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A Revolução como Reação: a Recepção do Fascismo entre a Direita Católica nos Anos 1930* * Uma versão preliminar desta pesquisa foi apresentada no 13º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP). A pesquisa foi financiada pelo programa E_20/2022 – Programa de apoio a projetos temáticos no Estado do Rio de Janeiro – 2022, “Ideologias políticas e práticas democráticas em transição”, da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e pelo Prociência - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

The Revolution as Reaction: The Reception of Fascism Among Brazilian Catholic Right in the 1930s

La Révolution comme Réaction : la Réception du Fascisme par la Droite Catholique dans les Années 1930

La Revolución como Reacción: La Recepción del Fascismo entre la Derecha Católica Brasileña en la Década de 1930

Resumo

Este artigo tem como objetivo compreender a recepção do fascismo entre os intelectuais ligados à direita católica nos anos 1930, com ênfase nos debates travados na revista A Ordem. Procuramos mostrar como – em uma análise contextual do pensamento político que parte da necessidade de entender como as ideias circulam e são apropriadas e contra que problemas históricos elas são mobilizadas – as fronteiras ideacionais entre conservadorismo, reacionarismo, tradicionalismo católico e fascismo são muito tênues. A ênfase aqui, portanto, é no repertório semântico mobilizado pelos atores. Ao fim, o artigo pretende compreender as afinidades entre essas linguagens políticas para produzir uma teorização do pensamento reacionário de modo mais amplo, que não leve em conta apenas as suas manifestações paradigmáticas do Norte, mas que seja capaz de pensar a crítica das direitas à democracia a partir da experiência de recepção e circulação dessas linguagens políticas no Sul global.

pensamento político brasileiro; fascismo; reacionário; revolução; iliberalismo

Abstract

The purpose of this article is to understand the reception of fascism among intellectuals linked to the Catholic right in the 1930s, with emphasis on the debates held in the magazine A Ordem. We intend to show how – in a contextual analysis of political thought that starts from the need to understand how ideas circulate and are appropriated and against which historical problems they are mobilized – the ideational boundaries between conservatism, reactionaryism, Catholic traditionalism and fascism are very subtle. The emphasis here, therefore, is on the semantic repertoire that the actors mobilize. In the end, the article intends to understand the affinities between these political languages ​​to produce a theorization of reactionary thought in a broader way, which does not only take into account its paradigmatic manifestations of the North, but which is capable of thinking about the right-wing critique of democracy from the experience of reception and circulation of these political languages ​​in the global South.

Brazilian political thought; fascism; reactionary; revolution; illiberalism

Résumé

Cet article vise à comprendre la réception du fascisme par les intellectuels liés à la droite catholique dans les années 1930, en mettant l’accent sur les débats menés dans la revue « A Ordem ». Nous cherchons à montrer comment - dans une analyse contextuelle de la pensée politique qui part de la nécessité de comprendre comment les idées circulent et sont appropriées et contre quels problèmes historiques elles sont mobilisées - les frontières idéationnelles entre conservatisme, réactionnisme, traditionalisme catholique et fascisme sont très ténues. L’accent ici est donc mis sur le répertoire sémantique mobilisé par les acteurs. En fin de compte, l’article vise à comprendre les affinités entre ces langages politiques pour produire une théorisation de la pensée réactionnaire de manière plus large, qui ne tienne pas seulement compte de ses manifestations paradigmatiques du Nord, mais qui soit capable de penser la critique des droites à la démocratie à partir de l’expérience de réception et de circulation de ces langages politiques dans le Sud global.

pensée politique brésilienne; fascisme; réactionnaire; révolution; illibéralisme

Resumen

Este artículo tiene como objetivo comprender la recepción del fascismo entre los intelectuales vinculados a la derecha católica en la década de 1930, con énfasis en los debates realizados en la revista A Ordem. Buscamos mostrar cómo – en un análisis contextual del pensamiento político que parte de la necesidad de comprender cómo circulan y se apropian las ideas y contra qué problemas históricos se movilizan – las fronteras ideacionales entre conservadurismo, pensamento reaccionario, tradicionalismo católico y fascismo son muy tenues. El énfasis aquí, por lo tanto, está en el repertorio semántico movilizado por los actores. Al final, el artículo se propone comprender las afinidades entre estos lenguajes políticos para producir una teorización del pensamiento reaccionario de manera más amplia, que no solo tenga en cuenta sus manifestaciones paradigmáticas del Norte, sino que sea capaz de pensar la crítica derechista de la democracia desde la experiencia de recepción y circulación de estos lenguajes políticos en el Sur global.

pensamiento político brasileño; fascismo; reaccionario; revolución; iliberalismo

Introdução

Texto, contexto e nacionalismo metodológico no estudo do pensamento político brasileiro

Em seu estudo sobre as ideias políticas na Argentina dos anos 30, La Argentina y la tormenta del mundo, o historiador Tulio Halperin Donghi afirmava que entender a crise do marco institucional republicano do período exigiria, antes, voltar os olhos para o mundo, para o processo de crítica ampla e sistemática do paradigma liberal e para as diversas e variadas propostas de alternativa à civilização “liberal e capitalista” em disputa no período: as distintas manifestações do corporativismo, a doutrina social da igreja, a “revolução” fascista, o comunismo, dentre outras. O foco do historiador argentino, parece-nos, era tornar mais complexo algo próximo do que chamaríamos posteriormente de “nacionalismo metodológico”: a adequada compreensão das ideias – e dos processos políticos que elas pretendem originar – não deve ser limitada a fatores internos, mas orientada por um horizonte de expectativas formado por palavras, argumentos e ideias associados às “promessas” políticas transnacionais, em um contexto em que “a democracia havia deixado de ser um destino” (Halperin Donghi, 2004: 24).

Transpondo essa percepção seminal de Halperin Donghi para a realidade de alguns dos estudos clássicos sobre o pensamento político brasileiro, podemos perceber que a interpretação dos diversos autoritarismos que se consolidou com mais força em nosso debate acadêmico foi aquela que insistiu nas particularidades do descobrimento de um paradigma nacionalista (Lynch, 2013LYNCH, Christian E. C. (2013). "Por que pensamento e não teoria? A imaginação político-social brasileira e o fantasma da condição periférica (1880-1970)". Dados, v. 56, n. 4, pp. 727-767. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0011-52582013000400001.
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: 745), com ênfase em autores, “famílias” intelectuais e estilos de pensamento crítico que oferecessem alternativas para um diagnóstico de crise política a partir da compreensão de nossas especificidades nacionais. Foi desde este paradigma nacionalista que se produziu, a partir dos anos 1950, uma reapreciação sistemática das categorias analíticas para o estudo crítico do pensamento político brasileiro (Ramos, 1983RAMOS, Alberto Guerreiro. (1983), "A Inteligência brasileira da década de 1930 à luz da perspectiva de 1980", in A Revolução de 30: Seminário internacional. Brasília, Ed. UNB.; Santos, 2017SANTOS, Wanderley Guilherme dos. (2017), A imaginação política brasileira: cinco ensaios de história intelectual. Organização de Christian Edward Cyril Lynch. Rio de Janeiro, Revan.).

Contudo e a despeito de seus méritos – tornando mais complexa as leituras predominantes até então, que classificavam os autores do período como um bloco autoritário unívoco – a revisão do paradigma nacionalista crítico operada por autores como Guerreiro Ramos e Wanderley Guilherme dos Santos tendeu quase sempre a trabalhar a partir da construção de categorias que vinculavam os autores a certas “famílias” ou “estilos” de pensamento, colocando dificuldades teóricas consideráveis para um esforço de interpretação contextual do problema das ideologias autoritárias no pensamento brasileiro do período. Como percebe Christian Lynch, o problema das “mentalidades, famílias, tradições ou linhagens” foi especialmente importante para os estudos do pensamento político brasileiro, quase sempre acompanhados de uma distinção entre os autores que foram efetivamente capazes de compreender as características sociológicas e políticas da nossa realidade versus aqueles que, confundidos por um pendor doutrinário, seriam classificados de “idealistas” (Lynch, 2021LYNCH, Christian E. C. (2021). "Idealismo e realismo na teoria política e no pensamento político brasileiro: três modelos de história intelectual". Revista Brasileira de Ciência Política, n. 34, [20 fev. 2024] pp. 1-57. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/wjVCDjk44yDV9ZPbBvtwwNk/.
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: 1-2). Nesse tipo de abordagem, a relação interno-externo na construção das ideias políticas fica relegada ao esforço de verificar que autores foram capazes de recepcionar o que foi formulado alhures para produzir uma representação mais criticamente nacional da nossa realidade – que, ao fim, é aquela mais próxima aos ideais políticos do intérprete. Os pares conceituais deste tipo – autoritários instrumentais x liberais doutrinários, pragmáticos críticos x hipercorretos – funcionam menos como um instrumento morfológico para distinguir com clareza os diversos tipos de autoritarismos brasileiros e mais como um critério para selecionar o que há de “virtuoso” em certos tipos de autoritarismo, buscando desvendar uma consciência crítica latente mais próxima do paradigma “científico” de uma ciência social capaz de lidar criticamente com o dado nacional (Cassimiro, 2021CASSIMIRO, Paulo Henrique Paschoeto. (2021), "A Revolução Conservadora no Brasil. Nacionalismo, autoritarismo e fascismo no pensamento político brasileiro dos anos 30". Anais eletrônicos do 12º Encontro da ABCP. [27 abr. 2023]. Disponível em: https://cienciapolitica.org.br/eventos/12o-encontro-abcp/anais.
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).

Uma compreensão ampliada do pensamento político do período deveria atentar-se para a presença das linguagens políticas em um contexto global de crise de toda uma experiência civilizacional: como elevar o Brasil à experiência da revolução mundial – à esquerda e à direita – é uma pergunta tão importante para uma interpretação contextualmente comprometida do pensamento político brasileiro quanto aquela que busca colocar ênfase nas soluções “propriamente nacionais” do nacionalismo crítico. A percepção dessa necessidade foi anunciada por Marcelo Jasmin, ao chamar atenção para a importância de uma nova agenda de pesquisas para o estudo do pensamento autoritário brasileiro em que a ênfase nas “adaptações” promovidas pelos autores locais não deixasse em segundo plano a compreensão de um horizonte de expectativas que não é, de modo algum, apenas nacional.

