Acessibilidade / Reportar erro

Proxêmica Tensiva no Processo de Identificação do Sujeito Surdo por meio da Análise de Poema em Visual Vernacular

Tensive Proxemics in the Process of Identifying the Deaf Subject through the Analysis of a Visual Vernacular Poem

RESUMO

Neste trabalho, tomamos como objeto a estrutura tensiva dos discursos manifestados em Língua Brasileira de Sinais. Objetivamos demonstrar como o processo de identificação dos sujeitos Surdos é discursivizado e textualizado no vídeo-poema V&V de Fernanda Machado (2017). Com base em Greimas (1973Greimas, A. J. (1973). Semântica Estrutural - Pesquisa do Método. (H. Osakape et al., Trad.). (2ª ed.). Cultrix. (Sémantique Structurale, recherche de méthode, 1966).), Floch (1985) e Zilberberg (2011Zilberberg, C. (2011). Elementos de semiótica tensiva. Tradução de Ivan Carlos Lopes, Luiz Tatit, & Waldir Beividas. Ateliê Editorial. (Elements de grammaire tensive, 2006).), analisamos plano de conteúdo e do plano de expressão do poema, com vistas a depreender categorias abstratas que predicam percursos narrativos, temáticos, figurativos, no plano de conteúdo, além de figuras da expressão, que, homologados entre si, estabelecem estruturas semissimbólicas de ordem tensiva em ambos os planos da linguagem. Os resultados permitem assumir o que temos denominado, a partir da terminologia emprestada de Hall (1977), como proxêmica tensiva do processo de identificação do sujeito Surdo que consiste, pelo plano de expressão, em um percurso que parte do reconhecimento público, depois social, pessoal e, por fim, íntimo entre os sujeitos-atuantes Surdos, o que, no plano de conteúdo, compatibiliza-se com a categoria aderência vs. inerência a uma identidade Surda.

Palavras-chave:
identidades surdas; semiótica; processo de identificação

ABSTRACT

In this study, we take as our object the tense structure of discourses expressed in Brazilian Sign Language. We aim to demonstrate how the process of identification of deaf subjects is discursivized and textualized in the video-poem V&V by Fernanda Machado (2017). Based on Greimas (1973Greimas, A. J. (1973). Semântica Estrutural - Pesquisa do Método. (H. Osakape et al., Trad.). (2ª ed.). Cultrix. (Sémantique Structurale, recherche de méthode, 1966).), Floch (1985), and Zilberberg (2011Zilberberg, C. (2011). Elementos de semiótica tensiva. Tradução de Ivan Carlos Lopes, Luiz Tatit, & Waldir Beividas. Ateliê Editorial. (Elements de grammaire tensive, 2006).), we analyzed the content plane and the expression plane of the poem, with a view to deducing abstract categories that predicate narrative, thematic and figurative paths on the content plane, as well as figures of expression which, when homologated with each other, establish semisymbolic structures of a tensive order on both planes of language. The results allow us to assume what we have called, based on terminology borrowed from Hall (1977), the tensive proxemics of the deaf subject’s identification process. On the level of expression, such tensive proxemics consists of a path that starts with public recognition and moves on to social, personal and, finally, intimate recognition between the deaf subject-actants. On the level of content, such recognition is compatible with the category of adherence vs. inherence to a deaf identity.

Keywords:
deaf identities; semiotics; identification process

1. Introdução

O que é necessário reter é a possibilidade e a necessidade de utilizar o significado para o estudo do significante e o significante para o estudo do significado (Greimas, 1973Greimas, A. J. (1973). Semântica Estrutural - Pesquisa do Método. (H. Osakape et al., Trad.). (2ª ed.). Cultrix. (Sémantique Structurale, recherche de méthode, 1966)., p. 43).

O processo de identificação de pessoas Surdas é um tema complexo que tem suscitado interesse e debates em diversos campos de estudo ao longo do tempo. Compreender a surdez não apenas como uma condição médica, mas também como uma identidade cultural e linguística, tem sido uma das principais discussões nessa área. Este artigo propõe uma investigação minuciosa da representação do processo de identificação entre dois personagens Surdos na obra V&V de Fernanda Machado (2017), com o intuito de destacar como essa representação reflete as diversas perspectivas e concepções existentes dentro da Cultura Surda.

A obra V&V retrata o confronto entre dois personagens que, embora pareçam identificados superficialmente, não o estão em um nível mais profundo da imanência - um aspecto que esclareceremos mais adiante. Através desta narrativa, são exploradas questões fundamentais relacionadas à identidade e à percepção da surdez. Nosso objetivo geral na análise é demonstrar como o processo de identificação dos sujeitos Surdos é discursivamente representado e textualizado no vídeo-poema V&V de Fernanda Machado (2017). Desta forma, procuramos descrever o percurso de geração de sentido presente na obra, analisando a construção das categorias figurativas de inerência que são articuladas nos níveis mais elevados de significação do poema, até que este seja manifestado em uma disposição espacial que evolui de uma zona pública de distanciamento das personagens até uma intimidade mais próxima.

Ao longo deste artigo, revisitamos aspectos teóricos da cultura Surda, abordando os elementos linguísticos e sociais que influenciam a maneira como os Surdos se identificam e se percebem. Além disso, destacamos como a Literatura Surda é empregada como uma forma de expressão cultural por essas pessoas.

Em seguida, introduzimos nossas escolhas teóricas que fundamentam a noção de proxêmica tensiva, baseada nos estudos conduzidos por Edward Twitchell Hall entre os anos de 1965Hall, E. (1965). The Silent Language. A Premier Book. e 1968Hall, E. T., Birdwhistell, R. L., Bock, B., Bohannan, P., Diebold, A. R., Durbin, M., Edmonson, M. S., Fischer, J. L., Hymes, D., Kimball, S. T., La Barre, W., Frank Lynch, S. J., McClellan, J. E., Marshall, D. S., Milner, G. B., Sarles, H. B., Trager, G. L., & Vayda, A. P. (1968). Proxemics [and Comments and Replies]. Current Anthropology, 9(2/3), 83-108. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2740724.
http://www.jstor.org/stable/2740724...
. Buscamos colocar em interface as ideias desse autor com as proposições do projeto semiótico greimasiano, um procedimento que, como veremos, já foi explorado em certa medida pela tradição semiótica anteriormente.

A terceira seção do artigo expõe os resultados da análise sobre a proxêmica tensiva no processo de identificação do sujeito Surdo em V&V. Os resultados são apresentados seguindo a ordem do empreendimento analítico, ou seja, primeiramente são descritas e discutidas as questões relacionadas ao plano de conteúdo do poema; em seguida, são feitas considerações acerca do plano de expressão; por fim, são realizados comentários sobre a harmonização entre as categorias de cada plano realizada pelo enunciador do texto e sobre os efeitos de sentido resultantes desse procedimento.

Na seção final do artigo, apresentamos considerações finais com base nos resultados da pesquisa, enfatizando os principais achados e a contribuição deste estudo para o campo acadêmico e para o debate sobre a identidade Surda. É importante ressaltar que este estudo visa principalmente ampliar a compreensão das diversas perspectivas e concepções da surdez, além de promover uma maior representatividade e reconhecimento da cultura e das identidades Surdas. Portanto, para concluir, discutimos como os resultados encontrados proporcionam uma oportunidade de reflexão e aprofundamento sobre as identidades Surdas, ao analisar a obra V&V sob a ótica da teoria semiótica de linha francesa.

Por meio deste estudo, buscamos ampliar o conhecimento e promover uma discussão mais esclarecida e abrangente sobre a identidades Surdas, valorizando as diversas perspectivas e experiências presentes nessa comunidade.

2. Cultura Surda: identidades e literatura

Nos últimos anos, os estudos sobre a surdez e as pessoas Surdas têm passado por mudanças significativas, adotando novas perspectivas e terminologias. Em vez de considerar a surdez como uma deficiência a ser corrigida, há uma crescente valorização da diferença na compreensão da surdez (Dall’asen & Pieczkowski, 2022Dall’asen, T., & Pieczkowski, T. M. Z. (2022). Surdez, identidade e diferença. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, 17(2), 1129-1147. https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14593.
https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.145...
). Ao longo do tempo, a abordagem predominante foi a reabilitação dos Surdos por meio de implantes de aparelhos auditivos, com o intuito de torná-los “normais” e integrados à comunidade ouvinte. Contudo, essa perspectiva médica tem sido questionada, e a surdez, cada vez mais reconhecida como uma identidade cultural distinta, com sua própria língua, como é o caso da Língua Brasileira de Sinais (Libras) no Brasil.

