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Terra Incógnita: Mapeando a Atuação da Justiça Eleitoral. Primeiros Passos (1932-1933)* * A pesquisa contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Processo 305195/2023-9 e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo 18/23060-2)

Terra Incognita: Mapping the Performance of the Electoral Justice. First Steps (1932-1933)

Terra Incognita: Cartographie de l’Action de la Justice Électorale. Premiers Pas (1932-1933)

Terra Incognita: Cartografía de la Actuación de la Justicia Electoral. Primeros pasos (1932-1933)

Resumo

Qual o papel da Justiça Eleitoral na condução das eleições? Esta pergunta orientou vários trabalhos sobre o período democrático atual. Entretanto, o conhecimento sobre a fase inicial da Justiça Eleitoral é quase que inexistente. Este artigo constitui uma tentativa preliminar de elucidar os “primeiros passos” da Justiça Eleitoral na condução da eleição de 1933. Partindo de um arcabouço analítico centrado em quatro aspectos – organização da eleição, imparcialidade, independência e rule-making –, e por meio de um levantamento de dados inéditos em jornais e fontes oficiais, o estudo revela que em 1932 a Justiça Eleitoral apresentava 1) um elevado comprometimento nos aspectos organizacionais, ainda que atuasse em condições de 2) relativa parcialidade, sobretudo no âmbito administrativo local. O artigo conclui propondo que o tema da democratização no Brasil deva ir além das dimensões clássicas discutidas pela literatura (sufrágio, voto secreto, competição política) e passe a incorporar o papel da Justiça Eleitoral, contribuindo para a construção de uma agenda de pesquisa em torno deste ramo especializado do Poder Judiciário.

justiça eleitoral; democratização; código eleitoral; tribunal superior eleitoral

Abstract

What is the role of the Electoral Justice in Brazil? This question has guided several studies on the current democratic period. However, there is almost no knowledge about the initial phase of the Electoral Justice. This article is a preliminary attempt to elucidate the “first steps” of the Electoral Justice in the conduct of the 1933 election. Based on an analytical framework centered on four aspects - organization of the election, impartiality, independence and rule-making - and through a survey of unpublished data from newspapers and official sources, the study shows that at the time the Electoral Justice was highly committed to organizational aspects, even though it acted in conditions of relative partiality, especially at the local administrative level. I conclude by proposing a research agenda for the coming years in which the role of the Electoral Justice in the conduct of elections is considered as a central axis for problematizing democratization in Brazil beyond the classic dimensions (suffrage, secret ballot, political competition) discussed in the literature.

electoral justice; democratization; electoral code; superior electoral court

Résumé

Quel est le rôle de la Justice Électorale au Brésil ? Cette question a guidé de nombreux travaux sur la période démocratique actuelle. Cependant, la connaissance de la phase initiale de la Justice Électorale est presque inexistante. Cet article constitue une tentative préliminaire visant à élucider les “premiers pas” de la Justice Électorale dans la conduite de l’élection de 1933. En partant d’un cadre analytique centré sur quatre aspects - l’organisation de l’élection, l’impartialité, l’indépendance et l’élaboration des règles -, et grâce à une collecte de données inédites dans les journaux et les sources officielles, l’étude montre qu’à l’époque, la Justice Électorale présentait 1) un fort engagement dans les aspects organisationnels, bien qu’elle agissait dans des conditions de 2) partialité relative, surtout au niveau administratif local. Je conclus en proposant un programme de recherche pour les années à venir dans lequel le rôle de la Justice Électorale dans la conduite des élections est considéré comme l’axe central pour problématiser la démocratisation au Brésil au-delà des dimensions classiques (suffrage, vote secret, compétition politique) discutées dans la littérature.

justice électorale; démocratisation; code électoral; tribunal supérieur électoral

Resumen

¿Cuál es el papel de la Justicia Electoral en Brasil? Esta cuestión ha guiado varios trabajos sobre el actual periodo democrático. Sin embargo, los conocimientos sobre la fase inicial de la justicia electoral son casi inexistentes. Este artículo es un intento preliminar de dilucidar los “primeros pasos” de la Justicia Electoral en la conducción de las elecciones de 1933. A partir de un marco analítico centrado en cuatro aspectos – organización de la elección, imparcialidad, independencia y elaboración de normas – y mediante un estudio de datos inéditos procedentes de periódicos y fuentes oficiales, el estudio demuestra que en aquella época la Justicia Electoral estaba 1) muy comprometida con sus aspectos organizativos, aunque actuaba en condiciones de 2) relativa parcialidad, especialmente en el ámbito administrativo local. Concluyo proponiendo una agenda de investigación para los próximos años en la que sea considerado el papel de la Justicia Electoral en la conducción de las elecciones como un eje central para problematizar la democratización en Brasil más allá de las dimensiones clásicas (sufragio, voto secreto, competencia política) discutidas en la literatura.

justicia electoral; democratización; código electoral; tribunal superior electoral

Introdução

A Justiça Eleitoral foi criada em 1932. Nasceu num contexto marcado por mudanças institucionais profundas realizadas após a Revolução de 1930. A expressão mais clara desta renovação é o Código Eleitoral, outorgado em fevereiro de 1932. Saudado na época pelo então ministro da Justiça Mauricio Cardoso como “a carta de alforria da democracia brasileira”,1 1 . A Noite, 24 de fevereiro de 1932, Anno XXII, nº 7273, p.1. o Código Eleitoral inovava em muitos aspectos: Justiça Eleitoral, voto feminino, voto secreto, voto obrigatório, representação semi-proporcional, representação classista. Este artigo analisa o papel da Justiça Eleitoral que, desde a eleição constituinte de 1933, passou a exercer funções contenciosas, regulatórias e administrativas dos procedimentos eleitorais – alistamento, organização das mesas de votação, apuração dos votos, reconhecimento e proclamação dos eleitos. O sentimento de cisão com respeito ao passado se fazia presente nas palavras de João Cabral, um dos membros da comissão de especialistas que redigiu o anteprojeto do Código Eleitoral, quando declarava que a criação da Justiça Eleitoral visava arrancar o processo eleitoral “do arbítrio dos governos e da influência conspurcadora do caciquismo local” (Cabral, 1934:31). Esta leitura da Justiça Eleitoral não é incomum nos dias atuais. Nas palavras de Maria Teresa Sadek, “ela nasceu da imperiosa necessidade de moralizar a competição político-eleitoral” (Sadek, 2010:60). Ou, ainda, conforme Fleischer e Barreto (2009Fleischer, David; Barreto, Leonardo. (2009), "El impacto de la justicia electoral sobre el sistema político brasileño". América Latina Hoy, v. 51, abril, pp. 117-138.:122), “puso fin a un período de gestión partidista de los procesos electorales”.

Embora não faltem estudos sobre a Justiça Eleitoral, a realização de investigações empíricas sobre os primeiros anos após sua instauração é ainda hoje incipiente. Constata-se que grande parte dos trabalhos publicados se concentra no período democrático atual, dedicando-se à análise das decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com ênfase para as regras que regulam a competição político-eleitoral (Amato et al., 2021; de Oliveira Ramos e Silva, 2020; Graeff, Barreto, 2017; Nunes Junior, 2014; Marchetti, 2013Marchetti, Vitor. (2013), Justiça e competição eleitoral. Santo André, Universidade Federal do ABC.; Marchetti, Cortez, 2009; Zauli, 2011Zauli, Eduardo Meira. (2011), "Justiça Eleitoral e judicialização das eleições no Brasil". Revista Brasileira de Estudos Políticos, v. 102, jan/jun., pp. 255-289.). Sendo assim, o conhecimento sobre a fase inicial da Justiça Eleitoral é quase que inexistente e ainda está preso ao ideal revolucionário de 1930, isto é, uma espécie de fala repetida acerca da necessidade de garantir uma competição política ‘justa’, sem fraudes. Este estudo é uma tentativa preliminar que busca contribuir para preencher esta lacuna. Como quando se mapeia ou se descreve algo desconhecido, o objetivo é elucidar os “primeiros passos” da Justiça Eleitoral, partindo de uma perspectiva empiricamente consistente, sem a pretensão de aprofundar todas as questões ou esgotar o tema.

O que sabemos até agora sobre esses primeiros anos de atuação da Justiça Eleitoral? Em geral, as reflexões têm-se caracterizado mais pelo enfoque descritivo, em sua maioria esmiuçando a estrutura organizativa e enfatizando as atribuições e competências formais do modelo de governança brasileiro (Barreto, 2016b; Marchetti, 2013Marchetti, Vitor. (2013), Justiça e competição eleitoral. Santo André, Universidade Federal do ABC.; Sadek, 2010Sadek, Maria Tereza A. (2010), A justiça eleitoral e a consolidação da democracia no Brasil. Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung (edição online).). O interesse renovado pelos estudos eleitorais e partidários dos anos 1930 (Angeli, 2023Angeli, Douglas S. (2023), "Para uma história social das práticas eleitorais: as eleições no Centro-Oeste mineiro (1933-1934)". Revista História: Debates e Tendências, v. 23, n. 2, pp. 113-136.; Gomes, 2023Gomes, Sandro Aramis Richter (2023). "A formação de uma agremiação situacionista na Era Vargas: origens das carreiras políticas de dirigentes e candidatos do Partido Social Democrático do Paraná (1933-1937)". Interseções: Revista de Estudos Interdisciplinares, v. 25, n. 1, pp. 51-82.; Ricci, Silva, 2019; Ricci, 2019a; Silva, Silva, 2015), observado nos últimos anos, tem incentivado análises sobre essa primeira fase da Justiça Eleitoral. Por um lado, investigaram-se as razões de sua criação, apontando os modelos que serviram de inspiração para a comissão da Reforma da Lei e Processos Eleitorais que, criada em fevereiro de 1931, foi incumbida de estudar uma reforma do sistema eleitoral e das regras do processo eleitoral. Jaqueline Zulini (2019a) observou que o arcabouço inicial da Justiça Eleitoral teve forte inspiração na legislação uruguaia que ainda em 1924 havia criado sua Corte Electoral. Alexandre de Souza (2018)De Souza, Alexandre de Oliveira Bazilio. (2018), A construção do edifício eleitoral: magistratura letrada e administração das eleições no Brasil (1881-1932). Jundiaí, Paco Editorial. e Ferreira Filho (1989) são menos enfáticos sobre este ponto, sugerindo outras influências (em particular europeias, com destaque para o caso da Tchecoslováquia). Estes autores, em linha com outros pesquisadores (Cadah, 2012Cadah, Lucas Queija. (2012), Instituições eleitorais e competição política: a criação da Justiça Eleitoral no Brasil. Dissertação (Mestrado em Ciência Política, Universidade de São Paulo).; de Hollanda, 2009De Hollanda, C. Buarque. (2009), Modos da representação política: o experimento da Primeira República brasileira. Belo Horizonte, Editora UFMG.; Porto, 2010Porto, Walter Costa. (2010), Dicionário do voto. Rio de Janeiro, Imprensa Oficial.), reconhecem que a eventualidade da criação de órgãos eleitorais especializados, prevendo uma maior participação do Judiciário, já era discutida e auspiciada na Primeira República (1889-1930). Por outro lado, há quem tenha indagado a atuação satisfatória da Justiça Eleitoral durante a eleição de 1933, a primeira sob vigência do Código Eleitoral de 1932 (Cadah, 2014Cadah, Lucas. (2014), "A Estrutura da Justiça Eleitoral Brasileira". Cadernos Adenauer, v. 15, n. 1, pp. 27-44.). Outros têm deslocado o foco para o contencioso eleitoral, isto é, o momento em que eram resolvidos os recursos eleitorais (Ricci, 2019b; Zulini, 2019b). Ficou claro que, com a instituição da Justiça Eleitoral, a fraude não é eliminada in toto. A própria magistratura eleitoral é amplamente questionada pela sua parcialidade e eficiência durante o processo eleitoral.

