Open-access Análise do trabalho feito pelo livro e material didático de português para o desenvolvimento dos letramentos científico e histórico-geográfico no eixo de ensino ‘oralidade’

Analysis of the work done by Portuguese textbook and teaching material for the development of scientific and historical-geographical literacies in the ‘orality’ teaching axis

RESUMO

Neste artigo, exploramos as relações entre o desenvolvimento dos letramentos científico e histórico-geográfico e o trabalho com os gêneros orais no contexto do ensino, bem como discutimos o modo como a formação docente pode ser crucial para a mediação desse eixo do processo de ensino e aprendizagem. Para isso, analisamos como um livro didático e um material didático complementar de alfabetização e letramento usados por escolas da rede municipal de ensino de uma cidade do interior de Goiás direcionam as práticas docentes. A partir do que apresentam tais instrumentos, discutimos as ações propostas em seu interior, cujo objetivo seria a promoção da oralidade e do trabalho com os gêneros orais. Os principais autores que nos deram embasamento foram Dolz et al. (2010), Silva (2016), Costa (2016), Araújo e Rufo (2021), Tardif (2007), Libâneo (2004). Os resultados mostram a ocorrência de atividades ligadas ao eixo da oralidade direcionadas para o desenvolvimento dos letramentos em destaque em ambos os materiais de modo eficiente, porém com indicativo quantitativo muito baixo.

Palavras-chave: letramento científico; oralidade; livro didático de português; formação docente

ABSTRACT

In this paper, we explore the relationships between the development of scientific and historical-geographical literacy and the work with oral genres in the context of teaching, as well as discuss how teacher training can be crucial for mediating this axis of the teaching process and learning. To this end, we analysed how a textbook and complementary teaching material for literacy used by schools in the municipal education network of a city in the interior of Goiás aimed at teaching practices. After presenting these instruments, we discuss the actions proposed within them, whose objective would be to promote orality and work with oral genres. The main authors who gave us a basis were Dolz et al. (2010), Silva (2016), Costa (2016), Araújo and Rufo (2021), Tardif (2007), Libâneo (2004). The results show the occurrence of activities linked to the orality axis aimed at the development of literacy efficiently highlighted in both materials but with a very low quantitative indicator.

Keywords: scientific literacy; orality; portuguese textbook; teacher training

1. Introdução

No ensino de Português, atualmente, é notável a necessidade de uma abordagem pedagógica que contemple não apenas os aspectos formais da língua, vinculados em especial à leitura e à escrita, mas que também promova o desenvolvimento das habilidades de comunicação e interação oral dos alunos. Nesse contexto, percebemos o livro didático de Português (LDP) como um dos instrumentos que desempenha um papel crucial na ampliação e no aprimoramento do eixo de ensino da oralidade.

Destacamos que a realização de um estudo como este é de suma importância não só no contexto acadêmico, como também no contexto educacional. A língua desempenha um papel central na vida dos indivíduos, sendo essencial para a interação social, e pode ser manifestada de forma escrita, gestual e oral. Nesse sentido, o desenvolvimento das habilidades de oralidade é fundamental para que os alunos possam se expressar de maneira clara, coerente e eficaz em diferentes esferas sociais e nas mais variadas situações da vida cotidiana.

Nesse aspecto, o papel dos professores é essencial para que ocorra o desenvolvimento da oralidade dos alunos, por mais que a capacidade oral seja natural e espontânea em todas as pessoas que não são desprovidas de algum aspecto fisiológico que as impeça de desenvolver essa capacidade. A formação docente, porém, nem sempre oferece subsídios suficientes para que os professores possam abordar esse aspecto da língua de forma eficaz em sala de aula.

Além disso, o LDP é um instrumento pedagógico amplamente utilizado nas escolas e pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento da oralidade dos alunos. É importante, no entanto, que ofereça conteúdos e atividades que estimulem a interação oral dos alunos, especialmente a interação oral aliada a gêneros do discurso secundários, e que esteja alinhado com as diretrizes curriculares e necessidades específicas dos alunos.

Pensando nestas questões, apresentamos este artigo, dividido em sete partes além desta introdução. Em “Formação docente”, apresentamos informações sobre sua importância e relevância, bem como a respeito dos impactos que uma formação docente ineficiente podem causar na prática do professor e na aprendizagem dos alunos. Na sequência, em “Livro didático e formação docente”, momento em que destacamos que o livro didático serve como um guia para os professores, fornecendo conteúdos, estratégias e sugestões de atividades que podem enriquecer o processo de ensino e aprendizagem. Também discutimos que a formação docente deveria preparar os professores para fazerem uso adequado do livro didático, capacitando-os a selecionar, adaptar e contextualizar os materiais de acordo com as necessidades e características de seus alunos.

Na parte seguinte, “Eixo de ensino ‘Oralidade’”, abordamos a importância do desenvolvimento das habilidades de comunicação oral dos alunos, destacando a importância de se trabalhar esse eixo na escola já que ele contribui para o desenvolvimento da autoconfiança, melhorando as relações interpessoais. Já em “Breve apresentação do material analisado”, como o título indica, falamos rapidamente sobre a organização dos materiais analisados, dando destaque às questões inerentes ao ensino da oralidade.

Na “Análise dos dados”, trazemos duas atividades ilustrativas, uma de cada material analisado, com nossos comentários analíticos a respeito da forma como as atividades desenvolvem os letramentos científicos e histórico-geográficos tendo a oralidade como eixo de ensino predominante.

Por fim, em “Considerações finais”, retomamos o objetivo do artigo e comentamos os impactos que os resultados podem indicar para a aprendizagem dos alunos em relação aos letramentos em destaque trabalhados no eixo de ensino oralidade. Já nas referências, listamos as obras e autores que nos deram suporte para nossas colocações ao longo do artigo.

