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SERUYA, Teresa; JUSTO, José Miranda. Rereading Schleiermacher: Translation Cognition and Culture. Heidelberg: Springer-Verlag, 2016. 323 p.

SERUYA, Teresa; JUSTO, José Miranda. Rereading Schleiermacher: Translation Cognition and Culture. Heidelberg: Springer-Verlag, 2016. 323 p.

O livro que resenhamos é Rereading Schleiermacher: Translation, Cognition and Culture, publicado pela Springer Verlag em 2016. Por ocasião do bicentenário do famoso discurso “On the different methods of translating”, de Schleiermacher, ocorreu uma conferência em Lisboa em 2013 com o seguinte tema: “1813–2013: Two centuries of reading Friedrich Schleiermacher’s seminal text ‘On the different methods of translating’”. O objetivo era proporcionar uma visão mais profunda e ampla das perspectivas do autor. A conferência foi marcada por abordagens de Schleiermacher consideradas relevantes para a contemporaneidade e que envolvem questões teóricas e práticas. Daí a variedade das contribuições presentes neste volume.

A obra está dividida em duas seções. A primeira delas é composta por 10 artigos, que discutem a contextualização e interpretação da palestra de Schleiermacher sobre a abordagem funcionalista e a autoria. A segunda seção reúne 15 artigos, com estudos de caso no campo da tradução literária e da transposição da literatura para o cinema.

O trabalho inicial, “Friedrich Schleiermacher: A Theory of Translation Based on Dialectics” é escrito por José Miranda Justo, um dos organizadores dessa obra. O autor apresenta uma análise das propostas de Schleiermacher a respeito da tradução, a partir de seus cursos de Dialética. Miranda destaca que a Dialética constitui a base das propostas de Schleiermacher a respeito de tradução, e que o tradutor é visto como mediador entre as línguas.

Na sequência, o artigo “Revisiting Schleiermacher on Translation: Musings on a Hermeneutical Mandate”, de Richard Crouter, examina o discurso “Ueber die verschiedenen Methoden des Uebersetzens” sublinhando que Schleirmacher toma como substância de seu trabalho a compreensão hermenêutica e histórica. Crouter apresenta-nos a proposta binária de Schleiermacher e mostra os motivos da de sua preferência por um dos lados da proposta. Schleiermacher defende uma tradução que é ao mesmo tempo familiar e estrangeira, e que captura a beleza. O outro lado da proposta defende o contrário disso, e é rejeitado por Schleiermacher.

Josefine Kitzbichler, em “From Jerome to Schleiermacher? Translation Methods and the Irrationality of Language”, investiga o desenvolvimento histórico da teoria de Schleiermacher. Em um momento, a autora discute as consequências teóricas de sua teoria. Para Kitzbichler, o fato de Schleiermacher ter escrito seu texto em apenas quatro dias deixou margem para ambiguidades. Josefine Kitzbichler afirma também que o título do trabalho do não reflete o conteúdo, visto que restou apenas um método, o que traz o leitor ao autor.

Ana Maria Bernardo, em “Friedrich Schleiermacher’s Legacy to Contemporary Translation Studies”, faz o balanço das contribuições desse estudo para os debates contemporâneos da tradução. Para a autora, o discurso de Schleiermacher promoveu a abertura de novas discussões, além de revelar práticas inovadoras da atividade tradutória. O êxito de sua recepção ocorre em três níveis, com traços inovadores nos aspectos teórico, metodológico e terminológico.

Gys-Walt van Egdom toma Antoine Berman como referência para o seu estudo do texto de Schleiermacher, intitulado “Why Berman Was Wrong for the Right Reason. An Indirect Discussion of the Pivotal Role of Friedrich Schleiermacher in the Ethico-Translational Debate”. Ele indica certas conexões silenciadas com certos conceitos de Heidegger, como “autenticidade” e “inautencidade”.

Em “The Paradoxal Relationship Between Schleiermacher’s Approach and the Functional Translation Theory”, Ayla Akin examina até que ponto as teorias de tradução de H. J. Vermeer se aproximam ou se afastam dos dois métodos de tradução definidos por Schleiermacher. Nesse estudo investigativo, são utilizados tanto o discurso de Schleiermacher quanto sua teoria hermenêutica. Ayla Akin esclarece que seu trabalho é guiado pela comparação entre as ideias de Schleiermacher e as teorias funcionalistas, e em que nível os dois enfoques podem coincidir ou divergir.