Em particular, interessa verificar como as leituras (...) permitiam aos autores em questão elaborar um diagnóstico que, afirmando a emergência de uma nova modernidade pós-Primeira Guerra, considera simultaneamente a natureza do sentido da história contemporânea e a especificidade da geografia social brasileira para, ao fim e ao cabo, embasar uma proposta que se apresenta como aquela adequada à natureza das coisas do Brasil em seu ingresso necessário na nova modernidade mundial (Jasmin, 2007JASMIN, Marcelo. (2007), "Mímesis e recepção: encontros transatlânticos do pensamento autoritário brasileiro da década de 1930", in M. Jasmin; J. Feres Jr. (org), História dos conceitos: diálogos transatlânticos. Rio de Janeiro, Ed. PUC-Rio, Ed. Loyola, Iuperj.: 239, destaques no original).

Diagnóstico semelhante é produzido por Christian Lynch, quando percebe que a superação da dicotomia teoria-pensamento pressuporia também historicizar as hierarquias entre universal e local no pensamento brasileiro (Lynch, 2013: 760).

A proposta deste trabalho, em termos teóricos mais amplos, é recuperar a dimensão global de circulação e recepção de ideias e linguagens políticas no pensamento político brasileiro do século XX. Antes de nos preocuparmos com a semelhança interna nas estruturas conceituais das obras e dos autores, de modo a construir “famílias” ou linhagens assemelhadas, ou tradições mais pretensamente “críticas” que outras, nos interessa entender o pensamento político brasileiro numa relação ampliada histórica e geograficamente com a apreensão de linguagens políticas que aparecem tanto no momento inicial de formulação de um diagnóstico sobre a realidade nacional quanto no momento “final” de formulação de proposições de natureza prescritiva/normativa, recuperando, como insiste Elias Palti, “os usos públicos da linguagem” (Palti, 2007: 299). Vale dizer: não se trata aqui de retornar à ideia de que não existiria um pensamento político autóctone, e este seria apenas a reprodução de enunciados transplantados, mas sim de insistir que mesmo nos diagnósticos que levam em conta a compreensão da realidade nacional também estão presentes os elementos de uma relação com o contexto global, traduzida pela circulação de ideias e linguagens políticas.1 1 . Guerreiro Ramos percebeu essa tensão entre o externo e o interno ao afirmar que os pragmáticos críticos “tendem mais a se servir das ideias e teorias importadas do que a admitir sua exemplaridade abstrata” (Ramos, 1983: 533), e toda sua teoria da redução sociológica parte justamente de uma compreensão ampliada dessa tensão. Contudo, e em razão de seu projeto crítico, os elementos de adaptação interna foram preponderantes para sua pesquisa vis-à-vis os problemas de circulação e recepção das linguagens políticas que procuramos focar no presente trabalho.

A insistência na circulação e na dupla dimensão nacional/transnacional das ideias não tem como sentido apenas questionar os paradigmas hegemônicos do estudo do pensamento político brasileiro. Ao contrário, ela nos parece fundamental para enfrentar o principal elemento que nunca esteve claro nos estudos sobre as ideias políticas no Brasil, qual seja, o problema que chamamos aqui do “encaixe” entre categoria ideológica e realidade empírica dos discursos. Como mostraremos na sessão seguinte, o caso do fascismo é paradigmático deste problema: ele sempre foi enfrentado no Brasil como se categorias ideológicas como “conservadorismo”, “fascismo” e “autoritarismo orgânico” fossem mutuamente excludentes ou, dito de outro modo, como se, ao não se encaixar um caso em um tipo ideológico tal como formulado até então, precisássemos necessariamente encontrar um tipo distinto ou reformular a categoria. O que procuraremos demonstrar, ao contrário, é que a adequada compreensão de certos autores e debates em seu contexto só é possível se partirmos de uma compreensão “híbrida” de como as linguagens políticas são recepcionadas, apropriadas e reformuladas para dar conta dos problemas políticos colocados aos autores/atores. Interessa a uma compreensão contextual como os autores se apropriam de modo pragmático de elementos/ideias disponíveis para formular um “ato de fala” com objetivo ideológico imediato. É justamente isso que permite a compreensão dos hibridismos ideológicos percebidos no debate de ideias em seu contexto. Procuraremos, ao fim, propor outra forma de explorar o problema que segue a intuição seminal de Michael Freeden, quando afirma que o estudo das ideais “identifica o cruzamento de posições ideológicas, indicando que as ideologias não são de forma alguma mutuamente exclusivas em suas posturas substantivas, nem são separadas por limites ideais claros” (Freeden, 2013: 134).

Um problema teórico para o estudo do fascismo no pensamento brasileiro

Anunciado o problema metodológico de fundo, passamos ao objeto do presente trabalho, que é entender a circulação e a recepção das ideias que traduziram o contexto de fim da institucionalidade liberal nos anos 1930 e que buscaram integrar o diagnóstico da desordem brasileira à “grande desordem do mundo”, assimilando a crise do modelo liberal-oligárquico2 2 . Para um trabalho sobre a identificação da experiência política pós-1930 com a crise e esgotamento do liberalismo, ver Cepêda (2009). à crítica da decadência da modernidade e à promessa de regeneração e reintegração espiritual do homem: o pensamento católico e as diversas recepções do fascismo no pensamento de direita do período.

A literatura sobre o integralismo – a principal manifestação da ideologia e das técnicas de organização e ritualização partidárias do fascismo no Brasil – é extensa, e não teríamos espaço aqui para revisitá-la: ela vai desde a reprodução de interpretações marxistas feitas no calor do momento até as interpretações mais recentes que, aproveitando-se das discussões sobre história global e circulação de atores e redes, desenvolveu com grande qualidade as conexões dos líderes integralistas com as manifestações do fascismo no Norte global.3 3 . Sobre algumas das disputas e problemas historiográficos em torno da interpretação do integralismo, ver as discussões introdutórias nos trabalhos de Caldeira Neto (2014); Gonçalves (2018). Para um trabalho – já desatualizado – de revisão da bibliografia, ver Oliveira (2010). Ao mesmo tempo, não nos interessa aqui o integralismo em si – a compreensão do movimento e de suas conexões com outros movimentos congêneres no período – mas sim as diversas experiências de recepção das ideias e linguagens políticas do fascismo no Brasil, sendo ou não associadas ao movimento integralista.4 4 . Um dos exemplos da recepção das ideias fascistas no Brasil dos anos 1930 que não se associou ao movimento político do integralismo pode ser encontrado na obra de Octávio de Faria. Para mais, ver Sadek (1978); Cunha (2016); Cassimiro (2018). Para outro caso relevante, como o grupo de intelectuais ligados ao Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, ver Ribeiro (2023). É preciso, contudo, recuperar um dos elementos da literatura sobre o integralismo no Brasil para tornar claro o nosso problema teórico: o debate sobre se o integralismo seria ou não um fascismo.

O trabalho de Hélgio Trindade, “Integralismo. O fascismo brasileiro na década de 30” (1974), reposicionou o estudo do integralismo no debate acadêmico brasileiro. Fruto de sua tese defendida na França, Trindade enfatiza principalmente a formação ideológica do líder, Plínio Salgado, e os aspectos organizacionais da AIB para afirmar a sua analogia com o fascismo, assentando, a partir daí, a sua interpretação do Integralismo como um “fascismo brasileiro”. Influenciado por uma sociologia política de tipo weberiano, o trabalho de Trindade é sem dúvidas sensível aos aspectos contextuais nacionais e internacionais – a crise do entreguerras, os partidos de massa, o surgimento das “alternativas” ao esgotamento da democracia liberal e ao comunismo. “Sem excluir a existência de outras formas possíveis do fascismo lato sensu na América Latina, a análise da Ação Integralista nos leva a concluir que tal natureza, organização hierárquica, estilo do Chefe e rituais não se podem explicar sem levar em consideração a influência do modelo de referência externo” (Trindade, 1974TRINDADE, Hélgio. (1974), Integralismo. O fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo, Difel.: 8).

A obra de Trindade insiste em um ponto teórico central do problema, que vamos chamar aqui de interpretação da identidade: ora, dadas as afinidades ideológicas e organizacionais evidentes do integralismo brasileiro com o fascismo, para ser adequadamente compreendido ele precisaria ser tratado como o “caso nacional” de uma categoria mais ou menos geral compreendida como “fascismo”. A obra de Trindade ensejou um debate amplo na academia brasileira, em boa parte resultado da tentativa de questionar a tese da identidade, partindo do que vamos chamar aqui das teses da inadequação, ou seja, aquelas que preferem enfatizar os aspectos “não fascistas” como definidores de uma suposta natureza ideológica do integralismo.

A primeira delas, elaborada explicitamente contra a de Trindade, é o trabalho de José Chasin, intitulado “O integralismo de Plínio Salgado”. Para ele, o trabalho de Trindade operaria apenas um levantamento de confluências e afinidades ideológicas entre integralismo e fascismo, relegando as diferenças à explicação de uma pretensa natureza “eclética” do integralismo (Chasin, 1978: 81). Em verdade, a operação classificatória de buscar nas afinidades entre ideias o procedimento de identificação ideológica não seria para Chasin mais do que simplificar “entidades histórico-sociais pela sua redução às aparências políticas, tomando estas como o nódulo significativo essencial ao qual é conferida a condição de norte de um rastreamento que é realizado à revelia dos modos de produção e dos graus concretos de desenvolvimento histórico destes” (p. 59). A ênfase marxista nas estruturas econômicas como condicionantes dos processos ideológicos leva-o a negar a aplicabilidade da categoria “fascismo” ao integralismo: enquanto o fascismo surge como parte necessária do processo de acumulação capitalista em dado momento de sua etapa imperialista, o integralismo de Plinio Salgado representaria antes um “retrocesso”, uma “proposta regressiva” contra o “grande capital”, manifestação de um “capitalismo hipertardio” na forma de um imaginário agrário, religioso e organicista (pp. 651-652).

Não muito distante da interpretação de Chasin em suas conclusões sobre a natureza “não fascista” do integralismo encontra-se o trabalho de Gilberto Vasconcellos (1979)VASCONCELLOS, Gilberto. (1979), Ideologia Curupira: análise do discurso integralista. São Paulo, Brasiliense., “Ideologia Curupira: análise do discurso integralista”, que, partindo da categoria de mimese, aponta que a reprodução de elementos ideológicos aportados do fascismo e de outras formas de integralismo – o irracionalismo, o espiritualismo, as formas de organização corporativas – não teriam como função senão a construção de um “discurso totalitário de país periférico”, uma forma de construção de um imaginário social e político mistificador que isolaria o país das verdadeiras conexões históricas que resultam na nossa construção periférica e dependente (Vasconcellos, 1979VASCONCELLOS, Gilberto. (1979), Ideologia Curupira: análise do discurso integralista. São Paulo, Brasiliense.). Forma extremada de alienação, importaria pouco se a construção do imaginário político do integralismo compartilhava ou não de elementos ideológicos do fascismo, já que o tipo de processo histórico produzido por ele estaria interditado no Brasil, dada a etapa de nossa formação capitalista.

