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Cavagnoli, Franca. La voce del testo. L’arte e il mestiere di tradurre. Milano: Feltrinelli, 2012, 199 p.

Cavagnoli, Franca. La voce del testo. L’arte e il mestiere di tradurre. Milano: Feltrinelli, 2012. 199

Franca Cavagnoli, pesquisadora da Università degli Studi di Milano, traz em La voce del testo uma série de reflexões e experiências em tradução, apontando a extenuante, mas necessária discussão de teoria versus prática. Para a autora, ler, traduzir e revisar são os três principais momentos que fazem da tradução uma arte, por isso divide o livro da mesma maneira.

Na condição de tradutora de língua inglesa para o italiano, Cavagnoli elegeu a narrativa contemporânea em inglês o corpus que norteará todas as análises. Empenhou-se, contudo, em propor escritores oriundos de diferentes países anglófonos, abordando desde os clássicos até a literatura de consumo. Apesar da divisão entre ler, traduzir e revisar, encontraremos, no decorrer de todo o volume, exemplos práticos de como mediar um ato tradutório, uma vez que a ação passa por exigências que partem do autor ao leitor, do editor ao tradutor, entre outras combinações.

O primeiro capítulo, “Ler”, revela as convicções da autora sobre as implicações da leitura responsável, visto que a imagem formada na mente do leitor (neste caso, também tradutor) não será necessariamente aquela resultante da mente do autor. Para a pesquisadora não há leitura neutra e quem traduz deve estar pronto a escolher e a negociar (p. 18). Justamente por esse motivo, a ligação autor/tradutor deverá ser requisito tão considerado quanto possuir pleno conhecimento das línguas e culturas trabalhadas.

Consecutivamente, será preciso encontrar a chave que move a tradução do conto, ou do romance: o fator dominante, aquele que identifica o objetivo maior da tradução. Guiada pela teoria de Jakobson de que o fator dominante determina, governa e transforma os demais elementos do texto, escolhe um clássico de Joyce, The Dead (1914) e uma narrativa despretensiosa de Maggie Shayne, Twilight illusions (2007) para acompanhar o tradutor neste reconhecimento. Defendendo a ideia de que é preciso levar em conta todo o aparato cultural de uma nação para que se esteja em condições de imergir profundamente em um texto e então fazer sua análise sistêmica, Cavagnoli confrontará traduções em inglês da Austrália e da África do Sul, abordando temas como os conflitos oriundos da constante moderação das escolhas do tradutor. As análises da autora oportunizam ao leitor/tradutor resgatar o próprio trabalho e refletir sobre como a busca pelo fator dominante pode diversificar suas escolhas enquanto profissional de tradução. Um previsível, porém, relevante paralelo entre as teorias de Schleiermacher e Venuti fechará o capítulo dedicado à leitura.

Ao levar em conta que o processo tradutório está constantemente envolvido com as especificidades de cada gênero literário, a subdivisão do capítulo seguinte, “Traduzir”, trará cinco classificações de narrativa: contemporânea, experimental, de consumo, infanto-juvenil e dos clássicos, além dos instrumentos de trabalho utilizados nas diferentes situações. No que concerne à narrativa contemporânea, a autora revelará as implicâncias de se traduzir da língua inglesa escritores que são referência em estilo como Coetzee e Naipaul. Neste caminho, trabalhará a importância de considerar não somente o que o autor escreveu, mas também “como” escreveu, explorando a complexa decisão de aumentar ou diminuir um registro narrativo na língua de chegada a fim de se aproximar do estilo de um autor. Cavagnoli discutirá também o que denomina “aderência ao autor”. Para tanto escolherá o inglês da ilha caribenha de Antígua através da literatura de Kincaid, cuja prosa se diferencia pela singular musicalidade, e o inglês australiano de Malouf, peculiar pela mudança de ritmo narrativo dentro da mesma obra. Essa interessante contraposição permitirá ao leitor revisitar teorias como a dos polissistemas de Even-Zohar, ou a das tendências deformantes de Bermam e a da semiótica de Eco.

Adentrando no mundo da narrativa experimental e apoiandose, justamente, em Eco, a autora explora a célebre expressão de que ao tradutor é permitido “dizer quase a mesma coisa”, todavia quão elástico deveria ser esse “quase”? Para revelar tais implicações, especialmente quando lidamos com textos que reproduzem oralidade, questão ainda complexa nos estudos da tradução, Cavagnoli explica sua versão italiana de The Catcher in the Rye (1951), de Salinger. A escolha, além de tratar da pluralidade de diálogos, proporciona o desafio de situar o leitor no tempo com o intuito de manter verossímil o fluxo narrativo. Para a estudiosa, traduzir a voz de um narrador forte como o Holden de Salinger é ainda mais árduo quando a isso soma-se o fato de a obra estar combinada com dialeto. Contudo, se vernáculo e dialeto enfrentam a língua escrita, suas contribuições permanecem vitais para a prosa literária do século XX. Partindo deste axioma, a autora apresenta dois caminhos para a tradução de The Adventures of Huckleberry Finn (Twain, 1884). Ao estabelecer esse duplo percurso, ultrapassa os dilemas linguísticos do tradutor, apontando também questões do mercado editorial, muitas vezes quase tão influentes em uma tradução do que a própria obra e autor e com o qual divergir é “un atto di coraggio” (p. 84).