2. Formação docente

No Brasil, a formação docente é regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996). Essa lei aborda diversos aspectos relacionados à formação dos profissionais da educação, incluindo os professores.

A LDB estipula que a formação docente deve ocorrer, preferencialmente, em instituições de ensino superior. Ela também prevê a necessidade de uma formação sólida, a qual contemple não apenas os conhecimentos específicos da área em que o professor atuará, mas também uma base pedagógica que o habilite a atuar de forma eficaz em sala de aula.

Além disso, a lei destaca a importância da formação continuada dos docentes, ou seja, a necessidade de que estes busquem constantemente atualizar seus conhecimentos e habilidades ao longo de sua carreira profissional, uma vez que se trata de um aspecto fundamental para a qualidade da educação no país.

A formação docente é imprescindível na qualidade e eficácia do sistema educacional como um todo. É através da preparação adequada do professor que se constrói uma base sólida para o desenvolvimento dos alunos quando aquele estiver presente na sala de aula em sua prática docente. É de extrema importância, pois, que os docentes sejam bem formados antes de darem início à sua prática profissional na escola de educação básica.

Ressaltamos que uma formação docente bem-feita é essencial para garantir a existência de conhecimentos e habilidades necessárias para um ensino eficaz. É importante o domínio não só do conteúdo referente às disciplinas que constituem o currículo escolar, mas também as metodologias de ensino mais adequadas para cada faixa etária e contexto escolar. Assim, uma formação sólida pode proporcionar ferramentas e estratégias necessárias para planejar e executar aulas capazes de promover o aprendizado dos alunos de maneira mais abrangente.

Acerca disso, Tardif (2007, p. 39) afirma que “[...] o professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos”.

Outro aspecto muito relevante ligado à importância da formação docente é que esta pode garantir uma prática de ensino que favoreça o desenvolvimento da criticidade dos alunos. Segundo Rostas (2019, p. 171), é eminente “a necessidade de os professores refletirem a fim de redirecionarem sua prática pedagógica, com vistas a atender às necessidades da sociedade do conhecimento, propiciando a formação de alunos críticos e questionadores”. Assim, professores bem-preparados apresentam potencial criativo para proporcionar um ambiente de aprendizado que estimula a curiosidade, a reflexão e a análise crítica, capacitando os alunos a investigarem e compreenderem o mundo ao seu redor de maneira mais autônoma.

Preparar os professores ao longo de sua formação para que integrem práticas pedagógicas que promovam a oralidade e os gêneros orais em suas aulas é de suma importância, porque poderá proporcionar uma educação eficaz, considerando que a oralidade é uma habilidade fundamental que permeia todas as esferas da vida e desempenha um papel central no desenvolvimento de competências não só linguísticas, como também sociais.

Ao preparar os docentes para práticas pedagógicas que lidem com o desenvolvimento da oralidade dos alunos, teremos a possibilidade de contar com profissionais que possam desenvolver estratégias de ensino que estimulem a participação dos alunos em atividades de interação oral, tais como debates, discussões em grupo, dramatizações e apresentações, habilitando-os para a prática de uso da oralidade em situações tanto escolares quanto extraescolares, preparando-os não apenas para adquirirem conhecimento, mas também para se tornarem pessoas capazes de interagir de forma eficaz socialmente.

Defendemos que uma formação docente sólida desempenha um papel fundamental no desenvolvimento dos letramentos dos alunos, especialmente os letramentos científico e histórico-geográfico. Os docentes são os principais mediadores entre o conhecimento e os alunos. Uma formação docente eficaz capacita esses profissionais para uma melhor compreensão acerca dos conteúdos que serão ensinados, permitindo-lhes transmitir esses conhecimentos de forma clara e precisa.

Por outro lado, um docente com formação inadequada pode ter dificuldades em compreender os conteúdos que levam ao desenvolvimento dos letramentos científico e histórico-geográficos, resultando em uma transmissão de conhecimento superficial e imprecisa para os alunos. Além disso, um professor mal preparado pode não ser capaz de selecionar materiais didáticos adequados ou desenvolver estratégias de ensino eficazes para tornar o aprendizado mais significativo para os alunos.

Outra consequência de uma formação docente ineficaz de acordo com nosso entendimento é a falta de habilidades pedagógicas necessárias para desenvolver o pensamento crítico nos alunos. Pode ocorrer de o professor não ser capaz de criar um ambiente de aprendizado que estimule o questionamento e a investigação, essenciais para o desenvolvimento dos letramentos científico e histórico-geográfico.

3. Livro didático e formação docente

O livro didático desempenha um papel significativo como elemento de formação docente na prática do profissional da educação. Ele não apenas fornece recursos e materiais para o planejamento e execução das aulas, mas também influencia diretamente a forma como os docentes abordam os conteúdos, organizam e desenvolvem suas práticas pedagógicas. Nesse sentido, sua participação na formação docente impacta diversos aspectos ligados à atuação desse profissional.

Ele serve como um guia e uma fonte de referência para os docentes, especialmente aqueles que são iniciantes, já que oferece uma estrutura organizada dos conteúdos a serem ensinados, sugestões de atividades e recursos complementares que auxiliam os docentes no planejamento e execução de suas aulas. Ao utilizarem o livro didático como suporte para sua prática de ensino, os docentes podem se sentir mais seguros em relação ao conteúdo a ser abordado, bem como acerca da progressão dos conteúdos a ser seguida. Segundo Carvalho Neto (2015), o livro didático fornece subsídios para o professor organizar e estruturar o seu trabalho pedagógico, possibilitando uma abordagem mais sistematizada e coerente dos conteúdos a serem ensinados.