O propósito deste artigo se insere numa agenda de pesquisas ainda em construção que explora o funcionamento dos órgãos eleitorais em suas origens.2 2 . A ausência de estudos sobre os órgãos eleitorais no ato de suas fundações e nos primeiros anos de seus funcionamentos não é uma limitação do caso brasileiro, mas é reconhecida internacionalmente (Norris, 2019). Neste trabalho, o foco é relativamente modesto, explorando a atuação da Justiça Eleitoral nos primeiros meses após sua instalação, até a eleição constituinte de 3 de maio de 1933. São aproximadamente doze meses. Trata-se, portanto, de um estudo sobre a organização e administração dos preparativos para o pleito constituinte de 1933, o primeiro após a revolução de 1930. O propósito principal deste trabalho não é meramente descritivo. Ao final, pretende-se indagar a performance do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral (TSJE)3 3 . A partir de 1945 a nomenclatura mudou para Tribunal Superior Eleitoral, permanecendo até hoje. e dos Tribunais Regionais (TREs) na condução da eleição constituinte de 1933. Portanto, o artigo se insere num esforço empiricamente orientado, atualmente em curso na academia internacional, de análise e avaliação das performances da governança eleitoral. Na literatura, o debate sobre a administração das eleições gira em torno da criação de organismos independentes que atuam como sistemas de controle do processo eleitoral, reduzindo a fraude eleitoral (Birch, 2011Birch, Sarah. (2011), Electoral Malpractice. Oxford, Oxford University Press.). Eleições livres e competitivas estão associadas na América Latina à presença de cortes eleitorais livres da influência partidária (Hartlyn et al., 2008; Tarouco, 2016Tarouco, Gabriela da Silva. (2016), "The role of political parties in electoral governance: Delegation and the quality of elections in Latin America". Election Law Journal, v. 15, n. 1, pp. 83-95.). Para Pastor (1999)Pastor, Robert A. (1999), "The role of electoral administration in democratic transitions: Implications for policy and research". Democratization, v. 6, n. 4, pp. 1-27., a criação de tais órgãos é garantia de que o processo de democratização de um país tenha um bom êxito. Nesse sentido, entender a atuação da Justiça Eleitoral é fundamental para termos uma visão mais clara sobre a qualidade dela e de como as eleições são processadas (Elklit, Reynolds, 2005).

O artigo está organizado da seguinte forma. Após uma breve seção introdutória em que contextualizo o pleito de 1933, passo a discutir como pretendo abordar a atuação do TSJE e dos TREs. Partindo do debate contemporâneo, a análise será feita considerando dois aspectos principais: o formal, isto é, a composição dos Tribunais e suas prerrogativas conforme estabelecido na legislação; e outro, de desempenho, relativo aos preparativos para o pleito de 1933. Com base em dados inéditos da própria Justiça Eleitoral, nas seções seguintes discuto estes aspectos separadamente. Nas conclusões teço algumas reflexões finais e trato da importância da consolidação de uma agenda de pesquisa para a área, centrada no aprofundamento do estudo da Justiça Eleitoral, tendo como perspectiva introduzir esta dimensão institucional para a compreensão da democracia no Brasil.

A eleição constituinte de 1933

Em maio de 1932, por decreto, Getúlio Vargas fixava o dia 3 de maio de 1933 para a realização das eleições à Assembleia Constituinte.4 4 . O decreto 21.402 de 14 de maio de 1932 também criara uma comissão encarregada de redigir o anteprojeto da Constituição. A medida se insere em um contexto político complexo caracterizado pela disputa entre correntes que defendiam a constitucionalização do país e outras, com particular ênfase para os tenentes, unidos em torno da permanência e consolidação da ditatura (Gomes, 1980Gomes, Angela Maria de Castro (1980), "Introdução", in: Gomes, Angela Maria de Castro, Regionalismo e centralização política: partidos e constituinte nos anos 30. Rio de Janeiro, Fronteira, pp. 23-39.). A fixação da data da eleição, juntamente com a outorga do Código Eleitoral (pelo decreto n. 21.076, de 24 de fevereiro de 1932), pode ser interpretada como a conclusão de uma primeira etapa em que vencera a ideia de legitimar a Revolução de 1930 pela via eleitoral (Zulini, Ricci, 2020).

Os preparativos para o pleito de 1933, porém, foram interrompidos pelo levante paulista. De fato, foi apenas após o encerramento do conflito, em outubro de 1932, que se iniciaram as articulações políticas para a criação dos partidos. Em ausência de partidos nacionais e falida a tentativa dos tenentes de organizar uma força nacional em torno de um programa único, os partidos surgiram e se aparelharam em nível estadual, sem representação nacional alguma (Pandolfi, 2013Pandolfi, Dulce C. (2013), "Os anos 1930: as incertezas do regime", in: Ferreira Jorge; Delgado, Lucilia de Almeida Neves (orgs.), O Brasil Republicano, v. 2, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, pp. 13-37.). O novo sistema eleitoral, majoritariamente proporcional, serviu de incentivo à formação dos partidos que, como noticiavam os jornais da época, proliferavam como “cogumelos em tempos de chuva”.5 5 . Jornal do Brasil, 23 de novembro de 1932, p. 5. Título: Partidos estaduais. Enquanto o governo provisório pediu aos interventores que encabeçassem o processo de organização dos partidos nos estados (Pandolfi, 1980Pandolfi, Dulce. (1980), "A trajetória do Norte: uma tentativa de ascenso político", in: Gomes, Angela de Castro (coord.), Regionalismo e centralização política. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, pp. 339-425.), facções em oposição conseguiram se articular entre si e fundaram outras siglas. Como reflexo desse movimento, a eleição de 1933 registrou níveis de competitividade partidária extremamente elevados nos estados e acabou produzindo um resultado inédito: uma maior proporção de derrotas para as candidaturas oficiais e a eleição de políticos oposicionistas; um fenômeno raro na Primeira República na qual as bancadas estaduais eram essencialmente unipartidárias (Ricci, Silva, 2019; Ricci, Zulini, 2023).

É importante compreender e dimensionar a inovação que a criação da Justiça Eleitoral implicou em termos de governança eleitoral para o pleito constituinte. Durante a Primeira República (1889-1930), é possível distinguir dois momentos na administração das eleições. Até 1916, todas as etapas do processo eleitoral – do alistamento até a validação dos poderes, no Congresso Nacional – eram dominadas por agentes políticos, sobressaindo-se os intendentes e demais membros do governo municipal (Leal, 2012Leal, Victor Nunes. (2012), Coronelismo, enxada e voto. São Paulo, Ed. Cia das Letras, 7 ª ed.; Porto, 2010Porto, Walter Costa. (2010), Dicionário do voto. Rio de Janeiro, Imprensa Oficial.; De Souza, 2018De Souza, Alexandre de Oliveira Bazilio. (2018), A construção do edifício eleitoral: magistratura letrada e administração das eleições no Brasil (1881-1932). Jundiaí, Paco Editorial.). A legislação aprovada em 1916 mudou completamente este quadro, reduzindo ao mínimo o papel dos agentes políticos, substituindo-os por membros da magistratura. Foi assim que comissões de alistamento, mesas eleitorais e juntas apuradoras dos votos passaram a ser compostas por juízes de direito, municipais e federais (ou secionais). A única etapa do processo eleitoral em que o componente político permaneceu intacto até 1930 foi a fase denominada de “verificação dos poderes”; momento em que Câmara e Senado examinavam e validavam os respectivos diplomas emitidos pelas juntas apuradoras estaduais (Ricci, Zulini, 2023).

Ocorre que as inovações introduzidas em 1916 não impactaram o modus operandi das eleições e a interferência política permaneceu dominante nas várias etapas do processo eleitoral (Ricci, Zulini, 2013). Sabemos que isso é imputável às características da própria magistratura estadual cujos juízes eram nomeados pelos governadores. Um candidato ao pleito de 1927, no Piauí, após ter contestado a atuação parcial do secretário de polícia, dos oficiais de justiça, dos delegados de políticas, do procurador, declarava sumariamente que “não podemos esperar a liberdade do voto se deixarmos a mesma situação dominante dispondo de toda a organização administrativa transformada em máquina eleitoral”.6 6 . Anais da Câmara dos Deputados, 25/04/1927, p. 342. Mesmo na escolha dos juízes federais, de nomeação do presidente da República, frequentemente a oligarquia estadual dominante atuava vetando alguns nomes, dando preferências àqueles mais alinhados com o situacionismo (Koerner, 1998Koerner, Andrei. (1998), Judiciário e cidadania na Constituição da República brasileira. São Paulo, Hucitec.).

A criação da Justiça Eleitoral, em 1932, muda drasticamente este cenário. No que tange às etapas do processo eleitoral, todas elas passam a ser de monopólio dos Tribunais Eleitorais (Barreto, 2016a). Na primeira sessão preparatória da Assembleia Constituinte de 1933, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral de Justiça Eleitoral, Hermenegildo de Barros, enfatizou a mudança na verificação dos poderes, isto é, a única etapa eleitoral que permanecia sob intervenção direta dos políticos após a reforma de 1916. Nas palavras dele:

Agora, a Câmara dos Deputados não verifica poderes de seus membros; não nomeia comissões verificadoras desses poderes. Os diplomas são expedidos pelos Tribunais Regionais, com recurso voluntário para o Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, que será competente para dizer, a respeito, a última palavra. (Discurso proferido pelo ministro Hermenegildo de Barros na 1ª sessão preparatória, em 10 de novembro de 1933 publicado no Boletim Eleitoral, nº 151, 22 de novembro de 1933, p. 2944)

De certo, a essência inovadora da Justiça Eleitoral não é plenamente inteligível se não considerarmos alguns aspectos formais do Código Eleitoral. Em particular, por um lado, o fato de os Tribunais Regionais e de o Tribunal Superior possuírem atribuições específicas que perpassavam todas as etapas do processo eleitoral, desde a divisão em zonas eleitorais para viabilizar o alistamento, como fazer a apuração dos sufrágios e proclamar os eleitos (Barreto, 2016a). Por outro lado, o fato de serem asseguradas aos juízes locais as garantias da magistratura federal (art. 6 do Código Eleitoral) representava um avanço significativo em termos de proteção perante eventuais pressões externas de caráter político-partidário. Assim, o esforço de entender como a Justiça Eleitoral atuou em 1933 ganha saliência. Antes de enveredar pela análise empírica, na próxima seção apresentamos o debate sobre o assunto à luz da literatura sobre governança eleitoral.

As performances da justiça eleitoral

Como examinar a performance da Justiça Eleitoral? Não há consenso na literatura sobre este ponto. De acordo com alguns, a ausência de um framework analítico claro se deve à dificuldade em fazer comparações – dada a diversidade dos órgãos eleitorais – com base em fontes confiáveis. Para fins analíticos, parto da definição de governança eleitoral proposta anos atrás por Mozaffar e Schedler (2002)Mozaffar, Shaheen; Schedler, Andreas. (2002), "The comparative study of electoral governance - introduction". International Political Science Review, v. 23, n. 1, pp. 5-27., e também incorpo o debate mais recente sobre a qualidade dos órgãos eleitorais (Elklit, Reynolds, 2005; James et ali., 2019; James, 2019James, Toby S. (2019), Comparative electoral management: Performance, networks and instruments. London, Routledge.).

