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Galindo, Caetano W.; Costa, Walter Carlos. Paulo Henriques Britto: Entrevista. Curitiba: Medusa, 2019. 168 p.

Galindo, Caetano W; Costa, Walter Carlos. Paulo Henriques Britto: Entrevista. Curitiba: Medusa, 2019. 168 p.

A coleção “Palavra de Tradutor”, idealizada e coordenada por Andréia Guerini, Dirce Waltrick do Amarante, Karine Simoni, Sergio Medeiros e Walter Carlos Costa, é um projeto do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina e tem como objetivo principal publicar livros com entrevistas a tradutores brasileiros e estrangeiros, responsáveis por fazer circular autores e obras em diferentes contextos.

O livro aqui analisado é o da entrevista com Paulo Henriques Britto, realizado por Walter Carlos Costa e Caetano GalindoGalindo, Caetano W.; Costa, Walter Carlos. Paulo Henriques Britto: Entrevista. Curitiba: Medusa, 2019. 168 p. e está dividido em sete seções. Na primeira, “Apresentação”, temos a biografia do tradutor destacando sua vida pessoal e acadêmica. A segunda parte, “Entrevista”, é o cerne da obra, pois é nessa parte que emerge a visão teórica e prática do tradutor. A “Cronologia” das obras do tradutor e autor é trazida na terceira parte seguida de algumas “Amostras de Tradução” e um “Depoimento” de seu encontro com Antonio Carlos Viana. Um ponto de destaque diz respeito à seção “Textos Teóricos” haja vista que Britto é também teórico dos Estudos da Tradução. Por fim, a sétima e última seção compreende o “Apêndice” com informações do processo de (trans)criação de do tradutor/autor.

Segundo os entrevistadores, Paulo Henriques Britto é:

[...] um dos maiores formadores de tradutores do país, trabalhando há quase quarenta anos no curso de tradução da PUC-Rio e, em nível de pós-graduação, lecionando e orientando na área há mais de quinze anos. [...] um criador que também é pesquisador; um professor que é também tradutor em ritmo editorial acelerado. (9)

Vale destacar que Paulo Henriques Britto publicou sete livros de poesia e um livro de ficção intitulado Paraísos artificiais (2004) e já traduziu mais de 110 livros de autores consagrados como Elizabeth Bishop, Emily Dickinson, Wallace Stevens, Byron, Richard Price, Philip Roth, William Faulkner, Thomas Pynchon e outros. Embora Paulo Henriques Brito tenha grande facilidade em transitar entre a prosa e a poesia, fica claro, na entrevista, que o seu prazer maior se encontra na (trans)criação de poesia.

Ao longo da entrevista, Paulo Henriques Britto enfatiza que seu processo de leitura e de tradução influenciou diretamente no seu modo de escrita e criação tanto ensaístico quanto ficcional. Por meio dessa leitura atenta se desdobra o pensamento crítico que, por sua vez, desencadeia na função ideológica do tradutor. Nesse quesito, afirma:

[...] a função do tradutor, como já afirmei, é fazer um pastiche do original - e idealmente deve ser um pastiche tão bem feito que o leitor tenha a nítida impressão de estar lendo aquele texto original, que para ele é inacessível. Então, a rigor, no momento da tradução o tradutor não deve chamar a atenção para si próprio. Agora, principalmente no caso de obras complexas, ou muito afastadas da realidade do leitor em termos de tempo ou espaço, ou de ambos, nada impede que o tradutor capriche nos paratextos; este é o seu lugar de aparecer. [...] faço questão de não ser invisível. Mas no texto traduzido, em si, tenho a obrigação ética de tentar ser o mais transparente possível. (36)

Em alguns momentos da entrevista, Paulo Henriques Britto menciona que nos livros teóricos que escreveu tinha o intuito de defender sua ideologia enquanto tradutor. Inclusive, coloca-se a favor da ideia de “fidelidade” criticada por muitos teóricos do campo dos Estudos do Tradução.

Ele pontua gostar do trabalho prático que engloba a tarefa do tradutor e se esforça ao máximo para reproduzir aspectos estilísticos do texto de partida:

Na tradução, gosto de me debruçar sobre coisas bem pé na terra: como reproduzir o efeito de oralidade nos diálogos em obras ficcionais; como recriar em português os esquemas métricos do inglês; essas coisas. Então o que mais me interessa é usar a teoria para contribuir para o trabalho prático de tradução literária, e para a formação de tradutores literários. (38)

Paulo Henriques Britto considera ainda que há elementos que são imprescindíveis durante o processo tradutório a fim de caracterizar a estilística de um autor específico. Desse modo, ele busca reproduzir características de facetas e personas do texto de partida no texto de chegada.