Também proporciona aos docentes o exercício de sua autonomia e criatividade caso surja necessidade de adaptação e complementação do que apresenta para ser trabalhado com os alunos. Nesse sentido, docentes bem formados são capazes de fazer uma leitura muito mais crítica do livro didático, selecionando e adaptando os conteúdos e atividades de acordo com as características e necessidades de seus alunos e o contexto da sala de aula, já que nenhum aluno e nenhuma sala são iguais. Com isso, o livro didático não se apresenta de modo algum como um instrumento estático, mas como um ponto de partida para o desenvolvimento de práticas de ensino mais dinâmicas e que proporcionarão uma melhor instrumentalização dos usuários deste material.

Trata-se de uma ferramenta essencial no contexto educacional, desempenhando um papel fundamental tanto para o trabalho docente quanto para a aprendizagem do aluno. Para este, sua importância está na possibilidade de oferecer recursos didáticos e conteúdos que podem contribuir com seu desenvolvimento não apenas do ponto de vista escolar. Ademais, oferece um referencial teórico e prático que permite a construção dos próprios saberes, ampliação dos horizontes e desenvolvimento de competências e habilidades importantes para sua formação. Pode promover, ainda, a autonomia do aluno ao possibilitar que ele realize atividades de forma independente e autônoma, em sala de aula ou em casa.

De acordo com Lima (2016), o livro didático é um mediador entre o conhecimento produzido pela sociedade e o conhecimento que chega aos alunos por meio da escola. Ele sistematiza e organiza os conteúdos de forma didática, facilitando a compreensão e a assimilação pelos alunos. Também oferece atividades que auxiliam no processo de ensino e aprendizagem, proporcionando oportunidades para a prática e aplicação dos conhecimentos adquiridos.

Outra relevante participação do livro didático está ligada à sua presença na formação continuada dos docentes ao longo de sua carreira. Ao refletir sobre a eficácia dos materiais didáticos utilizados em suas aulas, o profissional pode perceber a oportunidade de aprimorar suas práticas, ampliando seu repertório de recursos e estratégias didáticas.

Os livros didáticos empregados por docentes e alunos integram o dia a dia escolar há aproximadamente duzentos anos (Bittencourt, 2008, p. 299). Entre os recursos didáticos que eles disponibilizam está o “Manual do Professor”. Durante os anos 1960, este manual viu seu processo de estabelecimento tornar-se mais significativo devido às transformações substanciais no panorama político, econômico e educacional do Brasil.

Paulilo (2012) afirma que o Manual do Professor é uma seção adicional que acompanha o exemplar do livro didático do professor e proporciona orientação teórico-metodológica específica ao educador para o uso da obra na sala de aula. Trata-se, também, de uma parte essencial no procedimento de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático: todas as coleções de livros didáticos inscritas em determinado edital devem incluir em sua obra a versão do Manual do Professor.

Podemos afirmar, com segurança, que o Manual do Professor funciona como uma ferramenta destinada a orientar o docente em sua prática cotidiana na sala de aula, fornecendo-lhe suporte teórico e metodológico. Além disso, também pode contribuir para o desenvolvimento profissional contínuo dos trabalhadores da educação.

Destacamos que o livro didático foi, e ainda é, negligenciado ou subutilizado, por mais que represente uma valiosa ferramenta para a formação continuada e ofereça orientações teóricas e práticas que podem enriquecer a atuação docente em sala de aula.

De acordo com Libâneo (2004), a formação continuada é um processo fundamental para o desenvolvimento profissional docente, pois permite a atualização e aprofundamento dos conhecimentos, habilidades e competências necessárias para a prática desse profissional.

4. Eixo de ensino ‘Oralidade’

A aprendizagem do oral4 inicia de forma incidental, nos ambientes pelos quais as crianças passam e convivem e quando vão para a escola, em sua maioria, já dominam muito bem essa prática, pois discutem, perguntam, persuadem etc. Assim sendo, haveria motivos para se ensinar o oral na escola? Como desenvolver esse ensino? (Dolz et al., 2010).

Segundo Dolz et al. (2010), para que o oral seja constituído em objeto formal de ensino, deixando de ser um simples objeto de aprendizagem, é preciso delinear as características desse oral a ser ensinado, de forma que seja elevado ao grau de ensino formal.

O oral está ligado à linguagem falada, produzida através do aparelho fonador humano: “a laringe, onde se criam os sons, em conjunto com o aparelho respiratório, que fornece o alento necessário à propagação desses sons, e com as cavidades de ressonância (a faringe, a boca e o nariz), que são cavidades do aparelho fonador” (Dolz et al., 2010, p. 128). Os autores colocam que a voz é o suporte da fala e que não é adequado entender o funcionamento da fala sem levar em conta a prosódia (entonação, acentuação e ritmo), por serem questões que deixam marcas de sentido ao que se está pronunciando.

Os autores supracitados dizem ser necessário diferenciar dois tipos de oral: o oral “espontâneo” e a “escrita oralizada”. O primeiro se refere, geralmente, à fala improvisada, em situação de conversação; o segundo se refere à palavra lida ou recitada, e é entre estas duas práticas orais que se encontram todas as formas orais, das mais simples às mais complexas.

Outra questão, também apontada pelos autores, é o fato de que o oral não se refere somente à utilização de elementos linguísticos ou prosódicos. É importante também considerar o corpo como portador de fala, através de mímicas, posturas, olhares, gestualidade - aspectos que confirmam, invalidam ou substituem a codificação linguística e/ou prosódica.