Para Mozafar e Schedler (2002), a governança eleitoral trata de diferentes atividades que podem ser distinguidas em três níveis de atuação: o rule application, o rule making e o rule adjudication. No primeiro caso, trata-se de decisões sobre a administração das eleições, como a divisão do território em zonas eleitorais, a escolha dos locais de votação, o registro dos partidos, o processo de alistamento, a distribuição dos títulos eleitorais e o conjunto das regras que garantem a efetivação da eleição. O rule making remete às escolhas sobre regras básicas da competição eleitoral, como o sistema eleitoral. Ainda que os parlamentos representem o locus institucional em que tais decisões são tomadas, alguns órgãos eleitorais possuem competências e relativa autonomia para regulamentar a matéria. O rule adjudication confere ao órgão eleitoral o poder de decisão sobre todas as disputas que surgem no decorrer das eleições, desde o momento da votação até a proclamação dos eleitos. Pelo Código Eleitoral de 1932, a Justiça Eleitoral brasileira concentrava todas as três atividades da governança eleitoral acima elencadas. Aqui, o estudo se limitará à análise da organização e administração dos preparativos para a eleição constituinte de 1933 (o rule application), mas também serão consideradas as decisões tomadas pelo TSJE, visando definir regras mais claras sobre o processo eleitoral tendo em vista aquele pleito (rule making).

Mais recentemente, a literatura sobre órgãos eleitorais tem debatido a questão da identificação de dimensões e indicadores que auxiliem na avaliação do desempenho da Justiça Eleitoral. Partindo de um questionário enviado a especialistas, Elklit e Reynolds (2005)Elklit, Jørgen; Reynolds, Andrew. (2005), "A framework for the systematic study of election quality". Democratization, v. 12, n. 2, pp. 147-162. aferem as performances dos órgãos eleitorais na regulamentação e administração dos processos eleitorais em seis países. A mesma estratégia é adotada pelo Electoral Integrity Project que desde 2012 aplica um questionário (denominado Perceptions of Electoral Integrity - PEI), cobrindo 169 países (Norris et al., 2014). Van Aaken (2009)Van Aaken, Anne. (2009), "Independent Electoral Management Bodies and International Election Observer Missions: Any impact on the observed level of democracy? A conceptual framework". Constitutional Political Economy, v. 20, n. 3, pp. 296-322. e Van Ham e Garnett (2019)Van Ham, Carolien; Garnett, Holly Ann. (2019), "Building impartial electoral management? Institutional design, independence and electoral integrity". International Political Science Review, v. 40, n. 3, pp. 313-334. exploram a questão da independência da Justiça Eleitoral enquanto James (2019)James, Toby S. (2019), Comparative electoral management: Performance, networks and instruments. London, Routledge. elabora um framework analítico mais amplo, contemplando sete dimensões para a avaliação dos órgãos eleitorais: centralização, independência, capacidade, competências, relação com atores externos, tecnologia e staff. Para a América Latina, Tarouco (2018)Tarouco, Gabriela da Silva. (2018), "Electoral governance in Latin America and the behaviour of oppositions", in: Garnett Holly Ann; Zavadskaya Margarita, Electoral integrity and political regimes. Actors, Strategies and Consequences. Routledge, pp. 44-59. retoma as seis dimensões propostas por Mozaffar e Schedler (2002)Mozaffar, Shaheen; Schedler, Andreas. (2002), "The comparative study of electoral governance - introduction". International Political Science Review, v. 23, n. 1, pp. 5-27. – independência, centralização, burocratização, delegação, especialização e regulação – para avaliar as vulnerabilidades dos órgãos eleitorais.

Neste trabalho, tendo em vista a dificuldade na coleta de dados para os anos 1930, parto de uma discussão em torno de dois aspectos formais da Justiça Eleitoral: independência e rule-making. São aspectos formais, pois remetem a normas definidas pelo próprio Código Eleitoral. A dimensão da independência considera a composição dos membros dos Tribunais e é tida como fundamental para explicar o comportamento da magistratura eleitoral, pois a autonomia pode ser afetada pela interferência política na escolha de seus membros (Birch, 2011Birch, Sarah. (2011), Electoral Malpractice. Oxford, Oxford University Press.). Por exemplo, a indicação pelo governo federal dos membros do Independent National Electoral Commission, na Nigéria, é considerada um fator significativo que mina a independência deste órgão eleitoral (Omotola, 2010Omotola, J. Shola. (2010), "Elections and democratic transition in Nigeria under the Fourth Republic". African Affairs, v. 109, n. 437, pp. 535-553.). Aqui, portanto, o foco recai sobre o método de recrutamento para a composição inicial do TSJE.

Na questão do rule making a discussão será inicialmente centrada no entendimento do locus em que as regras do jogo são tomadas. Aparentemente, o governo provisório centralizava este nível da governança eleitoral. A razão disso pode ser observada na frequência com que foram emitidos pelo governo provisório decretos em matéria eleitoral. Argumentarei que este protagonismo é mais aparente do que efetivo. Na prática, as decisões sobre as regras ficavam sob responsabilidade do TSJE, cabendo ao governo provisório aprová-las, por decreto.

Num segundo momento, concentro a atenção no desempenho da Justiça Eleitoral, dando ênfase a dois aspectos específicos do rule application que incorporam algumas das dimensões discutidas na literatura internacional: performance organizacional e imparcialidade.7 7 . Entendo que estas sejam condições mínimas para iniciar uma investigação preliminar. Evidentemente, a exploração de outras fontes – com ênfase para as informações colhidas nos Tribunais Regionais - permitirão aperfeiçoar o modelo analítico para o estudo da Justiça Eleitoral. No primeiro caso, a questão será tratada sob o ângulo da eficácia organizacional. A eficácia é uma das dimensões centrais nos estudos sobre a performance do setor público (Brewer, Selden, 2000) e se refere à capacidade de alcançar os objetivos definidos em lei.8 8 . A eficácia não deve ser confundida com a eficiência que constitui outra dimensão da performance do setor público. Esta última remete à administração razoável dos recursos (como do staff, equipamentos, estrutura) e dos gastos para o alcance dos resultados esperados. Especificadamente, trata-se de examinar a eficácia da Justiça Eleitoral federal e estadual na organização da eleição constituinte de 1933, conforme estabelecido pelo Código Eleitoral. Cinco indicadores quantitativos de análise do desempenho relacionados ao processo eleitoral serão considerados:

  1. a frequência das reuniões do TSJE;

  2. os processos e julgamentos examinados pelo plenário do TSJE;

  3. a data de instalação dos TREs;

  4. a aprovação do plano de divisão em zonas eleitorais pelos TREs;

  5. o funcionamento das seções eleitorais no dia da eleição.

No primeiro caso, trata-se de averiguar a periodicidade dos trabalhos do TSJE. Tendo em vista a necessidade de organizar em tempos rápidos as eleições constituintes marcadas para maio de 1933, é esperado encontrar um volume de trabalho regular. No segundo caso, o volume e conteúdo dos processos analisados pelo TSJE fornece outra dimensão do comprometimento com a organização da eleição. O terceiro indicador aponta para eventuais dificuldades na instalação dos TREs. Sem a constituição deles, os preparativos eleitorais sofreriam um atraso significativo. O quarto indicador considera a demora na aprovação dos planos de divisão em zonas eleitorais pelos TREs. Sem a aprovação dos planos o alistamento eleitoral nos estados não poderia se iniciar. O quinto indicador se propõe a verificar se houve problemas na realização da eleição de 1933. Por meio dele será possível observar mudanças significativas em comparação à Primeira República (1889-1930) quando, conforme a literatura tem amplamente enfatizado, umas das práticas comuns utilizadas pelos governistas era impedir a abertura e funcionamento das seções eleitorais, não deixando que os adversários votassem e realizando a eleição a bico de pena (Ricci, Zulini, 2014).

Para alguns autores, a independência dos órgãos eleitorais é menos relevante do que a imparcialidade das autoridades administrativas (Birch, 2011Birch, Sarah. (2011), Electoral Malpractice. Oxford, Oxford University Press.). Os membros da Justiça Eleitoral tomam decisões parciais quando favorecem deliberadamente os interesses político-partidários de alguns, em detrimento de outros. Como lembra López-Pintor (2000)López-Pintor, Rafael. (2000), "Electoral management bodies as institutions of governance". Discussion Papers on governance. UNDP Bureau for Development Policy, a ação deliberada e parcial por parte dos agentes eleitorais é uma prática fraudulenta e, portanto, deve ser considerada quando se analisa a integridade dos órgãos eleitorais. Entretanto, a imparcialidade é difícil de ser mensurada. Na literatura são dominantes as pesquisas que abordam o tema considerando os níveis de percepção da imparcialidade, partindo de questionários aplicados a especialistas (Norris et al., 2014; van Ham, Garnett, 2019), à população (Bowler, et al., 2015) ou a relatórios de observadores internacionais (Birch, 2011Birch, Sarah. (2011), Electoral Malpractice. Oxford, Oxford University Press.). Neste estudo, outros indicadores serão considerados. A imparcialidade do TSJE será avaliada primeiramente na questão relativa aos registros dos partidos. De acordo com o Código Eleitoral de 1932, os partidos tinham que comunicar à Justiça sua fundação, cabendo a ela aprovar o registro definitivo das siglas. Nesse caso, a parcialidade poderia se manifestar no ato da negação do registro aos partidos em oposição ao governo. Para além disso, também serão consideradas as denúncias de parcialidade dos juízes locais, com destaque para o dos eleitores e a organização das mesas eleitorais. Assim, por exemplo, a interferência no alistamento em favor dos eleitores governistas pode ser enquadrada como prática administrativa indevida.

Pesquisar a atuação da Justiça Eleitoral nos anos 1930 é um desafio, pois as fontes disponíveis são escassas e fragmentadas. Aqui, os Boletins Eleitorais (BEs) – a publicação oficial do TSJE na época –, servirão de fonte principal de investigação.9 9 . Entre os poucos autores que se servem desta fonte para os anos 1930 vale citar Alhaides (2022), Cadah (2014), Silva e Silva (2015), Ricci (2019b). Os BEs sistematizavam as informações sobre as atividades do TSJE, para além do TRE do Distrito Federal. As atas das sessões do TSJE constituem as informações mais relevantes contidas nos BEs. Nelas encontramos o registro das deliberações feitas pelo plenário do Tribunal, com ênfase nas decisões que punham termo aos processos eleitorais. Quando necessário, também farei uso de outras fontes, em particular os jornais.

As próximas seções do artigo discutem de forma detalhada cada uma das dimensões acima apresentadas de forma separada.

Primeira dimensão: independência

Nesta seção, descrevo a composição do TSJE pondo o acento nas nomeações e nas características pessoais de seus membros. Quando possível, trago algumas considerações para os TREs.

Pelo art. 9 § 2º do Código Eleitoral de 1932, o TSJE era presidido pelo vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) – na época o então juiz Hermenegildo de Barros – e composto por:

  1. dois efetivos e dois substitutos, sorteados dentre os ministros do Supremo Tribunal Federal;

  2. dois efetivos e dois substitutos, sorteados dentre os desembargadores da Corte de Apelação do Distrito Federal (CADF);

  3. três efetivos e quatro substitutos, escolhidos pelo chefe do Governo Provisório dentre 15 cidadãos, propostos pelo Supremo Tribunal Federal.10 10 . O decreto nº 23.017, de 31 de julho de 1933, reduziu para dois o número de membros externos à magistratura.

Chama a atenção o fato de que Getúlio Vargas podia indicar três dos oito membros do Tribunal. De acordo com a composição do art. 9, § 3º, porém, as escolhas estavam condicionadas a alguns requisitos:

  1. ter notável saber jurídico e idoneidade moral;

  2. não ser funcionário demissível ad nutum;

  3. não fazer parte da administração de sociedade ou empresa que tenha contrato com os poderes públicos, ou goze, mediante concessão, de isenções, favores ou privilégios;

  4. ser domiciliado na sede do Tribunal.

