RESUMO
Nessa resenha apresentamos e discutimos a obra Supporting Multilingual Learners’ Academic Language Development: A Language-Based Approach to Content Instruction, de Luciana C. de Oliveira, publicada em 2023 pela Routledge. O livro apresenta uma abordagem inovadora direcionada a profissionais que atuam na Educação Básica lecionando a estudantes multilíngues (EMs), o Language-Based Approach to Content Instruction (LACI) ou o Ensino de Conteúdo por Meio da Língua (ECML), o qual caracteriza-se tanto como um referencial para subsidiar o planejamento de aulas, quanto um modelo para formação de professores que integra língua e conteúdo. A proposta da autora visa a contemplar a crescente presença de EMs em todo o mundo, com especial ênfase na realidade dos EUA e sua imigração. Apesar de ser originária de um contexto que pode ser considerado bastante distinto do brasileiro, o LACI/ECML apresenta subsídios relacionados às metodologias e às especificidades da linguagem disciplinar de cada área, que podem ser adaptadas às escolas e à formação de professores no Brasil para a educação bi/multilíngue, área em recente ascensão no país que carece de orientações teórico-práticas.
Palavras-chave:
Formação de Professores; Educação Bi/multilíngue; Linguagem disciplinar
ABSTRACT
In this review, we present and discuss the book “Supporting Multilingual Learners’ Academic Language Development: A Language-Based Approach to Content Instruction” by Luciana C. de Oliveira, published in 2023 by Routledge. The publication introduces an innovative approach aimed at professionals working in primary and secondary education who teach multilingual students (MLs), known as the Language-Based Approach to Content Instruction (LACI). This approach serves both as a framework to support lesson planning and as a model for teacher education that integrates language and content. The author’s proposal addresses the growing presence of MLs worldwide, with a particular emphasis on the context of the United States and its immigration features. Despite originating from a context that may be considered quite different from Brazil, LACI provides resources related to the methodologies and the specificities of disciplinary language which can be adapted to Brazilian schools and teacher education programs for bi/multilingual education - an emerging field in the country that lacks theoretical and practical guidelines.
Keywords:
Teacher Education; Bi/multilingual Education; Disciplinary Language
Compreendido como a habilidade de um indivíduo em usar diferentes línguas ou como a presença de variadas comunidades linguísticas em um determinado espaço geográfico (European Commission, 2005European Commission (2005). A new framework strategy for multilingualism.), se encarado sem picuinhas conceituais, o multilinguismo pode ser tomado como uma característica de nossa realidade, não apenas na contemporaneidade, mas “desde que o mundo é mundo”, por assim dizer. Pensemos em contextos fronteiriços, nos históricos ou atuais processos migratórios, na existência (silenciada) dos povos nativos, ou mesmo na difusão de línguas hegemônicas como o inglês. Estimativas indicam a existência de cerca de 7.000 línguas ao redor do globo, as quais se distribuem desproporcionalmente em um total de 193 países, onde seus usos podem ser mais ou menos frequentes, em maior ou menor quantidade (Ribeiro Berger, 2021Ribeiro Berger, I. (2021). Pluralidade linguística e políticas linguístico-educacionais no Brasil: rumo à gestão do multilinguismo: towards multilingualism management. Cadernos de Letras da UFF, 32(62), 119-14.). Entretanto, dada a ubiquidade e a pervasividade da ideologia monolíngue (Canagarajah, 2013Canagarajah, A. S. (2013). Translingual practice: global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.), a diversidade linguística tradicionalmente tem sido tomada como um problema a ser resolvido, especialmente quando consideramos os espaços escolares.
Os estudos em políticas linguísticas (Ricento, 2006Ricento, T. (ed.) (2006). An introduction to language policy: theory and method. Blackwell.; Nicolaides et al., 2013Nicolaides, C. et al. (org.) (2013). Política e políticas linguísticas. Pontes.) têm tratado há algum tempo do entendimento das dinâmicas entre os idiomas, porém reflexões acerca de práticas de sala de aula ainda parecem tangenciais. No caso do Brasil, o multilinguismo na escola coloca-se como desafiador, especialmente diante das lacunas tanto na formação de professores, quanto na organização do sistema escolar (Ribeiro Berger, 2021Ribeiro Berger, I. (2021). Pluralidade linguística e políticas linguístico-educacionais no Brasil: rumo à gestão do multilinguismo: towards multilingualism management. Cadernos de Letras da UFF, 32(62), 119-14.).