Dessa maneira, de que forma podemos compreender o oral como objeto de ensino? De acordo com os autores,

Para uma didática em que se coloca a questão do desenvolvimento da expressão oral, o essencial não é caracterizar o oral em geral e trabalhar exclusivamente os aspectos da fala, mas, antes, conhecer diversas práticas orais de linguagem e as relações muito variáveis que estas mantêm com a escrita. A constituição do oral como objeto legítimo de ensino exige, portanto, antes de tudo, um esclarecimento das práticas orais de linguagem que serão exploradas na escola e uma caracterização das especificidades linguísticas e dos saberes práticos nelas implicados (Dolz et al., 2010, p. 140).

Defendemos que o papel da escola é o de instruir, muito mais que o de educar, e, assim sendo, é essencial focar no ensino dos gêneros da comunicação pública formal. É bom esclarecer, no entanto, que esse formal não diz respeito às prescrições normativas, mas às características convencionais dos gêneros as quais se vincula o formal - em conformidade com as exigências do lugar social de comunicação. São formas que necessitam de mediação e preparação em que há necessidade de intervenção didática para tal.

Ainda de acordo com os autores, há que se considerar, entretanto, que o gênero a ser ensinado na escola sofre uma alteração, pois se deve levar em conta as capacidades de linguagem e o momento de aprendizagem dos alunos. Não seria possível, por exemplo, no espaço escolar, trabalhar a apresentação de uma peça teatral e supor que as crianças dominem a um só tempo esse gênero oral tão rico e complexo; muito menos que saiam deste espaço com título de atores espetaculares. Trata-se, antes, de estabelecer características basilares capazes de instituírem uma visão geral do gênero, o que pode e deve acontecer progressivamente, mas sem a ingênua pretensão de, no espaço escolar, adquirir domínio cabal da natureza do gênero.

Deste modo, o ensino do oral tem efetivo alcance no trabalho com os gêneros e estes, por sua vez, podem ser ensinados por meio das sequências didáticas5, cujas atividades têm a finalidade de promover a construção da aprendizagem. Essas atividades, pensadas de forma sistemática e estratégica, levarão os alunos a se apropriarem melhor do gênero a ser estudado, tornando-os autônomos em seu próprio aprendizado. Isso se dá, uma vez que essa metodologia considera a visão sociointeracionista de ensino, em cujas relações as interações e o outro são parte do processo e devem contemplar os mecanismos que envolvem a aprendizagem.

Em se tratando de abordagem acerca do ensino da oralidade prescrito em referenciais governamentais, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC - Brasil, 2018) determina que o ideal é que os professores criem oportunidades para que os alunos desenvolvam suas habilidades de comunicação oral, como a capacidade de expressar ideias, fazer perguntas, discutir conceitos e argumentar sobre suas observações.

Além disso, a BNCC destaca a importância do ensino de oralidade como um dos eixos prioritários na formação dos alunos, reconhecendo a oralidade como uma habilidade fundamental para a comunicação eficaz e para o desenvolvimento dos alunos, sendo que ela deve ser incorporada de forma transversal a todas as disciplinas e etapas da educação básica, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio.

Convém também mencionar que o documento destaca a importância de promover práticas que estimulem a participação ativa dos alunos em situações comunicativas diversas, como debates, apresentações, dramatizações e discussões em grupo. Essas atividades visam não apenas ao desenvolvimento das habilidades de expressão oral, mas também à promoção do pensamento crítico e à capacidade de desenvolver uma escuta ativa.

A BNCC também estimula a ocorrência de integração entre a abordagem pedagógica da oralidade e os demais eixos de ensino, incluindo sua presença nas questões ligadas às habilidades socioemocionais, enfatizando que a comunicação oral está relacionada a esses eixos e habilidades, e que seu desenvolvimento conjunto é essencial para uma formação mais abrangente dos alunos.

Pensando, então, em questões ligadas ao ensino e na necessidade de discutir qual é o papel da oralidade na escola, bem como os prejuízos decorrentes da sua negligência ao longo da escolaridade, consideramos que a capacidade de se expressar oralmente de forma clara e eficaz é uma habilidade essencial que permeia todas as esferas da vida, desde a interação social ligada ao campo mais formal até o campo mais íntimo.

É importante destacar que a oralidade é uma das principais formas de comunicação humana. Na escola, essa habilidade não se limita apenas à capacidade de falar seguindo as regras da norma padrão da língua, mas também inclui a habilidade de ouvir atentamente, compreender aquilo que se ouve, bem como participar de discussões e apresentar ideias de maneira coerente e persuasiva. Assim, o ensino da oralidade não é somente uma questão de linguagem, mas também se liga ao desenvolvimento cognitivo e social dos alunos.

A capacidade de se expressar oralmente de forma clara e articulada é uma competência fundamental, valorizada em praticamente todos os aspectos da vida e em qualquer ambiente. Pessoas proficientes na comunicação oral têm mais facilidade na expressão de suas ideias, na argumentação e apresentação de pontos de vista e se envolvem de forma mais eficaz em interações sociais de modo geral.

A falta de habilidades orais pode impactar negativamente outras áreas do desenvolvimento dos alunos, como a leitura e a escrita. A comunicação oral e a escrita estão relacionadas, e um baixo desempenho em uma pode afetar diretamente o desempenho na outra: alunos com dificuldades de expressão oral podem ter dificuldade em organizar suas ideias ao escrever um texto ou em compreender instruções durante atividades de leitura, por exemplo.

Defendemos, pois, ser fundamental que o ensino da oralidade seja abordado de forma eficaz ao longo de toda a escolaridade dos alunos. Isso requer um esforço consciente por parte dos docentes para criar um ambiente de aprendizagem que promova ativamente o desenvolvimento das habilidades orais dos alunos.

