Avaliação da qualidade do leite cru e resfriado mediante a aplicação de princípios do APPCC

Evaluation of the quality of raw and cool milk using HACCP guidelines

Avaliação da qualidade do leite cru e resfriado mediante a aplicação de princípios do APPCC

Evaluation of the quality of raw and cool milk using HACCP guidelines

Leonardo Souza da Rosa^*; Maria Isabel Queiroz

Departamento de Química, Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Rua Doutor Cassiano, 415, Apto. 303, Pelotas - RS, Brasil, E-mail: [e-mail]

RESUMO

O trabalho teve como objetivo avaliar a qualidade do leite cru e resfriado produzido no município de Canguçu - RS, através da aplicação de princípios do APPCC. Inicialmente, aplicou-se um plano de amostragem simples conforme norma ABC-STD-105, sendo elaboradas cartas controle para os parâmetros redutase, mastite e temperatura. As amostras de leite foram avaliadas quanto aos parâmetros contagem de aeróbios mesófilos, psicrotróficos, redutase, acidez, mastite, índice crioscópico, prova do álcool e resíduos de antibióticos. Os resultados possibilitaram a seleção de quatro rotas de captação do leite e vinte produtores, determinando-se um limite de controle para o parâmetro redutase de 321 minutos, mediante a equação Y = 2,35 x 10⁷ – 7,01 x 10⁴.X (r = –0,9284). A partir da relação existente entre a contagem de aeróbios mesófilos e psicrotróficos (r = 0,8561), obteve-se, conforme a equação Y = –8,73 x 10⁴ + 0,3209 X, um limite de controle para psicrotróficos de 2,33 x 10⁵ UFC.mL^-1. Em virtude destes resultados, conclui-se que 80,0% das amostras estão acima do limite de controle estabelecido para a redutase, comportamento que se repete em 65,0% das amostras na contagem de psicrotróficos, caracterizando a existência de problemas nas etapas de resfriamento do leite e ordenha, as quais representam dois pontos críticos de controle, contribuindo com a perda de qualidade do leite.

Palavras-chave: APPCC; qualidade; leite.

ABSTRACT

The aim of this work was to evaluate the quality of raw and cool milk produced in the municipal district of Canguçu - RS by using guidelines of the HACCP system. Initially, a sampling plan according to norm ABC-STD-105 was set up, and letters for the reductase, mastitis and temperature parameters were developed. The milk samples were evaluated in terms of the parameters total count of aerobious mesophiles, psycotrophic, reductase, acidity, mastitis, cryoscopic index, proof of alcohol and antibiotic residues. The results made it possible to select four ways to obtain milk from twenty producers, determining a control limit for the reductase parameter of 321 minutes, using the equation Y = 2,35 x 10⁷ – 7.01 x 10⁴.X (r = –0.9284). From the existing relationship between the aerobious mesophiles and psycotrophic counts –Y = 2.35 x 10⁷ (r = 0.8561), this equation Y = –8.73 x 10⁴ + 0.3209 X and a control limit for psycrotrophic of 2.33 x 10⁵ UFC.mL^-1 was obtained. In conclusion, 80.0% of the samples are above the limit of established control for the reductase parameter, and it repeats in 65.0% of the samples in the psycotrophic count, showing that there are problems in the milk cooling and milking process stages which represent two critical points of control, contributing with the loss of quality of milk.

Keywords: HACCP; quality; milk.

1 INTRODUÇÃO

Em todos os países, a maior parte dos alimentos chega ao consumidor através de um complexo processo de atividades como produção, manipulação, elaboração, armazenamento, transporte e distribuição. Quanto maior a cadeia alimentar, mais elevado será o número de atividades envolvidas e, con seqüentemente, maior será o número de pessoas intervindo no processo^11,27,34

Um sistema alimentar eficiente impede ou reduz ao mínimo as perdas devido à manipulação incorreta, deterioração ou contaminação dos alimentos, entretanto, apesar dos progressos em biotecnologia alimentar com a introdução de novas tecnologias, o problema da segurança dos produtos alimentícios ainda precisa ser resolvido^17,18,20.