Ao final da seção de entrevista, Paulo Henriques Britto traz à tona uma temática instigante no que tange à relação entre tradutor e autor traduzido. Nessa parte, ele demonstra que essas relações não são lineares, pois há autores que agem com presteza enquanto outros podem até dificultar os caminhos. Quanto a isso, ele aborda brevemente que certos autores se consideram “infalíveis”, isto é, acreditam que não sucumbem a erros o que ele discorda totalmente ao dar um exemplo em que uma autora renomada “cochilou” em seu texto “ - todo mundo cochila; para dar um exemplo apenas, onde ela claramente estava falando do perimeter de um terreno ela escreveu parameter. E eu sabia que para um escritor um erro num texto não é uma coisa sem importância.” (59)

No entanto, mesmo com essas divergências entre autores e o tradutor, Paulo Henriques Britto não deixa de ler ou de apreciar os autores que traduz e admira. Ele diz não misturar a relação profissional e a pessoal, aquela que o motiva a continuar lendo e realizando traduções de determinados autores, apesar de considerá-los, por vezes, difíceis de lidar.

Outra parte do livro que gostaríamos de destacar é a intitulada “A Difícil Vida Fácil do Tradutor”, na qual Paulo Henriques Britto faz um cotejo entre o trabalho do tradutor e outras profissões. Dentre os aspectos relevantes, ele discute a dificuldade encontrada no ato de traduzir em si, bem como o modo que essa profissão é vista pela sociedade, ou seja, uma atividade comum e inferior ao texto produzido pelo autor. Ao mesmo tempo, ele evoca a questão do tradutor como traidor e discorre sobre o assunto, relembrando os três momentos em que o tradutor é acusado de cometer traições:

A primeira seria em relação à obra em si, por apresentá-la ao leitor incauto numa versão descaracterizada, fatalmente eivada de erros, e – por mais cuidadoso que seja o tradutor – despida justamente daqueles elementos imponderáveis, intrínsecos ao gênio do idioma original, que não resistem à violência do empreendimento tradutório. A segunda traição diria respeito ao idioma para o qual a obra é vertida, já que, ao transportar um texto alienígena para o idioma nacional, o tradutor está corrompendo sua própria língua, nela introduzindo estrangeirismos e maneirismos próprios do idioma original. Por fim, o tradutor está também prejudicando o desenvolvimento de sua literatura nacional, implantando nela modelos exóticos que certamente serão copiados pelos escritores locais, desvirtuando a pureza da nossa literatura; e – pior ainda – lançando no mercado um produto estrangeiro que vai competir com o produto genuinamente nacional. (128)

Por fim, nessa seção, Paulo Henriques Britto comenta a relação entre os críticos e a tradução. No seu ponto de vista, já que a tradução é concebida pela sociedade como uma atividade irrelevante, ou um trabalho executado por aqueles que não possuem uma profissão específica, o mesmo ocorre quando é avaliada por um crítico. Ao emitir um juízo de um autor específico ou de uma obra com alto grau de literalidade, o crítico literário se debruça em apontar todas as qualidades presentes, porém, quando se trata de comentar sobre a tradução, ele apresenta apenas críticas negativas, ou seja, menciona possíveis problemas de tradução. Assim, não se leva em conta a seriedade contida no ato de traduzir e que a leitura de determinado material só ocorre devido ao tradutor. Sobre esse assunto, ele argumenta:

Reconheço, também, que por sua própria natureza o trabalho do tradutor, como o da cerzideira, tem como meta uma certa invisibilidade: o texto idealmente bem traduzido, pode se argumentar, deveria dar a impressão de ter sido redigido originariamente no idioma que lemos. É compreensível, pois, que leitor tenda a só perceber o trabalho do tradutor quando ele se torna um empecilho à leitura. Mas do crítico devemos exigir mais. Ele tem obrigação de saber o quanto é difícil, na verdade, o ofício do tradutor; de não repetir, ainda que inconscientemente, os preconceitos do leitor ingênuo. (131)

A partir do trecho acima, podemos perceber que são diversas as relações entremeadas no âmbito do fazer tradutório. Contudo, não se pode desconsiderar que todos os elementos que circundam esse ofício são necessários e válidos para que o tradutor possa alcançar seu objetivo além de propagar as ideias apresentadas no material que por ele foi traduzido.

Para finalizar, podemos dizer que o livro dá voz e visibilidade a um importante tradutor brasileiro que aborda temáticas sobre aspectos teóricos e práticos da tradução, mas também sobre criação/escrita autoral. Por isso, essa obra é útil aos pesquisadores da área dos Estudos da Tradução, mas também àqueles interessados em Estudos Literários e Estudos Literários Comparados.

  • Financiamento CAPES.

Referências

  • Galindo, Caetano W.; Costa, Walter Carlos. Paulo Henriques Britto: Entrevista Curitiba: Medusa, 2019. 168 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2020
  • Aceito
    10 Jul 2020
  • Publicado
    Set 2020
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