Em consonância com essas reflexões, Perlin e Miranda (2003Perlin, G. T. T., & Miranda, W. (2003). Surdos: o narrar e a política. Ponto de Vista: revista de educação e processos inclusivos, 5(3), 217-226. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/pontodevista/article/view/1282.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/pon...
) destacam a importância de analisar as identidades Surdas a partir dos elementos constituintes das identidades essenciais, nos quais as dinâmicas de poder se manifestam. Para as autoras, as identidades Surdas representam uma experiência de coexistência no ser diferente.

Assim, Gladis Perlin (1998) propõe uma classificação de oito tipos distintos de identidades Surdas, criando um espaço cultural dentro das diversas culturas, a saber: 1) Identidade Política, representada por indivíduos com forte personalidade, que lutam pelos seus direitos e pelos direitos da comunidade Surda. 2) Identidade Híbrida, geralmente composta por Surdos que nasceram ouvintes e, por algum motivo, perderam a audição. 3) Identidade Flutuante, caracterizada por Surdos que não têm contato com a comunidade e cultura Surda. 4) Identidade Embaçada, que não faz parte de nenhum dos mundos linguísticos e culturais. 5) Identidade de Transição, comum entre Surdos filhos de pais ouvintes que foram criados na cultura ouvinte, mas posteriormente se identificam com a cultura Surda. 6) Identidade de Diáspora, formada por Surdos que transitam entre várias comunidades e culturas Surdas de diferentes regiões e países, evidenciando a diversidade cultural adquirida. 7) Identidade Intermediária, composta por Surdos que não possuem surdez profunda, utilizam aparelhos auditivos, mas não aceitam intérpretes de Libras e não participam de comunidades ou culturas Surdas3 3 Estudos posteriores, como os de Perlin (2004) e Carvalho e Campello (2022), postulam a existência de oito ou até quatorze diferentes identidades surdas. No entanto, mantemos a referência a sete identidades surdas por ser o trabalho de Perlin (1998) a primeira publicação que, no Brasil, preocupou-se com a distinção identitária do povo surdo. .

Segundo Sutton-Spence (2021Sutton-Spence, R. (2021). Literatura em Libras [livro eletrônico]. Tradução de Gustavo Gusmão. Editora Arara Azul. (Texto original em Língua Americana de Sinais - ASL, 2021).) os aspectos identitários dos sujeitos Surdos são manifestos por elas por meio de uma literatura própria sua comunidade cultural, a Literatura Surda. Para a autora, a literatura produzida pelos Surdos “é uma forma linguística de celebrar a vida Surda e a língua de sinais” e “mescla a língua, as imagens visuais e a dança, sendo uma mistura de sinais e gestos, uma literatura do corpo e uma literatura de performance” (Sutton-Spence, 2021Sutton-Spence, R. (2021). Literatura em Libras [livro eletrônico]. Tradução de Gustavo Gusmão. Editora Arara Azul. (Texto original em Língua Americana de Sinais - ASL, 2021)., p. 26).

Certamente, o termo “literatura em Libras” abrange uma variedade de formas artísticas, como poemas, contos, piadas, jogos e outras expressões criativas feitas em Libras que são culturalmente apreciadas (Sutton-Spence, 2021Sutton-Spence, R. (2021). Literatura em Libras [livro eletrônico]. Tradução de Gustavo Gusmão. Editora Arara Azul. (Texto original em Língua Americana de Sinais - ASL, 2021)., p. 26). Segundo Sutton-Spence, a literatura em Libras é relevante enquanto manifestação da perspectiva visual e das experiências vivenciadas pelos Surdos, pois é produzida na língua materna dessa comunidade. Apesar das similaridades, cada comunidade Surda possui suas próprias singularidades que merecem ser reconhecidas e, além do mais, divulgadas.

Por essa razão, a autora enfatiza que a literatura em Libras é vista como uma oportunidade para brincar com a língua, assim como a literatura em português, pois ambas apresentam características estéticas únicas. Dessa forma, a literatura em Libras geralmente assume a função de recreação, mas também pode ser utilizada para uma análise crítica da relevância de determinados temas dentro da cultura Surda, ou ainda para examinar como são produzidos seus efeitos estéticos (Sutton-Spence, p. 24-32).

A partir disso é que a autora propõe a noção de Libras estética, que pode ser compreendida como um conjunto de “recursos linguísticos utilizados pelos usuários da língua de sinais para evocar emoções no público (Sutton-Spence, 2021Sutton-Spence, R. (2021). Literatura em Libras [livro eletrônico]. Tradução de Gustavo Gusmão. Editora Arara Azul. (Texto original em Língua Americana de Sinais - ASL, 2021)., p. 26) que assiste ao texto sinalizado.

Essa característica é particular à literatura em Libras, o que a distingue da literatura em línguas orais que não possuem esses recursos (Sutton-Spence, p. 63). De acordo com a autora, esses recursos incluem variações de velocidade, uso do espaço, configuração das mãos para criar simetrias ou assimetrias, morfismos (fusão de dois sinais em um único item lexical), incorporação, antropomorfização, além do uso de classificadores e perspectivas múltiplas.

Um dos recursos de produção literária da comunidade Surda é o Visual Vernacular, referenciado pelo título do poema selecionado como corpus de aplicação neste trabalho. O Visual Vernacular (também conhecido como VV) é uma forma artística e poética própria das línguas de sinais, incluindo a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Ele se caracteriza pelo uso de expressões faciais, movimentos corporais e elementos visuais para transmitir significados e emoções. Dessa forma, o VV representa uma forma de comunicação visual que se fundamenta na cultura e na experiência dos Surdos, permitindo a criação de narrativas e performances únicas (Abrahão, 2023Abrahão, B. F. (2023). Literatura surda em performance: considerações sobre a arte visual vernacular (VV). In Congresso Internacional ABRALIC, 18., Salvador. Anais do Congresso Internacional ABRALIC (p. 5078-5087). Salvador: ABRALIC. Disponível em: Disponível em: https://abralic.org.br/anais/arquivos/2017_1522245161.pdf (Acessado 22 de abril 2024).
https://abralic.org.br/anais/arquivos/20...
).

Uma das funções da literatura produzida pela comunidade Surda é provocar efeitos de sentido que emocionem a assistência. Essa informação é crucial para os objetivos delineados por este trabalho, uma vez que as consequências das escolhas enunciativas inerentes a essa prática literária possibilitam a descrição do caráter sensível abordado pelo fundo teórico do método utilizado na análise do corpus de aplicação. Detalharemos esses pontos mais minuciosamente na seção subsequente.

3. Proxêmica tensiva enquanto método

O objetivo deste estudo é demonstrar como o processo de identificação dos sujeitos Surdos é discursivizado e textualizado no vídeo-poema V&V de Fernanda Machado. Dentro desse propósito, a abordagem qualitativa se mostra mais apropriada, pois busca compreender os fenômenos em seu contexto natural de análise (Flick, 2009Flick, U. (2009). Desenho da pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed.). Optar por um tipo exploratório de pesquisa permitirá investigar, desenvolver e modificar conceitos ao longo do processo, especialmente considerando a ausência de uma sistematização dos estudos relacionados à estrutura prosódica da Libras (Barbosa, 2023Barbosa, S. M. F. (2023). Análise semiótica do procedimento de textualização em Língua Brasileira de Sinais [Dissertação de mestrado]. Universidade Federal de Goiás. Disponível em: http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/13238.
http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle...
). Além disso, as pesquisas exploratórias possibilitam uma maior familiaridade com o problema e apresentam um planejamento flexível, abordando diversos aspectos relacionados ao foco do estudo (Gil, 2010Gil, A. C. (2010). Como elaborar projetos de pesquisa. 5nd ed. Atlas.).

Além das escolhas metodológicas mencionadas anteriormente, esta seção apresenta como a análise foi conduzida e como está estruturada neste artigo. Também discutimos a seleção do corpus e as contribuições teóricas do trabalho de Edward Twitchell Hall e, especialmente, de Claude Zilberberg para alcançar os objetivos geral e específicos estabelecidos.