Portanto, conforme o inciso 2º do art. 9, não seriam aceitáveis funcionários ad nutum, isto é, aqueles cujo cargo havia sido preenchido com base em confiança, obrigando Vargas a escolher entre indivíduos concursados que gozavam do direito de vitaliciedade no cargo, algo raro na época e limitado às altas funções da magistratura. Porém, isso conflitava com o decreto n. 19.398, de 11 novembro de 1930, que havia sido publicado logo após os eventos revolucionários que puseram fim à Primeira República, e que anulava os direitos de todos os atos relativos a emprego, cargos ou ofícios públicos (art. 9 § 3º). Buscando corrigir a ambiguidade na lei, às vésperas das nomeações, o governo provisório publicou outro decreto (nº 21.227, de 31 de março de 1932) que alterava a redação do art. 9 § 3º, determinando-se que este artigo valeria “nos termos da legislação anterior a 11 de novembro de 1930”, isto é, respeitaria quanto previsto pela Constituição de 1891, reformada em 1926, que garantia a inamovibilidade e vitaliciedade dos magistrados. Sobre a solução adotada pelo governo, foi lacônico o comentário do Jornal do Brasil ao falar de uma “inconsistência absoluta”, que criou de forma inédita para o Tribunal Eleitoral um quadro especial, “os vitalícios honorários”, sendo que os membros do TSJE “não possuem as garantias necessárias a quem exerce a magistratura, porque continuam sob a guarda de demissão, a simples arbítrio do governo”.11 11 . Jornal do Brasil, 5 de abril de 1932, Anno XLVII, n. 80, p. 5. Título: Vitaliciedade honorífica.

Como já notou Jaqueline Zulini (2019b), não faltaram denúncias de parcialidade por parte da imprensa quanto às escolhas feitas por Vargas, afirmando que haveria nelas “um sentido político evidente e da mais nítida tendência reacionária, em sua maioria”.12 12 . Correio da Manhã, 03 de abril de 1932, nº 11.444, p. 4. Título: Contraste revoltante. O estudo da trajetória profissional desses juízes pode auxiliar na compreensão do perfil dominante entre os membros do TSJE.13 13 . Nos estudos de elites, a análise das carreiras permite mapear os percursos dos atores dentro dos empregos ocupados, para além das formas de socialização profissional (Petrarca, 2015). A Tabela 1, a seguir, informa as características dos cargos ocupados pelos membros do TSJE nomeados entre 1932 e maio de 1933, além da formação deles.

Tabela 1
: Membros do TSJE, até maio de 1933

Quanto à formação, todos eles têm instrução superior em Direito, configurando uma situação de alta especialização. Era o esperado. O bacharelado era na época um caminho comum de ascensão profissional tanto no mundo dos juristas, na burocracia estatal quanto na política para se alçarem a postos de elite dirigente. Quanto à carreira, os ministros e desembargadores exerceram funções relevantes no interior da mesma profissão, com destaque para juiz, promotor e advogado.14 14 . Um quadro que começa se modificar nos anos a seguir, mas de forma lenta e gradual (Codato et ali, 2016). Cabe lembrar que, de acordo com a legislação eleitoral da Primeira República, os juízes de Direito, os juízes municipais e os promotores locais participavam do processo eleitoral. Nos estados, a magistratura não era eletiva e os cargos eram de livre nomeação dos presidentes dos estados (Koerner, 1998Koerner, Andrei. (1998), Judiciário e cidadania na Constituição da República brasileira. São Paulo, Hucitec.). Não eram raras as manifestações públicas de parlamentares no Império e na Primeira República que denunciavam a atuação partidária dos juízes. Em geral, o entendimento comum era de que a administração das eleições era uma fonte de corrupção (de Souza, 2018De Souza, Alexandre de Oliveira Bazilio. (2018), A construção do edifício eleitoral: magistratura letrada e administração das eleições no Brasil (1881-1932). Jundiaí, Paco Editorial.; de Hollanda, 2009De Hollanda, C. Buarque. (2009), Modos da representação política: o experimento da Primeira República brasileira. Belo Horizonte, Editora UFMG.). A própria literatura é farta de exemplos de juízes atuando parcialmente nas eleições durante a Primeira República, promovendo objetivos político-partidários (Leal, 2012Leal, Victor Nunes. (2012), Coronelismo, enxada e voto. São Paulo, Ed. Cia das Letras, 7 ª ed.; Ricci, 2019b).

A carreira dos indicados por Getúlio Vargas – Affonso Penna Junior, Prudente de Morais Filho e Affonso Celso de Assis Figueiredo – possuía laços importantes com a política profissional, ainda que não se tratasse de indicações propriamente partidárias, pois não havia na época partidos organizados. Cabe notar que a interferência de Vargas também se manifestava nas instâncias inferiores da Justiça Eleitoral, podendo ele nomear 1/3 dos membros dos TREs (art. 21 do Código Eleitoral). O questionamento das escolhas feitas pela composição do TSJE ecoava no caso dos TREs. Várias críticas foram veiculadas pela imprensa quanto à nomeação dos juízes regionais nas Amazonas,15 15 . Diario da Manhã (Pernambuco), 5 de abril de 1932, nº, p. 2. Título: A Organização dos Tribunaes eleitorais nos estados. O jornal reporta a notícia do jornal amazonense do Comercio segundo o qual foram indicados professores, jornalistas, comerciantes, funcionários públicos “cuja competência se subordinam todas às questões eleitorais”. Maranhão,16 16 . Notícia reportada pelo Diario da Noite (Rio de Janeiro), 31 de março de 1932, nº 665, 2ª Edição das 18hs, p. 2. Título: O Codigo Eleitoral e sua execução. Paraná.17 17 . Diario da Tarde (Paraná), 7 de abril de 1932, nº 11.182, p. 1. Título: sem título. Em Santa Catarina, o jornal A Noticia fazia notar, em tom polêmico, que, como Vargas não conhecia a maioria dos nomes sugeridos para compor os TREs, ele “guiar-se-á pela informação dos interventores” que “indicarão nomes de pessoas de sua parcialidade e residentes na Capital”. Ou seja, pessoas estranhas à política local e, portanto, sujeitos à “politicagem do interventor”.18 18 . A Noticia (Santa Catarina), 30 de março de 1932, nº 1090, p.1. Título: A Constituinte e o Codigo Eleitoral.

Em síntese, não se pode afirmar que a independência seja uma condição fundante daquela Justiça Eleitoral. Sobretudo, a composição definida pelo Código possibilitava intervenção direta do governo sobre seus membros. Isso sugere que os “primeiros passos” da atuação da magistratura eleitoral devem ser inevitavelmente analisados tendo em vista a estreita relação com o governo provisório.

Segunda dimensão: o rule making “compartilhado” do TSJE

Sobre o rule making do TSJE, torna-se imprescindível fazer um esclarecimento. Com o fechamento do Legislativo, a matéria eleitoral era regulamentada por decretos do governo provisório. A coleta das leis publicadas no período mostra que, entre a outorga do Código Eleitoral, em fevereiro de 1932, e o pleito de maio de 1933, o governo provisório baixou 39 decretos em matéria eleitoral. À primeira vista, portanto, não seria errado inferir que o papel do TSJE em fixar as regras do jogo eleitoral fosse marginal ou secundário. Entretanto, esta seria uma visão parcial, essencialmente formalista. Ainda que a normatização do processo eleitoral passasse pelo governo provisório, o protagonismo do TSJE não era marginal. Isso porque as regras eram inicialmente elaboradas e aprovadas pelos membros do TSJE. O próprio Código não deixava dúvidas a respeito, determinando que competia ao Tribunal “fixar normas uniformes para a aplicação das leis e regulamentos eleitorais, expedindo instruções que entenda necessárias” (art. 14, inciso 4). Ou seja, desde o início se reconheceu a responsabilidade da Justiça Eleitoral na regulação das eleições (Vale, 2009Vale, Teresa Cristina de Souza Cardoso. (2009), Justiça Eleitoral e judicialização da política: um estudo através de sua história. Tese (Doutorado em Ciência Política, Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro).).

No que se refere ao rule-making duas questões devem ser discutidas. A primeira delas é entender se restava ao TSJE apenas uma função normativa secundária, tipicamente regulatória, que direcionasse as questões eleitorais – em conformidade com o art. 14 –, ou se o Tribunal também legislava em matéria, dando margem para interpretações diferentes daquelas previstas pelo Código Eleitoral. A leitura dos decretos mostra que, em sua maioria, o Executivo e o Tribunal não alteraram o Código Eleitoral. Esta é a condição encontrada em 24 decretos sobre assuntos eleitorais, 61,5% do total. Trata-se de decisões de cunho administrativo – regulamentando a nomeação dos funcionários dos Tribunais e os relativos subsídios para financiar as despesas deles –, ou, ainda, decretos que auxiliavam nos preparativos eleitorais. Também entram nesta tipologia os decretos cujos assuntos o Código Eleitoral havia explicitamente previsto que fossem determinados por lei especial, como os casos de inelegibilidade e as regras para a escolha dos representantes classistas.

Entretanto, não há como deixar de lado o volume significativo de decretos que modifica o Código Eleitoral. 38,5% deles alteram os dispositivos do Código e em alguns casos acrescentam novas normas. Destaque para as questões sobre o alistamento, postergando o prazo de encerramento, ou a previsão de novas categorias de profissionais alistáveis ex-officio. Importante mencionar o decreto número 22.627 de 7 de abril de 1933 que condensava as instruções para a eleição do mês seguinte retomando quanto previsto no Código Eleitoral, mas também adotando novas regras sobre o processo eleitoral. O artigo 68 do decreto esclarecia que as mudanças aprovadas nas instruções prevaleceriam sobre os dispositivos do Código Eleitoral. O caso do registro dos partidos se apresenta como um caso peculiar de intervenção do TSJE que nem sequer foi regulamentado por decreto. O artigo 99 do Código denominava partidos “1) os que adquiririam personalidade jurídica, mediante inscrição no registro a que se refere o art. 18 do Código Civil; 2) os que, não a tendo adquirido, se apresentarem para os mesmos fins, em caráter provisório, com um mínimo de quinhentos eleitores; 3) as associações de classe legalmente constituídas”. Para tanto, determinava-se que:

Uns e outros deverão comunicar por escrito ao Tribunal Superior e aos Tribunais Regionais das regiões em que atuarem a sua constituição, denominação, orientação política, seus órgãos representativos, o endereço de sua sede principal, e o de um representante legal pelo menos. (art. 99, Parágrafo Único do Código Eleitoral)

O texto deixava a entender que o registro partidário tinha que ser apresentado nas duas instâncias, seja nos Tribunais Regionais seja no TSJE. O Regimento Geral dos Juizes, Secretarias e Cartorios eleitorais previu que os partidos declarassem para fins de registro o âmbito de sua ação, “regional ou nacional” (art. 92).19 19 . O Regimento foi publicado no BE, 8 de setembro de 1932, Anno I, n. 12 e no BE, 5 de outubro de 1932, Anno I, n. 16. A normativa, porém, era ampla demais deixando dúvidas quanto à necessidade de os partidos estaduais terem que se registrar no TSJE. Para solucionar o problema, o colegiado decidiu que ao Tribunal Superior competia o registro dos partidos de ação nacional enquanto aos TREs cabia o registro dos partidos de ação estadual.20 20 . Ata da 22ª Sessão ordinária, em 21 de março de 1933, publicada no BE nº 69, 31 de março de 1932, p. 1 e Ata da 21ª Sessão ordinária, em 17 de março de 1933, publicada no BE nº 68, 30 de março de 1932, p.1. A nova formulação simplificava o processo de registro partidário, sendo desnecessário que os partidos que tivessem comunicado expressamente por escrito sua atuação no âmbito estadual também pedissem o registro ao TSJE, de certa forma facilitando a atuação legal dos partidos.21 21 . De modo que foram arquivados vários pedidos de partidos que já possuíam o registro estadual. Ver Processo 437 relativo ao Partido Libertador (Rio Grande do Sul), BE 27 de maio de 1933, n. 99, p. 2.119. O TSJE deliberou nesse sentido para o registro dos seguintes partidos: Partido Liberal Catarinense, Partido Socialista de Alagoas, Partido Social Democratico do Espírito Santo.