Um dos sistemas de controle através do qual se pretende assegurar a produção de alimentos inócuos em nível mundial é o sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle, o qual é uma versão brasileira do internacionalmente conhecido Hazard Analysis and Critical Control Point (HACCP), o qual tem um enfoque sistemático que procura identificar perigos e estimar os riscos que podem afetar a inocuidade de um ali mento, ou seja, é um sistema com ênfase preventiva, visando proceder corretamente, reduzindo ao máximo a probabilidade de erro^8,9,19

Na implantação da Análise de Perigos, o primeiro procedi mento recomendado é a observação das operações rotineiras do processo, inclusive práticas higiênicas dos trabalhadores e métodos de limpeza dos equipamentos. Baseando-se nestas observações, pode-se fazer o fluxograma da seqüência de produção do alimento, o qual poderá fornecer detalhes sobre a atual ou potencial contaminação, exposição, tempo, temperatura e sobrevivência dos microrganismos patogênicos^1,18,27

A análise de perigos e identificação das medidas e pontos críticos de controle, estabelecimento de limites de controle e procedimentos de monitorização são etapas de implantação do sistema APPCC, as quais podem ser aplicadas no campo visando assegurar o controle de perigos como antibióticos e contaminações, bem como melhorar sensivelmente os problemas ligados à qualidade do leite^19,26,31.

O leite é um alimento com excepcional valor nutritivo e amplamente consumido pela população mundial, entretanto, é, também, um bom meio de cultura para muitos microrganismos, logo, a existência de problemas relacionados a condições higiênicas deficientes durante os processos de obtenção, manipulação e conservação vem sendo considerada como uma das principais razões para a perda de qualidade do leite^2,14,22

E neste contexto de segurança alimentar e qualidade, cresce a importância da instrução normativa nº 51, a qual determina que o leite de cada propriedade rural seja acompanhado através de análises laboratoriais para que se identifiquem os problemas na sua origem, evitando que produtos lácteos com qualidade indesejável cheguem ao consumidor^20,23,24,33

Em face disto, o trabalho teve por objetivo aplicar prin cípios do APPCC junto à cadeia produtiva no município de Canguçu, visando a avaliação da qualidade do leite.

2 Material e métodos

2.1 Amostragem e coleta das amostras de leite cru e resfriado

O leite entregue à Cooperativa Sul Riograndense de Laticínios LTDA era oriundo de cinqüenta rotas de coleta, nas quais estavam distribuídos 3900 produtores. Pela aplicação de um plano de amostragem simples, conforme norma ABC-STD-105, segundo metodologia indicada por PALADINI²⁹, a partir de um banco de dados gerado pela Cosulati LTDA em relação aos parâmetros mastite, redução do azul de metileno e tempera tura, no período de fevereiro de 2000 a março de 2001, foram selecionadas quatro rotas de captação do leite pertencentes ao sistema granelizado de coleta de vinte produtores situados no município de Canguçu - RS.

Como critério para seleção das rotas de captação do leite e dos respectivos produtores, considerou-se a elaboração de cartas controle, cujos limites foram determinados segundo a Equação 1.

onde:

LC = limite de controle;

= média dos dados registrados;

Z = variável padronizada;

s = desvio padrão da média.

Sessenta amostras de leite cru e resfriado, três por produtor, foram coletadas diretamente das propriedades leiteiras, no período de abril a novembro de 2001, obedecendo-se um intervalo de amostragem de cento e vinte dias.

Deste total de amostras, vinte foram destinadas às de terminações físico-químicas de acidez total (titulável), índice crioscópico, prova do álcool e resíduos de antibióticos; outras vinte, destinadas à contagem total de aeróbios mesófilos e contagem de psicrotróficos; e as vinte restantes, utilizadas para determinar o tempo de redução do azul de metileno.

As amostras foram colocadas em frascos de vidro este rilizados e acondicionadas em caixa de isopor com gelo até a chegada da matéria-prima ao Laboratório de Análise Sensorial e Controle de Qualidade da Fundação Universidade Federal do Rio Grande - RS.

