, um termo a ser traduzido deve ter como escopo final a inserção da palavra na frase e no texto como um todo.

A díade 01, nas três ocorrências do “statim”, traduz o termo como formas verbais. Na primeira ocorrência, como uma forma nominal de infinitivo, “encarar”; na segunda, como uma forma nominal de gerúndio, “repetindo”; e, na terceira, como uma forma finita, “ecoou”.

A díade 02, por sua vez, traduz o “statim”, na primeira ocorrência, como a locução adverbial “à primeira vista”; na segunda, como a forma verbal “respondeu”; e, na última ocorrência, como o adjetivo “próprio”. Assim como faz a díade 01, atribuindo significações diferentes ao mesmo termo, o que, para os alunos, pode ser justificado pelo fato de o “statim” desempenhar funções distintas nos três casos.

É interessante notar que, ao realizar traduções diferentes para as três ocorrências do “statim”, as díades demonstram, em seus percursos, leituras divergentes do TF, que, por sua vez, foram influenciadas não apenas por questões intrínsecas à língua, mas também por aspectos culturais dos alunos. Isso é reforçado pelo desconhecimento da significação do “statim”, dado que as díades não conseguem de imediato recuperar um sentido correspondente na língua portuguesa, como fazem com outros termos latinos já conhecidos. Por isso, são buscadas outras estratégias para que a tradução seja realizada, e, nesse ponto, entram em cena as negociações acerca das correspondências encontradas pelos alunos por meio das diversas maneiras apresentadas.

6. Considerações finais

Observamos que a tradução colaborativa envolve diversas camadas de saber e propicia mais de um caminho para a tradução de um mesmo termo. Isso só é possível de ser observado graças ao texto dialogal, já que é nele que estão presentes as negociações metalinguísticas realizadas pelos alunos acerca do que estão construindo a dois no espaço e no tempo real da sala de aula e que, muitas vezes, não estão explícitos no texto ou, até mesmo, são deixados de fora dele.

Assim, quanto às estratégias utilizadas pelas díades no processo de tradução do termo “statim”, pode-se evidenciar:

  1. a recorrência à homofonia e à homografia entre as línguas;

  2. a identificação de elementos morfológicos essenciais à compreensão do texto latino;

  3. as reflexões sobre as possibilidades semânticas de um termo latino que melhor se apresente para a escrita do texto em LM.

a recorrência à homofonia e à homografia entre as línguas;a identificação de elementos morfológicos essenciais à compreensão do texto latino; as reflexões sobre as possibilidades semânticas de um termo latino que melhor se apresente para a escrita do texto em LM.

Nos dados analisados, ressaltamos que as três recorrências do termo latino no texto foram particularmente significativas para evidenciar que os alunos buscam sentidos diferentes para a mesma palavra, numa clara compreensão de que uma palavra pode apresentar, de acordo com a situação, diferentes sentidos.

Como as díades são constituídas, como mencionado, por estudantes de uma disciplina introdutória à língua latina, os alunos, consequentemente, ainda não possuem conhecimentos suficientes para considerar o domínio da língua do TF, se comparado com o domínio que têm da língua do TA, sua LM. Por essa razão, elementos extralinguísticos também permeiam as discussões entre os alunos, a exemplo do que eles sabem acerca do mito de Narciso e Eco, e são relevantes para que as díades possam chegar, em seus trâmites de negociação, a uma correspondência de sentido.

  • 1
    O termo “escritura”, nessa situação, faz referência à escrita em processo; quando fazemos uso do termo “escrita”, por sua vez, referimo-nos ao texto escrito, produto final.
  • 2
    Para efeito deste trabalho, usaremos indistintamente os termos “produção escrita”, “texto escrito” e “manuscrito” para nos referirmos ao texto escrito que semantiza (ou traduz) o texto alvo.
  • 3
    A questão da “reformulação” que lemos em Hurtado Albir (2001)Hurtado Albir, A. (2001). Traducción y Traductología: introducción a la Traductología. Cátedra. alinha-se, em larga medida, com a de “reenunciação” proposta por Meschonnic (2010)Meschonnic, H. (2010). Poética do traduzir. (J. P. Ferreira, & S. Fenerich, Trad.). Perspectiva..
  • 4
    Traduzido, na língua portuguesa, como “Narciso e Eco”.
  • 5
    Usamos o termo “facilitado” para indicar que os textos não estão em sua versão original, mas são produzidos a partir destes, pois os alunos estão iniciando os estudos da disciplina. Após o estudo e a tradução do texto facilitado, a versão original é apresentada a eles. Estes textos facilitados tomam como ponto de partida o material didático Fabulae Syrae, publicado pelo prof. Dr. Luigi Miraglia (2010)Miraglia, L. (2010). Fabulae Syriae. Edizione Accademia Vivarium Novum..
  • 6
    Por se tratar da díade 02, mantemos a enumeração dos fragmentos, contabilizando a partir do fragmento 1. Quanto às figuras, damos continuidade à enumeração já presente no nosso texto.
  • Conjunto de dados de pesquisa

    Não se aplica.
  • Financiamento

    Esta pesquisa foi financiada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), por meio da concessão de bolsa de Iniciação Científica (PIBIC/UFRN) para o Projeto de Pesquisa PVC16916-2019 – TRADUÇÃO COLABORATIVA EM SALA DE AULA: Estudo de processos de tradução colaborativa realizada por alunos do ensino superior.
  • Consentimento de uso de imagem

    Os autores declaram que foi obtido o consentimento para o uso da imagem neste trabalho.
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa

    Os dados analisados nesta pesquisa foram autorizados pelo Comitê de Ética, sob o seguinte número de processo: 29252919.0.0000.5537.
  • Publisher

    Cadernos de Tradução é uma publicação do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução, da Universidade Federal de Santa Catarina. A revista Cadernos de Tradução é hospedada pelo Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.
  • Revisão de normas técnicas

    Alice S. Rezende – Ingrid Bignardi – João G. P. Silveira – Kamila Oliveira

Declaração de disponibilidade dos dados da pesquisa

Os dados desta pesquisa, que não estão expressos neste trabalho, poderão ser disponibilizados pelo(s) autor(es) mediante solicitação.

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Editado por

Editores de seção

Andréia Guerini – Willian Moura

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2023
  • Aceito
    18 Fev 2024
  • Revisado
    15 Mar 2024
  • Publicado
    Mar 2024
Universidade Federal de Santa Catarina Campus da Universidade Federal de Santa Catarina/Centro de Comunicação e Expressão/Prédio B/Sala 301 - Florianópolis - SC - Brazil
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