A segunda questão a ser discutida trata da relação entre governo e TSJE. Importa entender se o governo mudava o conteúdo das normas aprovadas pelo TSJE, exercendo algum poder de veto antes da publicação do decreto. Seria um indicativo de conflito entre as duas instituições. Para se verificar esta suposição analisei alguns dos 39 decretos que regulamentam assuntos eleitorais.22 22 . Infelizmente, não há como ter acesso à integra de todos os decretos elaborados pelo TSJE e sucessivamente enviados ao governo, pois os BEs só publicavam apenas algumas das decisões do colegiado. A análise foi feita comparando-se a versão enviada pelo TSJE ao governo provisório com o texto do decreto que foi publicado no Diário Oficial da União. Para efeito de mensuração, quando possível, compararam-se os artigos, em busca de eventuais diferenças. Uma simples mudança de palavra foi computada como uma intervenção do governo na proposta enviada pelo TSJE.

O decreto 22.695 de 10 de maio de 1933 estabelecia medidas para abreviar a apuração das eleições à Assembleia Constituinte.23 23 . A íntegra das regras aprovadas pelo TSJE se encontra no BE nº 97, 20 de maio de 1933, p. 2081-2083. Nesse caso, o decreto assinado por Getúlio Vargas acatava todas as medidas anteriormente aprovadas pelo Tribunal. De igual maneira, o decreto 21.808 de 12 de setembro de 1932 atendia in toto a uma representação formal do TSJE sobre a conveniência de não serem feitas mais modificações administrativas nos estados, suprimindo municípios para que o plano de divisão em zonas eleitorais fosse aprovado em definitivo. Quando o TSJE decidiu que no Distrito Federal era necessária a criação de mais três cartórios eleitorais para auxiliar no alistamento, prontamente o governo provisório emitiu o decreto 21.660 de 20 de julho de 1932.24 24 . Ver BE, nº 4, 3 de agosto de 1932, p. 34. O decreto 22.627 de 7 de abril de 1933 tratava das Instruções para a realização das eleições para a Assembleia Nacional Constituinte.25 25 . A íntegra das regras aprovadas pelo TSJE se encontra no BE nº 61, 22 de março de 1933, p. 1223-1235. Dos 67 artigos inicialmente previstos pelo TSJE, apenas 8 foram modificados pelo Executivo, sendo que, em todos os casos, se tratava de intervenções marginais que não mudavam a substância da norma aprovada pelo Tribunal. Acrescentou-se também um novo artigo, esclarecendo que as mudanças aprovadas nas Instruções prevaleceriam sobre os dispositivos do Código Eleitoral.

Em síntese, nessa primeira fase da Justiça Eleitoral, aparentemente o rule-making é misto, prevalecendo a delegação do Executivo ao TSJE. Em poucos casos o governo agia de forma autônoma, como na questão das inelegibilidades dos cidadãos que participaram direta ou indiretamente do movimento revolucionário de São Paulo (decreto 22.194 de 9 de dezembro de 1932). Na maioria das vezes, porém, o governo delegava ao TSJE a normatização do processo eleitoral que, inevitavelmente, dada a conjuntura, interpretava as regras e respondia às consultas dos Tribunais Regionais e outros atores alinhando-se com a posição do Executivo. Pela leitura das Atas e dos BEs se infere que o modus operandi seguia quanto previsto pelo art. 14, inciso 8 do Código Eleitoral: o TSJE deliberava sobre questões eleitorais e o presidente do Tribunal oficiava o Governo Provisório que assinava o decreto em matéria. A atuação legiferante do TSJE é importante e não desprezível. Deve ser interpretada como uma ação que visava organizar eficazmente o processo eleitoral. Ou seja, havia espaço para inovações legais, mas na maioria dos casos se tratava de encontrar respostas rápidas em determinados assuntos para suprir o vácuo legislativo do Código Eleitoral.

Terceira dimensão: eficâcia na organização da eleição

Foram utilizados cinco indicadores para o estudo da Justiça Eleitoral em seu primeiro ano de vida. O primeiro deles considera o número de reuniões do TSJE e a distribuição delas no tempo. O TSJE foi instalado em 20 de maio de 1932 e a primeira reunião ordinária ocorreu em 28 de maio. O gráfico a seguir mostra a distribuição das 88 reuniões do colegiado que se realizaram a partir de 17 maio – dia em que aconteceu a reunião preparatória – até o dia 2 de maio de 1933 – data da última reunião antes da eleição de 3 de maio.

Gráfico 1
: Reuniões Ordinárias e Extraordinárias do TSJE

De posse destes dados, podemos inferir algumas considerações iniciais. As reuniões extraordinárias se concentram nos primeiros meses de funcionamento do TSJE. A convocação delas visava acelerar a organização inicial da Justiça Eleitoral que passaria inevitavelmente pela fase da formulação de regulamentos e diretrizes gerais.26 26 . Nesses meses foram aprovados o Regimento Interno do TSJE (publicado no BE, do dia 20 de Julho de 1932); o Regimento Interno dos Cartórios (publicado no BE, do dia 8 de setembro de 1932); o Regimento Interno dos ‘Tribunais Regionais (publicado no BE, de 31 de agosto de 1932). Os dados também mostram que, a partir de novembro de 1932, as reuniões ocorrem a cada quatro dias, com relativa frequência, inferindo-se que o Tribunal já estava funcionando mantendo um ritmo regular de trabalho.

Um indicador mais preciso para se observar a atuação do TSJE considera o volume de processos julgados pela casa. Conforme o art. 15 do Código Eleitoral, competia ao TSJE, nas matérias de sua competência, pôr termo aos processos remetidos pelos TREs ou pelo próprio governo. Muitos processos eram formulados como consultas, funcionando, portanto, como esclarecimentos prévios sobre as regras do jogo.27 27 . As respostas às consultas do TSJE foram regulamentadas pelo Regimento Interno do TSJE. O gráfico a seguir apresenta a distribuição mensal dos 516 processos apreciados pelo TSJE durante o período investigado, resultando em acórdãos publicados nos BEs.28 28 . Não reportamos a informação relativa ao mês de maio pois a coleta dos dados para este mês contemplou apenas uma reunião do TSJE, antes do pleito.

Gráfico 2
: Número Médio Mensal de Processos Analisados pelo TSJE

A partir de setembro, o volume de processos mensais analisados pelo TSJE é significativo. São cerca de 7,8 processos analisados e/ou julgados mensalmente de setembro a abril de 1933. A consulta temática dos processos revela a intensidade dos trabalhos do TSJE para deliberar sobre questões procedimentais inerentes ao processo eleitoral.

32,1% dos processos remetiam a decisões que fixavam normas em matéria de alistamento eleitoral. Tratava-se de agilizar o processo de alistamento eleitoral – como a instalação de gabinetes fotográficos, a criação de identificadores de emergência, a gratuidade de certidões de registro civil, a simplificação no reconhecimento de firmas, etc. Grande parte dos processos eram sobre questões relativas ao alistamento ex-officio. A medida havia sido incorporada ao Código como forma para acelerar o alistamento dos eleitores (Braga, Aflalo, 2019), mas muitas dúvidas pairavam sobre diversos assuntos, como quem seriam as categorias beneficiadas pela medida, quais os responsáveis pelas remessas das listas de inscritos ex-officio, ou, ainda, que prazos para remessa da documentação.

21% dos processos tratavam de questões interpretativas do Código Eleitoral, resolvendo dúvidas dos TREs e do próprio governo quanto às competências dos funcionários e agentes da Justiça Eleitoral, em particular dos juízes. Questões relativas à nomeação de parentes, substituição e designação de funcionários eram discutidas levando-se em conta eventuais incompatibilidades no exercício de cargos.

14% dos processos vertiam sobre o registro dos partidos políticos. O Código Eleitoral havia inovado respeito ao regime anterior, determinando que os partidos se registrassem perante os TREs e o TSJE. A medida incorporava um discurso modernizante que valorizava o papel dos partidos políticos. Nos termos de um dos membros da comissão que redigiu o Código Eleitoral, os partidos seriam “elementos sociais também indispensáveis para a boa e perfeita ordem, e para o seguro e constante progresso da nação politicamente organizada” (Cabral, 1934Cabral, João. (1934), Código eleitoral da República dos Estados Unidos do Brasil: decreto n. 21.076, de 24 de fevereiro de 1932: contendo os textos do código, leis, decretos e regimentos complementares. Rio de Janeiro, Freitas Bastos.:18). Portanto, cabia à Justiça Eleitoral examinar a documentação enviada pelos partidos, concedendo ou negando o registro para fins eleitorais.

10% dos processos versavam sobre questões meramente administrativas, como situações pessoais de servidores, férias, licenças pessoais, estágios de servidores, pedidos de dispensa de servidor, escusas pessoais.

5% dos processos tratavam de questões orçamentárias. A despesa orçamentária era fixada pelo governo provisório e muitos dos questionamentos analisados pelo TSJE eram sobre a ausência de rubricas para o pagamento dos funcionários. Em particular, questionavam-se os critérios usados na organização dos subsídios e gratificações dos juízes das zonas e preparadores, escrivães e identificadores eleitorais, assim como o gasto com os juízes preparadores na ida aos distritos em diligência para a inscrição de alistados. Como o TSJE não possuía autonomia financeira, os juízes resolviam a questão enviando representações ao governo, a quem cabia determinar as despesas financeiras da Justiça Eleitoral por meio de créditos extraordinários.

Estes dados sugerem um elevado desempenho do TSJE nessa primeira fase de atuação. Também é importante reconhecer que o raio de sua capacidade decisória é bem amplo, editando normas e decidindo sobre casos concretos, mostrando a centralidade da Justiça Eleitoral na organização e regulamentação das eleições de 1933.

Os próximos indicadores deslocam o foco para a performance da Justiça Eleitoral nos estados. O primeiro deles considera o tempo para os TREs se instalarem definitivamente após o início dos trabalhos no TSJE (ver Tabela 2). Esta informação é importante, pois retrata eventuais dificuldades enfrentadas pela Justiça Eleitoral em se organizar nos estados. Quanto mais rápidos na instalação, mais célere seria o comprometimento com os preparativos eleitorais. Afinal, nessa fase pré-eleitoral, cabia aos TREs organizar o alistamento eleitoral – desde as inscrições dos cidadãos até a entrega dos títulos eleitorais – e designar em quais lugares funcionariam as mesas eleitorais.