5. Breve apresentação do material analisado

Elencamos como objeto de estudo dois volumes de um Livro Didático de Português (Alfabetização e Letramento) Ápis e a coleção L.E.I.A - Leitura, Escrita e Interpretação na Alfabetização (Material Didático complementar usado pelas escolas da Rede Municipal de Ensino do município de Mineiros Goiás, confeccionado dentro do Programa em Regime de Colaboração pela Criança Alfabetizada (AlfaMais).

A coleção Ápis, editora ática, é de autoria de Ana Trinconi, Terezinha Bertin e Vera Marchezi, e é composta por 05 (cinco) volumes, os quais correspondem aos anos iniciais do Ensino Fundamental. De acordo com as autoras (2017), os dois primeiros volumes pretendem inserir o aluno em práticas sociais letradas de forma lúdica e participativa. O terceiro volume foca no aumento da complexidade com intenção de preparar para os próximos anos. Já os volumes quatro e quinto intensificam o exercício das habilidades de leitura e de escrita e a reflexão a respeito de fatos linguísticos mais complexos. Nosso interesse recaiu sobre os dois primeiros anos, os quais correspondem aos anos destinados ao processo de alfabetização.

De modo geral, a obra (1º e 2º anos) se estrutura por uma introdução e unidades que se subdividem em seções específicas, bem como por uma parte final que contém traçados de letras, desafios e/ou coletâneas. A introdução é organizada em torno de um tema cujo objetivo é motivar o aluno a se interessar pelo Livro Didático, obter fruição de leitura, encantamento com a literatura e outras artes e desenvolver o projeto de leitura disposto na parte final do livro. As unidades são organizadas por sequências didáticas, estruturadas por gêneros do discurso que embasam as atividades de leitura, reflexão sobre a língua e produção de textos.

O L.E.I.A - Leitura, Escrita e Interpretação na Alfabetização, de autoria de Alda de Fátima Martins [et. al.] - primeiro ano - e Ana Maria Lemes Coelho [et al.] - segundo ano -, aventado pela Secretaria de Estado da Educação de Goiás, por meio do Programa AlfaMais Goiás, é um Material Didático complementar para as crianças do 1º e 2º anos das redes estadual e municipal do estado.

O AlfaMais foi criado em 2021, pela Lei Estadual nº 21.071, e começou a ser executado nas escolas goianas no início de 2022. O programa tem o objetivo de assegurar a alfabetização completa das crianças na idade certa até o 2º ano do Ensino Fundamental. Para cumprir esse objetivo, o programa conta com a formação de professores, entrega de materiais didáticos complementares, pagamento de bolsas para os profissionais envolvidos e premiação de escolas com os melhores resultados6.

Segundo a Secretaria de Estado da Educação de Goiás, o material tem como objetivo favorecer o desenvolvimento das habilidades de Língua Portuguesa e as práticas de linguagem: Leitura/Escuta, Oralidade, Análise Linguística/Semiótica e Produção de Textos.

As atividades no L.E.I.A são desenvolvidas envolvendo os campos de atuação: Vida cotidiana, Artístico/Literário, Práticas de Estudo e Pesquisa e Vida Pública. A goianidade é o tema central da obra, a qual tem como objetivo fazer com que os alunos conheçam um pouco mais da cultura do Estado de Goiás - folclore, fauna, flora, alimentação e artistas.

6. Análise dos dados

Para geração e análise dos dados, elencamos uma categoria a qual foi crucial para demonstrar os passos seguidos a fim de alcançar nosso objetivo. Assim, seguindo a metodologia proposta por Bardin (2006), durante a etapa de exploração dos materiais a serem analisados, adotamos a categoria apresentada na sequência.

Quadro 1
Categoria de análise, descrição e principais autores

Sobre os dados quantitativos gerais, eles nos mostram que, referente ao primeiro ano, ocorreram 483 (quatrocentos e oitenta e três) atividades no Livro Didático e 174 (cento e setenta e quatro) no material didático complementar. Já no segundo ano, 471(quatrocentos e setenta e uma) atividades no Livro Didático e 170 (cento e setenta) no Material Didático complementar. Destas atividades, estão direcionadas ao trabalho com a oralidade um percentual de (23,39%) e (30,57%) no Livro Didático do primeiro e segundo ano, respectivamente. Assim também, os dados mostram um percentual de (37,93%) e (32,94%) no Material Didático complementar do primeiro e segundo ano, respectivamente.

Justificamos a escolha pelos ‘Letramentos do universo Científico e Histórico-Geográfico’ levando em conta que, somando os resultados do eixo de ensino ‘Oralidade’, ocorre um percentual de ocorrência dos referidos de (7,8%) e (6,4%) no Livro Didático e no material complementar do primeiro e segundo ano, respectivamente7.

Consideramos baixa a incidência desses letramentos em ambos os objetos de análise aliados ao eixo de ensino oralidade. Conforme sugere Silva (2016), a ausência de letramento científico impede a compreensão de fenômenos no âmbito do contexto social em que os alunos estão inseridos. Essa ausência pode, ainda, dificultar a participação do aluno de maneira responsiva na sociedade em que atua, pois, segundo Costa (2016), o letramento científico é a capacidade de ler, compreender e expressar opinião referente a assuntos que envolvem o campo científico, tornando o aluno capaz de tomar decisões de forma a colaborar proativamente no meio em que se encontra.