As leituras de Chasin e Vasconcellos oscilam entre interpretar o integralismo como um “não fascismo” e uma “não ideologia”. Ao recusar a natureza fascista do integralismo, o que se oferece no lugar é a impossibilidade de tratá-lo como um objeto no campo do estudo das ideias, mas apenas como um sintoma da incapacidade persistente das ideologias políticas de traduzirem no Brasil as relações reais de dominação assumindo uma feição de classe ou explicitando as relações globais de dependência. Aquilo que é enunciado pelos autores como um verdadeiro procedimento histórico de análise – interpretar o discurso à luz dos seus condicionantes materiais que produzem a dominação política – mostra-se, como resultado, anti-histórico: o integralismo, se não é um fascismo, não é apontado por eles como sendo uma outra ideologia com conexões discursivas e ideológicas/de classe específicas, mas como uma “não ideologia” que não tem origem senão nos resquícios de um imaginário arcaico e regressivo de uma “não modernidade”.5 5 . Marilena Chauí (1978), sem citar diretamente os dois autores aqui tratados, percebe essa deficiência nos estudos marxistas do integralismo. Nos parece que, justamente por isso, Chauí pretende colocar ênfase no “destinatário do discurso” do imaginário integralista, mostrando que ele não é uma “não classe”, mas antes um imaginário de conciliação de classe associado a valores religiosos e reacionários da classe média. Optamos, contudo, por deixar de lado o exame de sua interpretação no corpo do texto, não só porque ela não aporta elementos conceituais efetivamente novos para examinar o fascismo para além daqueles trazidos por Trindade, mas principalmente pela completa ausência de elementos empíricos que demonstrem e comprovem a sua associação entre integralismo e classes médias. Ao fim, parece que Chauí se dedica a “oferecer uma classe” para o integralismo, suprindo as faltas de trabalhos como os de Chasin e Vasconcellos.

Haveria muito ainda a se explorar na literatura sobre o tema, mas, em razão da economia de espaço e para não fugir ao objetivo do trabalho, fiquemos aqui com essas duas perspectivas que colocam questões teóricas fundamentais para o debate sobre o fascismo e para o estudo das ideias políticas no Brasil de modo mais geral. Elas nos servem para recolocar o problema teórico que apontamos no início deste artigo, qual seja, o problema do “encaixe”. Nos parecem pertinentes as críticas que apontam o trabalho de Trindade como sendo pouco preciso ao definir e distinguir conceitualmente as diversas categorias ideológicas que aparecem no texto para tentar descrever o integralismo – fascismo, extrema-direita, autoritarismo etc. –, restringindo-se às analogias entre os discursos integralistas e os fascistas europeus e tratando de forma teoricamente vaga as afinidades entre o integralismo e o “autoritarismo” brasileiro (Santos, 2017SANTOS, Wanderley Guilherme dos. (2017), A imaginação política brasileira: cinco ensaios de história intelectual. Organização de Christian Edward Cyril Lynch. Rio de Janeiro, Revan.: 134-135). Respondendo posteriormente a seus críticos sobre essa dificuldade (Trindade, 1976TRINDADE, Hélgio. (1976), "Texto e contexto: nota crítica a alguns aspectos do estudo 'Paradigma e história' de Wanderley Guilherme dos Santos". Revista do IFCH, Porto Alegre, v. 4, pp. 126-135.; 2007), Trindade insiste na dimensão “eclética” do fascismo que, mesmo na Europa, seria caracterizado pela confluência de elementos ideológicos distintos:

(...) no nível explicativo global, não satisfaz a crítica à interpretação do ecletismo ideológico integralista, uma vez que esta é precisamente a especificidade de todo o fascismo que se reproduz, mesmo na Europa, com exceção do fascismo italiano. Em todo fascismo coexistem, paradoxalmente, um nacionalismo exacerbado e uma influência e, até mesmo, solidariedade ideológica com o fascismo internacional (Trindade, 2007TRINDADE, Hélgio. (2007), "Integralismo: teoria e práxis política nos anos 30", in B. Fausto (dir.). O Brasil Republicano. V. 10. Sociedade e Política (1930-1964). Rio de Janeiro, Betrand Brasil.: 368).

Apesar, contudo, dessas insuficiências e fazendo justiça ao trabalho de Trindade, ele é, sem dúvidas, o estudo do período que melhor percebeu alguns dos elementos teóricos centrais para a compreensão do integralismo e, de modo mais geral, a importância da sua relação com outros movimentos análogos ao fascismo no período. Ainda que não tenha sido o centro de sua explicação do movimento integralista, Trindade percebe que a adequada compreensão de uma ideologia deveria necessariamente passar pela superação do binarismo “autenticidade nacional x mimetismo”, e que o integralismo não pode ser entendido como um mimetismo ideológico – mais ou menos bem sucedido, de acordo com as “condições materiais” de sua implantação –, mas como o resultado de experiências intelectuais e políticas que são formuladas na junção do interno com o externo.6 6 . Nos parece que algumas críticas à excessiva ênfase na analogia do integralismo com o fascismo no trabalho de Trindade falham em ver a complexidade do problema sugerido por ele. É o caso, por exemplo, do excelente artigo de Alexandre Pinheiro Ramos (2014), que aponta acertadamente para a necessidade de entender as conexões do integralismo com a reflexão do nacionalismo brasileiro e com o movimento do laicato católico surgido nos anos 1920. Mas, ao defender a necessidade de “dar o próximo passo que permitiria deixar para trás a zona de influência da tese fascista” (Ramos, 2014: 340) e afirmar que o “integralismo não é apenas um fascismo” (p.343), Pinheiro Ramos perde de vista que a formação de uma ideologia política fascista e sua interação com outros discursos políticos – como o reacionário católico, por exemplo – não é uma especificidade do integralismo como “fascismo brasileiro”, mas do fascismo em todas as suas manifestações nacionais específicas, como bem havia percebido Trindade.

Para concluir, seria importante sintetizar algumas críticas à abordagem de Trindade não para superá-la, mas para utilizá-la como um ponto de partida importante para o argumento deste artigo. Parece-nos que a pouca elaboração teórica da ideia de “ecletismo” aplicada ao fascismo dificultou o desenvolvimento de algumas questões fundamentais, que buscaremos levantar aqui. (1) Em primeiro lugar, poderíamos nos perguntar se é possível afirmar que alguma ideologia política não é “eclética”, ou seja, se existe algum tipo de discurso ideológico que se mantém fiel a uma fonte que funcionaria como um “grau zero”, protegida de toda influência externa. Nos parece, segundo a perspectiva que procuramos desenvolver na seção anterior, que todo discurso ideológico mobiliza aspectos sincrônicos e diacrônicos de discursos políticos diversos tendo como objetivo um “lance”, uma intervenção no debate. (2) Ora, ao mesmo tempo, reconhecer essa natureza “pragmática” ou “eclética” das linguagens políticas não significa dizer que seu hibridismo seja ilimitado ou acidental, mas antes entender que ele é orientado por afinidades ideológicas que, por sua vez, são construídas a partir de antagonismos políticos específicos. É justamente a necessidade de explicar as origens ideológicas do “ecletismo fascista” que o trabalho de Trindade não esgota. A essa questão nos dedicaremos na próxima seção.

O fascismo como ideologia contrarrevolucionária

Como afirmamos no início, o fascismo nos interessa aqui em suas possíveis convergências com outras manifestações ideológicas da extrema direita no período, cuja adequada compreensão exige atenção para os aspectos contrarrevolucionários dos fascismos. Contudo, o estatuto de ideologia “contrarrevolucionária” aplicado ao fascismo não é um ponto pacífico na literatura sobre o tema. É possível inclusive afirmar que uma das principais disputas interpretativas dos estudos sobre o fascismo gira em torno da tentativa de sopesar a importância de suas origens reacionárias (Enzo Traverso, Mark Blinkhorn, Michel Dobry) ou revolucionárias (Eugene Weber, Zeev Sternhell, George Mosse, Roger Griffin). Não teríamos espaço aqui para esgotar essa questão no interior da literatura sobre o fascismo, mas, para fins de argumento, gostaria de insistir que, em sua dimensão ideológica, o fascismo representou aspectos de ruptura com as ideologias conservadoras e reacionárias do período, ao mesmo tempo em que absorveu, em muitos de seus autores e ideólogos, aspectos de suas críticas ao processo de democratização, representado tanto pela expansão liberal dos regimes constitucionais-representativos quanto pela reivindicação por direitos sociais e ampliação da participação dos movimentos socialistas e social-democratas.

A respeito das convergências entre o fascismo e os movimentos conservadores da Europa dos anos 1920 e 1930, Mark Blinkhorn insiste que o fascismo também foi um mecanismo de controle de aspectos de mudança social acelerados, o que explicaria, por exemplo, as afinidades ideológicas e as alianças político-partidárias entre partidos fascistas e conservadores em casos como Itália, Alemanha e Espanha:

O fascismo – isto é, movimentos fascistas e ideias fascistas – desempenhou um papel importante e complexo. Complexo, visto que o fascismo, onde apareceu, foi ao mesmo tempo um sintoma e um produto da mudança contemporânea; uma possível arma pela qual os conservadores puderam lidar com alguns dos aspectos desagradáveis da mudança, notadamente o desafio da esquerda; e uma possível ameaça a eles (Blinkhorn, 2003BLINKHORN, Mark (org.). (2003), Fascists and Conservatives. London, Routhledge.: 3-4).

Nesse sentido, é preciso concordar com Enzo Traverso (2019TRAVERSO, Enzo. (2019), The New Faces of Fascism, Populism and the Far Right. New York, Verso.: 90), quando recomenda aos estudiosos do tema precaução ao comprar a explicação de uma “’revolução fascista’, sob o risco de nos cegarmos pela própria linguagem e estética do fascismo”.

Na interpretação de Traverso, a historiografia do pós-guerra acertou nas críticas ao determinismo da explicação marxista clássica do fascismo como etapa necessária do desenvolvimento capitalista, mas deixou para trás a necessidade de compreender as conexões ideológicas e de classe que permitiram a ascensão do fascismo. Ao focar excessivamente a dimensão da ruptura fascista, obnubilou-se o fato de que os fascistas “não conquistaram o poder por meios insurrecionários, mas através do compromisso com a velha ordem das elites econômicas, burocráticas, militares e políticas” (Traverso, 2019: 89). Não se trata aqui, portanto, de recusar os aspectos “revolucionários” presentes em diversas manifestações ideológicas do fascismo, mas de insistir na tentativa de conciliação explorada por muitos de seus teóricos entre a organização de um movimento político que se reivindica revolucionário com elementos social e politicamente conservadores e, do ponto de vista ideológico, – como procuraremos argumentar – com a longa tradição reacionária de crítica à “grande revolução” da modernidade – o individualismo, a secularização, a democratização.