A recente efervescência ao redor do fenômeno da educação bilíngue no Brasil, essencialmente centrada em línguas de prestígio, no par português-inglês, pode ser facilmente alvo de críticas se tomada pelo recorte do setor privado (El Kadri & Megale, 2023El Kadri, M.S., Megale, A. (2023). Escola bilíngue: e agora? (trans)formando saberes na educação de professores. Fundação Santillana.). Todavia, o fenômeno tem repercutido para outros espaços, fomentando iniciativas voltadas à democratização do acesso aos idiomas em escolas públicas (El Kadri et al., 2024El Kadri, M.S., Megale, A., Passoni, T.P. (2024). Construindo horizontes na Educação Bilíngue pública: reflexões e utopias para a equidade. Tikbooks.), bem como encorajado a busca de subsídios baseados em experiências de outros contextos que podem ser úteis à realidade brasileira. Os desafios encontrados em nosso cenário, contudo, seja ele público ou privado, centra-se essencialmente na formação de professores para este contexto.
Diante desse cenário, a obra Supporting Multilingual Learners’ Academic Language Development: A Language-Based Approach to Content Instruction de Luciana C. de Oliveira constitui um referencial relevante para professores que lidam com o multilinguismo em suas salas de aula. Professora pesquisadora brasileira, radicada nos Estados Unidos, de Oliveira apresenta uma abordagem inovadora direcionada a profissionais que atuam na Educação Básica lecionando a estudantes multilíngues (EMs), o Language-Based Approach to Content Instruction (LACI) ou o Ensino de Conteúdo por Meio da Língua (ECML), o qual caracteriza-se tanto como um referencial para subsidiar o planejamento de aulas, quanto um modelo para formação de professores que integra língua e conteúdo. A organização do livro, desenvolvido a partir de observações e intervenções em sala de aula no contexto K-5 nos EUA3 3 Equivalente ao último ano da Educação Infantil até o 5º ano do Ensino Fundamental no sistema educacional do Brasil. , é centrada nas disciplinas escolares fundamentais: Língua Inglesa (Language Arts), Estudos Sociais, Matemática e Ciências.
Enfoque do livro, o LACI/ECML, oferece um framework composto por seis elementos, visando a aprendizagem dos EMs sem simplificar os conteúdos ou a linguagem utilizada. A proposta da autora visa a contemplar a crescente presença de EMs em todo o mundo, com especial ênfase na realidade dos EUA e sua imigração. Para tanto, apresenta dois documentos basilares para abordagem: a proposição curricular estadunidense, Common Core State Standards (CCSS)4 4 https://corestandards.org/ , que estabelece um currículo a ser seguido na Educação Básica para as disciplinas de Inglês e Matemática e os referenciais curriculares propostos pelo World-class Instructional Design and Assessment (WIDA)5 5 https://wida.wisc.edu/ , organização voltada ao desenvolvimento acadêmico dos EMs.
A apresentação do livro destaca a necessidade de integrar as questões linguísticas e disciplinares na formação de professores, ressaltando os desafios encontrados nas salas de aula regulares. A obra evidencia a importância de superar a abordagem monolíngue predominante, especialmente nos EUA, onde alunos bilíngues muitas vezes não têm suas necessidades plenamente atendidas ao serem segregados em sala separadas onde língua e conteúdo tendem a ser “facilitados” para estes aprendizes. A autora enfatiza os desafios linguísticos enfrentados pelos EMs, destacando a complexidade da linguagem acadêmica disciplinar - a qual os aprendizes têm contato nos processos de escolarização - em comparação com a linguagem cotidiana.
A abordagem LACI/ECML proposta pela autora é fundamentada na linguística sistêmico funcional (Halliday & Matthiessen, 2014Halliday, M. A. K., & Matthiessen, C. M. I. M. (2014). An introduction to functional grammar (4th ed.). Routledge.), destacando a linguagem como um sistema de construção de significados para alcançar objetivos sociais. Diferentemente das já popularizadas abordagens baseadas em conteúdos (Megale, 2019Megale, A. (2019). Bilinguismo e Educação bilíngue. In A. Megale (org.). Educação bilíngue no Brasil (pp. 15-27). Fundação Santillana.), o LACI/ECML destaca a linguagem como uma ferramenta para ensinar o conteúdo, evidenciando uma integração mais profunda entre linguagem e disciplina, identificada como linguagem disciplinar (disciplinary language).