Hélène Quiniou, em “From Friedrich Schleiermacher to Homi K. Bhabha: Foreignizing Translation from Above or from Below?”, examina o conceito de hibridismo de Bhabha, que teve como marca referencial as reflexões de Schleiermacher. Para a autora, há elementos de Schleiermacher absorvidos em The Location of Culture (1994), de Bhabha, com a criação de seu conceito pessoal de alteridade. Valendo-se dessas contribuições, Bhabha reconhece nos estudos de Schleiermacher um modelo inicial de hibridismo como forma de estrangeirizar a língua alemã contra a hegemonia francesa, vigente naquele período. O conceito de hibridismo, defendido por Bhabha, tem seu fundamento na identificação da identidade não como uma combinação pronta, mas como uma associação de forças diferentes, de que emerge um terceiro elemento onde se encontram e se transformam mutuamente.

Carla Quinci, em “(Un)Folding the Meaning: Translation Competence and Translation Strategies Compared”, faz um estudo investigativo a respeito dos procedimentos assumidos pelos tradutores novatos paralelamente aos veteranos, segundo as estratégias definidas por Lawrence Venuti como “estrangeirização” e “domesticação”. Quinci analisa o número e o tipo de expansão e redução produzidos por esses diferentes tradutores em diferentes estágios e aponta como hipótese a relação das estratégias de “estrangeirização” e “domesticação” ao suposto nível de competência do tradutor.

Paulo Oliveira projeta em seu artigo “Language Conception and Translation: From the Classic Dichotomy to a Continuum Within the Same Framework” os conselhos advindos de Vermeer e Snell-Hornby de concentrar-se nos tópicos defendidos por Schleiermacher a respeito da linguagem e interpretação seguindo seus dois métodos clássicos de tradução. Ao traçar de maneira contrária o seu trabalho, Paulo Oliveira concentra-se na contribuição das abordagens de Wittgenstein e sua relevância para a teoria contemporânea da tradução. Para Oliveira, as questões propostas por Wittgenstein a respeito da linguagem e tradução são próximas da hermenêutica e da abordagem defendida por Schleiermacher.

Verena Lindemann discute, em “Friedrich Schleiermacher’s Lecture ‘On the Different Methods of Translating’ and the Notion of Authorship in Translation Studies”, a dicotomia da tradução de Schleiermacher e destaca a relação proposta de perceber o texto e o autor como uma associação interpessoal a partir de uma determinada língua. Lindemann percorre os caminhos trilhados por Schleiermacher sobre a compreensão interpessoal e constrói seu texto num tripé, onde são destacados o contexto do autor como criador original, a influência das abordagens de Schleirmacher na teoria da tradução e a discussão da estrangeirização da tradução.

A segunda seção, Metamorphoses, Applications & Transgressions, é iniciada por Teresa SeruyaSeruya, Teresa; Justo, José Miranda. Rereading Schleiermacher: Translation Cognition and Culture. Heidelberg: Springer-Verlag, 2016. 323 p., com “Do People Only Create in Their Mother Tongue? Schleiermacher’s Argument Against the ‘Naturalizing’ Method of Translation, From Today’s Point of View”. Seruya faz uma análise histórica das abordagens defendidas por Schleiermacher e sustenta a ênfase dada por Venuti ao estudo do texto. Ela questiona os conceitos estabelecidos por Schleiermacher sobre a valorização da criação somente em língua materna, o que, em sua opinião, não se encaixa nas sociedades multiculturais dos nossos tempos.

Valendo-se do conceito de tradução proposto por Schleiermacher, Dagmar von Hoff, em “Der hermeneutische Akt des Übersetzens Schleiermacher und die Literaturverfilmung”, busca investigar a aplicabilidade dos conceitos schleiermacherianos às adaptações fílmicas, usando como corpus Morte em Veneza.

Ester Duarte investiga, em seu artigo “Translating Schleiermacher on Translation: Towards a Language-Internal Enlargement of the Target Language”, a prática do traduzir do texto de Schleiermacher “Über die verschiedenenen Methoden des Übersetzens” para o dinamarquês, destacando como este pôde contribuir para a expansão da língua-alvo.

Isabelle C. Chou, Victoria L. C. Lei, Defeng Liee Yuanjian He no artigo “Translational Ethics from a Cognitive Perspective: A Corpus-Assisted Study on Multiple English-Chinese Translations” analisam como as práticas tradutórias da neutralização, estrangeirização e domesticação se relacionam com o processo tradutório inglês-chinês a partir de um seguimento cognitivo construído em quatro fases: revisão e classificação dos itens específicos, divisão e encaminhamento desses itens à prática, análise teórica desses dados e, por fim, uma verificação do corpus bilíngue com a exposição de várias traduções chinesas.

Katarzyna Szyma?ska, em “How Translations Function: Illusion and Disillusion”, examina algumas conceitualizações e dicotomias atuais derivadas da proposta de Schleiermacher. Para isso, a autora analisa a visão da tradução como substituição em oposição à contiguidade, partindo dos modos denominados “metafóricos” e “metonímicos” e prosseguindo com “miméticos” e “anti-miméticos”.

