Open-access Fragmentação e Exclusão: A Questão Social na Fase Atual de Transição das Cidades nas Sociedades Industriais Avançadas

Fragmentação e Exclusão: A Questão Social na Fase Atual de Transição das Cidades nas Sociedades Industriais Avançadas*

Enzo Mingione

Introdução: linhas de interpretação da questão social que ultrapassam o paradigma do mercado

Desde a década de 70, profundas mudanças vêm afetando a vida econômica nos países industrializados. As sociedades contemporâneas definem-se como pós-fordistas ou pós-modernas. As pessoas estão cada vez mais fartas de ouvir falar de burocracia, intervenção estatal na economia e das grandes organizações hierárquicas. Agora se fala de globalização e flexibilidade, das perspectivas criadas por comportamentos francamente utilitaristas em contextos nos quais se diz que a regulação, liberada do peso do welfare state, produz eficiência e inovação. De acordo com essa concepção, estamos passando do welfare capitalism, um sistema altamente burocratizado, centrado no binômio de grandes complexos manufatureiros e Estados nacionais, para o capitalismo global, um sistema menos organizado, dominado pelos fluxos financeiros e de informações, onde as vidas familiar e profissional das pessoas são instáveis e a capacidade de controle da economia por parte dos Estados nacionais é fraca. Os economistas e políticos que defendem essa visão das mudanças atuais simplesmente repetem os parâmetros do mercado e ignoram que os fatores sociais, hoje como ontem, são importantes. Até interpretações mais inovadoras, como as de Rifkin (1995), em The End of Work, ou de Esping-Andersen (1990), em Three Worlds of Welfare Capitalism, são influenciadas pelas abordagens deterministas que tendem a ignorar a compatibilidade entre as oportunidades econômicas e a questão social, isto é, o fato de que nenhuma economia pode sustentar-se sem um conjunto suficientemente extenso de mecanismos de integração, capazes de alimentar o potencial de cooperação. Flexibilização e precarização, tecnologias poupadoras de trabalho humano e novas formas de divisão do trabalho, somente podem estimular continuamente o crescimento econômico e o bem-estar social se não engendram uma desagregação social incontrolável de elevados custos, inclusive econômicos, e que acaba minando o potencial de cooperação. A tarefa atual da sociologia é a de voltar a examinar os fatores sociais que vão além do paradigma do mercado. Este artigo visa dar uma contribuição nessa direção, seguindo uma via iniciada em grandes linhas, mas ainda pouco desenvolvida, por Granovetter (1985), para retomar a elaboração de uma teoria da incorporação social [social embeddedment] dos comportamentos econômicos.

A crítica ao paradigma do mercado tem origem nos trabalhos de Polanyi (1957), onde já se encontra uma abordagem alternativa baseada na incorporação social do comportamento econômico1. Polanyi sublinha o fato de que, embora a existência de formas de organização se fundamente em princípios de cooperação, o conceito puro de interação de mercado, construído a partir da idéia de competição utilitarista atomizada, não corresponde a formas de organização, mas, ao contrário, pressupõe a ausência desta2. Todavia, grande número de interações sistemáticas de mercado, típicas das sociedades industriais, não pode realizar-se fora de contextos de cooperação. É preciso supor que as sociedades da era industrial são fundadas em uma mescla de tensões desorganizadoras derivadas do mercado e de princípios de cooperação não diretamente produzidos por este3. Uma releitura sociológica da abordagem antropológica de Polanyi permite identificar esses princípios como sendo a associação - a partilha dos mesmos interesses individuais - e a reciprocidade - pertencer a um grupo restrito cujos objetivos comuns têm precedência sobre os interesses individuais imediatos. A abordagem baseada na tese da incorporação social reflete o fato de que as sociedades individualizadas da era industrial foram construídas a partir de combinações contextuais de tensões engendradas pelo crescimento das oportunidades oferecidas pelo mercado, em termos de competição utilitarista, e do jogo mutável das respostas de cooperação que se baseiam em diferentes mesclas de associação e reciprocidade.

Ao contrário das abordagens que adotam o paradigma do mercado, o conceito de incorporação social destaca a importância de dois fatores: as diferenças provocadas pela diversidade de respostas sociais, que se cristalizam em uma pluralidade de modelos e de variantes de sociedades industriais; e a mudança histórica qualitativa, que se manifesta em longos ciclos caracterizados pela predominância de modalidades de combinação entre desenvolvimento econômico e regimes de regulação4. Desse ponto de vista, para discutir hoje em dia a questão social, é preciso nos situarmos no marco de um esquema (ver Figura I) que ilumine a variedade de inter-relações das tensões do mercado e os fatores de cooperação, partindo de duas perspectivas: a do desenvolvimento histórico e a dos diferentes modelos que se cristalizaram em contextos nos quais a resposta da socialidade se caracterizou sistematicamente por diferentes combinações entre associação e reciprocidade.


Figura I

Ciclos Históricos e Modelos de Desenvolvimento

As sociedades contemporâneas encontram-se no final de um ciclo histórico que testemunhou a prevalência dos fatores organizacionais associativos. Os principais ingredientes desse capital de regulação foram: a predominância das economias de escala e o desenvolvimento de grandes complexos industriais; os programas de assistência social estatal (no âmbito do welfare state); o consumo padronizado de massas; a institucionalização dos grupos de interesse; a família nuclear fundada no sistema do provedor único (emprego masculino em tempo integral e discriminação sistemática das mulheres, juntamente com profundas alterações nos padrões de reprodução e nas responsabilidades assumidas principalmente pelas mulheres); e o individualismo familístico (investimento na mobilidade ascendente intergeracional dos filhos do sexo masculino). Tais elementos desenvolveram-se de diversas maneiras nos diferentes modelos do welfare capitalism.

Na Figura I, inspirei-me na classificação proposta por Esping-Andersen (1990), modificando-a para incorporar dados qualitativos sobre o papel tanto dos ciclos históricos quanto das diferenças que tomaram forma em termos de construções sistematicamente diferentes de respostas sociais às tensões do mercado. No primeiro ciclo histórico (extensivo), verificam-se diversas vias: proletarização radical (na Grã-Bretanha); persistência a longo prazo da questão camponesa (na Europa Central e Japão) e afluxo de populações imigrantes (na América do Norte e na Oceania). Durante o ciclo intensivo seguinte - a era fordista - os Estados Unidos tornaram-se uma potência hegemônica e adotaram modelo peculiar centrado em altos níveis de integração vertical, gestão, taylorismo, serviços assistenciais privados e dualismo entre a economia da maioria e a economia dos imigrantes. A Grã-Bretanha entrou em declínio e uniu-se aos demais países de imigração, adotando uma combinação de reformas sociais e laissez-faire financeiro. No modelo de persistência da questão camponesa, podem ser observadas pelo menos três variantes: 1) sólida aliança entre setores agrários e operários para desenvolver programas assistenciais públicos (o modelo social-democrata da Escandinávia); 2) grau elevado de complementaridade entre a intervenção estatal, a inovação no âmbito da pequena empresa e o papel privilegiado das famílias (mulheres) na produção de uma boa parte dos serviços sociais (modelo conservador estatista da Europa Central e do Japão); 3) persistência mais forte de pequenas empresas agrícolas e fazendas, em formas menos dinâmicas, paralelamente à intervenção mais modesta do Estado e sucessivas ondas de emigração (modelo familístico, típico principalmente dos países da Europa Meridional).

