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Um dispositivo de intervenção com professores de Centros de Estudos de Línguas (CEL): o trabalho de ensino do francês em debate

An intervention device with teachers of the Centros de Estudos de Línguas (CEL): the work of teaching “French” in debate

RESUMO

Este artigo objetiva descrever o dispositivo de intervenção formativa baseado na análise das práticas realizado com um grupo de professores de francês de Centros de Estudos de Línguas (CEL) da rede pública de ensino do Estado de São Paulo (Silva, 2023) e apontar, através de uma análise linguístico-discursiva (Bulea & Bronckart, 2012Bulea, E., & Bronckart, J.-P. (2012). Les représentations de l’agir enseignant dans le cadre du genre entretien. Raído, 6(1), 131-149. Disponível em: http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/Raido/article/view/1780
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), de que maneira a intervenção pode proporcionar uma dinâmica de interpretação da atividade (Bronckart, 2008bBronckart, J.-P. (2008b). Un retour nécessaire sur la question du développement. In M. Brossard, & J. Fijalkow (Eds.), Vygotski et les recherches en éducation et en didactiques (pp. 237-250). Presses Universitaires de Bordeaux. ). A pesquisa qualitativa realizada a partir dessa intervenção se fundamenta no paradigma interacionista social (Vygotski, 1934/1997), nos pressupostos teórico-metodológicos do Interacionismo Sociodiscursivo (Bronckart, 2017Bronckart, J.-P. (2017). Développement du langage et développement psychologique. L’approche de l’interactionnisme socio-discursif. Veredas, 21(3), 30-46. https://doi.org/10.34019/1982-2243.2017.v21.27992
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) e na Clínica da Atividade (Clot, 1999Clot, Y. (1999). La fonction psychologique du travail. PUF. ). O corpus analisado se constitui das transcrições de entrevistas em aloconfrontação (Mollo & Falzon, 2004Mollo, V., & Falzon, P. (2004). Auto- and allo-confrontation as tools for reflective activities. Applied Ergonomics, 35(6), 531-540. https://doi.org/10.1016/j.apergo.2004.06.003
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; Leblanc, 2014Leblanc, S. (2014). Vidéo formation et transformations de l’activité professionnelle. Activités, 11(2), 143-171. https://doi.org/10.4000/activites.968
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) e autoconfrontação cruzada (Clot & Faïta, 2000Clot, Y., & Faïta, D. (2000). Genres et styles en analyse du travail. Concepts et méthodes. Travailler, 4, 7-42. ). As análises discutidas neste trabalho demonstram de que maneira o conflito do métier de professor de francês como língua estrangeira se configura discursivamente e corrobora a ideia de que o debate interpretativo sobre o trabalho pode possibilitar a transformação das significações das experiências vividas.

Palavras-chave:
intervenção; formação de professores; trabalho de ensino; linguística aplicada; autoconfrontação cruzada

