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Efeito do teor de água, amilose, amilopectina e grau de gelatinização no crescimento do biscoito de amido de mandioca obtido por fermentação natural

Effect of the water, amylose, amylopectin contents and the degree of gelatinization on the sour cassava (Manihot sculenta, K.) starch biscuit growth

Resumos

O amido de mandioca, assim como o amido de araruta, modificado por fermentação natural, quando formulado com água, sal e gordura vegetal hidrogenada para produzir o biscoito de "polvilho azedo", tem a propriedade de se expandir durante a cocção, como se nessa formulação existisse um agente aerante. O produto final obtido, tem uma estrutura alveolar, crocante e de baixa densidade. Pouco se conhece a respeito do mecanismo que envolve essa expansão e sobre os fatores que interferem na mesma. No presente trabalho, investigamos a influência do teor de água, o efeito da pré-gelatinização do amido fermentado e a adição de amilose e de amilopectina no crescimento do biscoito. O tempo de formação do biscoito, demonstrou ser altamente dependente do teor de água presente na sua formulação. A gelatinização total do amido modificado por fermentação, parece destruir completamente suas propriedades de expansão, pois não foi observado crescimento do biscoito com uma formulação padrão contendo apenas amido totalmente gelatinizado. Biscoitos formulados com amilose ou amilopectina em substituição ao amido fermentado, apresentaram baixo grau de expansão quando comparados ao padrão.

biscoito de polvilho azedo; amido de mandioca fermentado


The sour cassava starch (and also ararut starch) is unique in the ability to produce a biscuit (made of water, shortening and salt) that oven springs during baking as if it has in its formulation a leavening agent. The final product has an alveolar structure, it is crocant and low density. The fators that control its growth are unknown. In this paper were investigated the effects of the water, pregelatinized sour cassava starch, amylose and amylopectin contents on the biscuit growth. It has been showed that the time of formation of the biscuit structure depends on the water formulation content. The complete gelatinization of this starch seems to destroy its unique property to grow with heat as if it had a leavening agent in its formulation. Biscuits made of amylose and amylopectin instead of sour starch produced biscuits that don’t oven rise.

Sour cassava starch biscuit; sour cassava starch


EFEITO DO TEOR DE ÁGUA, AMILOSE, AMILOPECTINA E GRAU DE GELATINIZAÇÃO NO CRESCIMENTO DO BISCOITO DE AMIDO DE MANDIOCA OBTIDO POR FERMENTAÇÃO NATURAL1 1 Recebido para publicação em 14/05/97. Aceito para publicação em 30/04/98.

Claudio Ernani MENDES DA SILVA2 1 Recebido para publicação em 14/05/97. Aceito para publicação em 30/04/98. , Sílvia Helena Ferreira FAÇANHA3 1 Recebido para publicação em 14/05/97. Aceito para publicação em 30/04/98. , Maria das Graças GOMES DA SILVA4 1 Recebido para publicação em 14/05/97. Aceito para publicação em 30/04/98.

RESUMO

O amido de mandioca, assim como o amido de araruta, modificado por fermentação natural, quando formulado com água, sal e gordura vegetal hidrogenada para produzir o biscoito de "polvilho azedo", tem a propriedade de se expandir durante a cocção, como se nessa formulação existisse um agente aerante. O produto final obtido, tem uma estrutura alveolar, crocante e de baixa densidade. Pouco se conhece a respeito do mecanismo que envolve essa expansão e sobre os fatores que interferem na mesma. No presente trabalho, investigamos a influência do teor de água, o efeito da pré-gelatinização do amido fermentado e a adição de amilose e de amilopectina no crescimento do biscoito. O tempo de formação do biscoito, demonstrou ser altamente dependente do teor de água presente na sua formulação. A gelatinização total do amido modificado por fermentação, parece destruir completamente suas propriedades de expansão, pois não foi observado crescimento do biscoito com uma formulação padrão contendo apenas amido totalmente gelatinizado. Biscoitos formulados com amilose ou amilopectina em substituição ao amido fermentado, apresentaram baixo grau de expansão quando comparados ao padrão.

Palavras-chave: biscoito de polvilho azedo; amido de mandioca fermentado.