Procuro demonstrar neste artigo de que maneira a transição em curso vem criando sérias dificuldades em todos os modelos, do ponto de vista da questão social, ainda que estas apareçam sob formas distintas. A ênfase atribuída em diferentes quadrantes aos fatores associativos padronizados, às grandes organizações e às divisões formais que caracterizaram uma fase histórica centrada no crescimento maciço da produção em grandes complexos industriais, já não consegue manter controle sobre uma sociedade mais fragmentada e heterogênea. As sociedades contemporâneas são, de diferentes maneiras, mais heterogêneas e diversificadas, fato que também se reflete na nova importância dos fatores de reciprocidade que adotam comportamentos inovadores, desde o papel das redes econômicas (Castells, 1996) até a utilização das relações pessoais ou da solidariedade étnica nas trajetórias ocupacionais. É no interior desses processos que a transição mina a tradicional coesão fordista entre oportunidades econômicas e recursos de cooperação e, por conseguinte, ativa de diferentes maneiras as tendências à desintegração social e à exclusão.

A transição atual dos regimes de emprego

Em todos os países industrializados, a regulação social dos regimes de emprego vem sendo fustigada por graves problemas que se manifestam no aumento do desemprego prolongado e/ou na generalização de empregos precários que proporcionam rendas insuficientes, dando origem a crescentes desigualdades sociais e miséria crônica. As principais causas dessa situação são geralmente imputadas à globalização e à reestruturação industrial, à transição demográfica (Lesthaeghe, 1991) e ao envelhecimento populacional, bem como ao aumento do gasto público para financiar sistemas de assistência social cada vez mais caros (Esping-Andersen, 1996). Mas essas causas são apenas o resultado dos efeitos da diversidade de combinações entre as tensões do mercado e a regulação necessária à existência de regimes salariais dentro de um contexto indispensável de organização social. As formas de seleção, divisão e proteção da mão-de-obra disponível, que acompanharam a intensificação do trabalho para alcançar taxas de elevada produtividade no quadro dos sistemas de welfare state, do pleno emprego masculino e da formação de famílias nucleares sustentadas pelo salário de um único provedor, já não são adequadas.

Os sistemas de emprego foram afetados por várias mudanças, todas baseadas em uma mescla de desindustrialização - declínio do emprego industrial, principalmente nos grandes complexos manufatureiros - e terciarização - aumento do emprego nos setores de serviços, públicos e privados. Na esteira dessas mudanças, constatou-se um crescimento do emprego total em alguns países (principalmente Japão, Estados Unidos e Escandinávia) e um declínio em outros (quase todos da Europa Central e Meridional). Mas em todas essas regiões a situação do emprego tornou-se mais heterogênea, reduzindo-se a importância do padrão de emprego permanente do provedor único da renda familiar, o que provocou uma revisão dos mecanismos de regulação social. É justamente esse processo que se reflete em problemas cada vez mais importantes, quais sejam, a intensificação da fragmentação social e o ressurgimento da exclusão.

Desindustrialização e reestruturação industrial são o resultado a longo prazo dos aumentos de produtividade que caracterizaram o ciclo industrial na Era de Ouro dos trinta anos do segundo pós-guerra, sendo que a crise do petróleo contribuiu para intensificar um processo que é essencialmente estrutural. Esses aumentos maciços da produtividade do trabalho nos setores de bens de consumo duráveis tiveram um efeito a longo prazo de redução do emprego, pois não podiam ser sustentados ad infinitum por um crescimento exponencial do consumo de massas. A globalização complicou esse quadro na medida em que favoreceu o aparecimento de novas zonas de produção e de formas diversificadas de relocalização geográfica e reorganização das empresas.

O declínio do emprego industrial nas grandes empresas, do qual precisamente dependia a regulação social que combinava seleção da mão-de-obra e condições de elevada produtividade em todos os níveis de qualificação da força de trabalho, teve um impacto desestabilizador sobre os sistemas de emprego, ainda que a taxa de desemprego não tenha caído ou que o desemprego não tenha aumentado. Houve um abrandamento do efeito do circuito benéfico que mantinha o equilíbrio entre os modos de regulação social e os aumentos da produtividade. Uma parcela crescente da mão-de-obra disponível, que nos países industrializados tradicionalmente ocupa empregos permanentes de alto nível de produtividade e de salários, em função do custo de vida e do nível de consumo elevados, não consegue mais encontrar formas adequadas de emprego. Portanto, todos os países de industrialização avançada estão ingressando em uma fase de excedente crônico de mão-de-obra disponível. Não se trata de um excedente absoluto; na realidade, numerosas oportunidades de trabalho surgem no setor de serviços, mas, na maioria das vezes, são empregos demasiado precários, muito mal remunerados para corresponder às condições, expectativas e estratégias de vida dos trabalhadores que se interessariam por eles. Ocorre, então, um desequilíbrio que afeta as próprias modalidades de regulação das conexões entre as formas de emprego e as condições sociais de existência. Isso também explica por que tal processo deu origem a diversas síndromes geralmente imputadas à virulência da reestruturação industrial ou ao fracasso das políticas econômicas, quando nenhum destes fatores teve importância decisiva.

As duas síndromes negativas da crise do equilíbrio regulador dos regimes de emprego são o aumento das taxas de desemprego e o crescimento do número de empregos precários insuficientemente remunerados. A primeira é típica de alguns países europeus, enquanto a segunda tem seu epicentro nos Estados Unidos. No entanto, em todos esses casos, há uma mescla de fenômenos igualmente associados ao trabalho por conta própria, ao sistema de assistência social e ao perfil social do desempregado e do homem que tem um emprego, fatores que repercutem de maneiras diferentes sobre as estratégias de vida e as modalidades que permitem a integração social nos longos períodos de procura de emprego ou de permanência em situações de trabalho precário.