ABSTRACT

This paper aims to describe an intervention device based on the analysis of practices carried out with a group of French teachers from the Centro de Estudos de Línguas - CEL (Language Study Centers), which is part of the public school system in the State of São Paulo. Through a linguistic-discursive analysis (Bulea & Bronckart, 2012Bulea, E., & Bronckart, J.-P. (2012). Les représentations de l’agir enseignant dans le cadre du genre entretien. Raído, 6(1), 131-149. Disponível em: http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/Raido/article/view/1780
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), it points out how the intervention can provide a dynamic interpretation of the activity (Bronckart, 2008bBronckart, J.-P. (2008b). Un retour nécessaire sur la question du développement. In M. Brossard, & J. Fijalkow (Eds.), Vygotski et les recherches en éducation et en didactiques (pp. 237-250). Presses Universitaires de Bordeaux. ). The study is based on the social interactionist paradigm (Vygotski, 1934/1997), in the theoretical-methodological framework of Sociodiscursive Interactionism (Bronckart, 2017Bronckart, J.-P. (2017). Développement du langage et développement psychologique. L’approche de l’interactionnisme socio-discursif. Veredas, 21(3), 30-46. https://doi.org/10.34019/1982-2243.2017.v21.27992
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) and in the Clinic of Activity (Clot, 1999Clot, Y. (1999). La fonction psychologique du travail. PUF. ). The corpus comprises transcripts of allo-confrontation interviews (Mollo & Falzon, 2004Mollo, V., & Falzon, P. (2004). Auto- and allo-confrontation as tools for reflective activities. Applied Ergonomics, 35(6), 531-540. https://doi.org/10.1016/j.apergo.2004.06.003
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; Leblanc, 2014Leblanc, S. (2014). Vidéo formation et transformations de l’activité professionnelle. Activités, 11(2), 143-171. https://doi.org/10.4000/activites.968
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) and crossed self-confrontation interviews (Clot & Faïta, 2000Clot, Y., & Faïta, D. (2000). Genres et styles en analyse du travail. Concepts et méthodes. Travailler, 4, 7-42. ). The analyses presented here demonstrate how the conflict of the métier is configured discursively and corroborate the idea that the interpretive debate on teaching is likely to enable the transformation of the meanings of lived experiences.

Keywords:
intervention; teacher development; teaching as work; applied linguistics; crossed self-confrontation

1. Introdução

Há pelo menos duas décadas, pesquisas brasileiras em Linguística Aplicada voltadas à formação de professores (Machado, 2004Machado, A. R. (2004). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. EDUEL.; Lousada, 2006Lousada, E. G. (2006). Entre trabalho prescrito e realizado: um espaço para a emergência do trabalho real do professor. [Tese de Doutoramento em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem]. Repositório da PUCSP. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/13806
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; Bueno, 2007Bueno, L. (2007). A construção de representações sobre o trabalho docente: o papel do estágio. [Tese de Doutoramento em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem]. Repositório da PUC SP. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/13919
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; Barricelli, 2012Barricelli, E. (2012). Transformações e conflitos no processo de elaboração, de difusão e de utilização de instruções oficiais de educação infantil: um estudo genealógico. [Tese de Doutoramento em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem]. Repositório PUCSP. Disponível em: https://ariel.pucsp.br/handle/handle/13579.
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; Machado, Lousada & Ferreira, 2011) têm se nutrido de um diálogo com as ciências do trabalho e com as ciências da educação. Apesar das diferenças teóricas entre essas duas últimas disciplinas, Saujat (2007Saujat, F. (2007). Enseigner: un travail. In G. Chapelle, & V. Dupriez (Eds.), Enseigner (pp. 180-188). PUF. ) destaca o aspecto comum entre elas: considerar o trabalho real dos profissionais da educação é uma condição necessária para a eficiência da formação. Assim, para abordar os desafios presentes nos contextos de ensino, as iniciativas visando à formação de professores estão deixando de lado programas baseados exclusivamente em uma transmissão vertical de conhecimentos e investindo em análise das situações concretas de trabalho. Essas análises das situações concretas são conhecidas de diferentes maneiras, segundo os paradigmas nos quais estão inseridas: na área da Psicologia do Trabalho, mais especificamente, na Clínica da Atividade (Clot, 1999Clot, Y. (1999). La fonction psychologique du travail. PUF. ), temos a análise da atividade; na tradição da Ergonomia francófona, temos a análise das situações de trabalho (Goigoux, 2007Goigoux, R. (2007). Un modèle d’analyse de l’activité des enseignants. Éducation et didactique, 1(3), 47-69. https://doi.org/10.4000/educationdidactique.232
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; Saujat, 2009Saujat, F. (2009). L’analyse du travail comme source et ressource de formation : le cas de l’orientation en collège. In M. Durand, & L. Fillietaz (Eds.), Travail et formation des adultes (pp. 245-274). Presses Universitaires de France. https://doi.org/10.3917/puf.duran.2009.01.0245
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); nas Ciências da Educação (nas áreas de Didática profissional e Formação de Adultos) temos a vertente da análise das práticas (Pastré, 2011Pastré, P. (2011) La didactique professionnelle. Presses Universitaires de France, 2011. ; Bulea & Bronckart, 2012Bulea, E., & Bronckart, J.-P. (2012). Les représentations de l’agir enseignant dans le cadre du genre entretien. Raído, 6(1), 131-149. Disponível em: http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/Raido/article/view/1780
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).