2.2 Visitas às propriedades rurais

As visitas foram realizadas quinzenalmente com duração média de 60 minutos, período destinado à troca de informações com os produtores, gerando assim subsídios para o desenvol vimento do trabalho. Durante este período, foram realizadas coletas de leite para avaliação físico-química e microbiológica, efetuando-se a caracterização das propriedades rurais e dos produtores, elaborando-se, ainda, um fluxograma das etapas envolvidas na produção de leite, identificando-se os perigos potenciais físicos, químicos e biológicos relacionados à atividade leiteira, estabelecendo-se medidas preventivas para cada perigo e determinando-se os Pontos Críticos de Controle mediante aplicação da análise denominada árvore de decisão, segundo BRASIL⁹

2.3 Caracterização das propriedades leiteiras e produtores

O perfil do sistema produtivo foi obtido a partir da caracterização estrutural das propriedades, enfocando os fatores relacionados com alterações da qualidade do leite na propriedade rural segundo MARTINS et al.²⁴.

A caracterização dos procedimentos de higiene, a utilização de equipamentos adequados para a ordenha e a infra-estrutura foram analisadas mediante a aplicação de questionários, enfocando parâmetros como: limpeza da sala de ordenha, piso apropriado para a sala de ordenha, água tratada, ordenha mecânica, canaletas no estábulo, higiene e capacidade do resfriador, horário de ordenha, distribuição das ordenhas, quantificação do rebanho, verificação da prática de homo geneização do leite durante o resfriamento e quantificação do número de pessoas diretamente envolvidas na atividade, conforme BRASIL⁵ e MARTINS et al.²⁴

2.4 Determinações físico-químicas e microbiológicas

A avaliação da qualidade do leite cru e resfriado foi realiza da a partir de determinações físico-químicas tais como acidez total (titulável), índice crioscópico, tempo de redução do azul de metileno e prova do álcool conforme metodologia indicada por BRASIL⁷, bem como resíduos ^de antibióticos segundo BRASIL¹ e determinações microbiológicas como contagem total de aeróbios mesófilos e contagem de psicrotróficos⁶.

2.5 Determinação dos limites de controle e análise estatística

Os limites de controle foram estabelecidos com base em parâmetros de qualidade do leite especificados por BRASIL⁴, bem como através de valores experimentais em relação aos parâmetros contagem total de aeróbios mesófilos, psicrotróficos e redução do azul de metileno (TRAM).

O tratamento estatístico dos dados foi efetuado segundo o Software Estatística 6.0, nos módulos de Quality Control Charts e Basic Statistics.

3 Resultados e discussão

A Figura 1 expressa os resultados da amostragem das rotas de coleta conforme o parâmetro temperatura avaliada no leite; para os parâmetros redução do azul de metileno e mastite foram elaboradas cartas controle semelhantes. Para a temperatura, foram definidos limites de controle a partir de notas atribuídas considerando-se dois níveis: no primeiro, valor zero para amostras com temperatura superior a 8 °C; e no segundo, sete para amostras com valor igual ou menor que 8 °C.

Os parâmetros TRAM e mastite foram definidos em três níveis de qualidade, sendo atribuídas para cada nível notas, correspondentes a zero, seis e dez, respectivamente para qualidade inferior, regular e boa, sendo possível selecionar quatro rotas de captação do leite a partir da combinação dos resultados obtidos para os parâmetros considerados, e com notas registradas abaixo do limite inferior de controle LIC (6,46),conforme PALADINI²⁹.

A partir da amostragem de quatro rotas de captação, as -quais originaram um universo amostral composto por 486 produtores, foram elaboradas cartas de controle conforme expresso pela Figura 2. Para os parâmetros temperatura e mastite, foram plotadas cartas de controle semelhantes e, mediante a combinação destas três cartas, foram selecionados cinco produtores em cada uma das quatro rotas de coleta, os quais apresentavam-se abaixo do limite inferior de controle LIC(1,71).