SUMMARY

EFFECT OF THE WATER, AMYLOSE, AMYLOPECTIN CONTENTS AND THE DEGREE OF GELATINIZATION ON THE SOUR CASSAVA (Manihot sculenta, K.) STARCH BISCUIT GROWTH. The sour cassava starch (and also ararut starch) is unique in the ability to produce a biscuit (made of water, shortening and salt) that oven springs during baking as if it has in its formulation a leavening agent. The final product has an alveolar structure, it is crocant and low density. The fators that control its growth are unknown. In this paper were investigated the effects of the water, pregelatinized sour cassava starch, amylose and amylopectin contents on the biscuit growth. It has been showed that the time of formation of the biscuit structure depends on the water formulation content. The complete gelatinization of this starch seems to destroy its unique property to grow with heat as if it had a leavening agent in its formulation. Biscuits made of amylose and amylopectin instead of sour starch produced biscuits that don’t oven rise.

Key-words: Sour cassava starch biscuit; sour cassava starch.

1 - INTRODUÇÃO

O amido de mandioca, assim como o amido de araruta, modificado por fermentação natural, quando misturado à formulação do biscoito de "polvilho azedo", tem a propriedade de se expandir durante a cocção, como se nessa formulação existisse um agente aerante. O produto final obtido, tem uma estrutura alveolar, crocante e de baixa densidade. (7).

Esse fenômeno provavelmente acontece, devido a uma leve modificação que os ácidos produzidos durante a fermentação natural provocam nos grânulos do amido de mandioca, a temperaturas inferiores a faixa de temperatura de gelatinização, sem alterar sua forma externa e a birrefringência dos mesmos (3). Algumas propriedades fisico-químicas deste amido também são modificadas como a redução de sua viscosidade intrínseca, do peso molecular médio (2, 8); aumento do poder de inchamento e solubilidade em água quente (2, 5, 6, 8).

Estudos têm mostrado que a modificação química do amido de mandioca com ácidos orgânicos também provoca alterações nas propriedades fisico-químicas deste amido semelhantes aquelas obtidas durante a fermentação natural incluindo a capacidade de expansão do amido (7).

Entretanto, a literatura não registra trabalhos que investiguem os fatores que mais contribuem para a formação e a expansão da massa, durante o cozimento do biscoito. Na tentativa de darmos uma contribuição nesse sentido investigamos, no presente trabalho, a influência do teor de água, grau de gelatinização desse amido modificado e a contribuição das frações amilose e amilopectina.

2 - MATERIAL E MÉTODOS

2.1 - Materiais

O amido fermentado (polvilho azedo) utilizado nesse trabalho era do tipo industrial, marca comercial LINDA, com a seguinte composição: Umidade, 12,61%; Proteína (N x 5,7) 0,43%; Cinza, 0,20%; Lipídios, 0,38%) determinados de acordo com a metodologia oficial da AACC (Métodos 44-15A, 46-10, 08-01 e 30-10, respectivamente) (1).

A gordura vegetal hidrogenada usada na formulação dos biscoitos, era da marca comercial SAÚDE (Gessy-Lever) e o sal, da marca comercial CISNE.

2.2 - Métodos

2.2.1 - Formulação do biscoito

Formulados de acordo com a metodologia descrita por OVIEDO (7): Polvilho azedo - 100 partes; Sal - 2 partes; Gordura vegetal hidrogenada- 3 partes; Água - variável.

2.2.2 - Efeito do nível de adição de água no poder de expansão do biscoito

Para observar o efeito do nível de adição de água no crescimento do biscoito, foram preparadas quatro formulações semelhantes, variando-se apenas seu teor de água (70,0%; 80,0%; 90,0% e 100,0% p/p). Massas de peso constante de cada formulação, foram colocadas numa proveta adaptada para nossas condições de trabalho, levadas a um forno dotado de tampa de vidro (marca Continental, modelo Avance Turbo) com a temperatuta ajustada à 210,0ºC a fim de se determinar o volume final dessas massas em função da altura máxima atingida na proveta durante o cozimento. Foi anotado o tempo correspondente ao crescimento máximo de cada massa (volume final do biscoito) medido em cronômetro de precisão, marca Casio-modelo BP-100, juntamente com seu volume específico e teor final de umidade, determinados após 2,0 horas de resfriamento.

2.2.3 - Efeito do nível de adição de amido pré-gelatinizado no crescimento do biscoito

O amido fermentado foi suspenso em água (1:10) levado em autoclave à temperatura de 120,0°C por 1,2 h até sua completa gelatinização. A massa obtida foi em seguida resfriada, liofilizada, triturada e reduzida a um tamanho de partícula de 0,250 mm. Escolheu-se arbitrariamente a formulação do biscoito contendo 80,0% de água (p/p), para se substituir gradualmente o amido fermentado, por amido fermentado gelatinizado nessas condições na formulação do biscoito. Os diferentes níveis de substituição de amido fermentado na formulação padrão por amido totalmente gelatinizado foram de 0,0%, 20,0%, 50,0% e 100,0%.