As conexões entre fascismo e catolicismo, como procuraremos demonstrar no caso brasileiro, resultam justamente da capacidade dos intelectuais de ressaltar os elementos de afinidade no interior dessas linguagens políticas, que operam numa mesma gramática antidemocrática. Acreditamos que falar sobre a história das ideias fascistas e suas afinidades com outras expressões extremadas de conservadorismo não é mais do que falar sobre as formas de resistência ao processo de democratização. Ou, como afirma Antônio Costa Pinto (1922: 122):

O fascismo não foi o único condicionante das crises das democracias liberais, mas é parte de um processo maior e mais amplo de coalizões antidemocráticas que ganhou protagonismo político a partir dos anos 20, e que envolveu uma diversidade de forças conservadoras, católicas e nacionalistas que se uniam por um projeto ideológico e político antirrevolucionário e antidemocrático e que, em determinados países, foi liderado pelos fascistas.

Recuperamos pontualmente essas questões teóricas na literatura sobre o fascismo para ilustrar o argumento fundamental que gostaríamos de apresentar aqui, qual seja, que o caso brasileiro – assim como outros casos latino-americanos, como nos revelam os trabalhos de Federico Finchelstein (2010)FINCHELSTEIN, Federico. (2010), Transatlantic Fascism. Ideology, Violence and the Sacred in Argentina and Italy, 1919-1945. Durham, Duke University Press. e Ernesto Bohoslavsky (2023)BOHOSLAVSKY, Ernesto. (2023). Las Derechas Latinoamericanas. Ciudad de México: El Colegio de México. – representa uma experiência exemplar de afinidade intelectual entre pensamento reacionário católico e fascismo. Não se trata de afirmar uma interdependência ou uma relação de necessidade entre pensamento e intelectuais católicos no Brasil e o fascismo, como se fossem a mesma coisa. O esforço de interpretação que proponho aqui é o de procurar mostrar que, no Brasil, os elementos ideológicos do fascismo frutificaram no ambiente da intelectualidade católica e, do mesmo modo, demonstrarmos como a linguagem política do fascismo no Brasil partiu de um vínculo estreito com os diagnósticos de declínio do liberalismo, da civilização ocidental e da necessidade de regeneração espiritual do homem próprios da cultura política católica, reorganizada e reforçada aqui desde os anos 1920 com a criação do Centro Dom Vital e da revista A Ordem (Pinheiro Filho, 2007; Rodrigues, 2005RODRIGUES, Cândido Moreira. A Ordem. Uma revista de intelectuais católicos (1934-1945). Belo Horizonte, Autêntica/Fapesp, 2005.).

No caso específico da relação entre fascismo e as posições dos católicos no período, a literatura internacional aponta as tensões entre as posições ideológicas oficiais da Igreja através das encíclicas papais de condenação às ideologias modernas e a ação efetiva dos movimentos, intelectuais e partidos ligados ao laicato católico. As críticas à situação econômica e os pendores corporativos da encíclica Quadragesimo Anno tiveram impacto decisivo em uma certa interpretação católica de que a solução da crise exigia uma ruptura decisiva com a ordem política liberal (Conway, 1997CONWAY, Martin. (1997), Catholic Politics in Europe (1918-1845). London, Routledge.: 45). Ao mesmo tempo, o anticomunismo católico reforçava um antagonismo que colocava ainda mais explicitamente os católicos e fascistas no mesmo campo (foi o anticomunismo, por exemplo, a principal justificativa pública para que católicos conservadores e fascistas de todos os países se colocassem ao lado de Franco na Guerra Civil Espanhola).7 7 . O historiador John Pollard chama atenção para a dimensão do conservadorismo social que foi preservado pelo fascismo, aprofundando a sua compreensão como uma ideologia reacionária: “Democracias parlamentares liberais, particularmente a Alemanha de Weimar, também trouxeram outras ‘tendências modernizantes’”. A emancipação das mulheres e o relaxamento de papéis de gênero e comportamento nos anos 1920 foram especialmente mal recebidos por círculos religiosos. Em 1930, o Papa Pio XI publicou uma encíclica, Casti Conn Ubi, que reiterava os papéis femininos tradicionais e a estrutura familiar, enquanto condenava o aborto e a contracepção artificial. A Itália fascista parece ter absorvido muito da Casti conn ubi em sua revisão do código penal de 1932: sua busca reacionária do pró-natalismo na “batalha demográfica” e nas “políticas de ruralização” iam ao encontro dos institutos antimodernistas do catolicismo italiano (Pollard inCosta Pinto, 2011: 152).

Contudo, essas afinidades não são apenas definidas por circunstância histórica, mas estão arraigadas em elementos ideológicos de longa duração. A aliança entre católicos e fascistas – aqui e alhures – teria a função de produzir uma alternativa entre a democracia-liberal e o comunismo – os “produtos” da modernidade política – funcionando, como aponta Juan Linz (1983)LINZ, Juan J. (1983), "Polítical Space and Fascism as a Late-Comer", in S. Larsen; B. Hagtvet; J. Myklebust (eds.), Who Were the Fascists. Social Roots of European Fascism. Oslo, Universitetsforlaget., como uma ideologia “late-comer”, de terceira via. Eles se encontram na crítica ao liberalismo, ao comunismo e na reivindicação de uma filosofia política que percebe a modernidade como decadência e que pretende salvar a civilização ocidental e reintegrar o homem cindido pelo individualismo em uma nova totalidade. Esse discurso, de ecos claramente reacionários, não está presente apenas em intelectuais “periféricos”, mas também no centro da ideologia fascista, como podemos perceber nos trabalhos de Alfredo Rocco, importante ideólogo e ator político do fascismo italiano, quando falava em “visão integral da sociedade” como fundamento de uma “revolução conservadora” perpetrada pelo fascismo (Sarti in Blinkhorn, 2003BLINKHORN, Mark (org.). (2003), Fascists and Conservatives. London, Routhledge.: 21).8 8 . Para um exame mais detido sobre a relação entre catolicismo e a filosofia fascista de Rocco, ver Griffin, Mallett, Tortorice (2008). Na próxima seção, buscaremos examinar como esses elementos se articularam no debate político brasileiro dos anos 1930.

Harmonia hierarquizada: a aproximação entre pensamento católico e fascismo no Brasil

No campo integralista, é a obra de Gustavo Barroso aquela que elabora de modo mais insistente a ideia do fascismo como revolução regeneradora da unidade espiritual do cristianismo colocada em xeque pela modernidade. O argumento da palingenesia,9 9 . A ideia de que a ideologia fascista pode ser definida pela sua natureza palingenética, ou seja, pela defesa de um renascimento nacional conduzido por uma liderança populista, encontra-se na importante interpretação de Roger Griffin. No caso de Barroso, contudo, a ideia de palingenesia está fortemente relacionada a um argumento religioso, em que o nacionalismo aparece de modo apenas subsidiário, o que nos mostraria que o suposto “consenso” sobre a natureza revolucionária do fascismo afirmado por Griffin (2003) ainda pode ser questionado. Para uma discussão sobre a palingenesia dentro da filosofia católica, ver Cassina (2007). característica de diversos teóricos do fascismo, aparece inicialmente com a ideia mística dos quatro impérios: ali encontramos a ascensão do cristianismo, o império da força representado por Roma, a ascensão do materialismo – cujos principais episódios são a Reforma, o liberalismo, o capitalismo, a Revolução Francesa e o comunismo10 10 . O antissemitismo tem um papel central na explicação do processo de decadência histórica de Barroso, associando judaísmo ao “espírito revolucionário”. Para um estudo aprofundado do tema, nos remetemos a Maio (1992). – e finalmente o fascismo como meio de interromper a decadência e produzir a regeneração através de uma “nova espiritualização da humanidade” (Barroso, 1935BARROSO, Gustavo. (1935), O quarto Império. Rio de Janeiro, José Olympio editora.: 138). Os trabalhos de Barroso apresentam uma síntese dos topoi de integração entre a longa tradição reacionária católica e o fascismo: o fascismo como “nova revolução cristã” teria sido previsto por Joseph de Maistre (p. 145); o fascismo como representante do pensamento antiburguês e anticapitalista cuja origem encontra-se no cristianismo antirrevolucionário (p. 154) e outros argumentos são exemplos dessa tentativa de inserir o surgimento do fascismo numa filosofia da história regeneradora do cristianismo. “A maior revolução de todos os tempos foi o Cristianismo. A única revolução digna de tal título na História, depois dele, é o movimento renovador e regenerador do fascismo” (p. 173). Revolução como regeneração, a ideia síntese da palingenesia, é a chave teórica para a compreensão da reintegração entre espiritual e temporal que, do ponto de vista político, só poderia ser produzida por um movimento de mobilização análogo ao fascismo, que daria a unidade entre ação política fascista e pensamento reacionário católico.

A ênfase na “reintegração” do espiritual com a política permitia a Barroso considerar o integralismo brasileiro a mais adequada manifestação do fascismo no mundo:

o integralismo brasileiro é o que contém maior dose de espiritualidade e um corpo de doutrina mais perfeito, indo desde a concepção do mundo e do homem à formação dos grupos naturais e à solução dos grandes problemas materiais. Surgido depois de Mussolini e de Hitler, ele afirma mais fortemente o primado do espírito e mais alto se eleva doutrinariamente, para as verdades Eternas, que cintilam na aurora dos novos tempos. O integralismo defende os princípios básicos da civilização cristã ocidental. Como esses princípios fundamentam todos ou quase todos os chamados fascismos, naturalmente com eles se cruza o integralismo aqui e ali (Barroso, 1936BARROSO, Gustavo. (1936), O integralismo e o mundo. Rio de Janeiro, José Olympio editora.: 15-16).