Tabela 2
: Data de Instalação dos TREs, por Estado

Os dados revelam uma variação importante. Com a exceção do Maranhão e do Mato Grosso, a maioria dos TREs iniciaram os trabalhos entre maio e agosto de 1932, isto é, cerca de três meses após a data de instalação do TSJE que ocorreu em 20 de maio. A instalação de alguns deles já em maio e junho monstra que não havia impedimentos formais para que se desse início aos trabalhos nos estados mesmo logo após a outorga do Código Eleitoral.29 29 . O fato do Território do Acre e do Distrito Federal constituírem exceção quanto à sua composição (ver art. 21 do Código Eleitoral e decreto 21.321 de 26 de abril de 1932) talvez explique a celeridade na instalação. Como noticiava A Federação, já em maio de 1932 o ministro da Justiça havia recebido a lista dos magistrados indicados para juízes dos futuros tribunais de modo que era possível dar início às reuniões.30 30 . Conforme o art. 21 do Código Eleitoral, cabia ao chefe do governo provisório a escolha de dois membros efetivos para cada TRE e três substitutos, dentre 12 cidadãos propostos pelo Tribunal de Justiça local. Ver A Federação (Rio Grande do Sul), 26 de abril de 1932, p. 1. Título: Para o novo alistamento eleitoral. Aparentemente a demora registrada em alguns TREs é imputável a questões burocrático-administrativas, como a elaboração do regimento interno no TSJE,31 31 . Em editorial não assinado publicado n’A Federação, sugeria-se que a demora na aprovação do regimento interno do próprio TSJE seria a causa do atraso no início dos trabalhos dos tribunais regionais, pois aquele regimento era “ponto de partida para a organização e eficiência dos demais”. Ver A Federação, (Rio Grande do Sul), 07 de julho de 1932, p. 4. Título: A conferencia de Bello Horizonte. a ausência de comparecimento de funcionários em Goiás32 32 . Ata da 9ª Sessão extraordinária, em 10 de agosto de 1932 publicada no BE, Anno I, nº 8, p. 63. e no Piauí,33 33 . Ata da 11ª Sessão Ordinária, em 6 de agosto de 1932 publicada no BE, Anno I, nº 7, p. 55. às “dificuldades criadas pela delegação fiscal quanto à aplicação do crédito destacado para as despesas de instalação” em Pernambuco34 34 . Pequeno Jornal (Pernambuco), 30 de julho de 1932, p. 7. Título: A caminho da constitucionalização. ou à demora na distribuição do crédito para auxiliar na instalação do Tribunal em Amazonas.35 35 . Para o caso do Amazonas ver o Jornal do Comercio (Amazonas), 31 de Julho de 1932, p. 1. Título: Tribunal Eleitoral. Para o Ceará ver o Jornal do Comércio (Amazonas), 28 de agosto de 1932, p. 7. Título: Nacionais. Constatando que se achavam funcionando quase todos os tribunais, O Imparcial sugeria que a demora na instalação do TRE do Maranhão fosse atribuível à reforma judiciária do estado.36 36 . O Imparcial (Maranhão), 10 de setembro de 1932, p. 1. Título: sem título e no mesmo jornal e dia 25 de setembro, p.4. Título: No Superior Tribunal do Estado. No Mato Grosso o juiz designado para a presidência do TRE estava ausente do estado, não se podendo dar continuidade à sua instalação. Ainda que o TSJE tivesse decidido que o mais antigo entre os membros designados para constituir o TRE assumisse a presidência, optou-se por esperar o retorno ao estado do membro inicialmente designado, de modo que a instalação definitiva se realizou apenas em novembro.37 37 . Sobre a decisão do TSJE ver a Ata da 10ª sessão ordinária de 24 de agosto de 1932, publicada no BE do dia 14 de setembro de 1932, nº 13, p. 1. Tendo em vista as inúmeras dificuldades decorrentes da falta de apresentação dos funcionários nomeados para as respectivas secretarias, o próprio governo provisório permitiu que se nomeassem pessoas estranhas para exercerem, interinamente, as funções dos que ainda não haviam tomado posse de seus cargos.38 38 . Decreto 21.722 de 11 de agosto de 1932.

Outro indicador considera a demora na aprovação do plano de divisão eleitoral pelos TREs após a instalação deles (Tabela 3, a seguir).39 39 . O cálculo é feito considerando-se a data de aprovação final no TSJE, pois não há informações quanto à tramitação nos TREs. Conforme o art. 24 do Código Eleitoral, competia aos TREs dividir o território em zonas, cabendo ao TSJE a aprovação final dos planos de divisão eleitoral. A medida era necessária para que os TREs designassem os juízes eleitorais e dessem início ao alistamento dos eleitores.

Tabela 3
: Data da Aprovação do Plano de Divisão Eleitoral, por Estado

O TSJE demorou, em média, 68,7 dias para aprovar os planos dos TREs. Ainda em julho, o próprio TSJE pedia celeridade, manifestando-se por meio de telegramas aos TREs para que fossem enviados os planos com a maior brevidade.40 40 . Ata da 5ª Sessão de 15 de Julho de 1932, publicada no BE, Anno 1, nº 2, p. 25. A morosidade se devia a uma questão procedimental que obrigava o TSJE a rever os planos quando houvesse modificação na estrutura administrativa estadual – por exemplo, quando se criavam ou suprimiam municípios.41 41 . Em conformidade com o decreto nº 20.348, de 29 de Agosto de 1931, deveriam ser suprimidos os municípios cuja renda efetivamente arrecadada no exercício anterior não tivesse atingido certos níveis de renda dos respectivos Estados. Desse modo, os TREs elaboravam nova divisão eleitoral que, modificando a anterior, chamava novamente em causa o TSJE. Pela leitura das atas publicadas nos BEs, é possível observar certo incômodo entre os juízes com essa prática. Em agosto, o ministro José Linhares manifestou seu desconforto com o novo plano apresentado pelo TRE do Paraná que, inevitavelmente, retardaria o início do alistamento. Naquela ocasião, o juiz Affonso Penna Junior sugeriu ao colegiado a apresentação de uma representação formal ao governo sobre a conveniência de não serem feitas mais modificações nos estados para que os respectivos planos de divisão em zonas não se atrasassem.42 42 . Ata da 13ª Sessão de 20 de Agosto de 1932, publicada no BE, Ano 1, n. 10, p. 75. O governo acatou a sugestão e regulamentou a questão por decreto logo em seguida (decreto nº 21.808, de 12 de setembro de 1932), suspendendo durante a fase do alistamento eleitoral a supressão dos municípios.

O último indicador considera o funcionamento das seções eleitorais no dia da eleição. Este indicador sugere que os TREs organizaram e processaram as eleições regulamente, sem interferência política no dia da eleição. Como sabemos, durante a Primeira República, era prática comum nos municípios fechar as seções eleitorais, impedindo o voto dos adversários e realizando a eleição a bico de pena (Leal, 2012Leal, Victor Nunes. (2012), Coronelismo, enxada e voto. São Paulo, Ed. Cia das Letras, 7 ª ed.; Ricci, Zulini, 2014). A tabela a seguir mostra que essa prática não era mais realizada em 1933. Poucas seções eleitorais ficaram fechadas e, em grande parte dos estados, a eleição se processou em todas elas.

Tabela 4
: Seções Eleitorais na Eleição de 1933, por Estado

De acordo com os dados apresentados, a Justiça Eleitoral operou na organização da eleição de 1933 de forma eficaz, apesar das dificuldades de ordem administrativo-burocráticas que atestam a condição precária de trabalhos dos TREs nos estados (Zulini, 2019b).

Quarta dimensão: imparcialidade

Quanto à imparcialidade, serão discutidas duas questões: a obrigatoriedade de registro dos partidos e a atuação dos juízes nos preparativos para a eleição de maio de 1933. No primeiro caso, o Código Eleitoral exigia que os partidos se registrassem perante a Justiça Eleitoral para poder concorrer ao pleito (art. 99), sendo que, ao TSJE, competia o registro dos partidos de ação nacional, enquanto, aos TREs, cabia o registro dos partidos de ação estadual. No caso do TSJE, todos os pedidos de registros foram concedidos, menos o do Partido Comunista.43 43 . Futuras pesquisas deverão averiguar o caso dos registros requeridos pelos partidos estaduais perante os TREs pelos quais atualmente não há dados disponíveis. O TSJE justificou a decisão argumentando que o partido estava filiado à Internacional Comunista cujos fins “são ilícitos ou que se serve de meios ilícitos”. Em sua declaração de voto, o juiz Eduardo Espíndola afirmara que não lhe parecia possível reconhecer um partido que “se afirma preso à contingência de violar as leis do país, formando uma organização ilegal paralelamente à legal, para obedecer às imposições do Congresso Mundial, a que se filiou”.44 44 . Ver processo 279, publicado no BE nº 108, 18 de junho de 1933, p. 2371-2373. Sem registro, os comunistas disputaram as eleições no Distrito Federal e em São Paulo sob a sigla UOCE (União Operária e Camponesa do Brasil), mas com resultados inexpressivos.

É correto, então, afirmar que a Justiça Eleitoral federal garantiu uma participação ampla dos partidos no pleito de 1933. O Partido Comunista é um caso-limite. O fato de que estudos recentes tenham apontado para a existência de níveis elevados de competição política nos estados (Ricci, Silva, 2019; Silva, Silva, 2015) sustenta a ideia de que, também no âmbito estadual, os registros foram concedidos pelos TREs à maioria dos partidos que disputaram a eleição de 1933.

Uma segunda forma de se observar a imparcialidade dos agentes eleitorais é observar a atuação deles na eleição de 1933. Recupero os dados levantados por estudos recentes (Ricci, 2019b; Zulini, 2019b) que fizeram um levantamento das denúncias de fraudes e possíveis manipulações que ocorreram na eleição de 1933, partindo das denúncias apresentadas perante o TSJE.45 45 . As contestações formais dos resultados eleitorais nos informam sobre o processo fraudulento que ocorria no âmbito local, no momento pré-eleitoral e/ou eleitoral. A estratégia de se basear no exame das contestações apresentadas pelos políticos para estudar como se realizavam as eleições não é incomum. Ver Anderson (2000), para a Alemanha, Lehoucq e Molina (2002) para a Costa Rica e Richard Franklin Bensel (2004) para os Estados Unidos. Para o caso brasileiro ver Ricci e Zulini (2014).

De acordo com o Código Eleitoral, cabia aos eleitores requererem inscrição nas listas eleitorais, enquanto aos Cartórios Eleitorais restava finalizar a inscrição, sendo ela feita ex-officio ou não (art. 39). As denúncias analisadas vertiam sobre a inclusão de pessoas não qualificadas, alistamento finalizado fora do prazo legal, menores de idade inscritos nas listas eleitorais ou procedimentos burocráticos realizados por pessoas estranhas à magistratura. Às vezes as acusações eram genéricas, mas, como o alistamento era feito nos cartórios eleitorais, pode-se inferir que funcionários e juízes locais fossem responsáveis pela maioria das denúncias de irregularidades.

Eram mais numerosas as denúncias que questionavam a organização das mesas eleitorais cujos membros eram nomeados pelos TREs. Questionava-se a organização delas (por exemplo, por ter a mesa sido presidida por pessoa não prevista em lei) e o mau funcionamento no dia da eleição (por exemplo, encerrando-se os trabalhos antes da hora legal, falta de informações completas nas atas eleitorais ou folhas de votação irregulares, como também a prática de permitir que eleitores votassem em seções diferentes daquelas preestabelecidas). As denúncias deixam claro o envolvimento dos mesários nesta fase do processo eleitoral. Note-se que o Código Eleitoral era permissivo quanto à escolha dos mesários. De acordo com o artigo 65, § 1º, eles deveriam ser “de preferência, magistrado, membro do ministério público, professor, diplomado em profissão liberal, serventuário de Justiça formado em Direito, contribuinte de imposto direto”. Ou seja, é possível supor que a ausência de um corpo de especialistas possa ter afetado os níveis de imparcialidade na administração do processo eleitoral em âmbito local.

Estas informações sobre a atuação da Justiça Eleitoral revelam um quadro complexo da atuação da Justiça Eleitoral nas seções eleitorais.46 46 . A coleta das denúncias é feita sobre todas as fases eleitorais. Desse modo, já é possível afirmar que houve parcialidade na atuação da Justiça no âmbito local também na contagem dos votos (Zulini, 2019b). Nas palavras de Jaqueline Zulini, os dados indicam “certa dificuldade em padronizar uma rotina processual que rompesse definitivamente com a tradição eleitoral precedente” (Zulini, 2019b:186).47 47 . Estudos regionais também confirmam a parcialidade da Justiça Eleitoral nos estados. Como afirma Consuelo Sampaio para o caso baiano, “em geral, o juiz demonstrava intenção de exercer suas funções com imparcialidade, mas, não raro, esse desejo colidia com os planos e a maneira de agir dos chefes locais” (Sampaio, 1992:138). Considerações similares para o caso gaúcho foram tecidas por Castro (1980).