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos produtores conforme a faixa etária, na qual se observa que 70,0% (14 produtores) destes concentram-se na faixa entre 42 e 56 anos. Demons trando que a atividade leiteira nas rotas em análise é praticada por produtores de faixa etária mais elevada, indicando hábitos tradicionais em relação ás práticas de produção leiteira, en fatizando assim a caracterização do produtor da região sul, conforme citado por CASTRO e PORTUGAL¹².

Em relação à quantificação e distribuição das pessoas segundo o sexo, observa-se na Tabela 3 que em 80,0%(16) das propriedades rurais selecionadas, a atividade leiteira é desenvolvida por produtores do sexo masculino, no entanto, verificou-se que em 85,0% (17) destas propriedades, as atividades de higienização de equipamentos, utensílios e ambiente é realizada por mulheres, tendo-se de 2 a 3 pessoas diretamente envolvidas na produção, caracterizando uma atividade tipica mente familiar (micro e pequenos produtores), corroborando assim as características dos produtores da região sul do estado e as descrições de BRITO e PORTUGAL¹⁰ e CASTRO e PORTUGAL¹².

Observou-se que em 50,0% (10) das propriedades rurais a principal atividade econômica são as lavouras temporárias, sendo a produção leiteira a segunda atividade econômica. Em 30,0% destas propriedades, o leite produzido tem origem em produção mista (lavoura e pecuária), comportamento semelhante ao verificado no estado do Rio Grande do Sul, onde 40,5% do leite produzido tem sua origem em propriedades de produção mista, enquanto no Brasil, esse tipo de propriedade gera somente 22,9% do leite produzido^3,35.

Na Tabela 2, observa-se que nas propriedades amostradas, a água utilizada na limpeza e higienização de equipamentos, utensílios e ambiente de produção, procede na totalidade de poços artesianos, dos quais apenas 15,0% (3 propriedades) realizam seu tratamento mediante a cloração, indicando assim, possíveis problemas devido a um elevado grau de dureza da água, o qual compromete a efetividade das soluções detergentes no processo de limpeza dos equipamentos.

Verificaram-se ainda potenciais fontes de contaminação cruzada da matéria-prima em virtude da proximidade dos poços artesianos em relação aos dejetos residenciais, situação esta, associada à não cloração da água, possibilitaria sua contaminação por microrganismos aeróbios mesófilos como Micrococus, Streptococcus, Lactococcus ou ainda algumas enterobactérias^2,15,21,36

A etapa de ordenha é em 95% (19) das propriedades realizada em duas etapas, a primeira entre às 7 e 8 horas da manhã (65,0% dos produtores) e a segunda entre 18 e 19 horas (95,0% dos produtores), conforme mostra a Tabela 3, mantendo-se, assim, um hábito tradicional em relação aos horários de ordenha e número de ordenhas, fato que está associado à marcante influência cultural alemã na região, enfatizando a descrição de VILELA et al.³⁵.

As práticas de produção, caracterizadas na Tabela 4, de monstram utilização de acessórios como o filtro em 100,0% (20) das propriedades amostradas, enfatizando a conscientização dos produtores em remover possíveis sedimentos, pedaços de madeira, pregos e pêlos, os quais são considerados perigos físicos que podem vir a causar danos ao consumidor^9,18,30

No entanto, considerando-se o resfriamento do leite na propriedade rural, somente 45,0% (9 propriedades) dos produtores adotam o tanque de imersão, enquanto 55,0% (11 propriedades) destes utilizam refrigeradores domésticos, indicando a existência de deficiências relacionadas ao conhecimento do produtor sobre o processo produtivo, fator determinante de sua falta de profissionalização, conforme caracterizado por BRASIL⁴; CASTRO e PORTUGAL¹² e VILELA et al.³⁵

A elevada incidência de leite mastítico nas amostras analisadas (75,0% - 15 amostras) supera a média brasileira, na qual a mastite subclínica atinge entre 20,0% e 43,0% das vacas em lactação, conforme citado por VILELA et al.³⁶ e FONSECA e SANTOS¹⁶, indicando deficiência no manejo sanitário em virtude da não adoção de um programa de prevenção e controle de mastite, priorizando procedimentos adequados de higiene antes, durante e após a ordenha.