2.2.4 - Efeito dos níveis de adição de amilose e amilopectina no crescimento do biscoito

Com a amilose e amilopectina extraídas do amido fermentado gelatinizado foram elaboradas formulações de biscoito semelhantes às descritas por OVIEDO (7), substituindo-se integralmente o amido por amilose ou amilopectina, respectivamente, medindo-se os volumes específicos dos biscoitos formados, 2,0 horas após o cozimento.

2.2.5 - Medida do teor de umidade

Segundo metodologia descrita pela AACC, (44-15 A) (1).

2.2.6 - Medida do volume específico do biscoito

Pela técnica do deslocamento de sementes de painço descrita por OVIEDO (7).

2.2.7 - Obtenção da amilose e da amilopectina

De acordo com a metodologia descrita por MONTGOMERY e SENTI (4).

3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tabela 1, mostra a variação do tempo necessário para a expansão de uma massa padrão de biscoito numa proveta adaptada para nossas condições de trabalho em relação ao teor de água na formulação, assim como o teor final de umidade dos biscoitos e seus respectivos volumes específicos, para cada porcentagem de água utilizada.

Em todos os ensaios realizados foi observado que a expansão da massa na proveta atingiu sempre uma altura constante, em torno de 29 unidades e o tempo para atingi-la diminuiu com o aumento do teor de água. Como podemos notar, a velocidade formação e expansão da estrutura do biscoito, parece ser altamente dependente da disponibilidade de água. Nas condições de cozimento, o aumento do teor de água parece tanto acelerar quanto aumentar a extensão da gelatinização do amido, produzindo biscoitos com uma retenção final de umidade proporcional a água disponível na formulação, onde também a gelatinização parece ter ocorrido com mais intensidade. Notamos ainda que o volume específico do biscoito cresceu de maneira diretamente proporcional ao aumento do teor de água na formulação. Provavelmente o volume específico aumentou devido a facilidade de evaporação da água no interior da massa, a partir de núcleos de células de ar incorporadas durante o processo de mistura, num processo semelhante ao que ocorre com a formação de células na massa do pão. Com o aumento do teor de água, acontece paralelamente uma maior gelatinização do amido presente, gerando uma massa de maior consistência, capaz de sofrer uma expansão considerável sem perder sua continuidade com inúmeras bolhas de ar aprisionadas nessa estrutura. A modificação ácida da estrutura do amido de mandioca in natura, procada pela fermentação natural parece conferir a este amido modificado durante sua gelatinização uma viscosidade extra a pasta formada capaz de torná-la contínua sem que ela sofra colapso.

Observando os dados da Tabela 2, verificamos que a gelatinização total do amido fermentado parece destruir completamente a propriedade de expansão do mesmo, pois uma massa formulada com amido totalmente gelatinizado (100% de substituição), quando aquecida novamente, não mais conseguiu se expandir, produzindo um biscoito com um volume específico (1,53 cm3/g) muito abaixo do volume específico obtido na formulação normal da massa com 70,0% de umidade, onde no experimento anterior ele dispunha de um menor teor de água para se gelatinizar e promover a expansão da massa (Tabela 1). Durante a gelatinização total do amido deve haver um "alongamento" significativo e irreversível da estrutura do grânulo fermentado a ponto dela perder sua "elasticidade" com um novo aquecimento. Foi ainda observado que a reumidificação da massa composta da mistura dos dois amidos, o fermentado e o gelatinizado, tornou-se mais difícil porque o amido totalmente gelatinizado estava retrogradado. Na formulação dos biscoitos, nesse experimento utilizando 80,0% de água, fazíamos em primeiro lugar a hidratação do amido gelatinizado em parte da água de formulação para em seguida misturar o amido fermentado, resultando numa menor disponibilidade de água para que a estrutura não destruída pudesse crescer. Isso talvez possa explicar os baixos volumes específicos dos biscoitos com 20,0; 50,0 e 100,0% de substituição.