Esse fascismo “universal” 11 11 . Em toda sua obra, Barroso se esforça em afirmar algumas distinções entre fascismo e integralismo, sem deixar de insistir na apologia do primeiro que, de todo modo, vai se tornando mais rareada conforme a guerra se aproxima e a AIB se prepara para lançar Plínio Salgado candidato à presidência a partir de 1936. De modo geral, é possível dizer que fascismo é o nome genérico – dada a antecedência da experiência italiana – para diversos movimentos da grande revolução espiritual de reintegração entre material e espiritual experimentada no período. O movimento fascista, como movimento, é especificamente italiano. A revolução que realizou é um fato histórico italiano. Mas o Fascismo também é uma doutrina e, como doutrina, tem caráter universal. Portanto, empregaremos o termo Fascismo, ora para designar o movimento italiano e sua obra, ora o movimento filosófico universal, no qual se englobam o nacional-socialismo alemão, o nacional-corporativismo belga, o nacional-sindicalismo espanhol e outros que tais: integralismo, aprismo, etc. Essa filosofia surgiu em várias partes do mundo, sob diversos nomes, em organizações diferentes e com certas variantes que demonstram a sua espontaneidade. Não se trata de imitação nem mesmo duma influência direta do Fascismo italiano. E, se se chama Fascismo a essa doutrina, é porque apareceu e venceu a primeira vez com esse nome. O Fascismo Universal pode ser resumido no seguinte: anti-individualismo, reafirmação do Estado encarnando a coletividade; heroísmo como princípio de vida em oposição aos materialismos burguês e marxista; contra todas as divisões em classes ou partidos, reafirmação da nação como realidade primacial e da solidariedade natural que une todos os seus membros; organização hierárquica da coletividade nacional em todos os seus domínios. Portanto: coletivismo espiritual e nacional hierarquizado (Barroso, 1936: 101-102, destaques nossos). não se colocava em contradição com a ideia de nação, mas, antes, reunia, num mesmo processo de revolução espiritual, a diversidade dos dados nacionais contra o “internacionalismo individualista do século passado” (Barroso, 1936BARROSO, Gustavo. (1936), O integralismo e o mundo. Rio de Janeiro, José Olympio editora.: 13), em uma síntese de diversos movimentos de extrema direita no mundo: os fascismos do Chile ao Japão, do Canadá à África do Sul, a Action Française, os nacional-sindicalistas, o patrianovismo (movimento monarquista e reacionário brasileiro), entre outros. Nesse grande contexto variegado de ideologias e movimentos restauradores da ordem, o integralismo seria superior aos fascismos italiano e alemão justamente por reconciliar-se com um passado cristão em lugar da celebração do “espírito pagão” de seus congêneres:

O integralismo traz em si o idealismo das três raças: os sonhos das tribos andejas dos tupis em busca duma terra feliz, o sonho de libertação dos escravos arrancados aos sertões longínquos, o sonho da gloria e riqueza dos conquistadores e bandeirantes audazes. A benção do jesuíta uniu todos debaixo da mesma cruz (...). O seu culto é a cruz que juntou as três raças e os três sonhos (Barroso, 1936BARROSO, Gustavo. (1936), O integralismo e o mundo. Rio de Janeiro, José Olympio editora.: 18).

Aqui, a apologia da conciliação social, signo do conservadorismo brasileiro, amparada no cristianismo, dá o substrato espiritual para a fundamento ideológico do fascismo no país.

Outras elaborações teóricas da proximidade entre reacionarismo e fascismo encontramos, por exemplo, na teoria do Estado de Miguel Reale, na qual os contrarrevolucionários católicos aparecem como os primeiros a perceber a fissura na integridade da personalidade humana produzida pelo individualismo que a filosofia moderna, concretizada politicamente na Revolução Francesa, expandiu. “O Estado moderno, pondera Benoist, por causa da sua abstração social, destruiu o rico tecido corporativo dos órgãos profissionais e das sociedades particulares, destruindo as próprias condições de possibilidades de vida do Estado” (Reale, 1934: 144). Mas, ao mesmo tempo, seria preciso aceitar de modo instrumental alguns princípios da modernidade política, como a política de massas e o nacionalismo, de modo a ser capaz de produzir a ruptura com a carcomida democracia liberal e reconstruir uma sociedade em que o homem pudesse novamente reintegrar sua vida material e espiritual. Para isso, a mobilização política dos partidos de massa, a técnica da violência e o louvor do líder eram instrumentos admissíveis e desejáveis.

Na França, Bonald e de Maistre desfraldaram a bandeira da reação em nome da ordem, e, sobretudo em nome da tradição, que os enciclopedistas e os discípulos de Rousseau haviam esquecido totalmente, fazendo ‘tabula rasa’ da história. Esta reação teria sido salutar – nesse momento em que o individualismo anarquisante consolidava a potência das suas asas – se os seus promotores não tivessem pecado de intransigência, se tivessem sabido reconhecer também as grandes conquistas efetuadas no decorrer do século das luzes (Reale, 1934REALE, Miguel. (1934), O Estado moderno. Liberalismo, fascismo, integralismo. Rio de Janeiro, José Olympio.: 145).

O fascismo não é mais o reacionarismo contrarrevolucionário, mas sua continuação aperfeiçoada; ele é, no limite, a única possibilidade de reação: seu encontro com os aspectos revolucionários da modernidade para produzir uma revolução reacionária.

É um procedimento comum ao repertório retórico do pensamento reacionário (1) partir de um diagnóstico sobre os causadores da crise na civilização ocidental que retrocede à Renascença, ao protestantismo e à Revolução Francesa; (2) apontar em seguida a exaustão do modelo individualista/liberal/representativo e os riscos da alternativa comunista e, por fim, (3) insistir nas condições excepcionais do momento, cuja superação o modelo político do fascismo tornaria possível. Essa estrutura argumentativa encontra-se, de modo paradigmático, em Maquiavel e o Brasil de Octávio de Faria, que mobiliza Spengler para descrever a exaustão das formas culturais do “ocidente ptolomaico”, cuja restauração possível é a reconciliação entre o espiritual e o temporal. Para Faria, Roma estaria novamente oferecendo a possibilidade dessa conciliação através do fascismo. Se o individualismo moderno é caracterizado pela fragmentação do homem, o Estado fascista é a saída para a reconstrução de um Estado integral. A Roma aqui, contudo, não é a da soberania universal do papado, mas o modelo da revolução palingenética fascista. Citando Rocco, Faria afirma que o Estado integral fascista contém em si o estado liberal, a democracia e o socialismo: ele realiza a liberdade na medida em que é útil à ordem social, realiza a democracia na medida em que o povo participa e é representado em sua unidade na figura do líder e, por fim, realiza a justiça social redistribuindo as riquezas sem destruir o sistema produtivo como faz o socialismo (Faria, 1933: 119-120).

Para além dos teóricos que insistem na aproximação entre as diversas experiências fascistas do período e a tradição do pensamento reacionário católico, as tensões entre catolicismo e fascismo aparecem nos vários debates testemunhados ao longo dos anos 1930, em especial nas páginas do principal meio de veiculação ideológica do laicato católico no Brasil, a revista A Ordem.12 12 . Exploramos os artigos da revista A Ordem no período de 1930 e 1946, disponíveis na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional, buscando localizar aqueles que se referiam aos termos “fascismo”, “fascistas”, “integralistas”, “integralismo”, “reação” e “reacionário”. Para um mapeamento temático extensivo da revista A Ordem, ver Velloso (1978). Nela, encontramos um esforço reincidente de aproximação entre católicos e fascistas – protagonizado inclusive por seu editor-chefe e líder político, Alceu Amoroso Lima –, sem deixarmos de atentar para algumas abordagens críticas a esse movimento. Todas essas posturas refletiam as tensões entre as posições oficiais da Igreja sobre as ideologias políticas “modernistas” e as disputas internas pela alternativa política mais adequada aos católicos, manifestadas na criação da Liga Eleitoral Católica (1931) e da Ação Católica Brasileira (1935) (Mainwaring, 2004MAINWARING, Scott. (2004), Igreja católica e política no Brasil (1916-1985). São Paulo, Brasiliense.). A posição pró-integralista pode ser entendida também como uma disputa pelo destino político do voto católico.13 13 . Para uma análise histórica de grande qualidade sobre as aproximações e oposições das lideranças laicas e da hierarquia católica com os integralistas, ver Cordeiro in Bertonha (2013). Aqui, interessa-nos os aspectos teóricos e a constituição de uma linguagem política que unirá fascismo e catolicismo.

Uma dimensão comum aos intelectuais católicos apologéticos de uma aliança com o fascismo é a ideia de que ela pode ser o reencontro da metapolítica reacionária14 14 . A categoria “metapolítica” refere-se a um tipo de ação política centrada na difusão, transformação ou restauração de valores e ideias, que deveriam anteceder a ação política organizada ou institucional (Teitelbaum, 2020). Ela é traduzida em grande medida por uma linguagem de regeneração espiritual ou identitária/nativista e está associada ao diagnóstico – comum desde os contrarrevolucionários franceses – de que a simples ação política contrária a um determinado processo de decadência não é suficiente para interrompê-lo sem um movimento amplo de regeneração espiritual (Cassimiro, 2020: 262). com uma política de mobilização. Esta é a tónica do artigo de San Tiago Dantas, “Catolicismo e Fascismo”, publicado n’A Ordem em 1931, em que a aproximação ao fascismo é interpretada a partir da necessidade de dotar a “sociologia católica” de uma “ação política” (A Ordem, 1931, nº 11: 37). A tensão entre o “finalismo sobrenatural cristão” e o “finalismo nacionalista” próprio aos diversos fascismos não é, no limite, algo que determine uma contradição definitiva entre ambos: “Para a sociologia católica todo o trabalho será exceder o finalismo fascista incorporando-lhe os demais elementos de sua própria fórmula. O que certamente, ao mesmo tempo que a faz integrar os princípios políticos fascistas, lhe dá alça para atingir mais longe na intervenção social” (p. 43). Bem entendido: o fascismo é uma complementaridade política necessária à ação dos católicos; mas o esforço de submissão do fascismo ao “finalismo cristão” é trabalho ativo de seus intelectuais.

No mesmo ano, um artigo não assinado, intitulado “Espanha demagógica”, usa a expressão “crise das democracias individualistas” para caracterizar a situação política espanhola e afirma em seguida que “mais realista, mais moderno, mais humano e inteligente, o fascismo não repudia o poder espiritual, mas, segundo a sua concepção totalitária do Estado, considera-o como uma das funções do Estado, incluindo a Igreja entre as repartições públicas e o clero entre os funcionários do poder” (A Ordem, 1931, nº 19: 131-132). O artigo apresenta, mais uma vez, a preocupação católica com a submissão do espiritual ao político/nacional nos regimes totalitários; mas, ainda assim, sinaliza para a interpretação do fascismo como a ideologia contemporânea mais próxima aos ideais espirituais cristãos.

Em artigo da redação publicado em 1932 celebrando Jackson de Figueiredo nos dez anos de fundação do Centro Dom Vital, o líder do laicato católico nos anos 1920 é apresentado como a origem intelectual das diversas manifestações da extrema direita no período.