Ademais, não diferente é a importância dos letramentos histórico-geográficos, pois, conforme sugerem Araújo e Rufo (2021), é fundamental a conexão daquilo que se aprende na escola com o que se vive na família, no cotidiano, e é essa ideia que permite a inserção dos indivíduos na totalidade social em que estão inseridos. Diante disso, entendemos que a falta desses letramentos pode gerar indivíduos com menos capacidade para o pleno exercício da criticidade.

Para Silva (2016, p. 14), letramento científico são “práticas investigativas informadas pela escrita em função da produção de conhecimentos necessários ao desenvolvimento humano na complexidade que lhe é constitutiva em diferentes domínios sociais”. Por isso, durante a análise dos dados, ansiávamos por identificar atividades que promovessem nos alunos a curiosidade investigativa, a capacidade analítica, a busca por solução de problemas, a consciência daquilo que constitui a sua história e a história do mundo e a consciência daquilo que constitui o seu espaço e espaços outros. Evidentemente, devido à faixa etária dos alunos a quem se dirigem os materiais analisados neste trabalho, é necessário levar em consideração que tais práticas investigativas devem ser condizentes com as vivências dos envolvidos, o que não inviabiliza esse tipo de letramento, pois se trata de um princípio nos caminhos da Ciência.

Quanto aos letramentos histórico-geográficos, Araújo e Rufo (2021, p. 84) defendem que eles, com suas especificidades, agregam valor ao ensino das crianças nesta etapa da Educação Básica.

Com a finalidade de ilustrar o trabalho desenvolvido, o qual contempla a categoria ‘Letramentos do universo Científico, Histórico-geográfico’, arrolamos a atividade inicial da subseção ‘Exposição oral - Curiosidades’, na seção ‘Prática de oralidade’, constituinte da Unidade 12 (Lista), do Livro Didático do 1º ano.

O objetivo da atividade, segundo o manual do professor, é, além de ressaltar os combinados (esperar a vez de falar, levantar a mão etc.) para atividades como essa, oportunizar a leitura de textos impressos e digitais, como verbetes de dicionários infantis e vídeos e/ou áudios, conferindo oportunidade para que as crianças identifiquem e reproduzam a formatação específica da versão oral de apresentação. Nessa proposta, as crianças necessitarão de um planejamento prévio para expor oralmente aos demais colegas as curiosidades que encontraram a respeito do animal escolhido.

Na sequência, aparece a atividade ilustrativa do modo como está no Livro Didático do qual foi retirada.

Figura 1
Curiosidades - animais

Consideramos a atividade produtiva, no que diz respeito à proposta de trabalho com a oralidade, principalmente acerca do desenvolvimento do letramento científico, pois as crianças são levadas a estabelecer contato com a Ciência, com a busca pela resposta a alguma pergunta a respeito de algo que faz parte do meio em que vivem, voltando o seu olhar para além de si.

Assim, trabalhar com esse letramento é fundamental para cultivar uma compreensão sólida a respeito da Ciência, promovendo o pensamento crítico e preparando as crianças para uma abordagem baseada em evidências, pelo fato de que terão maiores possibilidades de compreenderem o mundo ao seu redor.

Além disso, entendemos que o trabalho com a leitura de textos impressos e digitais desempenha um papel essencial no desenvolvimento das habilidades orais das crianças. Tais atividades oferecem oportunidades para que elas identifiquem e reproduzam a formatação específica da versão oral de apresentação, promovendo, com isso, o aprimoramento de suas habilidades de expressão verbal.

Ao se depararem com diferentes formatos de textos, as crianças são incentivadas ao desenvolvimento da capacidade de interpretar as informações de maneira variada. Quando lerem um verbete de um dicionário, elas poderão se deparar com definições claras e concisas, o que as desafiará a compreender e resumir conceitos de forma oralmente compreensível.

Além disso, a exploração de vídeos e áudios permite que as crianças observem e escutem diferentes estilos de comunicação oral, incluindo entonação e ritmo, o que as ajuda a desenvolver sua própria capacidade de expressão oral.

É importante ressaltar que o trabalho com textos impressos e digitais também oferece oportunidades para que as crianças desenvolvam habilidades de comunicação oral de forma mais ampla. Discutir o conteúdo de um verbete ou assistir a um vídeo estimula a expressão de ideias e opiniões de maneira clara e coerente, desenvolvendo, assim, habilidades de argumentação e debate.

Consideramos também relevante o fato de as crianças, além de realizarem a investigação, planejarem a apresentação oral para os colegas de sala, o que pode fazer com que incorporem a aprendizagem mais profundamente, haja vista a necessidade de expor o assunto, com domínio e clareza, para que os ‘outros’ possam entender. Este aspecto oral da atividade também vai ao encontro do conceito de letramento científico, pois, mesmo que a apresentação não constitua um ‘seminário’, por exemplo, ela apresenta um caráter científico, visto que as crianças farão a exposição oral daquilo que pesquisaram anteriormente.

Outrossim, as crianças vivenciam e se apropriam do letramento histórico-geográfico, nesta proposta de atividade, ao participarem atentamente da exposição oral dos demais colegas, o que pode enriquecer o conhecimento em relação às características dos animais, dos hábitos, da alimentação, do estilo de vida, dados importantes e instigantes para as crianças desta faixa etária. Isso ocorre, porque, ao falar sobre as características de determinado animal, muito provavelmente serão expostos o habitat desse animal e a região geográfica onde vive, bem como poderão ser abordados aspectos da evolução histórica desse animal, apontamentos que podem ser feitos pelo professor a partir de seus conhecimentos.

Destacamos que o professor é o principal mediador do conhecimento na sala de aula e, como tal, é responsável por fornecer informações precisas e confiáveis aos alunos (Emiliano; Tomás, 2015). Ao apresentar um animal específico e sua curiosidade associada, é essencial um entendimento sobre o maior número possível de características relacionadas a esse animal. A falta desse conhecimento pode resultar em informações imprecisas ou errôneas, podendo até mesmo confundir os alunos.