Grande destaque é dado à narrativa de consumo, cujo leitor, ainda que desejoso de praticidade, possui exigências precisas. Para esse público o autor é mais do que um escritor, é um entertainement e como tal deve possuir grandes habilidades técnicas, de modo a organizar e articular sua trama. Cavagnoli analisará de perto quais são as principais técnicas usadas pelos tradutores de literatura comercial, debatendo sobre diferentes versões para traduções de Stephen King, Danielle Steel e Ken Follett em seus maiores romances publicados. Curiosa é a forma como a autora revela os bastidores de um processo de tradução desse tipo de narrativa, como, por exemplo: manter o corpus traduzido do mesmo tamanho do que o original (tarefa árdua quando frases em italiano são cerca de vinte por cento mais longas do que em inglês), em que momento fazer cortes, como tratar diálogos de acordo com a faixa etária do leitor, quando fazer uso de notas, quais estratégias usar em relação ao registro e até mesmo quando considerar que um texto deva ser editado a ponto de não parecer traduzido, mas reescrito.

Já na esfera infanto-juvenil, a autora inicia sua análise propondo questões ainda pouco exploradas nos estudos da tradução: a ação da ilustração como agente limitador no trabalho do tradutor e o conceito de que para cada idade existe uma propriedade lexical a ser considerada. No contexto adolescente, um tema delicado que atinge falantes (e, consequentemente, leitores) é abordado: a supressão do subjuntivo, realidade ainda preocupante no cenário linguístico italiano. Além disso, há o fator “censura escolar”, que dispensa narrativas com palavrões, ou indicativos de baixo calão, não obstante o público adolescente pretenda linguagens reais, com as quais possa se identificar. Mas, afinal, existiria um modelo pedagógico ideal capaz de nortear o trabalho de um tradutor infanto-juvenil, mesmo diante de tantos condicionantes?

O capítulo “Traduzir” trata dos clássicos, definidos por Cavagnoli como autentici ou finti, ou seja, tradicionais escritos na época em que se passa a história ou contemporâneos ambientados no passado. Observa, porém, que em ambos os casos, o tradutor terá dificuldades para encontrar o fator dominante do romance, pois corpo sonoro e corpo semântico tendem a caminhar juntos. Mostra-se notável o esforço da autora em auxiliar o leitor/tradutor inseguro quanto ao fator dominante e para isso buscará em narrativas de Hemingway, Woolf e Joyce parâmetros que justifiquem o critério adotado. Um ponto relevante neste capítulo, e visível em cada uma de suas análises, é o fato de que para a autora não há técnica que prescinda a imersão na narrativa traduzida e vice-versa, por isso afirma:

Tradurre richiede un volo dell’immaginazione, ma anche abilità che si conquistano libro dopo libro nell’officina della traduzione. E perciò è necessario un requisito fondamentale: la sintonia con l’opera e con l’autore su cui si lavora. L’empatia con i personaggi e con lo scrittore da parte di chi traduce è qualcosa di cui il lettore attento e sensibile si accorge sempre.

Após abordar as problemáticas dos diferentes tipos de narrativa, são destacados os instrumentos de trabalho do tradutor: neste caso, recursos voltados às línguas italiana e inglesa (incluindo variações anglófonas sul-africanas, neozelandesas, caribenhas e assim por diante). Dicionários monolíngues, bilíngues, vocabulários de nomenclatura e glossários específicos serão examinados por Cavagnoli.

O último capítulo do volume, “Revisar”, explora o minucioso processo de revisão em três etapas distintas. A primeira delas concentra-se no sentido profundo do texto e para tanto sugere-se trabalhar com o texto de partida e a tradução lado a lado. Questões como pontuação, palavras-chave e expressões são observadas neste momento, todavia, a atenção aguda concedida a esse estágio deixa passar os aspectos superficiais do texto, que só serão observados na etapa seguinte, sem mais a presença do texto em inglês. É o momento que Cavagnoli define como ideal para se exercitar a arte da suspeita a fim de que falsos-amigos e calcos se revelem. Para ela, primeira e segunda etapas deverão acontecer consecutivamente, garantindo ao texto coesão e coerência, enquanto a terceira etapa deverá ser feita somente após um determinado período. A autora lamenta que os editores italianos sejam “doentes pela pressa”, enfermidade que impossibilita ao tradutor um excelente recurso em sua autocrítica: o tempo. De fato, aspectos como ritmo narrativo, presença de aliterações e assonâncias e saltos de registro são melhor percebidos a longo prazo. Posteriormente, Cavagnoli retomará um dos primeiros textos analisados no livro, o final de The Dead, de James Joyce, expondo assertivamente as mudanças pertinentes à segunda e terceira etapas de revisão. O capítulo se concluirá com a recomendação de se conceder tempo necessário a novas leituras, pois se em tradução é possível encontrar o que não se está procurando, existe a chance de serendipismo tanto para quem traduz como para quem lê.

La voce del testo. L’arte e il mestiere di tradurre constitui um interessante recurso ao tradutor de prosa narrativa, pois abraça esse gênero em toda a sua complexidade e especificidade. Além disso, permite ao pesquisador em Estudos da Tradução confrontar teorias com a prática efetiva em meio a um constante diálogo com a autora, que se mostra conhecedora das rotinas do profissional de tradução. Com efeito, a publicação de Cavagnoli é importante não somente por expor “a voz do texto”, mas também a voz do tradutor.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2016
  • Aceito
    26 Maio 2016
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