O novo monarquismo, o patrianovismo, o integralismo e mesmo o nacionalismo da revolução de Outubro deveriam a Jackson. (...) O integralismo, por seu lado, é um movimento social-político em plena ascensão. Na hora em que o fascismo italiano, o racismo alemão, o integralismo e o corporativismo, em Portugal, na América mesmo, no Chile, no Peru, na Colômbia e até nos Estados Unidos, com o National Recovery Act, uma reação de vitalidade disciplinada e autoritária se processa, contra o liberalismo e o comunismo, Plínio Salgado, no Sul, Severino Sombra, no Norte, lançam movimentos cujas bases estão todas nas doutrinas políticas defendidas por Jackson (...) Em terrenos tão diversos, como esses, portanto, vemos Jackson influir poderosamente, por meio de ideias que, a princípio, chocaram o ambiente e hoje se encontram espalhadas em plena efervescência (A Ordem, 1932, nº 41: 805-806).

O fascismo e suas variantes são colocados ao lado da ação católica do período, compondo uma imagem de Jackson de Figueiredo como patrono ideológico da grande “coalizão de extrema direita” no país – ressaltando-se, mais uma vez, o aspecto do antagonismo para definir suas afinidades ideológicas: todas elas são reação ao liberalismo e ao comunismo.

A síntese de argumentos em defesa do fascismo como um aliado e um meio possível de ação política para os católicos está na série de artigos publicados a partir de 1935 n’A Ordem por seu principal intelectual, Tristão de Athaíde (pseudônimo de Alceu Amoroso Lima). A defesa dos fascismos inicia-se com a tradicional tentativa de conciliação entre o espiritual e o temporal, revisando os diversos momentos de recuo e aproximação da Igreja com o fascismo (que se encontram presentes nos editoriais da revista escritos ao longo dos anos 1930). “Concluímos justificando a compreensão e participação no mesmo [no movimento integralista], sob certas condições que me parecem imprescindíveis: que conservem intangível a preeminência de sua consciência católica sobre sua consciência política” (A Ordem, 1935, nº 54: 5). A consciência católica recomenda, mas não obriga, a participação no movimento integralista; de igual modo, ela exige a precedência do espiritual sobre político, do “corpo místico sobre o corpo político” (p. 12) – exemplo preciso da ideia de metapolítica católica.

A opção pelo integralismo inscreve-se numa filosofia da história decadentista, que Alceu Amoroso Lima já apresentava em seu A política (1932), mas que, nos artigos d’A Ordem, assimila explicitamente o fascismo. Ela não difere de modo substantivo da filosofia da história decadentista dos reacionários: o “espirito da burguesia” teria libertado o mundo moderno da Igreja mas, ao mesmo tempo, gestado, com a democracia, o motor de sua própria decadência: a mobilização da classe trabalhadora. “É por isso que o socialismo é um decurso natural do liberalismo” (A Ordem, 1935, nº 61: 10). “Guerra, revolução e crise” são os três fenômenos que caracterizam essa decadência da civilização burguesa, cuja regeneração será marcada pelo que ele chama, a partir de Berdiaeff, de “Idade Nova”, uma era de síntese entre socialismo, fascismo e liberal-democracia. Contudo, liberalismo e socialismo pecam pelo individualismo moral, e os “nacionalismos totalitários” pelo potencial conflitivo dos particularismos nacionais (p. 111). A Idade Nova só será plenamente realizável se for uma realidade “integralmente cristã”. O “quarto caminho” para a Idade Nova é o da “Nova Cristandade” (p. 112) que é promovida pela metapolítica católica: “é o emprego de métodos delicadíssimos de atuação social, por infiltração direta em toda linha, em vez do ataque em massa e em ligação com o Estado e a política” (p. 113).

O integralismo, contudo, é mais do que um partido ou movimento possivelmente aliado aos católicos; é, antes, uma “filosofia social e filosofia de vida” adequadas à conciliação entre “nacionalismo e espiritualismo” e parte do movimento da “reação contrarrevolucionária”, sendo a mais radical negação do comunismo (A Ordem, 1935, nº 61 6). A sociedade moderna é descrita por ele como dividida por dois “extremos políticos”, o comunismo e o fascismo (no qual inclui também o “hitlerismo” alemão e o integralismo) (p. 8). É este segundo polo do extremismo político moderno que “animou um novo espirito de reação” que, no Brasil, a revolução de Outubro fracassou em despertar. A linguagem política da coalizão de extrema direita está sintetizada no pensamento de Alceu Amoroso Lima: Espiritualismo como finalidade metapolítica; integralismo como ação política; ação política como reação contrarrevolucionária; comunismo e liberalismo como decadência revolucionária e, portanto, como inimigos comuns.

Tenho pelo movimento integralista a mais viva simpatia, como tenho pelo fascismo e por toda essa moderna reação das direitas, que mostram a não inevitabilidade do socialismo. E, ao contrário, a possibilidade de reagir contra os erros da burguesia, do capitalismo e da sua democracia, sem o recurso à revolução violenta e à ditadura do proletariado, a mais sangrenta e a mais estúpida a que se poderia chegar, para dar às classes operárias a posição justa que amanhã vão ter na sociedade, em reação contra a disfarçada escravidão em que o Liberalismo burguês as vem mantendo (A Ordem, 1935, nº 7: 13).

A tensão permanente entre espiritual e nacional é atenuada, no argumento de Amoroso Lima, pelo papel que o chefe da AIB, Plínio Salgado, exerce como “fiador” do compromisso católico dos integralistas. Aqui, o risco dos “exageros nacionalistas de sua concepção totalitária de vida” é anulado pela fidelidade das diretrizes da “revolução espiritual e cultural” do integralismo à “orientação social da igreja” (A Ordem, 1935, nº 55: 85). “De todos os partidos políticos não confessionais é aquele que mais se aproxima da doutrina social católica e se empenha na defesa expressa das instituições que a igreja invariavelmente defende como nucleares de toda sociedade sadia” (A Ordem, 1935, nº 60: 8).

Afinidade doutrinária e pragmatismo político estão sempre associados no argumento dos intelectuais católicos que defendem a aliança com o integralismo no Brasil. Essa defesa, contudo, não se esgota num cálculo pragmático que leva em conta as forças em pugna no tabuleiro político brasileiro; antes, ela manifesta o caminho possível para os católicos diante da grande “reação contrarrevolucionária” mundial que assume a forma de uma “Revolução espiritual e cultural” levada a cabo por um fascismo capaz de atenuar seu nacionalismo e se submeta à doutrina da igreja. Ou, como afirma Júlio Sá em artigo intitulado “Cristianismo e Integralismo” publicado em 1935 n’A Ordem, “Revolução e reação são palavras que podem ter o mesmo sentido. O que importa é distinguir a revolução má, materialista, da revolução cristã, que é a revolução de retorno à mentalidade espiritualista da vida. (...) Não há o mínimo choque entre revolução e justiça social, nem revolução cristã e nacionalismo. O que há é uma ‘harmonia hierarquizada’ (A Ordem, 1935, nº 61: 416-417).

Espiritual versus Nacional: as oposições católicas à aproximação com o fascismo

Não deixa, contudo, de ser possível observar uma tensão evidente entre catolicismo e fascismo, traduzida pela recusa de muitos dos intelectuais católicos em buscar uma conciliação com o fascismo. Para estes, a ideia de civilização cristã é irreconciliável com a ideia de Estado moderno, originado em um tipo de legitimidade política baseada na unidade soberana (do rei ou do povo) contra o papel da soberania papal como árbitra dos governos nacionais. Essa tensão entre o “nacionalismo” dos fascistas e o “internacionalismo” dos católicos está explicita nas páginas d’A Ordem e marcará a divisão interna entre os intelectuais católicos simpáticos ao fascismo e aqueles que recusarão qualquer aproximação como traição à doutrina da Igreja e às várias encíclicas papais emitidas durante os anos 1930 contra o fascismo, o nazismo e o comunismo.

Uma postura crítica ao fascismo chega mesmo a ser esboçada como uma posição oficial da revista, nos editoriais e artigos da redação ao longo do ano de 1931, quando passa a veicular em suas edições os princípios de orientação da Ação Católica – que resultaria, quatro anos mais tarde, na criação da Ação Católica Brasileira – e ecoa a encíclica “Non abbiamo bisogno”, que defende a autonomia da Ação Católica e ataca a interferência arbitrária do regime fascista nas organizações católicas. No artigo da redação intitulado “Igreja e Estado. Catolicismo e Fascismo”, este é interpretado como produto da filosofia política moderna, forma contemporânea do “absolutismo político” da nação. “O fascismo é o monismo idealista, derivado também de Hegel, como foi a princípio o pensamento filosófico de Marx, mas alterado e convertido em neo-hegelianismo pelos dois grandes filósofos da Itália moderna, Croce e Gentile” (A Ordem, 1931, nº 18: 69). Aqui, a crítica ao fascismo é toda ela traduzida na linguagem da soberania: a “soberania ilimitada do Estado” defendida pelo fascismo tornaria a Igreja dependente, órgão estatal. Contudo, o argumento deixa espaço para uma reconciliação entre fascismo e catolicismo – aquela que Alceu Amoroso Lima reconhecerá no integralismo alguns anos mais tarde.

Nosso dever, portanto, é reconhecer a incompatibilidade profunda entre a filosofia política fascista, ramo do monismo absolutista social de nosso tempo, e ao mesmo tempo render homenagem aos altos serviços históricos prestados pelo mesmo à civilização. (...) Se o fascismo fosse fiel à sua missão histórica, o que infelizmente se torna dia a dia mais duvidoso, poderia figurar na história como o salvador político da civilização cristã (A Ordem, 1931, nº 18: 71).

Em resenha publicada sobre “Maquiavel e o Brasil”, de Octávio de Faria, o historiador católico Manoel Lubambo afirma que, a despeito do forte compromisso católico enunciado por seu autor, “o princípio de ação que o anima, o princípio de sua mensagem espiritual é outro. É romano” (A Ordem, 1932, nº 25: 235). As críticas do resenhista apontam que a concepção de ação política e de “sacrifício” exigidas pelo livro não se inspiram na doutrina da ação católica, mas em uma concepção de ordem e política “maurasiana”, centrada no Estado nacional. É a crítica à centralidade do Estado, portanto, que dá o tom da recusa católica ao fascismo durante o período.

Um espaço notável para testemunhar a tensão entre o compromisso católico e a adesão ao fascismo é o debate sobre educação religiosa na nova ordem política pós-1930, que ocupou um lugar de destaque na revista Hierarquia – publicação do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, dirigida por Lourival Fontes e de orientação editorial pró-fascista. Como publicação oficial, a revista tinha como sentido editorial mais amplo uma apologia do Estado forte, do líder e das ideologias que ecoavam essa concepção autoritária de “democracia” (Hierarquia, 1931, nº 1: II). O tema do fascismo aparece como parte das discussões sobre revolução, crise das democracias, corporativismo e ação política católica. Sobral Pinto, por exemplo, é um dos autores que nega a possibilidade de uma conciliação entre a concepção de Estado fascista e a doutrina católica, argumentando que elas se baseiam em concepções de solidariedade distintas: a solidariedade universal da “ecclesia católica” contra a solidariedade das particularidades nacionais (Hierarquia, 1931, nº 1: 57).