Esta deficiência pode ser enfatizada devido ao baixo percentual (15,0% - 3 amostras) de produtores com o hábito de realizar o teste da caneca de fundo escuro nos primeiros jatos de leite ordenhado, visando estimular sua descida, diagnosticar a mastite e eliminar os jatos com maior concentração de microrganismos^16,28,30.

Em 55,0% (11) das propriedades rurais, o ambiente de ordenha apresentava o piso de terra, dificultando as etapas de limpeza e higienização em virtude da absorção de água pelo solo, e falta de canaletas em 90,0% (18) das propriedades leiteiras.

Assim, tem-se no solo uma fonte potencial para o desenvolvimento de microrganismos dos gêneros Proteus, Pseudomonas ou enterobactérias, principalmente do grupo Coliformes, os quais são responsáveis por alterações indesejáveis na composição do leite em virtude da fermentação da lactose e formação principalmente de ácido lático, acético e propiônico, originando a acidez adquirida, resultando num aumento da acidez total^2,15,16.

Somente em 15,0% (3) das amostras foram identificados resíduos de antibióticos do grupo b-lactâmicos, indicando a prática correta em relação ao período de carência dos medicamentos utilizados no combate a infecções como a mastite³².

A partir da caracterização estrutural das propriedades leiteiras e dos hábitos de produção, tornou-se possível a ela boração de um fluxograma do processo produtivo segundo princípios das boas práticas agropecuárias.

Inicialmente, os animais devem ser conduzidos à sala de ordenha evitando o estresse; para isto, este local deve propiciar um ambiente tranqüilo aos animais, os quais devem ser ordenhados sempre durante o mesmo horário e pela mesma pessoa, caso a ordenha seja manual. Nesta situação deve-se respeitar a seguinte linha de ordenha: em primeiro lugar as novilhas de primeira cria, exceto as recém-paridas; em seguida, as vacas sadias; e, logo após, as vacas com mastite reincidente, as quais podem estar com mastite subclínica (oculta ou inapa rente). Finalmente são ordenhadas as vacas doentes, o que deve ser feito em outro local, enfatizando a citação de PORTUGAL et al.³⁰ e VILELA et al.³⁶.

Ao iniciar a ordenha, é de fundamental importância o descarte dos três primeiros jatos de leite para a realização do teste de mastite em caneca de fundo escuro. Após efetuada a ordenha, utiliza-se um filtro de náilon para promover a retira da de sedimentos do leite, efetuando-se o resfriamento pelos sistemas de tanques de imersão ou expansão¹⁶.

Caso este seja realizado em resfriadores de imersão, é indispensável que este tenha um nível de água semelhante ao nível do leite nos tarros, promovendo-se a homogeneização do leite em intervalos de trinta minutos nas três primeiras horas após a ordenha, corroborando as citações de BRASIL⁴ e MARTINS et al.²⁴

A Figura 3 apresenta o fluxograma de produção leiteira, o qual foi de fundamental importância para a identificação dos perigos potenciais físicos, químicos e biológicos relacionados à produção da matéria-prima, dentre os quais destacam-se a presença de insetos e roedores, materiais estranhos, fragmentos biológicos, resíduos de antibióticos, de detergentes e sanificantes, bem como a presença de microrganismos patógenos (Salmonella, E. coli e Staphylococcus). Medidas preventivas foram determinadas em relação à possível incidência de cada perigo, identificando-se conforme diagrama da árvore decisória a existência de dois pontos críticos de controle, a etapa de ordenha e o resfriamento do leite na propriedade rural^8,18,21.

Ao observar-se a Figura 4, constata-se que 80,0% das amostras apresentam contagens de microrganismos aeróbios mesófilos acima do limite estabelecido no leite cru e resfriado (1,0 x 10⁶ UFC.mL^-1) conforme o Ministério da Agricultura e do Abastecimento, 2002.