Após os níveis reduzidos do começo da década de 70, o desemprego cresceu em todos os países industrializados, embora em períodos diferentes, de maneiras diversas e com formas distintas5. O aumento foi maior na Europa, associando-se a períodos mais longos de busca de novo emprego e, portanto, ao desemprego prolongado. É principalmente em relação a este último que se evidencia a verdadeira natureza do problema: a crise das formas vigentes de regulação social do mercado de trabalho. Em quase todos os casos, o desemprego prolongado atinge sobretudo aqueles cujo perfil social e pessoal torna impossível aceitar carreiras desvalorizadas, mas que, por outro lado, não têm alternativa profissional e, ao mesmo tempo, são de algum modo protegidos por diferentes combinações de assistência estatal e familiar. Nos países da Europa Meridional, trata-se predominantemente de jovens sustentados pelos pais; na Alemanha, são adultos de idade madura, próximos da aposentadoria, pertencentes sobretudo às minorias imigrantes, que sobrevivem à custa do seguro desemprego e do subsídio de renda mínima. Em quase toda a Europa, as mulheres predominam entre os desempregados, com exceção da Grã-Bretanha6, onde conseguem empregos em tempo parcial, opção inviável para os homens. Recentemente, os países escandinavos, que pareciam imunes ao desemprego, também foram surpreendidos pela crise7. A importância da questão da regulação, além e acima dos mecanismos de mercado, é mais visível nestes últimos países do que em outros. A dificuldade do setor privado para absorver as novas gerações de trabalhadores transferiu-se para o setor público, o qual, para fazer face à crise orçamentária, é obrigado a suprimir vários programas e, com isso, gera-se um aumento do desemprego, em um movimento em espiral difícil de interromper.

O fato de a crise do emprego ter origem nos sistemas de regulação social dos regimes de emprego dificulta o entendimento do problema e induz muitas vezes a erros. O exemplo mais gritante é o das qualificações educacionais dos desempregados. Como o desemprego atinge principalmente a mão-de-obra menos educada, supõe-se que a principal causa da falta de oportunidades de trabalho seja a oferta excessiva de trabalhadores de baixa qualificação (Esping-Andersen, 1995; 1996) e, portanto, a principal medida para combatê-lo seja elevar o nível das qualificações profissionais. Na verdade, a situação é mais complexa. As pessoas de pouca instrução não conseguem encontrar trabalho, ou são obrigadas a aceitar ocupações pouco qualificadas, exatamente porque estão desaparecendo as combinações fordistas típicas entre mão-de-obra de baixa qualificação e alta produtividade que até então possibilitavam a existência de padrões de vida aceitáveis. Essa situação não pode ser corrigida pela elevação do nível geral das qualificações, pois isso quase sempre acaba em uma corrida sem fim para adquirir as habilitações mínimas para um emprego. Em vez disso, as soluções inovadoras baseiam-se na possibilidade de valorizar os postos flexíveis e precários existentes, de modo a oferecer-lhes proteção social e torná-los aceitáveis para os que estão atualmente desempregados ou ocupados em cargos mal remunerados.

Os desempregados não estão nessa situação porque têm pouca instrução; quando encontram alternativas realistas, procuram evitar a armadilha de trajetórias ocupacionais que não lhes permitem elaborar estratégias de vida a um nível de integração social e cultural nas comunidades a que pertencem, e que os colocam inexoravelmente na condição de excluídos. Essa é a diferença entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha e os demais países da Europa continental (Esping-Andersen, 1996). No caso dos primeiros, uma grande parcela dos desempregados, por falta de alternativa, é obrigada a aceitar empregos precários, o que se reflete no aumento da quantidade de trabalhadores pobres. No caso dos segundos, ao contrário, a transição gera uma alta das taxas de desemprego e/ou despesas do Estado. A transição no mundo do trabalho é complicada pelo fato de nunca se poder falar em uma oposição absoluta entre boas ou más situações de emprego, em que as últimas necessariamente jogariam as pessoas em uma condição de decadência social e de exclusão. Tudo depende do perfil da inserção sociofamiliar dos trabalhadores socialmente mais vulneráveis.

Polarização das experiências de trabalho no setor de serviços

A reestruturação da indústria manufatureira contribuiu para a maior heterogeneidade da situação do emprego ao reduzir o número de empregos garantidos nas grandes empresas e aumentar, em proporção inferior, o número de empregos no segmento secundário, nas pequenas empresas de subcontratação, em zonas de descentralização e de relocalização geográfica, e nas regiões semiperiféricas de novo crescimento industrial. Entretanto, do ponto de vista quantitativo, esse processo de reestruturação tem efeitos modestos em comparação ao seu impacto desestabilizador sobre os sistemas de regulação social. Estes nunca dependeram da homogeneidade do emprego industrial ou do fato de esse tipo de emprego absorver a maior parte da população ativa, mas de um quadro em que as condições típicas do emprego na grande indústria constituíam o parâmetro básico para a regulação. Esse quadro se apoiava em duas condições: um ciclo de expansão do emprego industrial e a capacidade das condições típicas das empresas de alta produtividade para influenciar todas as modalidades de emprego, provocando inclusive ajustamentos no setor de serviços, nas atividades autônomas e nas microempresas8. Essa situação foi inteiramente revolucionada pela desindustrialização. Além disso, as mudanças no setor industrial envolvem uma fatia cada vez menor do emprego nas economias avançadas, onde a maioria da população ativa (mais de 60%) está empregada no terciário e quase todos os novos postos são criados no setor de serviços. A heterogeneidade e a polarização dos regimes contemporâneos de emprego derivam principalmente das características do setor terciário, submetido a processos muito diferentes dos que tipificam a indústria manufatureira. Para compreender o que se passa hoje, é preciso examinar a questão dos regimes de emprego no setor de serviços (Sassen, 1991; 1996).

O emprego nos serviços tem uma importância considerável não só por sua magnitude quantitativa, mas também porque se caracteriza por uma grande variedade de formas de regulação que se manifesta em diferentes combinações de atividades de assistência assumidas pela família e pelos serviços sociais, públicos ou privados. Essas combinações constituem um dos parâmetros dos modelos estruturantes e de suas variantes nas sociedades industriais avançadas. Tal variedade tem, ademais, o efeito de diversificar a qualidade de vida de diferentes grupos em diferentes contextos sociais. É plausível supor que a principal base reguladora dos regimes de emprego esteja se deslocando do setor da produção industrial para o setor de serviços.

Começarei por uma interpretação econômica da dinâmica típica do processo de terciarização, fazendo alguns comentários a respeito da regulação social9. Esta linha de interpretação parte de duas hipóteses. A primeira inspira-se em Ernst Engel e sua lei da hierarquização do consumo em função de variações nos níveis de renda. De acordo com Engel, um incremento na renda aumenta a propensão para consumir em uma escala que vai da satisfação de necessidades mínimas de subsistência até os produtos de luxo e, sobretudo, de serviços não essenciais à sobrevivência. O crescimento econômico e a conseqüente elevação da renda média produz um incremento mais do que proporcional da demanda por serviços.

A segunda hipótese é que os diferentes ramos da economia têm capacidades variáveis de aumentar a produtividade do trabalho mediante a introdução de inovações tecnológicas e organizacionais. Uma grande parcela do setor de serviços é, por razões técnicas, pelo menos em parte, insensível aos incrementos da produtividade do trabalho. Nesse grande segmento, a inovação tecnológica e organizacional serve mais freqüentemente para melhorar a qualidade do serviço ou para torná-lo disponível ao consumo de massa. Assim, o resultado é uma persistente defasagem de produtividade que repercute sobre o regime de emprego. Os serviços de menor potencialidade para absorver ganhos de produtividade registram maiores aumentos de custos e preços devido à necessidade de elevar os salários dos trabalhadores para que possam continuar a melhorar seus padrões de vida, os quais, por sua vez, são ainda mais pressionados para cima pelo crescimento da produtividade em outros ramos da economia.