Com relação aos biscoitos elaborados com amilose ou amilopectina em substituição ao amido fermentado na formulação padrão, podemos observar que eles apresentaram um baixo volume específico quando comparados ao volume específico do biscoito padrão. Foram encontrados valores próximos aqueles encontrados para os biscoitos elaborados com 20,0 e 50,0% de substituição com amido totalmente gelatinizado. Acreditamos que ambas as frações possam contribuir para o crescimento do biscoito, pois ambas devem ter sido modificadas pelos ácidos produzidos na fermentação, porém não foi possível verificar, nesse experimento seu efeito no crescimento do biscoito, provavelmente por causa do método de extração da amilose e amilopectina (método de Montgomery & Senti, 4). Para a obtenção das frações de amido por este método, é necessário aquecer a suspensão de amido desengordurado à 80,0oC durante 15,0 minutos, tempo suficiente para promover sua gelatinização e destruição total da nova estrutura obtida pela modificação ácida do amido in natura. Portanto, faz-se necessário para a investigação desse efeito, obter a amilose e amilopectina através de um método que não promova a gelatinização do amido.

4 - CONCLUSÕES

- O poder de expansão da massa parece ser altamente dependente da gelatinização do amido fermentado, sendo favorecida pelo aumento do teor de água presente na formulação do biscoito.

- A velocidade de formação da estrutura do biscoito, aumenta com o incremento do teor de água da formulação do mesmo, pelo fato da gelatinização durante o forneamento ocorrer em maior extensão e com mais facilidade, devido a maior disponibilidade de água.

- A completa gelatinização do amido de mandioca fermentado, parece destruir completamente suas propriedades de expansão, pois não foi observado qualquer crescimento do biscoito quando uma massa formulada com 100,0% de amido fermentado gelatinizado foi utilizada.

- A substituição parcial do amido fermentado por amido totalmente gelatinizado, diminuiu significativamente o volume específico do biscoito formado, quando comparado com a formulação do biscoito elaborado a partir do amido fermentado, mesmo com 70,0% de água na sua formulação (5,56 cm3/g). Isso sugere que a água de hidratação do amido gelatinizado, é dificilmente transferida para o amido fermentado para promover sua gelatinização e consequente expansão da massa.

5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

2 Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFC. Caixa Postal, 12168/60 021-970 Fortaleza-Ceará. Fone: 085-2889748. Fax: 085-2889751. E-mail: cernani@ufc.br.

3 Aluna do Curso de Pós-Graduação em Tecnologia de Alimentos da UFC.

4 Aluna do Curso de Graduação em Engenharia de Alimentos da UFC.

  • (1) AMERICAN ASSOCIATION OF CEREAL CHEMISTS. Approved methods of the american association of cereal chemists. 8ª Edição. St Paul, Minnesotta. vol. 1 e 2. 1983.
  • (2) CAMARGO, C.; COLONNA, P.; BULÉON, A.; RICHARD-D. Functional properties of sour cassava (Manihot utilissima, K.) starch: polvilho azedo. Journal of the Science of Food and Agriculture New York. 45 (3): 273-289. 1989.
  • (3) FRENCH, D. "Organization of starch granules". In: WHISTLER, R.L.; BEMILLER, J.N. & PASCHALL, E.F. Starch: Chemistry and Technology. London. Academic Press Inc. p. 183-247. 1984.
  • (4) MONTGOMERY, E. M. & SENTI, F. R. Separation of amylose from amylopectin of starch by an extration-sedimentation procedure. J. Polymer Sci. Sussex. 28: 1-3. 1958.
  • (5) NAKAMURA, I. M. Contribuição ao Estudo da Fécula de Mandioca Fermentada. Campinas-SP. Faculdade de Engenharia de Alimentos-UNICAMP. Tese de Mestrado. 1975. 79p.
  • (6) NAKAMURA, I. M. & PARK, Y. K. Some physico-chemical properties of fermented cassava starch (polvilho azedo). Starch/Stärch Stuttgart. 27 (9): 295-97. 1975.
  • (7) OVIEDO, M. S. V. P. Efeito do tratamento ácido nas propriedades fisico-químicas e funcionais do amido de mandioca. Campinas-SP. Faculdade de Engenharia de Alimentos-UNICAMP. Tese de Mestrado. 1991. 135p.
  • (8) RAMIREZ-ASCHIERI, E. Efeito da fermentação nas características da fécula de mandioca (Manihot sculenta, C.) de três cultivares colhidas em diferentes épocas. Lavras-MG. Escola Superior de Agricultura de Lavras. Tese de Mestrado. 1990. 105p.
  • 1
    Recebido para publicação em 14/05/97. Aceito para publicação em 30/04/98.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2001
    • Data do Fascículo
      Abr 1998

    Histórico

    • Aceito
      30 Abr 1998
    • Recebido
      14 Maio 1997
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