Mas é justamente nas intervenções de dois intelectuais que não se colocam de modo imediato nas fileiras do movimento político do laicato católico – Sergio Buarque de Holanda e Azevedo Amaral – que encontramos as interpretações mais complexas sobre a relação entre catolicismo e fascismo no período. Para Sérgio, os católicos sempre foram aliados do que ele chama de “ideólogos antiliberais” (Hierarquia, 1931, nº 1: 17), o que implica uma contradição permanente em sua ação política: eles aderem constantemente a certas “mitologias políticas” do mundo moderno para combater aquelas outras que lhes parecem mais ameaçadoras. Assim, metapolítica converte-se em política extremista quando o antagonismo ideológico – e o sentido de emergência, risco ou decadência que ele enseja – obriga os católicos a escolher.

Na mesma edição, o artigo de Azevedo Amaral desenvolve uma interpretação historicamente complexa das “coalizões de extrema direita” do período. Para ele, o pós-guerra marca o fim das “ideologias democráticas” que, tendo origem histórica na Revolução de 1789, deram forma às instituições e crenças políticas do século XIX. A “reação de um espírito novo” ao “ciclo de valores liberais” começa com os imperialismos nacionalistas e – no período que vai das últimas décadas do século XIX à Grande Guerra de 1914 – opera uma “revolução profunda” na mentalidade das “elites intelectuais” quanto à necessidade de rever e transformar os valores do liberalismo do século XIX, sobretudo sua concepção do Estado moderno (Hierarquia, 1931, nº 1: 51-52). Esse processo de revolução dos valores encontra a sua primeira grande manifestação política na ascensão de Mussolini na Itália que, ao mesmo tempo, não deve ser lida como um caso isolado, mas como parte deste grande processo de “reação contra a democracia liberal” em resposta aos problemas da “desordem após-guerra” (Hierarquia, 1931, nº 1: 52).

Contudo, ao contrário dos intelectuais católicos simpáticos aos movimentos fascistas, que buscam conciliar revolução e reação, Azevedo Amaral insiste que o fascismo – a despeito de ser capaz de integrar valores históricos e adaptar instituições do passado – é uma ideologia “moderna e progressista” precisamente por propor uma nova forma de organizar o Estado de modo totalitário.15 15 . Para uma interpretação do integralismo de Plínio Salgado a partir da categoria de “totalitarismo”, ver Benzaquen (1987). Crise global, reação ao esgotamento liberal e novos modelo de Estado: esses são os termos estruturantes da análise de Azevedo Amaral. Aqui, a relação entre catolicismo e fascismo só pode ser de conflito, tensão entre a “imutabilidade essencial dos valores” e a integração fascista do espiritual no Estado. A força do fascismo está justamente na sua capacidade de integrar valores diversos em um processo de transformação revolucionário.

Resistindo à concepção estática da vida social, para afirmar sua fisionomia essencialmente dinâmica, traduzindo-se na tendência à sua própria renovação incessante pelo estabelecimento de sucessivas relações entre os valores sociais, o Estado fascista integra-se em um conceito dinâmico do desenvolvimento histórico e adquire assim os traços individualizadores de uma concepção sistemática de organização política (Hierarquia, 1931, nº 1: 56).

A adesão católica só pode ser interpretada como má compreensão da natureza histórica e política do fascismo, já que ele, fatalmente, se sobreporá à autonomia do espiritual, dando continuidade ao processo histórico dinâmico de esgotamento do predomínio das formas religiosas de organização da vida comum e integrando-as na nova realidade do Estado totalitário.

A partir da meados dos anos 1930, quando a orientação editorial d’A Ordem, seguindo a aproximação de Amoroso Lima, se torna mais explicitamente pró-integralista, alguns intelectuais reforçam suas críticas à aproximação católica ao fascismo. Conforme as tensões políticas que levarão à guerra se acentuam, a crítica ao “brutal nacionalismo” fascista torna-se mais presente – inclusive nos artigos do próprio Amoroso Lima – e a presença do humanismo cristão de Jacques Maritain e seus ataques contra as ideologias do entreguerras torna-se constante. É o caso dos artigos de Afrânio Coutinho, para quem comunismo e fascismo são igualmente filhos da “Revolução de Lutero: um na sua forma negativa, democrática e racionalista, e outro na sua forma afirmativa, imperialista e voluntarista” cuja derrota passa por levantar uma nova cultura de base cristã, inspirada em Maritain e em Theodor Haecker (A Ordem, 1939, nº 3: 473).

Durante os últimos anos da guerra, a conversão de A Ordem à orientação filosófica e política de Maritain é acentuada, com a adesão de Alceu Amoroso Lima. Após a guerra, o apoio dos católicos ao fascismo é revisado, atenuado ou criticado por uma série de artigos de autoria de intelectuais como Afrânio Coutinho, Guerreiro Ramos, João Camilo de Oliveira Torres e Fabio Alves Ribeiro. Nesse contexto, a semântica política do período anterior é ressignificada: os editoriais da revista rompem com o integralismo, que passa a ser associado à violência do fascismo italiano e do nazismo; o vocabulário decadentista é substituído por uma evocação da compreensão das “necessidades do mundo contemporâneo” (A Ordem, 1945, nº 14: 173); “reacionário” adquire valência negativa, seguindo as críticas de Maritain, apresentado por Coutinho como “expressão de um radical antirreacionarismo” (A Ordem, 1946, nº 13: 528); a natural conexão entre católicos e a direita política da década anterior é questionada por João Camilo sob o rótulo de um “direitismo católico” que nutriu a aproximação com o fascismo (A Ordem, 1946, nº 13: 532). Essa ampla “revisão semântica” do vocabulário político da revista atesta precisamente que o processo de aproximação católica do fascismo foi central para a constituição da cultura política católica da década anterior.

Conclusão: por uma semântica global do pensamento reacionário

Se é verdade que a “revolução espiritual” dos católicos e dos fascistas nem sempre quis dizer a mesma coisa, é possível perceber como elas compartilham um vocabulário e um conjunto de significados comuns: “crise das democracias”, “reação”, “decadência”, “antiliberalismo” são parte da construção de uma linguagem política que manifesta precisamente uma afinidade que não é apenas conjuntural, mas está inscrita na história das ideologias que reagem ao processo de expansão política que chamamos de “democratização”. Quando não se trata mais de conservar uma ordem política, mas de mobilizar um ideal de ordem passado para produzir transformações políticas no presente, ideologias que parecem ter fundamentos doutrinários muito distintos – a soberania universalista católica versus a soberania nacionalista dos fascismos – são capazes de se articular e de se servir mutuamente para organizar a crítica da ordem política e de suas origens e estabelecer os enfrentamentos necessários para a superação de uma continua situação de crise.

O antimodernismo católico, como havia percebido Sergio Buarque, é profundamente moderno: as promessas de regeneração e reintegração espiritual da vida humana não recusam modos de organização e de intervenção política que são, em verdade, produtos desse processo de democratização associado à decadência. O fascismo ofereceu uma oportunidade para dar forma a essa ação política. Se é verdade que o estudo do passado não necessita justificar-se pela sua reincidência no presente, não é possível ignorar que a revivescência destas coalizões de extrema direita aprofunda o interesse e a necessidade de compreendermos o pensamento reacionário no Brasil. Este artigo anuncia uma agenda de pesquisas que, ao mesmo tempo, não pode se ater apenas aos significados discursivos imediatos dos conceitos políticos, mas precisa incorporar a dimensão de sua “valência emocional”, como nos chama atenção Javier Fernandez Sebastián (2011: 74): o ressentimento, a nostalgia e outros aspectos “emocionais” associados aos conceitos podem nos ajudar a compreender a capacidade e a efetividade da “longa permanência” desses discursos políticos.

Ao mesmo tempo, parece-nos que a recepção das ideias fascistas entre os católicos no Brasil apresenta um problema de fundo para o estudo do pensamento político brasileiro. Insistimos que em uma análise não ideacional, ou seja, que não pretende entender o estudo das ideias apenas pelas semelhanças e diferenças internas aos discursos; mas contextual, que parte da necessidade de entender como as ideias circulam e são apropriadas e contra que problemas históricos elas são mobilizadas, essas fronteiras entre conservadorismo, reacionarismo, tradicionalismo católico e fascismo são muito tênues. A ênfase aqui, portanto, é no repertório semântico mobilizado pelos atores e não nas influências ou pressupostas continuidades lineares entre discursos políticos (Sebastián, 2011: 150-151, 389). No limite, pretendemos compreender as afinidades entre essas linguagens políticas para produzir uma teorização do pensamento reacionário de modo mais amplo, que não leve em conta apenas as suas manifestações paradigmáticas do Norte, mas que seja capaz de pensar a crítica das direitas à democracia a partir da experiência de recepção e circulação dessas linguagens políticas no Sul global.