Ao longo da obra, a autora compartilha sua trajetória de pesquisa e experiência como consultora e formadora de professores nos EUA, desenvolvendo estratégias para abordar as demandas específicas dos EMs. Após esta introdução, a organização do LACI/ECML é apresentada. Os capítulos subsequentes exploram detalhadamente as disciplinas específicas, fornecendo exemplos práticos de implementação da abordagem. O capítulo final retoma princípios do referencial e traz recursos de apoio aos professores que pretendem implementar a abordagem.
O Capítulo 2 aborda a estrutura conceitual do LACI/ECML. Ele é fundamentado no conceito de scaffolding, ou andaime, inspirado na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) de Vygotsky (1978Vygotsky, L. S. (1978). Mind in society. Harvard University Press.), que destaca o suporte de pares mais experientes para atividades além do nível acadêmico independente dos aprendizes. Para tanto, a autora distingue três níveis de scaffolding: o macro, que trata do planejamento do currículo em longo prazo; o meso, que borda o planejamento da aula em curto prazo; e o micro, que enfoca as interações mais imediatas na sala de aula. Para detalhar o planejamento sob essa perspectiva, são discutidos sete elementos que devem considerados: o conhecimento prévio dos alunos, a seleção de tarefas, bem como seu sequenciamento, as estruturas de participação, os sistemas semióticos, os textos mediacionais e consciência metalinguística.
O framework do LACI/ECML se organiza por meio dos Seis Cs de apoio para Scaffolding, os quais são interconectados: Conexão, Cultura, Code-breaking (quebra de código), Challenge (desafio), Community and Collaboration (comunidade e colaboração), e Classroom interactions (interações em sala de aula). Cada C aborda aspectos específicos da instrução para EMs, destacando a importância de relacionar novos aprendizados às experiências prévias, reconhecer e valorizar a diversidade cultural, promover estratégias para explorar e compreender textos acadêmicos, fornecer desafios equilibrados, fomentar a colaboração entre estudantes e cultivar interações em sala de aula. O trabalho com os Seis Cs deve ser contemplado na unidade planejada, e não em cada uma das aulas isoladamente. Ou seja, conforme as possibilidades do conteúdo e das características da turma atendida, o professor irá recorrer e adaptar o trabalho com cada um dos Cs ao longo da unidade como um todo.
A implementação do LACI/ECML se dá pelo Ciclo de Ensino e Aprendizagem (CEA), o qual se orienta pelos Seis Cs para dar suporte ao planejamento da instrução em sala de aula. Tal Ciclo enfatiza a interação por meio de experiências compartilhadas para desmembrar a linguagem disciplinar e construir conhecimento, consistindo-se em fases: 1) a construção conjunta dos saberes; 2) a leitura detalhada; 2) a desconstrução; 3) a construção conjunta; 4) a construção colaborativa; e 5) a construção independente. Cada fase visa a desenvolver a metalinguagem dos alunos para explorar gêneros textuais acadêmicos característicos de cada área disciplinar de maneira significativa. Estas etapas podem ser adaptadas tendo em vista as características de cada turma. Com crianças ainda em processo inicial de alfabetização, por exemplo, apoia-se mais no trabalho com a oralidade nas atividades.
Do capítulo 3 em diante seguem as discussões do LACI/ECML relacionadas às disciplinas escolares, iniciando-se pela Língua Inglesa que no currículo estadunidense é identificada pelo termo Language Arts, uma vez que contempla o estudo das diferentes linguagens em seus variados registros. O capítulo apresenta as experiências de duas professoras que implementaram o LACI/ECML em salas de pré-escola em Indiana e de primeiro ano na Flórida. Em ambos contextos, o trabalho em sala de aula foi organizado a partir histórias de livros infantis ilustrados, os picture books.