Inserindo-se nesse diálogo, porém em contexto brasileiro e no campo da Linguística Aplicada, os trabalhos do grupo de pesquisa ALTER3 3 Grupo de pesquisa ALTER - Análise de Linguagem, Trabalho e suas Relações - CNPQ (Machado, 2004Machado, A. R. (2004). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. EDUEL., 2007Machado, A. R. (2007). Por uma concepção ampliada do trabalho do professor. In A. M. Guimarães, A. R. Machado, & A. Coutinho (Eds.), O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas (pp. 77-97). Mercado de Letras. ; Lousada, 2006Lousada, E. G. (2006). Entre trabalho prescrito e realizado: um espaço para a emergência do trabalho real do professor. [Tese de Doutoramento em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem]. Repositório da PUCSP. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/13806
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, 2011; Bueno, 2007Bueno, L. (2007). A construção de representações sobre o trabalho docente: o papel do estágio. [Tese de Doutoramento em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem]. Repositório da PUC SP. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/13919
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; dentre outros) e do grupo ALTER-AGE4 4 Grupo de pesquisa ALTER - AGE- Análise de Linguagem, Trabalho e suas Relações - Aprendizagem, Gêneros Textuais e Ensino - CNPQ (Dantas-Longhi, 2013Dantas-Longhi, S. M. (2013). Como os jogos podem revelar outras dimensões do trabalho do professor de língua estrangeira? [Dissertação de mestrado em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês]. Banco de Teses da USP. https://doi.org/10.11606/D.8.2013.tde-30072013-103516
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, 2017Dantas-Longhi, S. M. (2017). A formação como trabalho. Análise da atividade do tuteur-formador de professores de francês como língua estrangeira. [Tese de Doutoramento em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês]. Banco de Teses da USP. https://doi.org/10.11606/T.8.2018.tde-12042018-130159
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; Fazion, 2017Fazion, F. (2017). A elaboração de Livro Didático baseado em gêneros textuais por professores de francês: análise de uma experiência. [Tese de Doutoramento em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês]. Banco de Teses da USP. https://doi.org/10.11606/T.8.2017.tde-08022017-120300
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; Lousada, 2017Lousada, E. G. (2017). Intervenção, pesquisa e formação: aprendizagem do trabalho educacional e desenvolvimento de professores. Horizontes, 35(3), 94-104. https://doi.org/10.24933/horizontes.v35i3.559
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; Silva, 2015Silva, E. C. (2015). O vivido, o revivido e os possíveis do desenvolvimento em diálogo: um estudo sobre o trabalho do professor de FLE com os conteúdos culturais. [Dissertação de mestrado em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês]. Banco de Teses da USP. https://doi.org/10.11606/D.8.2015.tde-29062015-125936
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, 2019, 2022, 2023; Silva & Lousada, 2017; Rocha, 2023Rocha, S. M. (2023). Desenvolvimento de capacidades praxiológicas e verbalizações sobre obstáculos na construção de saberes do métier de professor de francês como língua estrangeira. [Tese de Doutoramento em Estudos Linguísticos]. Banco de Teses da USP. https://doi.org/10.11606/T.8.2023.tde-10082023-125124
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, dentre outros) têm mobilizado as contribuições de uma visão interacionista do ensino, da aprendizagem e do desenvolvimento humano, com base no Interacionismo Sociodiscursivo (Bronckart, 1999Bronckart, J.-P. (1999). Atividade de Linguagem, Textos e Discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. EDUC., 2006Bronckart, J.-P. (2006). Atividade de Linguagem, Discurso e Desenvolvimento Humano. Mercado de Letras., 2008Bronckart, J.-P. (2008). O agir nos discursos: das concepções teóricas às concepções dos trabalhadores. Mercado de Letras. , 2017Bronckart, J.-P. (2017). Développement du langage et développement psychologique. L’approche de l’interactionnisme socio-discursif. Veredas, 21(3), 30-46. https://doi.org/10.34019/1982-2243.2017.v21.27992
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), mas reunindo aportes teórico-metodológicos das ciências da linguagem (Maingueneau, 2001Maingueneau, D. (2001). Análise de textos de comunicação. Cortez.; Authier-Revuz, 1998Authier-Revuz, J. (1998). Palavras incertas: as não-coincidências do dizer. Editora da Unicamp.) e das ciências do trabalho (Clot, 1999Clot, Y. (1999). La fonction psychologique du travail. PUF. ; Clot & Faïta, 2000Clot, Y., & Faïta, D. (2000). Genres et styles en analyse du travail. Concepts et méthodes. Travailler, 4, 7-42. ; Amigues, 2003Amigues, R. (2003). Pour une approche ergonomique de l’activité enseignante. Skhôle, v. hors-série, pp. 5-16. , 2009Amigues, R. (2009). Le travail enseignant : prescriptions et dimensions collectives de l’activité. Les Sciences de l’éducation - Pour l’Ère nouvelle, 42(2), 11-26. https://doi.org/10.3917/lsdle.422.0011
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; Saujat, 2004Saujat, F. (2004). Comment les enseignants débutants entrent dans le métier. Formation et pratiques d’enseignement en questions, 1, 97-106. Disponível em: http://www.revuedeshep.ch/site-fpeq-n/Site_FPEQ/1.html
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, 2007Saujat, F. (2007). Enseigner: un travail. In G. Chapelle, & V. Dupriez (Eds.), Enseigner (pp. 180-188). PUF. ; Faïta & Saujat, 2010Faïta, D., & Saujat, F. (2010). Développer l’activité des enseignants pour comprendre et transformer leur travail : un cadre théorique et méthodologique. In F. Yvon, & F. Saussez (Eds.), Analyser l’activité enseignante : des outils méthodologiques et théoriques pour l’intervention et la formation (pp. 41-69). Presses de l’Université de Laval. ). Tal articulação tem permitido que se analise a atividade educacional com um olhar sobre as questões didáticas, sem deixar de lado as características que o fazem também uma atividade de trabalho.