No processo de terciarização, a combinação dos dois fatores que tomamos como hipótese conduz a um ciclo de expansão alimentado, por um lado, pelo aumento da demanda em razão do crescimento econômico, e, por outro, pela produtividade, que se mantém baixa e implica um crescimento do emprego difícil de controlar com estratégias baseadas na utilização de tecnologias poupadoras de mão-de-obra e na intensificação do trabalho.

A explicação do ciclo de expansão do emprego no setor de serviços é até o momento plausível, mas não corresponde aos modos de regulação social que selecionam a mão-de-obra e medem seu desempenho em termos de aumentos de produtividade. Por conseguinte, fica sem explicação a razão pela qual as graves crises de custos e preços não conseguiram frear esse ciclo em espiral. Na realidade, o processo faz-se acompanhar de uma mescla variável de combinações, começando pelo desenvolvimento de regimes públicos de assistência social que explicam o tenaz e vertiginoso crescimento e, ao mesmo tempo, fazem surgir graves contradições nos regimes de regulação. A terciarização cria uma alta proporção de vagas de baixa produtividade que não são, em princípio, compatíveis em renda, estabilidade e garantias com o custo de vida e as estratégias de sobrevivência típicas da comunidade a que pertence o trabalhador, e, portanto, não refletem as condições de regulação e provocam um enfraquecimento dos mecanismos de integração. Até certo ponto, esta última contradição não atinge níveis intoleráveis justamente porque é controlada pelos modos de regulação mediante combinações entre três diferentes processos: o aumento dos serviços de assistência social diretamente dispensados pelo Estado; a absorção pela família da demanda de serviços ao lado de novas formas de trabalho não pago executado pelas mulheres; e, principalmente, pela generalização de situações de trabalho que em si mesmas não garantem a integração social, mas cuja compatibilidade social é conferida pelo perfil complementar (ter vários empregos; trabalho em tempo parcial executado por mulheres casadas; trabalho ocasional realizado por estudantes) das atividades específicas ou pela concordância temporária com os projetos de vida e as condições dos trabalhadores, especialmente no caso dos imigrantes10. O que permanece por explicar são as conseqüências sociais das diversas combinações e as razões pelas quais todas as combinações possíveis são inadequadas para consolidar o regime de regulação e, por isso mesmo, criam sérios problemas na esfera social.

Os modelos de welfare capitalism (Esping-Andersen, 1990; Mingione, 1996) desenvolveram combinações que incluem todos os elementos componentes da mescla de condições. Contudo, os serviços públicos predominam no modelo social-democrata; a preponderância de serviços privados que acarreta um aumento de empregos de baixa remuneração e escassa garantia social caracteriza o modelo do laissez-faire; e as variantes conservadoras mostram uma acentuada propensão para manter boa parte dos serviços de assistência no âmbito da família, por conta do trabalho não pago das mulheres. Embora de maneira diversa, todas essas vias acabam por desestabilizar a longo prazo o regime social. A via social-democrata está em dificuldades porque alimenta um circuito de despesas públicas de alto custo e condições relativamente rígidas. A abordagem do laissez-faire é diretamente dominada pela polarização do emprego, que acarreta a disseminação da pobreza e da exclusão social crônica. É nesse modelo que a polarização do emprego é mais visível, enquanto no social-democrata ela permanece dissimulada pelas condições especiais do emprego nos serviços públicos e, nas variantes conservadoras, pela elevada participação do trabalho doméstico e do trabalho não pago executado pelas mulheres. O que de fato conduz a tensões cada vez mais fortes na via conservadora, ao contrário, é que, neste caso, nem mesmo a combinação de serviços inovadores prestados pelas famílias com serviços públicos de base é capaz de resistir, além de determinado ponto, ao crescimento da terciarização e, ao mesmo tempo, à fragmentação do tecido social. Também nessa via surgem problemas relacionados com o alto custo dos serviços públicos de assistência social11, aos quais se deve acrescentar o fato de que não é possível fazer pesar sobre as famílias (as mulheres), além de determinado limite, a responsabilidade por serviços de atendimento e cuidados, especialmente levando em conta a crescente instabilidade da família, a multiplicação das necessidades de assistência e a burocratização das relações com as autoridades.

Em conclusão, da maneira como as coisas se apresentam, a polarização dos regimes de emprego é incontrolável, mesmo que em certas variantes do welfare capitalism isto fique parcialmente escondido pelas modalidades de emprego público e, nos outros sistemas, pela persistência do trabalho de assistência não pago realizado pelas mulheres para benefício de suas famílias. Nenhuma dessas situações, porém, permite a resistência dos equilíbrios sociorreguladores desenvolvidos na fase de industrialização em grande escala que presenciou a expansão dos regimes salariais nos países de industrialização avançada. As tensões críticas não se deveram à superprodução de uma mão-de-obra de baixa formação educacional, mas à proliferação de oportunidades de emprego que não oferecem garantias adequadas de estabilidade, salário e condições de trabalho capazes de favorecer a integração plena e duradoura de uma pessoa na comunidade em que vive. É nesse sentido que a crise do emprego se transforma em uma crise social.

Emprego flexível versus fragmentação e polarização social

A reestruturação industrial e a terciarização colocam problemas difíceis de ser superados pelas formas de regulação dos regimes sociais desenvolvidos na era do welfare capitalism. Esses processos não reduziram a necessidade de apoiar carreiras altamente produtivas por meio de sistemas bem elaborados de seleção e apoio. Ao contrário, o aumento da produtividade e o advento da automação suplantaram a organização taylorista do trabalho, que utilizava operários de baixa qualificação e visava somente acelerar o ritmo do trabalho. Hoje em dia, uma formação geral básica, a reciclagem profissional e um sistema de serviços que garanta saúde física e mental são indispensáveis, mas o apoio constante de uma família dedicada ainda é útil, mesmo nos contextos menos familiais. Além disso, o declínio das carreiras ocupacionais mais produtivas no mundo da indústria é mais do que compensado pelo crescimento de carreiras semelhantes nos serviços de ponta, nos setores profissionais, na burocracia política, na administração dos serviços públicos de assistência e, principalmente, nas redes de serviços financeiros globais. Tudo isso significa que a seleção e o apoio às formas de emprego que geram médios e altos salários continuam sendo uma exigência da regulação social, e que somente um grupo minoritário de trabalhadores usufrui de privilégios não acessíveis aos demais.