Ter conhecimento sobre o tema leva o professor a uma melhor contextualização acerca do animal dentro de um contexto mais amplo, relacionando-a a conceitos científicos, geográficos, históricos ou ambientais relevantes. Isso enriquece a experiência de aprendizado dos alunos, ajudando-os a entender a importância do animal dentro do ecossistema e sua relevância para a conservação da biodiversidade.

Outro ponto importante que ressaltamos é que ao ter melhor conhecimento sobre o animal escolhido o professor poderá responder às perguntas dos alunos, caso surjam, de forma mais satisfatória. Durante uma atividade, é comum haver dúvidas adicionais ou curiosidade em saber mais sobre um assunto, e o professor precisa estar preparado para fornecer respostas claras e informativas, enriquecendo ainda mais a discussão, especialmente pelo fato de que crianças pequenas são bastante curiosas.

A atividade abaixo arrolada é, também, ilustrativa da categoria ‘Letramentos do universo Científico e Histórico-Geográfico’, exercício, no 3, atividade 5 (Acessando... Assistindo... Ouvindo... Produzindo!), constituinte da 6ª Vivência8 (Quem conta um conto aumenta um ponto), no Material Didático complementar do primeiro ano.

A atividade tem por objetivo, segundo o manual do professor, mostrar para as crianças que existem vários tipos de lobos, apontando que, no estado de Goiás, há o Lobo-guará, e fazendo um contraponto entre o Lobo-guará (real) e os lobos do universo imaginário, que aparecem nas histórias. A questão evidencia o eixo de ensino ‘Oralidade’, ao solicitar que as crianças manifestem opiniões acerca das seguintes questões: “Será que um lobo-guará engoliria uma pessoa? O que mais um lobo-guará não faria?” (Sugeridas no manual do professor).

Na sequência, aparece a atividade ilustrativa do modo como está no Material Didático complementar do qual foi retirada.

Figura 2
Lobo-guará e o cerrado goiano

De caráter interdisciplinar, a atividade explora o letramento científico ao trazer informações deste cunho. Vale destacar a fonte utilizada abaixo da imagem do lobo, comprovando o caráter científico, trazendo informações que foram comprovadas pela Ciência. Estas informações, como a que diz que o lobo-guará é um animal do cerrado goiano ameaçado de extinção e que um dos motivos é o desmatamento e o crescimento das cidades, são frutos de uma pesquisa de cunho científico.

Convém ressaltar que o Letramento Científico supera a memorização de conteúdo, contribui para a formação de uma visão crítica e favorece o conhecimento do mundo ao redor da pessoa (Merazzi; Robaina, 2021). O indivíduo “é letrado cientificamente quando desenvolve a habilidade de compreender a natureza da ciência, o conteúdo científico e o impacto da Ciência e Tecnologia sobre a Sociedade” (Miller,1983 como citado em Merazzi; Robaina, 2021, p. 11). Isso acontece, porque o letramento está relacionado ao desenvolvimento da capacidade de leitura e de escrita para a prática social, para algo que faz parte da vida real dos aprendizes. No caso em questão, aponta-se para uma curiosidade acerca de um animal que está presente no imaginário das crianças de maneira fictícia e, também, na realidade, o que constitui parte do cenário da nossa região geográfica (o cerrado goiano).

Tais informações fazem, pois, referência ao letramento geográfico, trazendo elementos condizentes com o espaço onde vivem os lobos, o que aproxima a relação com as crianças, provocando o interesse delas por serem parte dessa regionalidade.

O segundo parágrafo do texto informativo se vincula, também, ao letramento científico e ao letramento histórico quando aponta a origem (tupi) e o significado do nome ‘guarambá’ ou lobeira: ‘alimento do lobo-guará’.

Consideramos as questões apresentadas às crianças como muito pertinentes para o desenvolvimento das suas capacidades orais já que estimulam o pensamento crítico e a expressão de opiniões pessoais, incentivando-as a refletirem sobre o comportamento dos animais e a formular suas próprias hipóteses com base em seu conhecimento prévio e observações.

Além disso, serão desafiadas a articular suas ideias de maneira clara e coerente, praticando assim habilidades de expressão oral. Elas precisam organizar seus pensamentos, escolher as palavras adequadas e comunicar suas opiniões de forma compreensível para os outros. Isso ajuda no desenvolvimento da linguagem oral e na capacidade de comunicação em geral.

Também promovem a participação ativa dos alunos em discussões em grupo, estimulando o diálogo e a troca de ideias com os colegas. Ao compartilharem suas opiniões e ouvirem as perspectivas dos outros, as crianças aprendem a respeitar diferentes pontos de vista e a argumentar de forma construtiva, contribuindo para o desenvolvimento de habilidades sociais importantes.

Consideramos importante, ainda, o fato de as questões relacionarem a existência do lobo-guará (real) com os lobos do universo imaginário, buscando uma reflexão via oralidade por parte das crianças, abrindo espaço para que dialoguem sobre algo, primeiramente hipotético (será que um lobo-guará engoliria uma pessoa?) e depois quanto a aspectos que os lobos reais não poderiam fazer (falar, por exemplo).

Para desenvolver uma atividade com a oralidade baseada em um texto sobre o lobo-guará, é fundamental que o docente possua conhecimento sobre o tema. Isso inclui informações sobre a ecologia e o comportamento do lobo-guará, sua importância para o equilíbrio do cerrado goiano e os desafios enfrentados por essa espécie em relação à conservação de seu habitat.