A análise do poema foi conduzida desde o nível mais superficial do texto, explorando as figuras concretas do plano de expressão, até chegar ao nível mais abstrato do discurso, abordando as pré-condições da significação do poema selecionado como corpus de aplicação, ou seja, o poema da autora Surda Fernanda Machado, intitulado V&V4 4 Publicado em 2018 em sites de compartilhamento de vídeos na internet. Disponível em https://vimeo.com/325444221. . A escolha desta obra atende aos protocolos definidos como critérios de inclusão, quais sejam: importância dentro da cultura Surda, natureza de texto, gênero textual e perfil enunciativo. A apresentação dos resultados desta análise, bem como a discussão decorrente deles, segue a mesma ordem do percurso analítico neste trabalho.

Dado que o suporte principal deste tipo de manifestação textual é o espaço e a enunciação em Libras, visto que, pelo ponto de vista do plano de expressão, a organização dos seus elementos linguísticos dá-se espacialmente, este trabalho busca avaliar a contribuição da teoria proxêmica desenvolvida pelo antropólogo e pesquisador cultural americano Edward Twitchell Hall.

Hall (1965Hall, E. (1965). The Silent Language. A Premier Book., 1963Hall, E. T. (1963). A System for the Notation of Proxemic Behavior. American Anthropologist, 65(5), 1003-1026. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/668580.
http://www.jstor.org/stable/668580...
, 1986Hall, E. (1986). A dimensão oculta. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio d’água. (Thehidden Dimension, 1960)., 1968Hall, E. T., Birdwhistell, R. L., Bock, B., Bohannan, P., Diebold, A. R., Durbin, M., Edmonson, M. S., Fischer, J. L., Hymes, D., Kimball, S. T., La Barre, W., Frank Lynch, S. J., McClellan, J. E., Marshall, D. S., Milner, G. B., Sarles, H. B., Trager, G. L., & Vayda, A. P. (1968). Proxemics [and Comments and Replies]. Current Anthropology, 9(2/3), 83-108. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2740724.
http://www.jstor.org/stable/2740724...
) conduziu uma série de estudos sobre o comportamento territorial humano, culminando na identificação do conceito do Espaço Pessoal. Este espaço pessoal é subdividido por Hall em quatro áreas distintas. A primeira delas é a Área íntima (0cm a 50cm), considerada a mais crucial, onde apenas indivíduos próximos, como familiares e amigos, têm permissão para acessá-la. Qualquer intrusão não autorizada nessa proximidade gera desconforto. A segunda área é a Zona pessoal (50cm a 1,20m), que representa a distância apropriada para interações conversacionais. A Zona social (1,20m a 3,3m) é a terceira área e separa indivíduos de estranhos em contextos sociais. Por fim, a Área pública (+3,3m) é a distância que usamos ao nos dirigirmos a grupos (Hall, 1965Hall, E. (1965). The Silent Language. A Premier Book., p. 115). Essa categorização de Hall pode ser ilustrada de acordo com a Figura 1, abaixo.

Figura 1
Zonas proximais definidas por Edward Hall

No âmbito da semiótica, Paolo Fabbri (1975Fabbri, P. (1979). Considerações sobre a proxêmica. In A. J. Greimas, & J. Kristeva (Eds.), Práticas e linguagens gestuais (pp. 93-107). Vega., p. 93) indica, com base nos postulados de Hall, que a proxêmica estuda a estruturação significante do espaço humano. De acordo com Fabbri, ela se preocupa com a forma como as pessoas utilizam e percebem o espaço ao seu redor, e como isso influencia as interações sociais. Dessa forma, o gesto proxêmico envolve não apenas a distância física entre as pessoas, mas também a orientação do corpo, o contato visual, entre outros fatores. Esses aspectos são influenciados por fatores culturais e sociais, podendo variar de acordo com as normas e expectativas de cada cultura em relação à proximidade física (Fabbri, 1975Fabbri, P. (1979). Considerações sobre a proxêmica. In A. J. Greimas, & J. Kristeva (Eds.), Práticas e linguagens gestuais (pp. 93-107). Vega., p. 105).

As contribuições de Fabbri para esta produção permite compreender que o enunciador de um determinado texto pode utilizar do sistema fêmico da modalidade de manifestação textual visuoespacial (Fabbri, 1975Fabbri, P. (1979). Considerações sobre a proxêmica. In A. J. Greimas, & J. Kristeva (Eds.), Práticas e linguagens gestuais (pp. 93-107). Vega.), como os textos sinalizados em Libras, para compatibilizar formantes da expressão com categorias do plano de conteúdo. Isso ocorre porque, de acordo com Tatit (2014Tatit, L. (2014). Todos entoam: conversas e lembranças. 2nd ed. Ateliê Editorial., p. 376), a tradição semiótica tem entendido que a figuralidade, no plano da expressão, está relacionada à afetividade no plano do conteúdo. Assim, “as articulações que a gente descobrir no plano da expressão (sejam elas plásticas ou musicais, aí tanto faz a substância da expressão) participarão de uma categoria afetiva no plano do conteúdo” (Tatit, 2014Tatit, L. (2014). Todos entoam: conversas e lembranças. 2nd ed. Ateliê Editorial., p. 376)5 5 Cabe considerar o pensamento de Claude Zilberberg (2011, p. 16), segundo o qual o “acento ocupa no plano da expressão uma posição tal que não se poderia conceber que ele deixasse de desempenhar algum papel no plano do conteúdo”. , em um processo denominamos neste trabalho como proxêmica tensiva.

Em outras palavras, a “Libras estética” observada por Sutter-Spence (2021, p. 24-63) passa a ser compreendida numa dimensão retórica6 6 Nos termos como está postulada no quinto capítulo de “Elementos de Semiótica Tensiva” (Zilberberg, 2011, p. 195-224): uma retórica semiotizada. , na qual se busca o “abarcamento da dimensão estésica do discurso”, a partir de um ethos, o perfil enunciativo de quem diz a mensagem, que procura obter a adesão afetiva de um páthos, “uma imagem que o enunciador faz do que ‘move ou comove’ seu auditório e que estabelece coerções para o discurso” (Fiorin, 2007Fiorin, J. L. (2007). Semiótica e retórica. Gragoatá, 12(23). 9-26. Disponível em: https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33175.
https://periodicos.uff.br/gragoata/artic...
, p. 14). Segundo Fiorin (2007Fiorin, J. L. (2007). Semiótica e retórica. Gragoatá, 12(23). 9-26. Disponível em: https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33175.
https://periodicos.uff.br/gragoata/artic...
) isso corresponde à consideração dos afetos durante o procedimento de análise.

A afetividade, conforme entendida pela semiótica, é um conjunto de funções que podem ser descritas e analisadas. Ela é considerada como a categoria na qual a intensidade, relacionada ao sensível, rege a extensidade, que é da ordem do inteligível. Essas duas dimensões podem ser representadas em um diagrama, com a intensidade ao longo da linha das ordenadas e a extensidade ao longo da linha das abscissas. A correlação complexa entre essas dimensões resulta no espaço tensivo, inspirado pelo campo de presença de Merleau-Ponty (2006Merleau-Ponty, M. (2006). Fenomenologia da percepção. Tradução de Carlos Alberto Ribeiro de Moura. Martins Fontes. (Phénoménologie de la perception, 1945). [1945]), que descreve onde os eventos semióticos são percebidos em relação tensiva, conforme ilustra a Figura 2, abaixo.

Figura 2
Dimensões tensivas

As dimensões da intensidade e da extensidade prevêem ainda respectivas subdimensões. A intensidade une o par de subdimensões andamento e tonicidade, enquanto a extensidade une o par temporalidade e espacialidade. A combinação entre essas quatro subdimensões gera as alternâncias entre correlações inversas e conversas, aplicáveis tanto ao conteúdo quanto à expressão do texto. Desta forma, toda grandeza inserida em um espaço tensivo recebe cifras tensivas que indicam o incremento de valores de mais ou menos impacto (tonicidade e andamento) e abrangência (espacialidade e temporalidade) dentro de um universo específico de sentido.