Jorge Almeida e Pinho problematiza, em “Translators and Publishers: Friends or Foes?”, o distanciamento das estratégias de estrangeirização pelos tradutores portugueses. A partir da experiência investigativa feita em 2008 com 20% das editoras portuguesas, Pinho afirma que os procedimentos defendidos por Venuti e Schleiermacher não são partilhados pelos tradutores; a estes são destinados padrões editoriais a serem seguidos. Essas condições acabam por relegar o papel do tradutor à estratégia denominada por Venuti de “domesticação”.

Alexandra Lopes, em “Je Suis un Autre: Notes on Migration, Metamorphosis and Self-translation”, discute as abordagens de Schleiermacher à luz da discussão das sinuosidades da autotradução. Como suporte, Lopes utiliza a obra de Losa, Sob Céus Estranhos [Under Strange Skies] para ilustrar a proposta de Schleiermacher e as oposições entre homem e linguagem, identidade e alteridade.

Gabriel Moyal aborda, em “Translating and Resisting Anglomania in Post- revolutionary France: English to French Translations in the Period 1814–1848”, questões de confronto percebidas nas traduções neste período na França, tomando como fonte o periódico Revue britannique (1825–1901) e associando a atitude dos tradutores franceses a uma aproximação das ideias de Scheliermacher.

Servindo-se do conceito de transcriação, Anna Ponomareva analisa, em “Vikram Seth’s Golden Gate as a Transcreation of Alexander Pushkin’s Eugene Onegin”, a possibilidade de reconhecimento dessa concepção de tradução a partir de desafios domesticadores e estrangeirizadores na recriação do original.

Geraldine Brodie, em “‘It’s Deeper Than That’: Manifestations of Schleiermacher in Martin Crimp’s Writing and Translation for Theater”, analisa os sinais de como o autor, Crimp, desenvolveu práticas translacionais em suas peças teatrais influenciadas pelo método defendido por Schleiermacher de mover o leitor até o autor.

Zsuzsanna Csikai destaca, em “Domestication as a Mode of Cultural Resistance: Irish-English Translations of Chekhov”, um viés discursivo incomum a respeito da domesticação como método de tradução vinculado à subordinação cultural. Para a autora, que utiliza traduções russas para o inglês irlandês nas obras de Chekhov Three Sisters (1980) e Uncle Vanya (1998) realizadas por Brian Friel, esse vai ser justamente o aspecto realçado nas traduções. Nesse contexto, seu propósito está ligado a autonomia cultural de uma cultura pós-colonial e são evidenciadas na observação de técnicas textuais em diferentes níveis das peças de teatro.

Rita Filanti faz uma análise distinta em “Is the Politics of Resistance (Un)Translatable? Translating James M. Cain in Fascist Italy”, sobre as escolhas tradutórias de Ada Prospero’s (1940 ca.) e Giorgio Bassani’s (1945), nas versões italianas do romance americano The Postman Always Rings Twice (1934). O contexto evocado pelos tradutores é de repressão cultural e de violência na Itália fascista.

Beatriz Maria Rodríguez Rodríguez, em “Translating into Galician, A Minor Language: A Challenge for Literary Translators”, toma como ponto central de sua discussão no artigo a análise exploratória de semelhanças e diferenças entre a tradução para o espanhol e para o galego, com foco no conceito de estrangeirização, conceito defendido por Venuti e inspirado em Schleiermacher.

Martina Ožbot compara, em “Foreignization and Domestication: A View from the Periphery”, valores atribuídos aos conceitos de domesticação e estrangeirização nas traduções da literatura eslovena para línguas estrangeiras e de línguas estrangeiras para o esloveno. Ožbot identifica diferenças nessa prática identificando na cultura eslovena o consentimento à estrangeirização em suas traduções, ao passo que as culturas centrais traduzem os textos eslovenos usando procedimentos de domesticação.

Adriana Şerban e Larisa Cercel discorrem sobre identidade e alteridade, termos usados por Schleiermacher e os trazem à tona em “Creativity and Alterity in Film Translation: A Return to Schleiermacher’s Hermeneutics”, numa proposta revitalizadora de conectá-los ao uso de legendagem de filmes. A autora faz uso do filme romeno The Death of Mr. Lazarescu, legendado para o francês e inglês, para ilustrar as propostas desafiantes enfrentadas pelo tradutor, numa mistura de convenção doméstica e criatividade. Considerando a extensão e a multiplicidade de temas discutidos nessa obra, podemos acreditar que este livro será lido com proveito por tradutores e estudiosos da tradução.

Referências

  • Seruya, Teresa; Justo, José Miranda. Rereading Schleiermacher: Translation Cognition and Culture Heidelberg: Springer-Verlag, 2016. 323 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2021
  • Aceito
    08 Dez 2021
  • Publicado
    Fev 2022
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