Conclusão

Este artigo constitui uma primeira aproximação ao estudo da Justiça Eleitoral nos anos 1930. A partir de dados até agora pouco explorados, foi possível apresentar algumas informações mais detalhadas em seu primeiro ano de atuação. Identificou-se um comprometimento quanto aos aspectos organizacionais do processo eleitoral por parte do TSJE e dos TREs. Com efeito, pode-se afirmar que a eleição de 1933 se realizou em condições de acomodar as disputas partidárias que alcançaram níveis superiores com respeito ao regime anterior.

Na prática, esse comportamento deve ser ponderado pelo grau de interferência política na gestão da recém-criada Justiça Eleitoral. O contexto não era dos mais favoráveis. O governo provisório no plano federal e as interventorias no âmbito estadual constituíam um forte mecanismo de controle sobre os recém-criados Tribunais Eleitorais. A composição inicial do TSJE é indicativa de uma relação estreita com a política. Quando indagada a atuação da Justiça Eleitoral na fase dos preparativos eleitorais, observa-se relativa parcialidade, sobretudo no âmbito administrativo local. Este resultado não é de se estranhar. Como observado pela literatura internacional, à medida que as instituições são alteradas, os atores políticos mudam suas estratégias, adaptando-se (Sjoberg, 2014Sjoberg, Fredrik M. (2014), "Autocratic adaptation: The strategic use of transparency and the persistence of election fraud". Electoral Studies, v. 33, March, pp. 233-245.). Não seria diferente no caso da criação dos tribunais eleitorais (Mozaffar, Schedler, 2002). Assim, ainda que as eleições feitas a bico de pena deixassem de constituir uma estratégia nas mãos dos situacionistas para “fazer” a eleição, a precariedade da construção de órgãos eleitorais em nível local, nos municípios, permitiu certa interferência de partidos e candidatos que passaram a pressionar juízes e serventuários da Justiça Eleitoral local. Da mesma forma, olhemos para as resoluções de natureza claramente normativa (rule-making). Isso tem sido apontado como evidência de que o modelo de governança brasileiro seria, desde suas origens, “judicializado” (Graeff, Barreto, 2017; Lopes, 2019Lopes, Ana Paula de Almeida. (2019), "Governança eleitoral e ativismo Judicial: uma análise comparada sobre o impacto de decisões Judiciais nas regras do processo eleitoral Brasileiro". Dados, v. 62, n. 3, 1-36.). Sobre este ponto, porém, é preciso cautela. Para além do curto período analisado neste artigo, a afirmação acima deve ser contextualizada. Sem partidos, e sem Legislativo, a ação do TSJE deveria ser interpretada à luz da relação com o governo provisório. Se for assim, podemos dizer que aquele Tribunal agia em consonância com as preferências do Executivo, sob tutela dele, formulando decisões técnicas e não políticas. Nesta perspectiva, significa dizer que o estudo da governança eleitoral deve ser desvinculado de uma mera questão relativa à independência formal do Judiciário para passar a reconhecer certo grau de relação entre os atores, examinados por meio de critérios claros e objetivos. Dito de outra forma, se, como vimos, o desempenho da Justiça Eleitoral foi avaliado como eficaz, pois garantiu uma disputa entre partidos que até então o regime anterior não permitia, tarefa do pesquisador será construir formas de avaliação de como este resultado foi alcançado, levando-se em conta eventuais interferências políticas durante o processo eleitoral.

À guisa de conclusão, gostaria de propor uma agenda de pesquisa para os próximos anos. Sugiro três caminhos, mais uma reflexão final. O primeiro caminho é (re)pensar o caso brasileiro à luz de como a jurisprudência dos Tribunais veio tratando a matéria eleitoral. Para tanto, acredito que a questão da independência formal seja a menos relevante em comparação ao tema da relação entre os poderes na regulamentação das eleições (rule-making). Este aspecto constitui tema constante nos estudos sobre o fenômeno da judicialização das eleições. Aqui, tratar-se-ia de aprofundar o papel do TSJE desde 1932. Se a relação institucional se dava inicialmente com o governo provisório, é a partir da eleição constituinte de 1933 que o rule-making passa a ser compartilhado com o Legislativo. As inúmeras críticas à lei eleitoral de 1932 levaram a outras regulamentações e, em 1935, à elaboração de um novo Código Eleitoral por parte do Poder Legislativo. Importa investigar se as regras eleitorais foram modificadas ao longo dos anos por interpretações judiciais do próprio TSJE e em que medida elas resultaram de ações em sintonia com os demais poderes.

O segundo caminho é mais analítico. É indispensável pensar as dimensões e indicadores que nos auxiliam na compreensão do desempenho da Justiça Eleitoral no tempo. Neste artigo a ênfase recaiu sobre quatro aspectos: organização, independência, imparcialidade e rule-making. Entretanto, vários outros fatores moldam o processo da governança eleitoral, como centralização, burocratização, especialização, delegação e regulação (Mozaraff, Schedler, 2002; Tarouco, 2014Tarouco, Gabriela da Silva. (2014), "Governança eleitoral: modelos institucionais e legitimação". Cadernos Adenauer, v. XV, n. 1, pp. 229-243.). Nessa perspectiva, urge compreender quais deles devem ser contemplados e quais indicadores devem ser utilizados para o estudo da Justiça Eleitoral. A expectativa é de que a elaboração de um framework analítico bem estruturado dará conta de aprofundar o estudo da Justiça Eleitoral em épocas posteriores à sua criação, isto é, entre 1933 e 1937, mas também no regime democrático de 1945.48 48 . O único estudo de amplo alcance realizando um levantamento de dados sobre a atuação da Justiça Eleitoral é a tese de Teresa Vale (2009) que cobre o período entre 1945 e os anos 2000. A dissertação de mestrado de Lucas Cadah (2012) é o primeiro esforço de levantamento e organização de dados para os anos 1930.

Desta sugestão deriva um terceiro caminho. O pesquisador deverá lidar com o problema de um desenho de pesquisa mais rigoroso levando em conta a limitação das fontes disponíveis. Entre as possíveis formas de se abordar o tema, fico com a sensação de que a atuação da Justiça Eleitoral deva inevitavelmente passar pelo estudo das performances dos TREs. Importa observar como a Justiça Eleitoral se comportava no âmbito estadual, pois nem todos os processos davam entrada no TSJE. No entanto, a precariedade das fontes é um desafio para a pesquisa. Para os anos 1930, os Boletins Eleitorais são as principais fontes de informação, contendo as decisões do TRE-DF, para além daquelas do TSJE. No caso dos outros TREs, o caminho é mais árduo.49 49 . Alguns Tribunais Regionais chegaram a publicar um Boletim Eleitoral Regional, como consegui identificar para o caso da Bahia e do Pará. A maioria fazia uso dos Diários Oficiais ou de jornais da época em que as atas das seções ordinárias podem ser encontradas. Inevitavelmente os jornais da época também deverão ser utilizados. A imprensa constitui fonte valiosa para a reconstrução do papel da Justiça Eleitoral nos pleitos eleitorais, apontando para interferências políticas e desvios durante o processo eleitoral. Na verdade, o fato é que até agora não possuímos uma tradição de estudos que traga informações consistentes sobre a atuação da Justiça Eleitoral para os anos 1930 ou, de forma mais abrangente, para quando ela foi restaurada, em 1945. Sem um resgate das fontes documentais, o risco é ficarmos presos a uma leitura do modelo brasileiro de governança eleitoral que gira em torno da narrativa que valoriza a importância da Justiça Eleitoral para a consolidação da democracia no Brasil, reduzindo as fraudes, mas sem dados que sustentem esta visão.50 50 . Merece destaque o esforço recente do TRE-PB que organizou numa coletânea as Atas de Sessão de 1932 e 1933 inicialmente publicadas no jornal A União, fonte oficial do estado (Londres e Carneiro, 2023).

Por último, uma reflexão quanto ao processo de democratização brasileiro. Pensar a democracia no Brasil significou até o momento tratar das questões dos direitos políticos (Santos, 2017Santos, Wanderley Guilherme dos. (2017), A democracia impedida: o Brasil no século XXI. Rio de Janeiro, Editora FGV.) e da competição política (Limongi, 2015Limongi, Fernando. (2015), "Fazendo eleitores e eleições: mobilização política e democracia no Brasil Pós-Estado Novo". Dados, v. 58, n. 2, pp. 371-400.). Mais recentemente há quem deslocou a atenção para o voto secreto, problematizando-se seu impacto sobre os eleitores (Gingerich, 2019Gingerich, Daniel W. (2019), "Ballot reform as suffrage restriction: evidence from Brazil's Second Republic". American Journal of Political Science, v. 63, n. 4, pp. 920-935.; Ricci, 2022Ricci, Paolo. (2022) "As eleições dos anos 1930: coordenação pré-eleitoral em tempos de voto secreto". Estudos Históricos (Rio de Janeiro) 35, pp. 72-94.). A Justiça Eleitoral, porém, ocupa pouco espaço entre as dimensões da democratização. No debate internacional já está consolidada a ideia de que órgãos eleitorais são instituições que dão credibilidade ao processo eleitoral (Birch, 2011Birch, Sarah. (2011), Electoral Malpractice. Oxford, Oxford University Press.; Hartlyn et al., 2008; Pastor, 1999Pastor, Robert A. (1999), "The role of electoral administration in democratic transitions: Implications for policy and research". Democratization, v. 6, n. 4, pp. 1-27.), reduzindo as fraudes (Eggers, Sperling, 2014) e aumentando os custos da compra de votos (Lundstedt, Edgell, 2022). Entretanto, outros autores alertam quanto ao risco de possíveis interferências da política sobre a governança eleitoral, contribuindo para o fortalecimento de um regime autoritário (Schedler, 2013Schedler, Andreas. (2013), The politics of uncertainty: Sustaining and subverting electoral authoritarianism. Oxford, Oxford University Press.). Assim, acredito que não podemos deixar de reconhecer que a Justiça Eleitoral é uma instituição fundamental para problematizar a democratização no Brasil. Apesar das dificuldades na identificação das fontes, é o momento de lhe atribuir a devida importância nos estudos empíricos ao lado das já conhecidas dimensões que os cientistas sociais mobilizam para investigar os processos de democratização/autocratização dos regimes.