A primeira professora, Mrs. Ruby Li, atua em uma sala de pré-escola com 30% de EMs, principalmente latinos. Embora seja monolíngue e branca, ela desenvolveu o que chama de “espanhol de sala de aula” para apoiar linguisticamente seus alunos. Seu trabalho se dá em torno do livro When I Am Old with You, incorporando o quadro de referência do WIDA para o desenvolvimento de Língua Inglesa. O planejamento é detalhado para dois dias de aula, abrangendo fases como construção conjunta de saberes e leitura detalhada. A professora utiliza estratégias que incorporam os Cs do LACI/ECML, como conexão, cultura, quebra de código e desafio.
A segunda professora, Mrs. Jana Cabana, leciona em um primeiro ano em uma escola internacional com grande diversidade linguística. Ela adapta sua unidade a partir do livro ilustrado Last Stop on Market Street, focando atividades que incluem a leitura detalhada, a desconstrução e a construção conjunta do CEA. A professora destaca a importância de integrar os Seis Cs do LACI/ECML no planejamento, evidenciando conexões entre línguas, culturas e desafios específicos para cada aluno.
O capítulo conclui com a seção Colocando em Prática, incentivando os leitores a planejarem uma unidade para suas turmas de Ensino Fundamental com o livro I Hate English. São propostas perguntas norteadoras relacionadas à exploração dos Seis Cs do LACI/ECML, à incorporação do CEA, com maior atenção à quebra de código, ou seja, ao trabalho específico com a linguagem no contexto disciplinar em foco.
O Capítulo 4 aborda o ensino de Estudos Sociais para EMs, com ênfase nos desafios específicos associados à linguagem complexa e abstrata presente nessa disciplina. Destaca-se a necessidade de os professores compreenderem a linguagem acadêmica dos Estudos Sociais, além de identificar as demandas de letramento dessa área para tornar o conteúdo acessível sem comprometer a integridade da linguagem disciplinar a qual os aprendizes devem ter acesso.
A linguagem dos livros didáticos de Estudos Sociais é derivada de registros acadêmicos e frequentemente densa. Diante da complexidade da linguagem disciplinar é comum que professores utilizem estratégias variadas para simplificar essa linguagem, de modo que, à medida que os conteúdos se tornam mais complexos em níveis avançados, a simplificação pode não ser apropriada.
De Oliveira enfatiza que os professores devem desenvolver um conhecimento profundo sobre a linguagem dos Estudos Sociais, compreendendo como as abstrações são definidas, como as definições e explicações densas são construídas, e como os dispositivos de coesão funcionam para organizar significados históricos. Tornar visíveis e explícitas as demandas de letramento em Estudos Sociais é essencial para concentrar-se na linguagem enquanto se ensina conteúdos de forma significativa. Para tanto, o capítulo apresenta exemplos práticos de unidades de ensino utilizando a abordagem LACI/ECML e o CEA para Estudos Sociais. Um exemplo envolve uma unidade sobre recursos naturais renováveis e não renováveis, onde a professora utiliza as diferentes fases do CEA, como construção conjunta, desconstrução e construção colaborativa, incorporando atividades de leitura, escrita e produção multimídia.
Outros exemplos incluem turmas de segundo e quinto ano, onde os alunos exploram temas como o Egito Antigo e a chegada de Cristóvão Colombo nas Américas. As fases do CEA são adaptadas para atender às necessidades dos alunos multilíngues, enfocando atividades como leitura detalhada, desconstrução de gêneros textuais, escrita colaborativa e produção multimídia.
O capítulo 4 encerra com um estudo de caso que destaca a prática de uma professora na Califórnia com uma turma de 4º ano, em que é abordado como conteúdo a colonização em Alta California, região do Estado marcada historicamente pelo assentamento de espanhóis e mexicanos. O planejamento da professora incorpora estratégias de quebra de código, como foco estudo dos conectores, incentivando os alunos a pensar em como adaptar a proposta para explorar outros elementos do LACI/ECML (conexão, cultura, colaboração, construção, desafio).
O Capítulo 5 explora o ensino de Matemática para EMs com atenção aos desafios linguísticos específicos associados à compreensão da linguagem matemática. Para iniciar, a autora discorre acerca da experiência de uma aluna que enfrenta dificuldades na resolução de um problema matemático, não devido à falta de compreensão lógica, mas por causa da complexidade da linguagem do enunciado, a qual não foi devidamente explorada.