Dentro desse contexto se insere a pesquisa de doutorado que dá origem ao presente artigo (Silva, 2023), a qual implementou uma intervenção com professores de francês de Centros de Estudos de Línguas (CEL) da rede pública de ensino do Estado de São Paulo, analisando seus efeitos no trabalho dos envolvidos, através das produções linguageiras dos participantes, como detalharemos na seção de procedimentos metodológicos.

Tal como definida por Saujat (2009Saujat, F. (2009). L’analyse du travail comme source et ressource de formation : le cas de l’orientation en collège. In M. Durand, & L. Fillietaz (Eds.), Travail et formation des adultes (pp. 245-274). Presses Universitaires de France. https://doi.org/10.3917/puf.duran.2009.01.0245
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), a intervenção de que tratamos aqui é a herdada da tradição da ergonomia francófona e se caracteriza essencialmente por buscar dois objetivos: epistêmico e transformativo. Para isso, a intervenção assume a “dificuldade” como porta de entrada para a análise da atividade. Assim, ela se origina na resposta a uma necessidade ou a uma demanda do meio estudado e não assume uma questão de investigação a priori. Trata-se de transformar o trabalho para compreendê-lo, mas igualmente compreender o trabalho para transformá-lo5 5 Tal visão dialoga tanto com a proposta da Ergonomia de “compreender para transformar” (Guérin et al, 2001), quanto com a proposta da Clínica da Atividade de “transformar para compreender” (Clot & Faïta, 2000, p. 33). : “o epistêmico e o transformativo, a compreensão e a transformação se sustentam assim mutuamente no processo de pesquisa-intervenção, dos quais são reciprocamente, um e outro, meio e objetivo” (Saujat, 2009Saujat, F. (2009). L’analyse du travail comme source et ressource de formation : le cas de l’orientation en collège. In M. Durand, & L. Fillietaz (Eds.), Travail et formation des adultes (pp. 245-274). Presses Universitaires de France. https://doi.org/10.3917/puf.duran.2009.01.0245
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, p. 248).