Com vistas a compreender a estrutura tensiva do conto analisado, é realizado um mapeamento do tipo de valores, se de continuidade, também denominados pela semiótica como emissivos, ou de descontinuidade, também denominados remissivos, que prevalecem em ambos os planos da linguagem. A identificação dessas cifras tensivas possibilita corresponder o conteúdo e a expressão às dimensões da intensidade ou da extensidade que são moduladas no objeto semiótico de acordo com uma certa direção descendente ou ascendente de modo a criar “variações que conduzem seja ao aumento da tensão afetiva, seja ao relaxamento cognitivo” (Fontanille, 2019Fontanille, J. (2019). Semiótica do discurso. 2 nd ed. Tradução de Jean Cristtus Portela. Contexto. (Semiotique dus Discours, 1998)., p. 110). Reconhecidas como uma gradação de fases (ou, vetores cursivos), tal dinâmica tensiva pode ser ilustrada e acordo com a Figura 3, a seguir.

Figura 3
Ascendência e descendência

Assim, as práticas que determinam a especificidade de uma das identidades Surdas, muitas vezes figurativizadas por sujeitos constituintes de uma comunidade, podem ser compreendidas como “devires”, conforme propõe Bachelard (2008Bachelard, G. (2008). A poética do espaço. 2nd ed. Tradução de Antônio da Costa Leal e Lídia do Valle Santos Leal. Martins Fontes. (La poétique de l’espace, 1957)., p. 89), ao destacar que as qualidades são mais processos em contínua transformação do que estados fixos. Essa perspectiva enfatiza a fluidez e a dinamicidade das identidades Surdas, demonstrando que tais identidades são construídas e reconstruídas ao longo do tempo.

Nas palavras de Greimas (2002Greimas, A. J. (2002). Da Imperfeição. Tradução de Ana Cláudia de Oliveira. Hacker Editores. (De l’Imperfection, 1987)., p. 84) “uma tal ‘personalização’, evocada muitas vezes [pela literatura Surda enquanto] figura de um ator discursivo, é, portanto, eminentemente intersubjetiva (ela pressupõe a convocação de dois simulacros e sua comparação feita com a ajuda de dois códigos diferentes)” e, complementamos, é muito mais patêmica do que cognitiva. Procuraremos demonstrar tais considerações teóricas, a partir da análise da proxêmica tensiva do processo de identificação do sujeito Surdo em V&V, a seguir.

4. Proxêmica tensiva do processo de identificação do sujeito Surdo em V&V

Nesta seção, apresentaremos a análise do plano de conteúdo e do plano de expressão do poema V&V. A análise desses planos é fundamental para compreendermos como a distribuição espacial das personagens são elementos importantes para reafirmar a tensão no plano de conteúdo do poema. Dessa forma, a análise das compatibilidades interplanares permite-nos compreender melhor como o poema V&V constrói e reconstrói as identidades Surdas na correlação entre tonicidade, aceleração, espacialidade e duração.

Análise do plano de conteúdo

O tema apresentado em V&V é o do relacionamento humano. Trata-se do encontro entre duas personagens Surdas que, inicialmente, estabelecem uma relação amistosa. No entanto, com o passar do tempo, surgem problemas de relacionamento cada vez mais intensos e frequentes. A Figura 4, abaixo, ilustra esse percurso de interação das personagens. A questão entre elas só será resolvida ao final do poema, quando ambas se olham mutuamente e interagem entre si de maneira mais próxima.

Figura 4
Percurso de interação entre personagens de V&V

Classificadores utilizados no poema para narrar respectivamente a) o encontro de duas pessoas, b) o mútuo reconhecimento e, por fim, c) a inversão de personalidade delas.


No poema, uma debreagem enunciva é desenvolvida de modo a descrever um ele, lá e então não revestidos por figuratividade. Logo, a tematicidade é priorizada, o que nos leva a cena composta por dois atores em um tempo e lugar não figurativizados, a priori. Esta construção discursiva corrobora para uma leitura que trata de como ocorre, em condições extremas, o embate entre os homens, tema comum desde as mais antigas narrativas históricas de que se tem notícia (Sutton-Spence, 2021Sutton-Spence, R. (2021). Literatura em Libras [livro eletrônico]. Tradução de Gustavo Gusmão. Editora Arara Azul. (Texto original em Língua Americana de Sinais - ASL, 2021).).

Como indicado pela seção anterior, a temática da peleja ou batalha poéticas representam um subgênero de narrativas em Libras, nas quais um tipo de dueto tem o objetivo de criar a imagem de uma ideia que progressivamente se torna cada vez maior do que a anterior. O poema V&V é um exemplo desse tipo de narrativa. Em sentido estrito, pode-se considerar que a luta entre as personagens no poema figurativiza uma peleja entre as mãos, que gradualmente cria uma imagem mais intensa, culminando eventualmente em um clímax dramático, simbolizado pelo momento em que as mãos “caem” (Sutton-Spence, 2021Sutton-Spence, R. (2021). Literatura em Libras [livro eletrônico]. Tradução de Gustavo Gusmão. Editora Arara Azul. (Texto original em Língua Americana de Sinais - ASL, 2021).). Contudo, para além disso, o embate entre as mãos no poema configura-se como figura discursiva que remete ao percurso temático do conflito individual de cada pessoa Surda que, diante das várias identidades Surdas observadas por Perlin (2004Perlin, G. T. T. (2004). O lugar da cultura surda. In A. S. Thomas, & M. C. Lopes (Eds.), A invenção da surdez: cultura, alteridade, identidade e diferença no campo da educação (pp. 60-92). EDUNISCISC., conforme visto na segunda seção, acima), ainda precisa garantir a preservação das idiossincrasias que a definem como sujeito ontológico.

Essa perspectiva sustenta a importância da gradação na formação e reconfiguração das identidades individuais, especialmente em contextos de ruptura e transformação, e é fundamental para a compreensão e aceitação da identidade de cada um dos sujeitos, permitindo uma transição, pelo menos em tese, suave e contínua nas fases de sua jornada da vida de cada uma das personagens, o que, como veremos a seguir, não ocorre bem assim.

O nível narrativo do poema vem informar que a assimilação das diferenças pelas pessoas Surdas nem sempre ocorre “da melhor maneira, no melhor dos mundos possíveis” (Zilberberg, 2011Zilberberg, C. (2011). Elementos de semiótica tensiva. Tradução de Ivan Carlos Lopes, Luiz Tatit, & Waldir Beividas. Ateliê Editorial. (Elements de grammaire tensive, 2006)., p. 172). Apesar de terem a surdez em comum, os percursos de ambos os atuantes são diametralmente inversos, e, na relação reflexiva de junção que os une, a conjunção é negada durante boa parte do poema.

Figura 5
Aparência e imanência na identificação das personagens em V&V

Sinais utilizados no poema para narrar respectivamente a) a aparente identificação pela surdez (o sinal SURDO é o único item lexical utilizado no poema, os demais sinais são todos classificadores), b) a percepção da não-identidade e c) o estranhamento dado pela diferença.


Assim, no primeiro momento, um sujeito (S1) acaba por manipular seu contrário (S2) por tentação, ao indicar a possibilidade de entrar em conjunção com o objeto amizade. Logo existe um querer-fazer instaurado concomitantemente entre os dois atuantes e um contrato veridictório é firmado para fazer com que ambos os sujeitos ajam em prol da amizade esperada. Podemos descrever o seguinte esquema narrativo:

Figura 6
Esquema narrativo do poema V&V

Não percamos de vista que, conforme discutido na seção anterior, o que está em jogo aqui não é propriamente a amizade entre ambos os sujeitos, mas sim a afirmação ou desestabilização da própria identidade mediante a relação intersubjetiva. Por isso, os papéis actanciais de destinador julgador, destinador-manipulador, e enunciatário e sujeito do fazer, além do objeto-valor recíproco, alternam-se entre os atuantes à medida em que o turno das ações se inverte.

Ocorre, porém, que os atuantes-sujeitos não podem ou não sabem como se dar bem. Suas personalidades são opostas, apesar de serem ambos Surdos, conforme ilustra a Figura 5, acima. A falta dessa competência instaura a quebra da espera fiduciária. O tumulto modal daí decorrente gera uma sequência de sanções negativas recíprocas que descrevem um estado de coisas que prevalece a maior parte do tempo durante a performance.