Visto que as famílias nucleares são mais instáveis, abrangem uma proporção cada vez menor da população e ocupam uma parcela cada vez mais limitada do ciclo de vida das pessoas, e já que os empregos que fornecem a renda familiar também são cada vez mais raros, todas as versões do regime do provedor único mostram-se crescentemente ineficazes como mecanismos de redistribuição econômica e de moderação dos desequilíbrios sociais. Por outro lado, as transformações em curso vêm criando postos pouco produtivos em uma proporção que excede a capacidade dos diferentes sistemas de regulação de compensar essas situações sem consolidar áreas de carência social crônica. Nem a extensão maciça dos serviços públicos, à maneira sueca, nem a generalização do trabalho precário acompanhado por alta mobilidade, como nos Estados Unidos, nem a adaptação inovadora, ao estilo italiano ou alemão, das microempresas e da segregação doméstica das mulheres são suficientes. Flexibilidade, precariedade, empregos de baixa renda constituem cada vez mais sérios traumas, pois afetam as formas de integração social construídas sobre equilíbrios frágeis ditados pela necessidade de sustentar os perfis de emprego que recebem altos salários e são objeto de grande prestígio social.

A busca de flexibilidade acompanhada por formas de integração social estimulou o trabalho por conta própria. De modo geral, o dualismo das formas mais intensivas e produtivas de trabalho assalariado e das formas mais extensivas e flexíveis do trabalho por conta própria pode perdurar como modo de regulação em todos os lugares onde for possível compensar a falta de produtividade por inovações que exploram a flexibilidade. Mas determinadas formas benéficas de complementaridade não podem ser aplicadas em todos os contextos, porque supõem a existência de estruturas familiais e sociais estáveis, do tipo solidário, e a possibilidade técnica de aumentar a produtividade de formas de trabalho mais descontínuas no interior da organização das microempresas. Nesta última área, algumas firmas artesanais e industriais têm conseguido beneficiar-se de tecnologias adaptáveis à produção em pequena escala (da eletricidade à microeletrônica) e, em alguns contextos, de redes organizacionais locais.

Mas essas soluções não se aplicam ao conjunto heterogêneo do terciário, principalmente ao segmento dos serviços pessoais que utilizam o trabalho intensivo de mão-de-obra de baixa qualificação. Tais serviços não proporcionam empregos desejáveis, pois não oferecem recursos materiais e sociais suficientes para a sobrevivência compatíveis com o padrão de inserção do indivíduo na comunidade a que pertence. O prolongamento do tempo de trabalho e do tempo de vida profissional, bem como a utilização mais radical da comunidade, da solidariedade familiar ou dos parentes afins, não bastam para contrabalançar os contextos sociais e culturais pouco produtivos, mas com padrão e custo de vida elevados e aspirações generalizadas à mobilidade social ascendente. Por todos esses motivos, a vitalidade do trabalho por conta própria não representa uma solução de aplicação geral. Mesmo no âmbito do trabalho autônomo e nas pequenas empresas vem-se criando um fosso entre, de um lado, os circuitos tradicionais, em crescente dificuldade e cada vez menos acessíveis às novas gerações socializadas com padrões de comportamento e aspirações típicas de contextos sociais de alta produtividade, e, de outro, os novos circuitos, que criam um equilíbrio entre flexibilidade e condições de vida aceitáveis, mas que não podem ser estendidos a todos os setores e não podem fixar-se em contextos caracterizados pela desintegração social.

As transformações sociodemográficas também contribuem de diferentes maneiras para a desestabilização da regulação social. Além da longevidade, a instabilidade dos casamentos e as baixas taxas de fertilidade estão modificando a interface entre o apoio familiar e as carreiras profissionais no sentido de uma crescente polarização de situações familiares mais estáveis e outras mais instáveis e socialmente isoladas. Não se trata apenas de que as famílias nucleares baseadas no casal com filhos pequenos estejam ocupando uma parte cada vez menor do ciclo de vida; é que elas abrangem uma parcela decrescente da população, e em condições sempre mais heterogêneas. A queda da taxa de fertilidade enfraquece as redes de parentesco em detrimento, principalmente, daqueles para os quais a solidariedade da família constitui um recurso para o estabelecimento de microempresas ou para as atividades de apoio. Assiste-se, de um lado, à crescente heterogeneidade das formas de família, com o aumento da proporção das famílias monoparentais, das famílias reconstituídas e de pessoas que vivem sozinhas, e, de outro, à polarização entre famílias que vivem de um único salário alto, ou de vários salários, e as demais, muitas vezes problemáticas em termos de demanda e necessidades de ajuda, que vivem de um único salário baixo e descontínuo ou são excluídas do trabalho e obrigadas a recorrer à assistência do Estado (Pahl, 1988a; 1988b). Em outras palavras, mesmo que as exigências econômicas cada vez mais numerosas obriguem as famílias plurais a contar com várias fontes de renda, uma parte importante da população ainda depende de um único salário baixo e descontínuo, o que se traduz na disseminação da pauperização. Pahl, ademais, insiste em outro aspecto inquietante dessas transformações. Famílias que vivem de muitos salários desenvolvem toda uma série de relações de amizade no ambiente de trabalho que lhes é útil para melhorar suas carreiras profissionais e para arranjar empregos para os filhos ou parentes. Não é esse o caso das famílias sustentadas por desempregados ou trabalhadores precários, que, não obstante, têm necessidades ainda maiores de tais recursos para poder sair dessas situações difíceis (Morris, 1990; 1992). Além disso, as possibilidades de auto-suficiência somente são factíveis para as famílias de renda média, com casa própria e bem integradas em uma estrutura social estável. Famílias de baixa renda, que vivem em situações sociais mais degradadas, também estão excluídas dessas formas modernas de autoprovisão de bens de consumo. Nessas circunstâncias, a brecha entre "famílias ricas em trabalho" e "famílias pobres em trabalho" torna-se um verdadeiro circuito de polarização social (Pahl, 1988b).

A pobreza urbana e a exclusão social como efeitos da desestabilização da questão social

As transformações do emprego verificadas nas últimas décadas têm sido interpretadas de diferentes maneiras pelo pensamento ortodoxo das ciências sociais, ora como fenômenos contingentes que exigem uma adaptação da sociedade às leis de ferro do mercado, ora como uma transformação notável do mercado que estaria ingressando em uma etapa "mítica" de globalização. Os debates sobre as atividades e ocupações informais e, conseqüentemente, sobre a formação de uma underclass e da exclusão social, é que designaram os modos de regulação do trabalho e a questão social como pontos críticos das transformações em curso.