A natureza multisemiótica da Matemática é enfatizada, uma vez que se caracteriza pelo uso de múltiplos sistemas, incluindo linguagem oral, linguagem escrita, símbolos e representações visuais para a construção de significados matemáticos. De Oliveira discute as dificuldades enfrentadas pelos EMs na compreensão de problemas matemáticos, que frequentemente apresentam linguagem complexa e desafiadora. Problemas matemáticos são considerados como um gênero textual específico, organizados para relacionar situações da vida real e aplicar conceitos matemáticos em suas resoluções.
Ao examinar-se a linguagem matemática, destaca-se a presença de processos relacionais, tais como pelo uso dos verbos “ter” e “ser”, além dos processos operacionais que introduzem operações matemáticas como adição e multiplicação. Além disso, há que se identificar a utilização de nominalizações, como “a soma de”, e a característica de discurso monológico presente nos enunciados matemáticos em que a objetividade e a racionalidade são enfatizadas.
A autora apresenta um quadro que guia os professores na análise prévia de problemas matemáticos antes de apresentá-los diretamente aos alunos, permitindo uma reflexão sobre as demandas de linguagem que os EMs podem enfrentar. Um exemplo prático de análise de um problema matemático é fornecido, descrevendo como explorar a linguagem relacionada aos conceitos e procedimentos matemáticos.
A discussão se estende a uma unidade de ensino na pré-escola e quem se aborda o ensino sobre o peso de objetos na sala de aula. O uso do LACI/ECML é evidenciado na transcrição da aula, onde a professora introduz o conceito de peso conectado ao conceito de altura, incluindo o uso de algumas palavras em espanhol junto da língua inglesa, considerando a realidade linguística dos estudantes deste contexto.
O capítulo conclui com a apresentação de um problema de matemática do 4º ano para análise, seguido por um estudo de caso que desafia o leitor a refletir sobre como a prática poderia ser aprimorada ao ensinar matemática para EMs. Com isso, destaca-se a importância de considerar as demandas linguísticas específicas associadas ao ensino de matemática para alunos que estão aprendendo em um contexto multilíngue.
O Capítulo 6, último a abordar as áreas disciplinares, trata do ensino de Ciências para alunos multilíngues, enfocando a importância da compreensão da linguagem científica para aprendizagem, uma vez que gradativamente, do Ensino Fundamental II até o Ensino Médio, os alunos são expostos a gêneros textuais mais complexos nas disciplinas científicas.
No que tange às especificidades da linguagem das Ciências, de Oliveira destaca que não se trata apenas da utilização de termos técnicos, mas também do uso de estruturas oracionais complexas, ou seja, da redação como um todo, isso porque autores de livros didáticos utilizam alguns gêneros textuais comuns à área, tais como relatos procedimentais, relatórios, explicações e exposições. A autora define os textos da área de Ciências como não familiares, pois apresentam demandas linguísticas e cognitivas novas aos aprendizes, as quais se diferem da linguagem cotidiana.
O relato procedimental é um dos mais comumente utilizados. A autora destaca que o propósito do gênero é “recontar em ordem e com precisão; registrar os objetivos, etapas, resultados e conclusão de uma atividade científica já realizada6 6 “To recount in order and with accuracy; to record the aims, steps, results, and conclusion of a scientific activity already conducted”. ” (p. 172), de modo que são características a utilização de frases declarativas, voz passiva, verbos de ação no passado e os conectores de tempo.
Exemplos práticos de implementação da abordagem LACI/ECML no ensino de Ciências são apresentados de modo a destacar sua flexibilidade na adaptação, tais como em um Plano de Unidade sobre Massa, Densidade e Volume. Também é apresentado um exemplo de produção de um aluno para ilustrar como os EMs observam, participam de experimentos e escrevem relatos procedimentais. O processo de desconstrução, construção conjunta e construção independente é discutido em detalhes.
O capítulo conclui com um estudo de caso que destaca uma aula de Ciências menos interativa e pouco sensível às necessidades dos aprendizes multilíngues. O leitor é convidado a refletir sobre como aprimorar essa aula com base nos princípios da abordagem LACI.