Esta questão remonta à discussão sobre o contrato veridictório estabelecido entre as personagens, ou seja, ao modo como cada sujeito julga o que é verdadeiro, falso, secreto ou mentiroso no sujeito contrário, confirmando ou negando as aparências (Soares & Mancini, 2023Soares, V. L., & Mancini, R. (2023). Uma leitura tensiva das modalidades veridictórias. Estudos Semióticos, 19(1), 15-29. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.1980-4016.esse.2023.206156.
https://doi.org/10.11606/issn.1980-4016....
). Caso sigamos a proposta de Soares e Mancini (2023Soares, V. L., & Mancini, R. (2023). Uma leitura tensiva das modalidades veridictórias. Estudos Semióticos, 19(1), 15-29. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.1980-4016.esse.2023.206156.
https://doi.org/10.11606/issn.1980-4016....
) e consideremos a categoria aparência vs. essência em termos de uma gradação, poderemos direcionar esta discussão a partir do seguinte esquema apresentado pela Figura 7, a seguir.

Figura 7
Graus de veridicção

Logo, ambos os sujeitos operam um julgamento epistêmico do que seu contrário aparenta ser em relação ao que ele é de fato. Esse julgamento se baseia, sobretudo, nas ações realizadas por cada sujeito, e, portanto, o julgamento mútuo entre eles baseia-se em torno de um não-dever-fazer e um dever-não-fazer. Ao cabo, um sujeito opera o crivo moral das ações de seu correlato baseando-se no sistema deontológico que lhe é próprio, e aplica-lhe a sanção cognitiva, em primeiro momento, mas também a sanção pragmática a seguir, em retaliação à ação de seu correlato, de modo a compensar a falta fiduciária e garantir a justiça segundo um universo axiológico particular (Bertrand, 2003Bertrand, D. (2003). Caminhos da semiótica literária. EDUSC. (Précis de sémiotique littéraire, 1999)., p. 360-372).

Assim, os efeitos passionais que fundamentam tais atividades somáticas devem ser analisados; ou seja, ao analisar as modalizações do fazer, é preciso considerar as transformações que persistem e modulam o ser dos sujeitos por meio do jogo entre os valores por eles temidos ou desejáveis. É possível inferir que a ação das duas personagens de V&V manifesta o dispositivo passional da cólera, que se desdobra na paixão da vingança, estados de alma descritos no poema. Uma justificativa teórica pertinente para esse fenômeno é o esquema passional proposto por Fontanille (2005Fontanille, J. (2005). Colère. In E. R. Ditche, J. Fontanille, & P. Lombardo (Eds.), Dictionnaire des passions littéraires (pp. 40). Belin., p. 61-79):

Confiança → Espera → Frustração → Descontentamento → Agressividade → Explosão

Note-se que ambos os sujeitos, em estado passional de crença mediante o contrato fiduciário, estavam envolvidos em uma relação patêmica de dever-ser, com a confiança de que seriam amigos. Assim, a espera, segundo momento do esquema, se desdobra na projeção temporal da performance narrativa que fala da relação entre os atuantes. A junção eufórica não dura muito tempo, pois, à medida que a amizade entre eles tem como objeto modal o próprio sujeito correlato e, por conseguinte, o modo de vida a ele inerente, rapidamente ambos se veem divergindo a respeito dos dois sistemas de valores distintos assumidos por cada um, o que rompe o contrato de confiança imaginário estabelecido entre eles.

Eis a frustração, fase seguinte, que traz consigo a privação da amizade esperada e a decepção pelo não cumprimento da expectativa de identificação, levando à “inadequação entre o si projetado e o eu atual” (Fontanille, 2005Fontanille, J. (2005). Colère. In E. R. Ditche, J. Fontanille, & P. Lombardo (Eds.), Dictionnaire des passions littéraires (pp. 40). Belin., p. 65), ou seja, ao descontentamento. Em estado deceptivo, ao comparar o estado inicial (de espera) e o final (atualizado), cada sujeito, por sua vez, nota a discrepância entre o direito e o fato, regidos pela lógica concessiva: embora esperassem a identidade conciliativa, ambos se deparam com a alteridade divergente.

A consequência será uma série de programas de retaliação recíproca nos quais a agressividade é figurativizada pelos sucessivos castigos infligidos de um sujeito para com o outro, de modo que, sentindo-se lesado, o sujeito (S1) busca compensação ao punir seu antagonista (S2) com sofrimento proporcional. Assim, cada sujeito assume, a seu tempo, o papel de antissujeito no campo de presença de seu correlato em uma sequência sintagmática de programas de reequilíbrio dos sofrimentos (Greimas, 1983Greimas, A. J. (1983). Du Sens II - Essais sémiotiques. Êditions du Seuil., p. 241), ou seja, de vinganças que se graduam à medida que desenvolvem “a afirmação de si e a destruição do outro” (Greimas, 1983Greimas, A. J. (1983). Du Sens II - Essais sémiotiques. Êditions du Seuil., p. 243-244) e comutam com a saturação da agressividade, sequência que pode ser observada na Figura 8, a seguir.

Figura 8
Retaliações gradativas entre personagens de V&V

Classificadores utilizados no poema para narrar respectivamente a) os programas de retaliação que b) graduam-se cada vez mais até que haja c) a saturação da agressividade.


É importante salientar como o estado passional de vingança enfatiza “a estrutura temporal e tensiva da cólera” (Fontanille, 2005Fontanille, J. (2005). Colère. In E. R. Ditche, J. Fontanille, & P. Lombardo (Eds.), Dictionnaire des passions littéraires (pp. 40). Belin., p. 74), revelando a acentuação tônica no poema. É por meio dessa perspectiva tensiva apresentada por Fontanille que podemos compreender como essa paixão apresenta a violência de modo autorregulado, visto que a quantidade e a duração de seus efeitos são limitadas pelo modo como a enunciação é realizada.

Quando os limites quantitativos e temporais das vinganças recíprocas realizadas pelos atuantes são alcançados e, portanto, a equivalência entre o erro sofrido e o dano causado é reconhecida (Fontanille, 2005Fontanille, J. (2005). Colère. In E. R. Ditche, J. Fontanille, & P. Lombardo (Eds.), Dictionnaire des passions littéraires (pp. 40). Belin., p. 72), ocorre no poema o contraprograma de frenagem responsável por restaurar a amizade entre os atuantes, figurativizado pela queda concomitante das personagens, pouco antes do desenlace da história, conforme ilustrado pela Figura 8c, anterior.

Isso ressalta a importância da identidade como o valor central que permeia o objeto amizade e fundamenta o primeiro contrato veridictório, desde a oposição categorial mais abstrata, no nível fundamental. Quando essa identidade não é reconhecida pelos sujeitos, o rompimento contratual se torna iminente, desencadeando a sequência de programas narrativos de compensação do desequilíbrio modal. No desfecho do poema, um novo contrato veridictório é estabelecido, agora com o objetivo de aceitar as diferenças e, portanto, o que pode ser assimilado entre os dois atuantes.

Figura 9
Conciliação entre as personagens mediante aceitação de suas similaridades convergentes

Logo, podemos assumir como categoria fundamental deste poema a oposição entre identidade vs. diferença que se instaura entre os sujeitos. Assim, na negação da identidade que mais tarde se converterá nas características individuais de cada sujeito resulta na alteridade como termo contraditório, cujo par assumimos ser a similaridade.

Por sua vez, o recobrimento fórico da semântica fundamental será realizado a partir da dêixis da conciliação, que terá como seus termos os elementos do quadrante disforizado no poema, a saber o quadrante da identidade e da igualdade. Enquanto isso, a divergência é destacada pela deixis cujos termos correspondem a alteridade e a diferença, predominantes no discurso, e que podem ser considerados os termos eufóricos do poema. Com base nisso, podemos elaborar o seguinte quadrado semiótico, conforme ilustrado na Figura 10 a seguir.

Figura 10
Quadrado semiótico de V&V

O quadrado semiótico, acima, permite discernir um campo transitivo do processo de identificação que se desloca da identidade (próprio) para a diferença (outro). Assim, pelas semelhanças, os sujeitos se unem em uma única identidade que engloba todos os Surdos pertencentes a uma comunidade. No entanto, é na propriocepção de cada indivíduo que surge a base para a controvérsia, como vimos, no nível narrativo (Fontanille, 2017Fontanille, J. (2017). Corpo e sentido. Tradução de Fernanda Massi & Adail Sobral.: EDUEL. (Corps et sens, 2011)., p. 82).