A discussão sobre o trabalho informal12 contribuiu para ressaltar alguns aspectos das dificuldades crescentes que afetam os sistemas de regulação dos regimes de emprego e dos regimes sociais. A informalidade é quase sempre vista como um sinal de crise da regulação social. Em raras circunstâncias, a informalidade implicou a criação de formas de emprego flexível compatíveis com as estratégias de integração social da população. Até os exemplos menos traumáticos de exercício de múltiplas atividades ou de autoprovisão de bens de consumo mostram a importância de encontrar fontes suplementares de renda para compensar a cesta insuficiente de recursos assegurada pela complementaridade entre renda proveniente do trabalho, atividades não remuneradas e serviços assistenciais prestados pelo Estado. Contudo, as formas de trabalho clandestino, precário ou temporário, é que revelam as divergências entre, de um lado, atividades de trabalho e, de outro, condições mínimas de vida e de integração social. O emprego precário e o trabalho informal refletem diretamente o fato de que as condições de trabalho estão abaixo do padrão geral de vida socialmente necessário para que o indivíduo se integre normalmente na comunidade a que pertence. Se essas condições persistem, de maneira crônica, na vida de indivíduos que, além do mais, sofrem a discriminação das instituições, torna-se muito difícil que se atenham aos horizontes, valores, perspectivas e comportamentos típicos das comunidades a que pertencem.

É precisamente nesse sentido que o debate sobre a underclass e a exclusão social13 sublinha o fato de que a transformação dos regimes de emprego não cria apenas tensões no sistema de regulação, mas também encontra expressão em formas de desintegração social difíceis de quebrar. A acumulação de desvantagens nos planos social e do emprego que se observa em determinados grupos da população - minorias, imigrantes recentes, moradores de bairros pobres de certas áreas metropolitanas das regiões mais atingidas pela desindustrialização ou caracterizadas por formas mais débeis e dependentes de industrialização - torna-se verdadeira síndrome de exclusão social em massa, interpretada como uma forma crônica e institucionalizada de impedir o acesso às possibilidades e aos recursos que garantem o padrão de vida da maioria da população nos países industriais avançados (Castel, 1995a; 1995b). O debate travado nos Estados Unidos sobre a underclass e na Europa sobre a exclusão social chama a atenção para a emergência dessas síndromes que são, antes de mais nada, conseqüências da crise das formas de regulação adotadas pelos regimes de emprego e pelos regimes sociais que se desenvolveram durante o ciclo histórico intensivo, especialmente no último período, mais marcado pelo sistema "assistencialista" [welfarist].

A desestabilização da questão social complica-se ainda mais por sua ocorrência em duas frentes estreitamente vinculadas. A maior instabilidade e heterogeneidade das carreiras profissionais e das estruturas familiares abre uma vasta zona onde o risco da falta de integração social aumenta. Este é o principal efeito comum a todos os modelos de sociedades industriais avançadas na transição pós-fordista. A proteção assegurada pelo Estado, pelas famílias e pelos recursos do mercado, em suas várias formas estruturadas por um crescimento intensivo, já não é mais capaz de prover uma cobertura total para indivíduos que vivem de carreiras profissionais instáveis ou de baixos salários, ou para aqueles que, cada vez mais numerosos, acabam vivendo sozinhos ou em famílias sobrecarregadas de problemas e despreparadas para enfrentá-los.

A zona de carência e potencialmente sujeita à marginalização está-se ampliando e rompendo o ciclo de crescimento e controle econômico da questão social, que acompanha as linhas de divisão e seleção típicas dos trinta anos dourados do pós-guerra. Durante esse período, foi possível controlar a questão social, não porque inexistissem situações de mal-estar e mesmo sérias dificuldades, mas graças à eficácia de um conjunto diversificado de combinações de três fatores. Primeiro, havia capacidade de intervenção de um sistema público de assistência social, particularmente desenvolvido nos países escandinavos, mas também em certa medida em outros lugares14. Segundo, a mobilidade econômica em larga escala impediu então que um número considerável de indivíduos tivesse de passar por longos períodos de dificuldades - isto foi mais difundido no modelo do laissez-faire, e igualmente esteve presente em outros modelos, sobretudo como mobilidade masculina ascendente. Terceiro, famílias e comunidades relativamente padronizadas eram capazes de fornecer uma rede adequada de "primeiros socorros" para os indivíduos em dificuldades15. O colapso financeiro dos programas de assistência social estatal e as tendências à desregulamentação do mercado de trabalho são indicadores desse processo. Mas a tendência de crescimento16 da proporção da população situada abaixo da linha de pobreza revela a amplitude do problema e encontra expressão nas convulsões sociais.

É nesse processo mais geral de risco crescente de um déficit de integração e marginalização que se coloca a questão social da exclusão. Por razões ligadas ao meio (os guetos ou bairros decadentes das grandes cidades atingidas pela desindustrialização), à origem social (minorias desfavorecidas, imigrantes, ciganos), ou decorrentes de trajetórias de empobrecimento mais grave e cumulativo (os "sem-teto"), uma parte da população marginalizada é vítima de segregação, encontra-se em um estado de penúria que acaba coincidindo com uma verdadeira discriminação institucional, sem que seja visível um retorno à normalidade, uma situação que impõe condições de vida e formas de comportamento estigmatizadas pelo restante da população. Nesse sentido, os estudos de Wilson (1987; 1993) sobre os guetos pobres e o de Castel (1995a; 1995b) sobre a exclusão social17 seguem a mesma direção, embora as proporções e as características dos fenômenos sejam diferentes nos Estados Unidos e na Europa Continental.

A desestabilização da questão social desencadeia por toda parte tensões que, simultaneamente, alargam a zona de risco e ativam problemas de exclusão social entre as populações desfavorecidas, sobretudo quando confinadas aos bairros decadentes das grandes cidades. Conforme assinalaram tanto Wilson quanto Sen, a segregação territorial acaba sendo em si mesma um fator que acentua o risco, transformando-o facilmente em exclusão social crônica. Nos guetos e nos bairros pobres, o acesso a oportunidades de emprego estável é dificultado pela discriminação; os serviços sociais são inadequados e de má qualidade, e é preciso adotar formas peculiares de comportamento para enfrentar as dificuldades da vida cotidiana. Cria-se, assim, um círculo vicioso combinando a segregação em guetos de uma parcela dos pobres com a discriminação institucional que transforma as síndromes da pobreza econômica em exclusão social. O círculo vicioso é ativado pelo fato de que as perspectivas de escapar à pobreza são ainda mais reduzidas pela segregação e, portanto, pela eficácia particular da discriminação negativa. Essa trajetória tem sido bem explorada e discutida no que diz respeito aos guetos pobres dos Estados Unidos, a começar pela contribuição de Wilson em The Truly Disadvantaged (1987). Nos demais países industrializados, o problema é não só menos evidente como também tem sido menos estudado. Essa diferença se deve às diversas mesclas de modelos de assistência social, caracterizados por intervenções mais eficazes do Estado, menor exposição às forças do mercado e, em determinados casos, maior capacidade de proteger a família e a comunidade.