O Capítulo 7 volta-se à implementação prática do LACI/ECML de modo geral, a fim de fornecer orientações detalhadas para os professores. Para tanto, de Oliveira destaca dois postos-chaves da abordagem. Primeiramente ressalta-se a ênfase na especificidade linguística de cada área. Ou seja, dentro desta perspectiva é essencial compreender que o processo de ensino e aprendizagem de EMs deve ir além do vocabulário e considerar as especificidades linguísticas de cada disciplina acadêmica. Além disso, a autora reforça que o objetivo do LACI/ECML não é simplificar a linguagem acadêmica, mas sim possibilitar que os EMs tenham acesso aos conteúdos adequados ao nível/série em que se encontram, ajudando-os a aprender a linguagem que constrói conhecimentos disciplinares.
Este capítulo serve como um guia prático para professores, bem como para formadores que desejam implementar efetivamente a abordagem LACI/ECML em suas salas de aula, a fim de promover o desenvolvimento acadêmico e linguístico dos EMs. Como recursos de apoio aos leitores, são apresentados diferentes modelos e quadros para auxiliar professores na implementação da perspectiva.
O primeiro quadro, Passos para Utilização do LACI/ECML na Seleção de Textos e Características Linguísticas, é organizado em quatro colunas, abordando desde o estabelecimento de metas até o planejamento do ensino com foco no idioma e no conteúdo. Outro quadro detalha aspectos de linguagem a serem trabalhados: áreas de significado, perguntas para orientar o foco no idioma e foco do trabalho com a linguagem propriamente dita. Este, por sua vez, é organizado em três colunas, cada uma correspondente aos elementos nomeados em seu título oferecendo uma estrutura clara para a análise e seleção de textos acadêmicos.
Os Seis Cs da abordagem são detalhados em quadros separados, em que cada um deles é introduzido por meio de uma pergunta. Cada linha apresenta um exemplo de como trabalhar o C em foco, sendo este situado em duas colunas. Na primeira deve-se observar como o exemplo em questão já é utilizado em sala de aula e na segunda, como ele pode ser aprimorado. Uma ferramenta de planejamento do Ciclo de Ensino e Aprendizagem (CEA) também é fornecida, apresentando cada uma de suas fases, acompanhadas de exemplos de atividades possíveis.
Para finalizar os recursos, há o template de Planejamento de Unidade. Um modelo que oferece aos professores uma estrutura para elaborar planos detalhados seguindo os elementos da abordagem. Além disso, como apêndices, há um quadro útil com os tipos de texto do Common Core State Standards (CCSS), principais usos do idioma conforme os parâmetros do WIDA, famílias de gênero, gêneros, finalidades, estágios e recursos de idioma. Voltando-se ao viés didático do livro, a autora exemplifica o desenvolvimento do planejamento de uma unidade sobre polinização, detalhando cada etapa do processo conforme os quadros e modelos apresentados anteriormente.
De Oliveira conclui reiterando que a LACI/ECML se baseia em conceitos desenvolvidos pela autora ao longo de duas décadas. Seu argumento é de que o modelo visa a aumentar a consciência dos professores sobre as exigências linguísticas acadêmicas, contribuindo para o desenvolvimento eficaz da linguagem dos EM.
A abordagem apresentada por de Oliveira emerge de um contexto que pode ser considerado bastante distinto do brasileiro, considerando variados aspectos, tais como a dinâmica imersiva em língua inglesa na qual os EMs se inserem. Entretanto, o LACI/ECML apresenta subsídios relacionados às metodologias e às especificidades da linguagem disciplinar de cada área, que podem ser adaptadas às escolas e à formação de professores no Brasil, principalmente se conjugadas a diretrizes nacionais, tais como a Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2018Brasil - Ministério da Educação (2018). Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. MEC/SEB. Disponível em: Disponível em: http://download.basenacionalcomum.mec.gov.br/ Acesso em: 20.03.2024.