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Notas

  • 1
    . A Noite, 24 de fevereiro de 1932, Anno XXII, nº 7273, p.1.
  • 2
    . A ausência de estudos sobre os órgãos eleitorais no ato de suas fundações e nos primeiros anos de seus funcionamentos não é uma limitação do caso brasileiro, mas é reconhecida internacionalmente (Norris, 2019Norris, Pippa. (2019), "Conclusions: The new research agenda on electoral management". International Political Science Review, v. 40, n. 3, pp. 391-403.).
  • 3
    . A partir de 1945 a nomenclatura mudou para Tribunal Superior Eleitoral, permanecendo até hoje.
  • 4
    . O decreto 21.402 de 14 de maio de 1932 também criara uma comissão encarregada de redigir o anteprojeto da Constituição.
  • 5
    . Jornal do Brasil, 23 de novembro de 1932, p. 5. Título: Partidos estaduais.
  • 6
    . Anais da Câmara dos Deputados, 25/04/1927, p. 342.
  • 7
    . Entendo que estas sejam condições mínimas para iniciar uma investigação preliminar. Evidentemente, a exploração de outras fontes – com ênfase para as informações colhidas nos Tribunais Regionais - permitirão aperfeiçoar o modelo analítico para o estudo da Justiça Eleitoral.
  • 8
    . A eficácia não deve ser confundida com a eficiência que constitui outra dimensão da performance do setor público. Esta última remete à administração razoável dos recursos (como do staff, equipamentos, estrutura) e dos gastos para o alcance dos resultados esperados.
  • 9
    . Entre os poucos autores que se servem desta fonte para os anos 1930 vale citar Alhaides (2022), Cadah (2014)Cadah, Lucas. (2014), "A Estrutura da Justiça Eleitoral Brasileira". Cadernos Adenauer, v. 15, n. 1, pp. 27-44., Silva e Silva (2015)Silva, Thiago; Silva, Estevão. (2015), "Eleições no Brasil antes da democracia: o Código Eleitoral de 1932 e os pleitos de 1933 e 1934". Revista de Sociologia e Política, v. 23, n. 56, pp. 75-106., Ricci (2019b).
  • 10
    . O decreto nº 23.017, de 31 de julho de 1933, reduziu para dois o número de membros externos à magistratura.
  • 11
    . Jornal do Brasil, 5 de abril de 1932, Anno XLVII, n. 80, p. 5. Título: Vitaliciedade honorífica.
  • 12
    . Correio da Manhã, 03 de abril de 1932, nº 11.444, p. 4. Título: Contraste revoltante.
  • 13
    . Nos estudos de elites, a análise das carreiras permite mapear os percursos dos atores dentro dos empregos ocupados, para além das formas de socialização profissional (Petrarca, 2015Petrarca, Fernanda. (2015), "Pesquisando grupos profissionais: dilemas clássicos e contribuições recentes", in: Perissinotto Renato; Codato Adriano (orgs.), Como estudar elites. Curitiba, Editora UFPR, pp. 151-184.).
  • 14
    . Um quadro que começa se modificar nos anos a seguir, mas de forma lenta e gradual (Codato et ali, 2016).
  • 15
    . Diario da Manhã (Pernambuco), 5 de abril de 1932, nº, p. 2. Título: A Organização dos Tribunaes eleitorais nos estados. O jornal reporta a notícia do jornal amazonense do Comercio segundo o qual foram indicados professores, jornalistas, comerciantes, funcionários públicos “cuja competência se subordinam todas às questões eleitorais”.
  • 16
    . Notícia reportada pelo Diario da Noite (Rio de Janeiro), 31 de março de 1932, nº 665, 2ª Edição das 18hs, p. 2. Título: O Codigo Eleitoral e sua execução.
  • 17
    . Diario da Tarde (Paraná), 7 de abril de 1932, nº 11.182, p. 1. Título: sem título.
  • 18
    . A Noticia (Santa Catarina), 30 de março de 1932, nº 1090, p.1. Título: A Constituinte e o Codigo Eleitoral.
  • 19
    . O Regimento foi publicado no BE, 8 de setembro de 1932, Anno I, n. 12 e no BE, 5 de outubro de 1932, Anno I, n. 16.
  • 20
    . Ata da 22ª Sessão ordinária, em 21 de março de 1933, publicada no BE nº 69, 31 de março de 1932, p. 1 e Ata da 21ª Sessão ordinária, em 17 de março de 1933, publicada no BE nº 68, 30 de março de 1932, p.1.
  • 21
    . De modo que foram arquivados vários pedidos de partidos que já possuíam o registro estadual. Ver Processo 437 relativo ao Partido Libertador (Rio Grande do Sul), BE 27 de maio de 1933, n. 99, p. 2.119. O TSJE deliberou nesse sentido para o registro dos seguintes partidos: Partido Liberal Catarinense, Partido Socialista de Alagoas, Partido Social Democratico do Espírito Santo.
  • 22
    . Infelizmente, não há como ter acesso à integra de todos os decretos elaborados pelo TSJE e sucessivamente enviados ao governo, pois os BEs só publicavam apenas algumas das decisões do colegiado.
  • 23
    . A íntegra das regras aprovadas pelo TSJE se encontra no BE nº 97, 20 de maio de 1933, p. 2081-2083.
  • 24
    . Ver BE, nº 4, 3 de agosto de 1932, p. 34.
  • 25
    . A íntegra das regras aprovadas pelo TSJE se encontra no BE nº 61, 22 de março de 1933, p. 1223-1235.
  • 26
    . Nesses meses foram aprovados o Regimento Interno do TSJE (publicado no BE, do dia 20 de Julho de 1932); o Regimento Interno dos Cartórios (publicado no BE, do dia 8 de setembro de 1932); o Regimento Interno dos ‘Tribunais Regionais (publicado no BE, de 31 de agosto de 1932).
  • 27
    . As respostas às consultas do TSJE foram regulamentadas pelo Regimento Interno do TSJE.
  • 28
    . Não reportamos a informação relativa ao mês de maio pois a coleta dos dados para este mês contemplou apenas uma reunião do TSJE, antes do pleito.
  • 29
    . O fato do Território do Acre e do Distrito Federal constituírem exceção quanto à sua composição (ver art. 21 do Código Eleitoral e decreto 21.321 de 26 de abril de 1932) talvez explique a celeridade na instalação.
  • 30
    . Conforme o art. 21 do Código Eleitoral, cabia ao chefe do governo provisório a escolha de dois membros efetivos para cada TRE e três substitutos, dentre 12 cidadãos propostos pelo Tribunal de Justiça local. Ver A Federação (Rio Grande do Sul), 26 de abril de 1932, p. 1. Título: Para o novo alistamento eleitoral.
  • 31
    . Em editorial não assinado publicado n’A Federação, sugeria-se que a demora na aprovação do regimento interno do próprio TSJE seria a causa do atraso no início dos trabalhos dos tribunais regionais, pois aquele regimento era “ponto de partida para a organização e eficiência dos demais”. Ver A Federação, (Rio Grande do Sul), 07 de julho de 1932, p. 4. Título: A conferencia de Bello Horizonte.
  • 32
    . Ata da 9ª Sessão extraordinária, em 10 de agosto de 1932 publicada no BE, Anno I, nº 8, p. 63.
  • 33
    . Ata da 11ª Sessão Ordinária, em 6 de agosto de 1932 publicada no BE, Anno I, nº 7, p. 55.
  • 34
    . Pequeno Jornal (Pernambuco), 30 de julho de 1932, p. 7. Título: A caminho da constitucionalização.
  • 35
    . Para o caso do Amazonas ver o Jornal do Comercio (Amazonas), 31 de Julho de 1932, p. 1. Título: Tribunal Eleitoral. Para o Ceará ver o Jornal do Comércio (Amazonas), 28 de agosto de 1932, p. 7. Título: Nacionais.
  • 36
    . O Imparcial (Maranhão), 10 de setembro de 1932, p. 1. Título: sem título e no mesmo jornal e dia 25 de setembro, p.4. Título: No Superior Tribunal do Estado.
  • 37
    . Sobre a decisão do TSJE ver a Ata da 10ª sessão ordinária de 24 de agosto de 1932, publicada no BE do dia 14 de setembro de 1932, nº 13, p. 1.
  • 38
    . Decreto 21.722 de 11 de agosto de 1932.
  • 39
    . O cálculo é feito considerando-se a data de aprovação final no TSJE, pois não há informações quanto à tramitação nos TREs.
  • 40
    . Ata da 5ª Sessão de 15 de Julho de 1932, publicada no BE, Anno 1, nº 2, p. 25.
  • 41
    . Em conformidade com o decreto nº 20.348, de 29 de Agosto de 1931, deveriam ser suprimidos os municípios cuja renda efetivamente arrecadada no exercício anterior não tivesse atingido certos níveis de renda dos respectivos Estados.
  • 42
    . Ata da 13ª Sessão de 20 de Agosto de 1932, publicada no BE, Ano 1, n. 10, p. 75.
  • 43
    . Futuras pesquisas deverão averiguar o caso dos registros requeridos pelos partidos estaduais perante os TREs pelos quais atualmente não há dados disponíveis.
  • 44
    . Ver processo 279, publicado no BE nº 108, 18 de junho de 1933, p. 2371-2373. Sem registro, os comunistas disputaram as eleições no Distrito Federal e em São Paulo sob a sigla UOCE (União Operária e Camponesa do Brasil), mas com resultados inexpressivos.
  • 45
    . As contestações formais dos resultados eleitorais nos informam sobre o processo fraudulento que ocorria no âmbito local, no momento pré-eleitoral e/ou eleitoral. A estratégia de se basear no exame das contestações apresentadas pelos políticos para estudar como se realizavam as eleições não é incomum. Ver Anderson (2000)Anderson, Margaret L. (2000), Practicing Democracy: Elections and Political Culture in Imperial Germany. Princeton, Princeton University Press., para a Alemanha, Lehoucq e Molina (2002) para a Costa Rica e Richard Franklin Bensel (2004)Bensel, Richard Franklin. (2004), The American ballot box in the mid-nineteenth century. Cambridge, Cambridge University Press. para os Estados Unidos. Para o caso brasileiro ver Ricci e Zulini (2014)Ricci, Paolo; Zulini, Jaqueline Porto. (2014), "Partidos, competição política e fraude eleitoral: a tônica das eleições na Primeira República". Dados, v. 57, n. 2, pp. 443-479..
  • 46
    . A coleta das denúncias é feita sobre todas as fases eleitorais. Desse modo, já é possível afirmar que houve parcialidade na atuação da Justiça no âmbito local também na contagem dos votos (Zulini, 2019b).
  • 47
    . Estudos regionais também confirmam a parcialidade da Justiça Eleitoral nos estados. Como afirma Consuelo Sampaio para o caso baiano, “em geral, o juiz demonstrava intenção de exercer suas funções com imparcialidade, mas, não raro, esse desejo colidia com os planos e a maneira de agir dos chefes locais” (Sampaio, 1992:138). Considerações similares para o caso gaúcho foram tecidas por Castro (1980)Castro, Maria Helena de Magalhães. (1980), "O Rio Grande do Sul no pós-30: de protagonista a coadjuvante", in: Gomes, Angela Maria de Castro (Org.), Regionalismo e centralização política: partidos e constituinte nos anos 30. Rio de Janeiro, Fronteira, pp. 42-131..
  • 48
    . O único estudo de amplo alcance realizando um levantamento de dados sobre a atuação da Justiça Eleitoral é a tese de Teresa Vale (2009)Vale, Teresa Cristina de Souza Cardoso. (2009), Justiça Eleitoral e judicialização da política: um estudo através de sua história. Tese (Doutorado em Ciência Política, Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro). que cobre o período entre 1945 e os anos 2000. A dissertação de mestrado de Lucas Cadah (2012)Cadah, Lucas Queija. (2012), Instituições eleitorais e competição política: a criação da Justiça Eleitoral no Brasil. Dissertação (Mestrado em Ciência Política, Universidade de São Paulo). é o primeiro esforço de levantamento e organização de dados para os anos 1930.
  • 49
    . Alguns Tribunais Regionais chegaram a publicar um Boletim Eleitoral Regional, como consegui identificar para o caso da Bahia e do Pará. A maioria fazia uso dos Diários Oficiais ou de jornais da época em que as atas das seções ordinárias podem ser encontradas.
  • 50
    . Merece destaque o esforço recente do TRE-PB que organizou numa coletânea as Atas de Sessão de 1932 e 1933 inicialmente publicadas no jornal A União, fonte oficial do estado (Londres e Carneiro, 2023Londres, Gabriela G.; Carneiro Renato César (org.) (2023). Livro de Actas do Tribunal Regional de Justiça Eleitoral da Paraíba. João Pessoa, Tribunal Regional da Paraíba.).
  • *
    A pesquisa contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Processo 305195/2023-9 e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo 18/23060-2)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    Ago 2025

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2023
  • Revisado
    26 Jul 2023
  • Aceito
    24 Ago 2023
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