Para concluir, examinemos rapidamente os significados, as formas e os limites das medidas de prevenção adotadas para evitar a propagação da exclusão social em outros contextos urbanos18. A análise comparativa realizada por Wacquant (1996) em um gueto de Chicago e na cité de La Corneuve fornece algumas pistas que deverão ser desenvolvidas por estudos longitudinais de comunidades segregadas e desfavorecidas das grandes cidades européias. Mesmo quando acompanhada por divisões étnicas e discriminação contra imigrantes e minorias, a segregação na Europa é menos sufocante do que nas cidades americanas19. Isto se deve às várias combinações de tradições "assistencialistas" [welfarist] (maior nos países escandinavos e na Inglaterra) e de tradições de solidariedade comunitária relativamente abertas, dotadas de maiores recursos de proteção principalmente porque os sistemas familiares são mais resistentes às tendências desestabilizadoras da transição demográfica. O mesmo fenômeno pode ser observado nas cidades americanas, quando se comparam as minorias que possuem menos recursos comunitários, como os afro-americanos e os porto-riquenhos, com aquelas que dispõem de sistemas familiais mais tradicionais (Moore e Pinderhughes, 1993). O problema é que essas combinações mais abertas e, portanto, menos orientadas para a discriminação institucional, constituem formas "conservadoras" de resistência mais do que estratégias "inovadoras" para a construção de novos equilíbrios de integração social apropriados ao caráter fragmentário e flexível do atual ciclo histórico. Nesse sentido, não deixam de ter seus custos e seus limites: a falência do gasto público, a impossibilidade de controlar a subida das taxas de desemprego, as dificuldades crescentes do sistema familiar e a interação cada vez mais desigual e discriminatória daqueles que podem contar com a ajuda de uma família e dos que não podem fazê-lo. Em resumo, a diferença entre os Estados Unidos e os demais países parece estar no fato de que nas cidades americanas a desestabilização da questão social tem efeitos imediatos20, ao passo que, em outros lugares, se trata antes de um processo de lenta erosão.

Este artigo buscou a investigar o impacto das mudanças em curso há quase vinte anos no elo entre os novos regimes econômicos e demográficos e os fatores sociais que engendram a cooperação e as cadeias de solidariedade. Chegou ao fim uma longa era que assistiu à predominância das organizações associativas, das economias de escala, da padronização e da burocratização, e do monopólio estatal da regulação. Mas a transição ainda não delineou claramente os novos equilíbrios entre as perspectivas econômicas e os modos de integração social. Em todos os modelos de welfare capitalism, as transformações produzem tendências desagregadoras que, além das aparências de imediato êxito econômico -como no Japão, em alguns distritos industriais da Itália, na Coréia e, mais recentemente, na Holanda - , inibiram, no médio prazo, um crescimento do bem-estar e da solidariedade, da estabilidade social e de novas formas de cooperação. A pesquisa sociológica voltada para essa direção poderá ir além dos limites do paradigma do mercado e sublinhar a importância das mesclas de fatores associativos e de novas redes de reciprocidade local e extensivas à comunidade inteira para a manutenção do controle das trajetórias familiais e profissionais menos estáveis e mais heterogêneas, para evitar a formação de zonas de exclusão social. E esse é, sem dúvida, um dos campos de batalha do "second souffle de la Sociologie".

(Recebido para publicação em agosto de 1998)

NOTAS:

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ABSTRACT

Fragmentation and Exclusion: The Social Question in the Present Transition of Advanced Industrial Cities

This paper is based on a radical critique of the paradigm of the self-regulated and socially regulated market. It is argued that exchange relations can take place only under favorable conditions, which cannot be directly created by the market itself but rather by factors of cooperation (association and reciprocity) that constitute the basis of the economy’s social embeddedness. This fact has two important consequences: [1] differing (in time and space) socio-cultural conditions are essential for understanding modes of industrial development; and [2] industrial societies are characterized by persistent, important differences. The Fordist age was characterized by mixtures in which associative forms predominated, while today’s combinations are characterized by the innovative resurgence of reciprocity, and in this sense present societies can be considered fragmented. A comparative investigation explores the extent to which the features of fragmentation are reflected in the production of social exclusion - that is, institutionally enforced discriminated status - on top of marginalization processes, centered particularly on joblessness and the transformation of the employment and socio-demographic systems.

Keywords: advanced industrial cities; social exclusion; urban poverty; joblessness

RÉSUMÉ

Fragmentation et Éxclusion: La Question Sociale dans la Transition Actuelle de las Cités Industrielles Dévélopées

Cet article est fondé sur une critique radicale du paradigme du marché auto-régulé et facteur de régulation sociale. On soutiendra que les relations d’échange ne peuvent avoir lieu que dans des conditions favorables qui ne peuvent pas être crées directément par le marché lui-même, mais plutôt par des facteurs de coopération (association et réciprocité) qui constituent la base de l’enracinement social de l’économie. Ceci a deux conséquences importantes: d’une part, les différentes conditions sociales (différentes dans le temps et dans l’espace) sont essentielles à la compréhension des modes de développement industriel; et d’autre part, les sociétés industrielles se caractérisent par des différences importantes et persistantes. L’époque fordiste s’est caractérisée par une mélange de conditions où les associations étaient prédominantes, tandis que l’époque actuelle se caractérise par un retour de la réciprocité; c’est en ce sens que l’on considère que les sociétés contemporaines sont fragmentées. On fera ici une étude comparative montrant à quel point les traits de la fragmentation se manifestent dans la production de l’exclusion sociale, c’est à dire d’un statut discriminatoire appliqué institutionellement, venant s’ajouter à certains processus de marginalisation et particulièrement centrée sur le chômage et la transformation des systèmes socio-démographiques et des systèmes d’emploi.

Mots-clé: cités industrielles dévélopées; exclusion sociale; fragmentation sociale

  • 1. Para detalhes mais teóricos de uma abordagem neopolanyiana, o leitor poderá reportar-se a outras obras, especialmente Granovetter (1985) e Mingione (1991).

    . Para detalhes mais teóricos de uma abordagem neopolanyiana, o leitor poderá reportar-se a outras obras, especialmente Granovetter (1985) e Mingione (1991).