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). O potencial da perspectiva apresentada pela autora para nosso contexto está na possibilidade de se enfocar a linguagem disciplinar e na sua proposta de formar professores para o trabalho com as diferentes disciplinas por meio da língua inglesa (LI). Isso é essencial em nosso contexto de educação bilíngue, onde sabemos que ainda não temos uma formação específica nos cursos graduação para atendimento de contextos bi/multilíngues. Sabemos que, até o momento, a formação desses profissionais tem ficado a cargo da escola ou atendida por meio de iniciativas individuais (El Kadri, 2023El Kadri, M. S. (2023). Como fica a formação de professores que vão atuar na Educação Bilíngue? Algumas reflexões. In M. J. Souza Neto, Educação Bilíngue no contexto brasileiro: perguntas e respostas. V. 1. (pp. 35-58). Pontes Editores.) e que apenas recentemente começamos a ter um movimento de parcerias com universidades (El Kadri et al., 2024El Kadri, M.S., Megale, A., Passoni, T.P. (2024). Construindo horizontes na Educação Bilíngue pública: reflexões e utopias para a equidade. Tikbooks.).
No que se refere aos profissionais atuantes em escolas bilíngues, o que temos, na maioria das vezes, são formados em Letras habilitados em português-inglês ou somente em inglês ministrando disciplinas curriculares por meio da LI e, em alguns outros poucos casos, formados em diversas licenciaturas com proficiência no idioma lecionando suas disciplinas em LI. Em ambos os casos, poucas são as experiências de trabalho com foco na linguagem disciplinar. As ainda não homologadas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Plurilíngue publicadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), em 2020, abordam demandas para formação destes professores. Entretanto ao invés de fomentar atualizações curriculares significativas nos cursos de licenciatura para atendimento das especificidades da educação bilíngue, o documento tende priorizar o enfoque em habilidades linguísticas gerais por parte dos docentes ao requer destes comprovação de proficiência de nível mínimo B2 no Common European Framework for Languages (CEFR) (Brasil, 2020Brasil - Conselho Nacional de Educação (2020). Câmara de Educação Básica. Parecer CNE/CEB no 2/2020, aprovado em 9 de julho de 2020 - Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue. MEC. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=156861-pceb002-20&category_slug=setembro-2020-pdf&Itemid=30192 Acesso em: 20.03.2024.
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, p. 25). Diante deste cenário, a abordagem proposta por de Oliveira apresenta um referencial que pode se configurar como importante recurso para a formação de professores, não somente inicial, mas principalmente para professores em serviço, justamente pelo seu enfoque nas especificidades da linguagem disciplinar em contextos educacionais multilíngues.
Além de potencialmente configurar-se como um material útil a professores da Educação Básica e formadores atuantes nas licenciaturas e pós-graduações voltadas à qualificação docente, a obra de de Oliveira nos faz refletir sobre possibilidades para que a escolarização seja repensada pelo viés multilíngue. Tal viés se justifica no fato de que esta se constitui essencialmente como um amplo processo de letramento, que abarca tanto a compreensão e a produção oral ou escrita de modo geral, quanto as especificidades dos gêneros e conteúdos disciplinares de cada área.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio do projeto “Ensino bilingue na rede pública: currículo, materiais, práticas, desafios, formação de professores e aprendizagens” (chamada Universal - processo 422938/2021-1), do projeto “Tecendo Caminhos Multilíngues na Educação de professores da rede pública: Uma Abordagem Crítico-Colaborativa para a Transformação e Inclusão” (chamada Universal - processo 21062/2023-1) e da bolsa de Produtividade em Pesquisa Nível 2 da segunda autora (processo 311901/2022-0).
Referências
- Brasil - Ministério da Educação (2018). Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. MEC/SEB. Disponível em: Disponível em: http://download.basenacionalcomum.mec.gov.br/ Acesso em: 20.03.2024.
» http://download.basenacionalcomum.mec.gov.br/ - Brasil - Conselho Nacional de Educação (2020). Câmara de Educação Básica. Parecer CNE/CEB no 2/2020, aprovado em 9 de julho de 2020 - Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue. MEC. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=156861-pceb002-20&category_slug=setembro-2020-pdf&Itemid=30192 Acesso em: 20.03.2024.
» http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=156861-pceb002-20&category_slug=setembro-2020-pdf&Itemid=30192 - Canagarajah, A. S. (2013). Translingual practice: global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.
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Equivalente ao último ano da Educação Infantil até o 5º ano do Ensino Fundamental no sistema educacional do Brasil.
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“To recount in order and with accuracy; to record the aims, steps, results, and conclusion of a scientific activity already conducted”.
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Disponibilidade de dados
Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
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Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
15 Jul 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
15 Mar 2024 -
Aceito
27 Maio 2024