Assim, o poema parte da negação da identidade para instaurar o desajuste entre os atuantes que vai tomar boa parte da performance narrada por programas narrativos de compensação da falta. Destaca-se a ênfase nos valores remissivos presentes neste poema. A tensão subjacente que sustenta o desequilíbrio emocional no nível narrativo é estabelecida desde o nível mais abstrato do texto.

A negação do estado de identidade instaura a desigualdade criadora da tensão e, assim, a narrativa apresenta uma divergência que aumenta com o decorrer do tempo e da limitação do espaço entre os atuantes em “um perfil ascendente e progressivo” (Fontanille, 2005Fontanille, J. (2005). Colère. In E. R. Ditche, J. Fontanille, & P. Lombardo (Eds.), Dictionnaire des passions littéraires (pp. 40). Belin., p. 74). Podemos assumir, portanto, que o estado passional da divergência predica o recrudescimento de intensidade e andamentos tônicos, criando uma imagem cada vez mais intensa, até o ponto máximo da saturação, numa direção que descreve o próprio processo de identificação do sujeito Surdo, que pode, por sua vez, ser compreendido de acordo com as noções de aderência e inerência postuladas por Zilberberg (2011Zilberberg, C. (2011). Elementos de semiótica tensiva. Tradução de Ivan Carlos Lopes, Luiz Tatit, & Waldir Beividas. Ateliê Editorial. (Elements de grammaire tensive, 2006)., p. 156).

[ver → tocar] → [tocar → ser tocado] → [ser tocado → ser penetrado]

Assim, as personagens primeiro se veem, depois se tocam. O desequilíbrio passional decorrente desse processo permite que elas se sintam tocadas e, ao cabo, penetradas pela identificação, com a perturbadora diferença inerente a natureza de cada identidade. Por sua vez, é a suspensão destas demarcações instauradores das diferenças que permitem a conciliação entre as personagens. Logo, podemos interpretar a dêixis da divergência como equivalente à intolerância, enquanto a dêixis da conciliação é correlata à aceitação das diferenças, e, portanto, à tolerância.

Análise do plano de expressão

A manifestação deste poema oferece a possibilidade de análise de vários pontos de interesse, como por exemplo, os formantes eidéticos. Conforme destacado anteriormente (Barbosa & Milani, 2024; Barbosa, 2024), esses elementos são responsáveis por instaurar um mecanismo de repetição-desaceleração do andamento do conteúdo, criando uma certa rotina no interior do poema que faz com que o enunciador poupe o enunciatário visado de mudanças nos elementos da expressão, por meio do maior tempo de convívio com um mesmo elemento fonológico, no caso as configurações de mão em “V”, sempre simétricas.

No entanto, neste trabalho, importa-nos apreciar os elementos da expressão que afirmam a tensão no plano de conteúdo, de modo a evidenciar como o enunciador do poema V&V confere a distribuição espacial (leia-se, topológica) o papel de compatibilizar os acentos de intensidade na mesma ordem daqueles apresentados pelo conteúdo, ou seja, com tonicidade tônica e andamento acelerado, reafirmando-os. Portanto, interessa-nos compreender como a distribuição topológica do plano de expressão compatibiliza-se com categorias do plano de conteúdo.

Apesar da simetria espacial, que do ponto de vista do eixo vertical apresenta-se sempre diametralmente inversa (Figura 5b, acima), ser um bom exemplo da compatibilização da expressão com a diferença dos sistemas axiológicos das personagens predicada desde o nível fundamental do percurso gerativo do conteúdo, optamos por concentrar nossa análise na distribuição espacial ao longo do eixo horizontal.

Isso se deve ao fato de que a distribuição das personagens ao longo do eixo horizontal revela uma transferência direta da tensão presente no conteúdo para a expressão, proporcionalmente ao grau de proximidade das personagens. Assim, o maior distanciamento corresponde à atenuação da tensão do mesmo modo que, inversamente, a maior proximidade diz respeito a seu restabelecimento, conforme ilustra a Figura 11, a seguir.

Figura 11
Correspondência entre aproximação das personagens (PE) e ascendência da tensão (PC)

Nada impede, então, que esse procedimento seja interpretado à luz das categorias apresentadas pela teoria proxêmica de Edward Hall (1977). Retomando a teoria de Hall, podemos inferir que, inicialmente, o enunciador posiciona as personagens no espaço em um nível de proximidade pública. Como discutido anteriormente, esse momento do conteúdo do poema reflete uma distensão que surge da minimização da tensão, predicada da relação amistosa entre as personagens, como ilustrado na Figura 12 abaixo.

Figura 12
Minimização na proximidade pública das personagens

Classificadores realizados entre os segundos 00:00 e 00:10 que indicam a) indiferença b) pouco estranhamento e c) tranquilidade entre as personagens alocados em zona pública.


No entanto, à medida que o conteúdo da narrativa avança, há uma aproximação espacial gradual entre as personagens, na manifestação do texto, especialmente quando elas se reconhecem mutuamente como pessoas Surdas. Nesse ponto, o enunciador do poema posiciona as personagens mais próximas umas das outras, embora ainda mantendo uma certa distância, situando-se assim numa zona de proximidade social. É nesse estágio que surgem os primeiros desentendimentos, principalmente devido à quebra da expectativa de identificação e às diferenças nos seus universos axiológicos, que são figurativamente representados na expressão do poema por meio de configurações de mão simetricamente inversas. A Figura 13 a seguir oferece uma representação mais detalhada deste momento do poema.

Figura 13
Restabelecimento da tensão na proximidade social das personagens

Classificadores realizados entre os segundos 00:10 e 00:26 que narram a não-identificação gradativa entre as personagens alocados em zona social.


Na zona pessoal, as características distintivas de cada personagem tornam-se mais acentaudas, e a etapa de restabelecimento da tensão ascendente pode ser compreendida em duas fases: uma de amplificação e outra de saturação dessa tensão. Entre os segundos 00:26 e 00:52 do poema, a progressiva aproximação das personagens em direção à zona pessoal é enunciada pela intérprete através da incorporação das personagens.

Este é o momento do julgamento epistêmico do contrato de veridicção, comentado anteriormente, cuja correspondência expressão é dada na distribuição topológica pela categoria acima vs. Abaixo. Isso destaca o desequilíbrio na identificação entre as personagens e marca o início da fase de amplificação da tensão no conteúdo, conforme ilustrado na Figura 14 abaixo.

Figura 14
Amplificação da tensão na proximidade pessoal das personagens

Classificadores realizados entre os segundos 00:26 e 00:52 que ampliam a tensão entre as personagens alocados em zona pessoal.


Os programas narrativos de retaliação, discutidos anteriormente, que implicam um julgamento pragmático, ou seja, uma punição intolerante, são figurativizados, por exemplo, pelo modo de andar e pelos hábitos particulares de cada uma das personagens. O ponto a ser destacado é que, nesse ponto da narrativa, cada personagem já está invadindo a zona íntima da outra. Essa invasão mútua da zona de intimidade pelas personagens corresponde a uma proximidade cada vez maior na expressão, o que, no conteúdo, se alinha com as vias de fato, ação concretizada no nível discursivo pela predicação prevista pelo nível figural mais abstrato. Isso resulta em uma intensificação progressiva da tensão, refletida na tonalidade cada vez mais pronunciada e no ritmo cada vez mais acelerado, característicos da saturação da tensão.

Figura 15
Saturação da tensão na proximidade íntima das personagens

Classificadores realizados entre os segundos 00:53 e 01:43 que narram a saturação a tensão entre as personagens alocados em zona íntima.


Deste modo, é possível que descrevamos a compatibilização da gradação da tensão, no conteúdo, com os graus de disposição proximal das personagens, na expressão do poema, de acordo com o Quadro 1, abaixo. A textualização do discurso estabelece, desse modo, um núcleo de tensividade centripetal, isto é, a um aumento de tensão que se estabelece gradativamente, ao passo que as personagens são dispostas cada vez mais próximas uma da outra, em direção a um centro de exacerbação da desavença (Tatit, 2014Tatit, L. (2014). Todos entoam: conversas e lembranças. 2nd ed. Ateliê Editorial., p. 243), processo que definimos como proxêmica tensiva.