Além do aspecto científico, é importante que o docente seja capaz de integrar diferentes disciplinas e temas em suas atividades com a oralidade. Assim, ao discutir sobre o lobo-guará, os alunos podem explorar questões relacionadas à conservação ambiental, à biodiversidade, à geografia e à história regional, enriquecendo, assim, sua compreensão sobre o tema.

Por isso enfatizamos a necessidade de uma boa formação docente a qual capacitará o professor a desenvolver estratégias pedagógicas eficazes para promover a oralidade dos alunos durante a atividade. Criar um ambiente de aprendizado estimulante e encorajador levará os alunos a se sentirem confiáveis para participar do desenvolvimento da atividade conforme orientado pelo Manual do Professor.

Uma boa formação docente também prepara o professor para lidar com a diversidade de habilidades e necessidades dos alunos em sala de aula. Durante uma atividade com a oralidade, alguns alunos podem se sentir mais confiantes em falar em público do que outros, enquanto alguns podem precisar de apoio adicional para expressar suas ideias. O professor, bem formado, será capaz de reconhecer essas diferenças individuais e oferecer suporte para garantir que a maioria dos alunos participe da atividade e se sinta valorizada.

Acreditamos que apenas uma boa formação docente preparará o professor para avaliar de forma eficaz o desempenho dos alunos durante a atividade com a oralidade. É importante avaliar não apenas a qualidade da comunicação oral dos alunos, mas também sua capacidade de compreender e articular alguns conceitos relacionados ao lobo-guará. Com isso, o professor poderá identificar áreas que precisam de desenvolvimento adicional para uma aprendizagem mais eficaz.

7. Considerações finais

Neste artigo, exploramos as relações entre o desenvolvimento dos letramentos científico e histórico-geográfico e o trabalho com os gêneros orais no contexto do ensino infantil (séries iniciais), bem como trouxemos algumas ideias sobre o modo como a formação docente pode ser crucial para a mediação desse eixo do processo de ensino e aprendizagem.

Destacamos os benefícios significativos que a abordagem dos letramentos em observação pode proporcionar aos alunos. Ao integrar atividades que promovem a oralidade no ensino, as quais favoreçam os letramentos científicos e histórico-geográficos, os alunos têm a oportunidade de desenvolver habilidades, como a expressão verbal, o pensamento crítico e a capacidade de argumentação. Essas habilidades não apenas facilitam o processo de aprendizagem, mas também preparam os alunos para as situações sociais das quais forem participar futuramente.

Por outro lado, a baixa quantidade de atividades identificadas pode representar um prejuízo significativo para os alunos. Uma baixa exposição a atividades que favoreçam os letramentos científicos e histórico-geográficos pode resultar em uma limitação na compreensão conceitual dos alunos. Além disso, eles podem ter dificuldade em expressar ideias de forma clara e articulada sobre temas relacionados à ciência, o que pode afetar sua capacidade de participar de discussões em sala de aula e de interagir com os colegas de forma eficaz.

Outra dificuldade enfrentada pelos alunos com pouca oportunidade de desenvolvimento dos letramentos em destaque a partir do eixo da oralidade é a falta de prática na apresentação e defesa de suas próprias ideias. Eles podem sentir-se inseguros ao expressar opiniões sobre temas específicos e em defender seus pontos de vista em discussões em grupo ou apresentações orais, o que pode afetar sua autoconfiança e autoestima.

Acerca da formação docente, e sua importância e necessidade para a prática pedagógica com a oralidade, finalizamos este artigo salientando que ela proporciona aos professores as habilidades e estratégias necessárias para a promoção de um ambiente de aprendizado que favoreça a expressão verbal dos alunos. Bem formados, os docentes terão melhores formas para a elaboração de atividades e situações de aprendizagem que estimulem a participação ativa dos alunos em discussões, debates e apresentações orais, permitindo-lhes desenvolver suas habilidades de expressão e argumentação de maneira significativa, tendo ou não o apoio de um material didático eficaz.

Também porque a formação docente será a oportunidade para que os professores entendam a importância da oralidade no processo de ensino e aprendizagem. Eles poderão reconhecer melhor que a comunicação oral é essencial para a construção do conhecimento, a troca de ideias e a construção de relações interpessoais na sala de aula. Com isso, poderão desenvolver atividades de oralidade de forma intencional em suas aulas, considerando que, infelizmente, segundo Rodrigues e Luna (2016), por mais que os referenciais indiquem a importância do trabalho com a oralidade, ela ainda é pouco presente na prática.

Referências

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  • 1
    É necessário lembrar que existem várias perspectivas teóricas acerca do oral, as quais não serão aqui abordadas por se distanciarem do foco da pesquisa, que prima por investigar questões relacionadas ao ensino da atividade oral. Apenas como exemplificação de tais perspectivas, apontamos as relações entre oralidade e cultura escrita, estudadas por Walter J. Ong; as marcas de oralidade no texto escrito ou ainda as relações entre a oralidade e a aquisição da língua escrita, pesquisadas por diversos autores, tais como Marcushi, Bagno, Ferreiro, etc.
  • 2
    “Uma ‘sequência didática’ é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (Dolz et al., p. 82).
  • 3
  • 4
    Esclarecemos que fizemos o levantamento quantitativo dos letramentos discriminados na sequência para depois escolhermos o que estamos apresentando aqui para análise: artístico/literário, crítico, escolar/linguístico, midiático/multimodal.
  • 5
    O termo vivência é utilizado no Material Didático complementar para designar os capítulos nos quais estão organizadas as propostas de atividades do material.

Disponibilidade de dados

  • Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2024
  • Aceito
    17 Jun 2024
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