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Notas

  • 1
    . Guerreiro Ramos percebeu essa tensão entre o externo e o interno ao afirmar que os pragmáticos críticos “tendem mais a se servir das ideias e teorias importadas do que a admitir sua exemplaridade abstrata” (Ramos, 1983: 533), e toda sua teoria da redução sociológica parte justamente de uma compreensão ampliada dessa tensão. Contudo, e em razão de seu projeto crítico, os elementos de adaptação interna foram preponderantes para sua pesquisa vis-à-vis os problemas de circulação e recepção das linguagens políticas que procuramos focar no presente trabalho.
  • 2
    . Para um trabalho sobre a identificação da experiência política pós-1930 com a crise e esgotamento do liberalismo, ver Cepêda (2009).
  • 3
    . Sobre algumas das disputas e problemas historiográficos em torno da interpretação do integralismo, ver as discussões introdutórias nos trabalhos de Caldeira Neto (2014); Gonçalves (2018)GONÇALVES, Leandro Pereira. (2018), Plínio Salgado. Um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975). Rio de Janeiro, FGV Editora.. Para um trabalho – já desatualizado – de revisão da bibliografia, ver Oliveira (2010)OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. (2010), "A evolução dos estudos sobre o integralismo". Estudos Ibero-Americanos, PUC-RS, v. 36, n. 1, [20 fev. 2024] pp. 118-138. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1980-864X.2010.1.7856.
    https://doi.org/10.15448/1980-864X.2010....
    .
  • 4
    . Um dos exemplos da recepção das ideias fascistas no Brasil dos anos 1930 que não se associou ao movimento político do integralismo pode ser encontrado na obra de Octávio de Faria. Para mais, ver Sadek (1978)SADEK, Maria Tereza Aina. (1978), Machiavel, Machiavéis: a tragédia octaviana. São Paulo, Símbolo.; Cunha (2016)CUNHA, Diogo. (2016), "Os conceitos de democracia e revolução no pensamento autoritário de direita entre a ditadura do Estado Novo e o fim do regime militar". Revista Política Hoje, v. 27 [20 fev. 2024]. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/politicahoje/article/view/234856.
    https://periodicos.ufpe.br/revistas/poli...
    ; Cassimiro (2018)CASSIMIRO, Paulo Henrique Paschoeto. (2018), "A Revolução conservadora no Brasil. Nacionalismo, autoritarismo e fascismo no pensamento político brasileiro dos anos 30". Revista Política Hoje, v. 27, Edição especial.. Para outro caso relevante, como o grupo de intelectuais ligados ao Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, ver Ribeiro (2023)RIBEIRO, Renato Ferreira. (2023), "Por uma Revolução Conservadora: o Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos e o Fascismo no contexto da Revolução de 1930". Sociologia & Antropologia, v. 13, n. 2, [20 fev. 2024] e200111. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2238-38752023v13210.
    https://doi.org/10.1590/2238-38752023v13...
    .
  • 5
    . Marilena Chauí (1978)CHAUÍ, Marilena. (1978), "Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira", in: M. Chauí; M.S.C. Franco, Ideologia e mobilização popular. Rio de Janeiro, Paz e Terra/Cedec., sem citar diretamente os dois autores aqui tratados, percebe essa deficiência nos estudos marxistas do integralismo. Nos parece que, justamente por isso, Chauí pretende colocar ênfase no “destinatário do discurso” do imaginário integralista, mostrando que ele não é uma “não classe”, mas antes um imaginário de conciliação de classe associado a valores religiosos e reacionários da classe média. Optamos, contudo, por deixar de lado o exame de sua interpretação no corpo do texto, não só porque ela não aporta elementos conceituais efetivamente novos para examinar o fascismo para além daqueles trazidos por Trindade, mas principalmente pela completa ausência de elementos empíricos que demonstrem e comprovem a sua associação entre integralismo e classes médias. Ao fim, parece que Chauí se dedica a “oferecer uma classe” para o integralismo, suprindo as faltas de trabalhos como os de Chasin e Vasconcellos.
  • 6
    . Nos parece que algumas críticas à excessiva ênfase na analogia do integralismo com o fascismo no trabalho de Trindade falham em ver a complexidade do problema sugerido por ele. É o caso, por exemplo, do excelente artigo de Alexandre Pinheiro Ramos (2014)RAMOS, Alexandre Pinheiro. (2014), "O integralismo, de Hélgio Trindade, quarenta anos depois: uma reflexão crítica sobre sua recepção". Antíteses (Londrina), v. 7, [20 fev. 2024] p. 324. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1984-3356.2014v7n14p324.
    https://doi.org/10.5433/1984-3356.2014v7...
    , que aponta acertadamente para a necessidade de entender as conexões do integralismo com a reflexão do nacionalismo brasileiro e com o movimento do laicato católico surgido nos anos 1920. Mas, ao defender a necessidade de “dar o próximo passo que permitiria deixar para trás a zona de influência da tese fascista” (Ramos, 2014RAMOS, Alexandre Pinheiro. (2014), "O integralismo, de Hélgio Trindade, quarenta anos depois: uma reflexão crítica sobre sua recepção". Antíteses (Londrina), v. 7, [20 fev. 2024] p. 324. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1984-3356.2014v7n14p324.
    https://doi.org/10.5433/1984-3356.2014v7...
    : 340) e afirmar que o “integralismo não é apenas um fascismo” (p.343), Pinheiro Ramos perde de vista que a formação de uma ideologia política fascista e sua interação com outros discursos políticos – como o reacionário católico, por exemplo – não é uma especificidade do integralismo como “fascismo brasileiro”, mas do fascismo em todas as suas manifestações nacionais específicas, como bem havia percebido Trindade.
  • 7
    . O historiador John Pollard chama atenção para a dimensão do conservadorismo social que foi preservado pelo fascismo, aprofundando a sua compreensão como uma ideologia reacionária: “Democracias parlamentares liberais, particularmente a Alemanha de Weimar, também trouxeram outras ‘tendências modernizantes’”. A emancipação das mulheres e o relaxamento de papéis de gênero e comportamento nos anos 1920 foram especialmente mal recebidos por círculos religiosos. Em 1930, o Papa Pio XI publicou uma encíclica, Casti Conn Ubi, que reiterava os papéis femininos tradicionais e a estrutura familiar, enquanto condenava o aborto e a contracepção artificial. A Itália fascista parece ter absorvido muito da Casti conn ubi em sua revisão do código penal de 1932: sua busca reacionária do pró-natalismo na “batalha demográfica” e nas “políticas de ruralização” iam ao encontro dos institutos antimodernistas do catolicismo italiano (Pollard inCosta Pinto, 2011COSTA PINTO, Antônio (ed.). (2011), Rethinking the Nature of Fascism. Comparative Perspectives. London, Pallgrave Macmillan.: 152).
  • 8
    . Para um exame mais detido sobre a relação entre catolicismo e a filosofia fascista de Rocco, ver Griffin, Mallett, Tortorice (2008).
  • 9
    . A ideia de que a ideologia fascista pode ser definida pela sua natureza palingenética, ou seja, pela defesa de um renascimento nacional conduzido por uma liderança populista, encontra-se na importante interpretação de Roger Griffin. No caso de Barroso, contudo, a ideia de palingenesia está fortemente relacionada a um argumento religioso, em que o nacionalismo aparece de modo apenas subsidiário, o que nos mostraria que o suposto “consenso” sobre a natureza revolucionária do fascismo afirmado por Griffin (2003) ainda pode ser questionado. Para uma discussão sobre a palingenesia dentro da filosofia católica, ver Cassina (2007)CASSINA, Cristina. (2007), Parole vecchie, parole nuove: ottocentro francese e modernità politica. Roma, Carocci..
  • 10
    . O antissemitismo tem um papel central na explicação do processo de decadência histórica de Barroso, associando judaísmo ao “espírito revolucionário”. Para um estudo aprofundado do tema, nos remetemos a Maio (1992)MAIO, Marcos Chor. (1992), Nem Rotschild, nem Trotsky. O pensamento antissemita de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro, Imago..
  • 11
    . Em toda sua obra, Barroso se esforça em afirmar algumas distinções entre fascismo e integralismo, sem deixar de insistir na apologia do primeiro que, de todo modo, vai se tornando mais rareada conforme a guerra se aproxima e a AIB se prepara para lançar Plínio Salgado candidato à presidência a partir de 1936. De modo geral, é possível dizer que fascismo é o nome genérico – dada a antecedência da experiência italiana – para diversos movimentos da grande revolução espiritual de reintegração entre material e espiritual experimentada no período. O movimento fascista, como movimento, é especificamente italiano. A revolução que realizou é um fato histórico italiano. Mas o Fascismo também é uma doutrina e, como doutrina, tem caráter universal. Portanto, empregaremos o termo Fascismo, ora para designar o movimento italiano e sua obra, ora o movimento filosófico universal, no qual se englobam o nacional-socialismo alemão, o nacional-corporativismo belga, o nacional-sindicalismo espanhol e outros que tais: integralismo, aprismo, etc. Essa filosofia surgiu em várias partes do mundo, sob diversos nomes, em organizações diferentes e com certas variantes que demonstram a sua espontaneidade. Não se trata de imitação nem mesmo duma influência direta do Fascismo italiano. E, se se chama Fascismo a essa doutrina, é porque apareceu e venceu a primeira vez com esse nome. O Fascismo Universal pode ser resumido no seguinte: anti-individualismo, reafirmação do Estado encarnando a coletividade; heroísmo como princípio de vida em oposição aos materialismos burguês e marxista; contra todas as divisões em classes ou partidos, reafirmação da nação como realidade primacial e da solidariedade natural que une todos os seus membros; organização hierárquica da coletividade nacional em todos os seus domínios. Portanto: coletivismo espiritual e nacional hierarquizado (Barroso, 1936BARROSO, Gustavo. (1936), O integralismo e o mundo. Rio de Janeiro, José Olympio editora.: 101-102, destaques nossos).
  • 12
    . Exploramos os artigos da revista A Ordem no período de 1930 e 1946, disponíveis na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional, buscando localizar aqueles que se referiam aos termos “fascismo”, “fascistas”, “integralistas”, “integralismo”, “reação” e “reacionário”. Para um mapeamento temático extensivo da revista A Ordem, ver Velloso (1978)VELLOSO, Mônica Pimenta. (1978), "A Ordem: uma revista de doutrina política e cultura católica". Revista Ciência Política, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, pp. 117-160, jul/set..
  • 13
    . Para uma análise histórica de grande qualidade sobre as aproximações e oposições das lideranças laicas e da hierarquia católica com os integralistas, ver Cordeiro in Bertonha (2013)BERTONHA, João Fábio (org). (2013), Sombras autoritárias e totalitárias no Brasil. Integralismo, fascismo e repressão política. Maringá: Eduem..
  • 14
    . A categoria “metapolítica” refere-se a um tipo de ação política centrada na difusão, transformação ou restauração de valores e ideias, que deveriam anteceder a ação política organizada ou institucional (Teitelbaum, 2020TEITELBAUM, Benjamin. (2020), Guerra pela eternidade. O retorno do tradicionalismo e a ascensão da direita populista. São Paulo, Editora Unicamp.). Ela é traduzida em grande medida por uma linguagem de regeneração espiritual ou identitária/nativista e está associada ao diagnóstico – comum desde os contrarrevolucionários franceses – de que a simples ação política contrária a um determinado processo de decadência não é suficiente para interrompê-lo sem um movimento amplo de regeneração espiritual (Cassimiro, 2020CASSIMIRO, Paulo Henrique Paschoeto. (2020). A liberdade na República dos Modernos. Teoria e história do liberalismo político francês (1789-1848). Rio de Janeiro: EdUerj.: 262).
  • 15
    . Para uma interpretação do integralismo de Plínio Salgado a partir da categoria de “totalitarismo”, ver Benzaquen (1987).
  • *
    Uma versão preliminar desta pesquisa foi apresentada no 13º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP). A pesquisa foi financiada pelo programa E_20/2022 – Programa de apoio a projetos temáticos no Estado do Rio de Janeiro – 2022, “Ideologias políticas e práticas democráticas em transição”, da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e pelo Prociência - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2023
  • Aceito
    5 Ago 2023
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