Estes resultados indicam a existência de problemas nas etapas de resfriamento, manejo da ordenha e higienização de equipamentos e utensílios, os quais foram verificados na caracterização das propriedades devido ao incorreto funcionamento e manutenção dos resfriadores de imersão, bem como pelo elevado percentual de leite mastítico (75,0% - 15 amostras).

Este fato pode estar associado à contaminação cruzada proveniente da água utilizada, visto que em 100,0% (20) das propriedades rurais amostradas a água é proveniente de poços artesianos, podendo, assim, ocasionar possíveis problemas de vido a um elevado grau de dureza da água, o qual compromete a efetividade das soluções detergentes no processo de limpeza dos equipamentos, segundo citado por BRASIL² e JAY²¹.

Constatou-se ainda a proximidade dos poços artesianos em relação aos dejetos residenciais, isto associado ao uso sem a realização de um tratamento prévio da água (cloração) em 85% (17) das propriedades, possibilita o desenvolvimento de microrganismos aeróbios mesófilos como Micrococus, Streptococcus, Lactococcus ou ainda algumas enterobactérias, conforme citado por CHYE et al.¹⁵; MICHEL et al.²⁵ e VILELA et al.³⁶

Na Figura 5, observa-se a relação existente entre os parâmetros redução do azul de metileno (TRAM) e contagem de aeróbios mesófilos, em que o comportamento da curva obtida pode ser descrito pela Equação 2, com coeficiente de correlação (r = 0,9284), demonstrando que 92,84% das contagens de aeróbios mesófilos podem ser explicadas pelo tempo de descoloração do corante azul de metileno.

Plotando-se no eixo das abscissas o (TRAM) e no eixo das ordenadas a contagem de aeróbios mesófilos, e tendo-se como referência o limite estabelecido pela legislação para a contagem de microrganismos aeróbios mesófilos 11 x 106 UFC.mL^{-1 4}, determinou-se, a partir da Equação 2, um limite de controle experimental para o parâmetro tempo de redução do azul de metileno de 321 minutos.

A análise da Figura 6 vem corroborar a análise da Figura 4, pois apenas quatro amostras (20,0%) apresentaram valores superiores ao limite de controle estabelecido, indicando que o tempo de redução do azul de metileno apesar de ser uma medida indireta da contagem de aeróbios mesófilos, mostrouse um bom indicativo da presença destes microrganismos, enfatizando a existência de problemas nas etapas de resfria mento, manejo da ordenha e higienização de equipamentos e utensílios, enfatizando a citação de CHAPAVAL e PIEKARSKI¹⁴ e MICHEL et al²⁵.

A Figura 7 apresenta a relação existente entre os parâmetros contagens de aeróbios mesófilos e psicrotróficos, bem como o limite de controle experimental obtido para psicrotróficos. A partir da relação existente entre a contagem de aeróbios mesófilos e psicrotróficos (r = 0,8561), conforme indicado na Figura 7, obteve-se, segundo a Equação 3:

um limite de controle para psicrotróficos de 2,33 ^x 105 UFC.mL^-1. Este limite é de fundamental importância, pois com a adoção do processo de refrigeração, associado a períodos mais longos de armazenamento, as bacias leiteiras da região sul do Estado, vêm apresentando uma crescente incidência de microrganismos psicrotróficos, tais como Pseudomonas e Flavobacterium que, embora geralmente proteolíticos, são também capazes de produzir lípases e fosfolipases, comprometendo a qualidade do leite e ocasionando perdas para a indústria^10,13,31,33

Avaliando-se os dados expressos na Figura 8, verifica-se que apenas 7 das amostras (35,0%) apresentaram contagens abaixo do limite de controle estabelecido, indicando problemas na etapa de resfriamento do leite na propriedade rural, o que pode ser corroborado pelo elevado percentual de produtores que não dispõem de resfriadores de imersão (55,0%), asso ciado a problemas de manutenção e funcionamento destes equipamentos, conforme verificado na caracterização das propriedades.