Quadro 1
Proxêmica tensiva em V&V: Percurso de ascensão da tensão

Em Hjelmslev (2010Hjelmslev, L. (2010). Résumé d’une théorie du langage. [Versão eletrônica]. Disponível em: http://resume.univ-rennes1.fr/.
http://resume.univ-rennes1.fr/...
), isso equivaleria a uma força intensa, ou seja, aquela que concentra os valores expressos por cada uma das partes (Hjelmslev, 2010Hjelmslev, L. (2010). Résumé d’une théorie du langage. [Versão eletrônica]. Disponível em: http://resume.univ-rennes1.fr/.
http://resume.univ-rennes1.fr/...
, Def. 249 e 250). De fato, como explica Fontanille (2019Fontanille, J. (2019). Semiótica do discurso. 2 nd ed. Tradução de Jean Cristtus Portela. Contexto. (Semiotique dus Discours, 1998)., p. 105), a simples presença de cada personagem diante da outra já determina uma orientação que “sobredetermina a estrutura da informação sensorial, resultando sempre em um certo movimento, uma intensidade que afeta o corpo sensível (e, portanto, centrípeta)”. A tensão resultante dessa direção estabelecida só se dissipa com o advento da saturação íntima.

Para a além de apenas um exercício teórico, discretizar estas homologações entre o plano de conteúdo e o plano de expressão do poema permite problematizar o processo de identificação do sujeito Surdo. Ao passo que cada personagem tem seu próprio modo de vida antes do encontro, é razoável supor que cada uma delas assumia uma identidade distinta. No entanto, a manutenção dessa identidade particular é perturbada quando confrontada com a alteridade, pois não é mais viável manter a direção anterior devido à tensão centrípeta gerada pelas diferenças entre elas.

Assumir esses fatos implica também considerar o que poderia ser chamado de distensão centrífuga. Ao aceitar as diferenças na similaridade, a direção ascendente da tensão, dentro dessa lógica participativa, solicitaria um inevitável afastamento entre as personagens. Isso é claramente evidenciado na sequência entre 01:38 e 01:54 do poema, conforme apresentado no Quadro 2 abaixo, no qual podemos observar as etapas de atenuação e minimização da tensão, até sua completa extinção.

Quadro 2
Proxêmica tensiva em V&V: Percurso de descendência da tensão

Deste modo, a identidade de um sujeito assemelha-se mais a um intervalo de encadeamento contínuo de realidades possíveis do que a uma posição demarcada (Zilberberg, 2011Zilberberg, C. (2011). Elementos de semiótica tensiva. Tradução de Ivan Carlos Lopes, Luiz Tatit, & Waldir Beividas. Ateliê Editorial. (Elements de grammaire tensive, 2006).). A identificação predica uma fase de conformidade com as diferenças existentes entre os sujeitos em interação, da qual resulta uma nova identidade sui generis. Conforme nos lembra Zilberberg das palavras de Saussure, “diferença é ‘um termo incômodo porque admite graus’; em suma, devemos supor a existência de diferentes diferenças (Zilberberg, 2011Zilberberg, C. (2011). Elementos de semiótica tensiva. Tradução de Ivan Carlos Lopes, Luiz Tatit, & Waldir Beividas. Ateliê Editorial. (Elements de grammaire tensive, 2006)., p. 276).

Isso incorre na necessária assimilação destas diferentes diferenças que surpreendem os sujeitos continuamente, o que, na contramão do que postula Perlin (2004Perlin, G. T. T. (2004). O lugar da cultura surda. In A. S. Thomas, & M. C. Lopes (Eds.), A invenção da surdez: cultura, alteridade, identidade e diferença no campo da educação (pp. 60-92). EDUNISCISC.), força-nos a admitir que, ao invés de identidades bem delimitadas que definem um conjunto de indivíduos participantes desta ou daquela comunidade Surda, o processo de identificação implica diferes modos de aderir ou inerir certa identidade que, por sua vez, está em constante devir, não sendo tais modos de aderência identificados igualmente pelos sujeitos Surdos.

Em resumo, isso implica que o sujeito constantemente buscará uma nova identidade à medida que suas práticas não correspondam mais à existência semiótica que ele deseja. Assim, a busca por uma identidade torna-a um valor descritivo em detrimento das outras identidades, as quais estão inscritas, como mencionamos, no objeto modal figurativizado por cada sujeito em relação aos seus pares (Portela, 2022Portela, J. (2022, 13 de maio). Léxico para uma semiótica das identidades: identificação, identidade, identitário [Vídeo]. Seminário de Semiótica da Unesp. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/live/lLlA_P-igVk?feature=share.
https://www.youtube.com/live/lLlA_P-igVk...
).

5. Considerações finais

A questão geral em torno da qual gira a problemática do poema V&V está em obter o máximo possível de integração (Tatit, 2014Tatit, L. (2014). Todos entoam: conversas e lembranças. 2nd ed. Ateliê Editorial., p. 176-269). Esse propósito, conforme vimos, é alcançado, no conteúdo, pela plenitude da tensão inerente a luta, e, na expressão, pelo grau de disposição dos atuantes da narrativa em proximidade íntima. No entanto, a plenitude da integração da identificação de ambos os sujeitos está na semiose que mobiliza categorias tanto da expressão quanto do conteúdo em um processo semissimbólico de ordem tensiva. Daí surge a denominação deste processo elaborada por nós como proxêmica tensiva.

Na expressão tem-se a continuidade figurativizada pela igualdade das configurações de mão e pela simetria da aproximação em direção centrípeta. No conteúdo, por sua vez, tem-se a não-igualdade, parada da continuação que instaura a desigualdade criadora, que é estágio necessário antes de se alcançar a identidade visada, parada da descontinuação. Logo, a desigualdade criadora de tensão do texto baseia-se, primeiro, na homologação da igualdade no plano de expressão, que era aquilo que era esperado. A seguir, essa espera é rompida por um apesar, por um embora (embora fossem iguais [na aparência], não eram idênticos [na imanência]), o que corresponde à concessão, que suspende a ordem implicativa do texto.

Esta disposição de femas e semas em uma relação semissimbólica possibilita a criação e afirmação da parada da continuação na vivência de cada personagem narrado, suficiente para a instauração de uma nova forma de vida. Este estado de coisas reverbera-se na própria vivência dos sujeitos Surdos que, frente as interações cotidianas, precisam aderir e inerir diferentes modos de vidas à sua própria identidade, reconfigurando, deste modo, suas existências semióticas continua e mutuamente.

Tal reflexão sobre a fluidez da identidade Surda traz à tona a compreensão de que o processo de identificação do sujeito Surdo não é estático, mas um contínuo posicionamento em diferentes identidades ao longo do tempo. Essas identidades Surdas são moldadas pela experiência de convivência na diferença e são expressas por meio de narrativas e práticas culturais específicas. Desse modo, a abordagem semiótica enriquece a análise, revelando as múltiplas camadas de significados e sentidos compartilhados dentro da cosmovisão da comunidade Surda.

Essa investigação pode servir como ponto de partida para futuros estudos, que devem aprofundar as intersecções entre linguagem, cultura e identidade Surda, na esteira do pensamento de que há necessidade de pesquisas que adotem uma abordagem mais holística, inclusiva e gradual, buscando compreender as diversidades linguísticas e culturais presentes na sociedade, bem como as particularidades dentro da própria comunidade Surda.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Programa de Excelência (PROEX), processo 88887.819637/2023-00.