  • 2
    . Referindo-se ao mercado auto-regulado, Polanyi afirma que "tal instituição de maneira sustentável sem aniquilar a substância humana e natural da sociedade, sem destruir o homem fisicamente e transformar em deserto o meio que o cerca." (Polanyi, 1957:3)
  • 3
    . No capítulo 1 de Mingione (1991), explico em detalhe por que discordo da solução adotada por Polanyi, que imputa ao mercado a potencialidade de criar indiretamente instituições organizativas e cooperativas. O ponto principal de meu argumento é que apenas se mantêm dois princípios "puros" de cooperação: associação e reciprocidade. É verdade que eles se transformam e se confundem de maneira complexa, principalmente nos lugares onde as tensões desestruturantes se tornam mais fortes devido à difusão no mercado das possibilidades de competição racional e da disseminação do individualismo.
  • 4
    . A questão dos ciclos históricos é central na obra de Fernand Braudel (1977; 1981; 1984) e na de Immanuel Wallerstein (1983; 1991). Ver, também, o recente livro de Giovanni Arrighi (1994).
  • 5
    . A esse respeito, ver, entre outros, Malinvaud (1984); D’Iribarne (1990); Pugliese (1993); Benoît-Guilbot e Gallie (1994); Reyneri (1996).
  • 6
    . Na América do Norte e na Oceania, o desemprego também predomina na população masculina, especialmente entre os jovens ou adultos em idade madura, que se tornam excedentes em conseqüência da desindustrialização.
  • 7
    .O problema surgiu primeiramente na Dinamarca, onde o desemprego se estabilizou nos níveis elevados da média européia durante a década de 80. Em seguida, propagou-se para a Finlândia, onde logo atingiu níveis muito altos. Por fim, no início da década de 90, alcançou a Suécia, onde teve um crescimento vertiginoso, passando de desprezíveis 1% a 2% para taxas médias entre 8% e 10%, fixando-se então nesse patamar.
  • 8
    . Tomemos, por exemplo, o impacto "dos estatutos de direitos dos trabalhadores", que foram inicialmente negociados e formulados nas grandes empresas industriais, mas que, em seguida, tiveram efeitos reguladores sobre quase todos os setores do emprego, pois determinaram um padrão geral para as carreiras profissionais e que serviu de parâmetro para a modificação de outros empregos.
  • 9
    . De maneira geral, minha linha de interpretação é semelhante à de Gershuny (1978; 1983) e Miles (1983) para explicar o surgimento da "
    self-service society" [economia em que uma proporção crescente das despesas familiares é destinada à aquisição de bens duráveis - ferramentas e máquinas - , que permitem aos consumidores produzirem serviços para si mesmos, em vez de adquiri-los no mercado. N. do T.]
  • 10
    . O desenvolvimento de formas de "
    self-service" - no sentido da nota anterior - , que incluem o trabalho não pago do usuário na produção dos serviços (em restaurantes, lojas, postos de gasolina etc.), pode ser considerado homólogo a este último processo, já que tem contribuído para a generalização de empregos precários de baixos salários.
  • 11
    . No caso das variantes conservadoras, os circuitos insustentáveis de gasto público são criados pelas transferências monetárias para famílias, pelos sistemas de pensões, por medidas que aumentam o apoio à oferta de mão-de-obra, por despesas com assistência social (Esping-Andersen, 1996).
  • 12
    . O debate sobre as atividades informais nos países industrializados intensificou-se especialmente durante os anos 80, depois arrefeceu e quase desapareceu por completo nos últimos anos. O termo "informal" foi usado pela primeira vez por Hart (1973) em um estudo realizado para o Bureau Internacional do Trabalho sobre a economia urbana de uma cidade africana (Accra, em Ghana), caracterizada por uma persistente mescla de várias atividades de subsistência e poucos empregos no mercado. Em fins da década de 70, o termo foi introduzido nos países industrializados para indicar não mais um setor de atividades e uma localidade específica, mas atividades e formas de trabalho que escapam aos controles estatais, seja por não serem identificadas, registradas e tributadas (como os empregos ocasionais e a autoprovisão de bens de consumo), seja por transgredirem as regras em vigor (como a prática de múltiplas atividades não declaradas e o trabalho de empregados sem contrato, sem registro no sistema oficial de seguridade social e à margem do sistema tributário) (Ferman, Berndt e Selo, 1978; Ferman e Berndt, 1981; Pahl, 1984).
  • 13
    . O termo "
    underclass" foi criado nos Estados Unidos para designar principalmente as condições de vida dos afro-americanos concentrados nos guetos das grandes cidades (Wilson, 1987; 1993), enquanto a expressão "exclusão social" surgiu mais recentemente, mesmo na linguagem oficial, nos países da União Européia (Castel, 1995a; 1995b; Silver, 1996). Ver o primeiro e o último capítulos de Mingione (1996), que contêm uma discussão da relação entre os dois conceitos de "
    underclass" e de "exclusão social" e referências bibliográficas à literatura pertinente.
  • 14
    . Vale lembrar a esse respeito a "guerra" contra a pobreza desencadeada pela administração Johnson - governo americano considerado líder do modelo do
    laissez-faire - durante a segunda metade dos anos 60. Embora a porcentagem da população situada abaixo do
    Federal Poverty Standard tenha voltado a crescer desde a segunda metade da década de 70, alcançando taxas ligeiramente inferiores às dos anos 60, somente há pouco tempo os resultados obtidos nos primeiros dez anos de intervenção foram substanciais, e não há como pôr em dúvida o teor "assistencialista" [
    welfarist] do programa.
  • 15
    . Nesse caso, a especificidade das variantes familistas - incluindo-se algumas minorias étnicas dos Estados Unidos -reside no fato de que grupos de parentesco, numerosos e estáveis, bem estabelecidos no país, proporcionam às redes de parentesco e às redes comunitárias recursos humanos e financeiros que extrapolam em muito a intervenção de primeira linha.
  • 16
    . Na realidade, esta é uma tendência a longo prazo; portanto, não se podem mencionar séries de dados que levem em conta as flutuações de curto prazo. Cálculos desse tipo acabam fornecendo dados um tanto manipulados, que se prestam a interpretações divergentes. Seja como for, nota-se uma preocupante tendência ascendente em todos os países, mais evidente e substancial nas zonas em que prevalece o modelo
    do laissez-faire (Estados Unidos e Inglaterra) e que também começa agora a se fazer sentir em contextos social-democratas.
  • 17
    . Em sua definição analítica de exclusão social, Robert Castel (1995b:19) insiste principalmente no efeito cumulativo da discriminação negativa e do
    status institucional: "l’exclusion [...] est ainsi toujours l’aboutissement de procédures officielles et représente un véritable statut. C’est une forme de discrimination négative qui obéit à de strictes règles de construction." [a exclusão [...] sempre é, portanto, o resultado de procedimentos oficiais e representa um verdadeiro
    status. É uma forma de discriminação que obedece a rígidas regras de construção."]
  • 18
    . Mingione (1996:379-383) contém referências mais detalhadas a essa discussão.
  • 19
    . Também no caso das cidades inglesas, Ralph Dahrendorf (1992:556) sublinha essa maior abertura de oportunidades, de modelos culturais e de acesso a serviços de assistência que favorecem a mobilidade ascendente.
  • 20
    . Cabe notar, a propósito, um significativo paralelo histórico entre a explosão da pobreza urbana nas cidades inglesas da segunda metade do século passado, efeito da crise no ciclo extensivo de acumulação, e as iniciativas organizadas em favor do
    welfare
    state no ciclo intensivo.
  • * [A tradução do original em inglês, "Fragmentation and Exclusion: The Social Question in the Present Transition of Advanced Industrial Cities", é de Vera Pereira.]
    [A tradução do original em inglês, "Fragmentation and Exclusion: The Social Question in the Present Transition of Advanced Industrial Cities", é de Vera Pereira.]
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Abr 1999
    • Data do Fascículo
      1998

    Histórico

    • Recebido
      Ago 1998
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