Na Figura 9, estão registrados valores dos índices crios cópicos das amostras de leite analisadas, onde se observa um indicativo da não existência de fraudes pela adição de água no leite, pois 18 amostras (90,0%) apresentaram valores de índice crioscópico inferiores ao limite estabelecido pelo Ministério da Agricultura –530 ºH⁴.

Na análise da Figura 10, observa-se que apenas 2 amostras apresentam valores abaixo do limite inferior de controle (LIC- 14,0) estabelecido pelo Ministério da Agricultura para o parâmetro acidez⁴, indicando a existência de leite mastítico, no qual, em virtude de alterações na permeabilidade vascular, o pH do leite (7,0) se aproxima com o do sangue (7,3), e com isso sua acidez se reduz a valores inferiores a 14,0 °D, fato que pode ser corroborado pela elevada incidência de leite mastítico (75,0% - 15 amostras), conforme verificado na caracterização das propriedades realizada por FONSECA e SANTOS¹⁶ e NATIONAL MASTITIS COUNCIL²⁸.

Nesta figura, verifica-se ainda um indicativo do elevado grau de contaminação por microrganismos aeróbios mesófilos, os quais são responsáveis por alterações indesejáveis na composição do leite em virtude da fermentação da lactose e formação principalmente de ácido lático, acético, propiônico e fórmico, originando a acidez adquirida, resultando assim, num aumento da acidez total, pois verificou-se que 2 amostras apresentaram valores de acidez correspondente ao limite superior de controle (LSC - 18 °D), enfatizando os problemas nas etapas de resfriamento, manejo da ordenha e higienização de equipamentos e utensílios, conforme verificado na caracterização das propriedades e na Figura 4^2,15,21.

4 Conclusões

De acordo com as condições experimentais foi possível concluir que:

1) A atividade leiteira nas rotas de coleta amostradas tem as seguintes características:

É praticada por produtores de faixa etária mais elevada (42 a 56 anos), com hábitos tradicionais em relação às práticas de produção leiteira, caracterizando uma atividade tipicamente familiar, a qual é desenvolvida por micro e pequenos produtores;

Em 50,0% das propriedades leiteiras, a principal atividade econômica são as lavouras temporárias;

Existem deficiências relacionadas ao conhecimento do produtor sobre o processo produtivo, fator característico da sua falta de profissionalização, as quais podem ser caracterizadas através da existência de problemas nas etapas higienização de equipamentos, utensílios e ambiente de produção, funciona mento e manutenção dos resfriadores de imersão e manejo da ordenha; e

As etapas de resfriamento do leite e ordenha são dois Pontos Críticos de Controle nos sistemas de produção leiteira amostrados.

2) Foram estabelecidos limites de controle experimentais para a contagem de psicrotróficos 2,33 x 10⁵ UFC.mL^-1 e redução do azul de metileno (TRAM) 321 minutos.

3) Somente 20,0% das amostras, apresentam contagens de aeróbios mesófilos inferiores ao limite de controle de 1 x 10⁶ UFC.mL^-1, e em 65,0% das amostras analisadas, as conta gens de psicrotróficos foram superiores ao limite de controle estabelecido.

4) Nos rebanhos avaliados, verificou-se uma elevada incidência de leite mastítico - 75,0% das amostras.

5) O leite oriundo das propriedades amostradas apresenta qualidade higiênico-sanitária abaixo dos padrões estabelecidos pelo Ministério da Agricultura.

Agradecimentos

À CAPES, pela bolsa de mestrado concedida e à Cooperativa Sul - Rio Grandense de Laticínios, especialmente a Sérgio Bender e Antônio Salazar, pelo apoio prestado durante o desenvolvimento desta dissertação.

Recebido para publicação em 2/10/2006

Aceito para publicação em 23/4/2007

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  12 Set 2007
• Data do Fascículo
  Jun 2007

Histórico

• Aceito
  23 Abr 2007
• Recebido
  02 Out 2006