Referências

  • Abrahão, B. F. (2023). Literatura surda em performance: considerações sobre a arte visual vernacular (VV). In Congresso Internacional ABRALIC, 18., Salvador. Anais do Congresso Internacional ABRALIC (p. 5078-5087). Salvador: ABRALIC. Disponível em: Disponível em: https://abralic.org.br/anais/arquivos/2017_1522245161.pdf (Acessado 22 de abril 2024).
    » https://abralic.org.br/anais/arquivos/2017_1522245161.pdf
  • Bachelard, G. (2008). A poética do espaço. 2nd ed. Tradução de Antônio da Costa Leal e Lídia do Valle Santos Leal. Martins Fontes. (La poétique de l’espace, 1957).
  • Bertrand, D. (2003). Caminhos da semiótica literária. EDUSC. (Précis de sémiotique littéraire, 1999).
  • Barbosa, S. M. F. (2023). Análise semiótica do procedimento de textualização em Língua Brasileira de Sinais [Dissertação de mestrado]. Universidade Federal de Goiás. Disponível em: http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/13238
    » http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/13238
  • Carvalho, V. F., & Campello, A. R. S. (2022). A existência de quatorze (14) identidades surdas. Revista Humanidades e Inovação, 9(14). 139-152. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/2792
    » https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/2792
  • Dall’asen, T., & Pieczkowski, T. M. Z. (2022). Surdez, identidade e diferença. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, 17(2), 1129-1147. https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14593
    » https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14593
  • Fabbri, P. (1979). Considerações sobre a proxêmica. In A. J. Greimas, & J. Kristeva (Eds.), Práticas e linguagens gestuais (pp. 93-107). Vega.
  • Fiorin, J. L. (2007). Semiótica e retórica. Gragoatá, 12(23). 9-26. Disponível em: https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33175
    » https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33175
  • Flick, U. (2009). Desenho da pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed.
  • Florêncio Barbosa, S. M. (2024). Semiótica da Libras: procedimentos de textualização (v. 1). Editora Viseu.
  • Florêncio Barbosa, S. M., & Milani, S. (2024). Considerações sobre forma e ritmo na poesia em Língua de Sinais Brasileira. (no prelo).
  • Fontanille, J. (2005). Colère. In E. R. Ditche, J. Fontanille, & P. Lombardo (Eds.), Dictionnaire des passions littéraires (pp. 40). Belin.
  • Fontanille, J. (2017). Corpo e sentido. Tradução de Fernanda Massi & Adail Sobral.: EDUEL. (Corps et sens, 2011).
  • Fontanille, J. (2019). Semiótica do discurso. 2 nd ed. Tradução de Jean Cristtus Portela. Contexto. (Semiotique dus Discours, 1998).
  • Gil, A. C. (2010). Como elaborar projetos de pesquisa. 5nd ed. Atlas.
  • Greimas, A. J. (1973). Semântica Estrutural - Pesquisa do Método. (H. Osakape et al., Trad.). (2ª ed.). Cultrix. (Sémantique Structurale, recherche de méthode, 1966).
  • Greimas, A. J. (1983). Du Sens II - Essais sémiotiques. Êditions du Seuil.
  • Greimas, A. J. (2002). Da Imperfeição. Tradução de Ana Cláudia de Oliveira. Hacker Editores. (De l’Imperfection, 1987).
  • Hall, E. (1965). The Silent Language. A Premier Book.
  • Hall, E. (1986). A dimensão oculta. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio d’água. (Thehidden Dimension, 1960).
  • Hall, E. T. (1963). A System for the Notation of Proxemic Behavior. American Anthropologist, 65(5), 1003-1026. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/668580
    » http://www.jstor.org/stable/668580
  • Hall, E. T., Birdwhistell, R. L., Bock, B., Bohannan, P., Diebold, A. R., Durbin, M., Edmonson, M. S., Fischer, J. L., Hymes, D., Kimball, S. T., La Barre, W., Frank Lynch, S. J., McClellan, J. E., Marshall, D. S., Milner, G. B., Sarles, H. B., Trager, G. L., & Vayda, A. P. (1968). Proxemics [and Comments and Replies]. Current Anthropology, 9(2/3), 83-108. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2740724
    » http://www.jstor.org/stable/2740724
  • Hjelmslev, L. (2010). Résumé d’une théorie du langage. [Versão eletrônica]. Disponível em: http://resume.univ-rennes1.fr/
    » http://resume.univ-rennes1.fr/
  • Merleau-Ponty, M. (2006). Fenomenologia da percepção. Tradução de Carlos Alberto Ribeiro de Moura. Martins Fontes. (Phénoménologie de la perception, 1945).
  • Perlin, G. T. T. (2004). O lugar da cultura surda. In A. S. Thomas, & M. C. Lopes (Eds.), A invenção da surdez: cultura, alteridade, identidade e diferença no campo da educação (pp. 60-92). EDUNISCISC.
  • Perlin, G. T. T., & Miranda, W. (2003). Surdos: o narrar e a política. Ponto de Vista: revista de educação e processos inclusivos, 5(3), 217-226. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/pontodevista/article/view/1282
    » https://periodicos.ufsc.br/index.php/pontodevista/article/view/1282
  • Portela, J. (2022, 13 de maio). Léxico para uma semiótica das identidades: identificação, identidade, identitário [Vídeo]. Seminário de Semiótica da Unesp. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/live/lLlA_P-igVk?feature=share
    » https://www.youtube.com/live/lLlA_P-igVk?feature=share
  • Soares, V. L., & Mancini, R. (2023). Uma leitura tensiva das modalidades veridictórias. Estudos Semióticos, 19(1), 15-29. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.1980-4016.esse.2023.206156
    » https://doi.org/10.11606/issn.1980-4016.esse.2023.206156
  • Sutton-Spence, R. (2021). Literatura em Libras [livro eletrônico]. Tradução de Gustavo Gusmão. Editora Arara Azul. (Texto original em Língua Americana de Sinais - ASL, 2021).
  • Tatit, L. (2014). Todos entoam: conversas e lembranças. 2nd ed. Ateliê Editorial.
  • Tatit, L. (2019). Passos da semiótica tensiva. Ateliê Editorial.
  • Zilberberg, C. (2011). Elementos de semiótica tensiva. Tradução de Ivan Carlos Lopes, Luiz Tatit, & Waldir Beividas. Ateliê Editorial. (Elements de grammaire tensive, 2006).
  • 3
    Estudos posteriores, como os de Perlin (2004Perlin, G. T. T. (2004). O lugar da cultura surda. In A. S. Thomas, & M. C. Lopes (Eds.), A invenção da surdez: cultura, alteridade, identidade e diferença no campo da educação (pp. 60-92). EDUNISCISC.) e Carvalho e Campello (2022Carvalho, V. F., & Campello, A. R. S. (2022). A existência de quatorze (14) identidades surdas. Revista Humanidades e Inovação, 9(14). 139-152. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/2792.
    https://revista.unitins.br/index.php/hum...
    ), postulam a existência de oito ou até quatorze diferentes identidades surdas. No entanto, mantemos a referência a sete identidades surdas por ser o trabalho de Perlin (1998) a primeira publicação que, no Brasil, preocupou-se com a distinção identitária do povo surdo.
  • 4
    Publicado em 2018 em sites de compartilhamento de vídeos na internet. Disponível em https://vimeo.com/325444221.
  • 5
    Cabe considerar o pensamento de Claude Zilberberg (2011Zilberberg, C. (2011). Elementos de semiótica tensiva. Tradução de Ivan Carlos Lopes, Luiz Tatit, & Waldir Beividas. Ateliê Editorial. (Elements de grammaire tensive, 2006)., p. 16), segundo o qual o “acento ocupa no plano da expressão uma posição tal que não se poderia conceber que ele deixasse de desempenhar algum papel no plano do conteúdo”.
  • 6
    Nos termos como está postulada no quinto capítulo de “Elementos de Semiótica Tensiva” (Zilberberg, 2011Zilberberg, C. (2011). Elementos de semiótica tensiva. Tradução de Ivan Carlos Lopes, Luiz Tatit, & Waldir Beividas. Ateliê Editorial. (Elements de grammaire tensive, 2006)., p. 195-224): uma retórica semiotizada.
  • Disponibilidade de dados

    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor correspondente Suelismar Mariano Florêncio Barbosa. O conjunto de dados não está publicamente disponível devido a conter informação que compromete a privacidade de pesquisa atualmente em desenvolvimento.

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor correspondente Suelismar Mariano Florêncio Barbosa. O conjunto de dados não está publicamente disponível devido a conter informação que compromete a privacidade de pesquisa atualmente em desenvolvimento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2023
  • Aceito
    29 Fev 2024
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP PUC-SP - LAEL, Rua Monte Alegre 984, 4B-02, São Paulo, SP 05014-001, Brasil, Tel.: +55 11 3670-8374 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: delta@pucsp.br