Uma vez apresentado o quadro teórico no qual o presente trabalho se origina, destacamos que este artigo objetiva descrever o dispositivo de intervenção formativa6 6 Este trabalho emprega o termo “dispositivo de intervenção” no sentido empregado pela Ergonomia da Atividade dos Profissionais da Educação (Félix & Saujat, 2015) referindo-se ao conjunto de procedimentos realizados longitudinalmente com um grupo de professores participantes, conforme descrito na seção de procedimentos metodológicos. Por se situar no campo da Educação, o trabalho de intervenção e de análise da atividade por ser considerado como formativo. baseado na análise das práticas realizado com um grupo de professores de francês do CEL e apontar, através de uma análise linguístico-discursiva, de que maneira a intervenção pode revelar momentos indicadores de transformação das significações das experiências dos professores.

Para isso, o artigo se estrutura em quatro seções, além desta introdução. A primeira seção expõe alguns dos principais pressupostos teóricos do trabalho. A segunda seção descreve os procedimentos metodológicos: o contexto do CEL, a concepção e as etapas do dispositivo de intervenção, bem como os procedimentos de seleção e análise dos dados utilizados na pesquisa. Na terceira seção, apresentaremos a análise de um excerto de uma entrevista em autoconfrontação cujo tema é uso do português na aula de francês. Na última seção, apresentamos as considerações finais a respeito do dispositivo de intervenção e dos efeitos observados nas entrevistas, bem como os limites e as contribuições do trabalho para as discussões sobre formação de professores e sobre as pesquisas em Linguística Aplicada.

2. Pressupostos teóricos

Os pressupostos teóricos que fundamentam o presente trabalho se baseiam no paradigma Interacionista Social (Bronckart, 2017Bronckart, J.-P. (2017). Développement du langage et développement psychologique. L’approche de l’interactionnisme socio-discursif. Veredas, 21(3), 30-46. https://doi.org/10.34019/1982-2243.2017.v21.27992
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), que entende a sócio-história e a mediação semiótica como elementos de ruptura no desenvolvimento do ser humano. Esta seção apresenta três pilares teóricos que sustentam o trabalho: a perspectiva vygotskiana sobre o desenvolvimento humano, o ensino como trabalho e a transferência de conhecimentos produzidos pela pesquisa.

Contribuições vygotskianas para pensar a relação entre o homem e o meio: consciência, instrumento psicológico e métodos indiretos

Falar do trabalho de ensino nos remete à ideia de trabalho enquanto relação entre o homem e o mundo, entre o sujeito e o seu meio. Para compreender essa relação, retomamos a seguir três contribuições vygotskianas.

A primeira delas está na parte psicológica da ação humana sobre o mundo, cuja análise vai muito além do que podemos observar externamente. Seria insuficiente ou, de certa forma, redutor conceber o trabalho somente a partir de suas características descritíveis ao pesquisador. Enquanto atividade produtiva, o trabalho mobiliza o sujeito, suas intenções, ações, e suas relações com o mundo ao seu redor. Nas palavras de Vygotski (1925/2003, p.76), nessa interação há um “processo dialético e dinâmico entre o mundo e o homem e no interior do homem”. Dentro dessa relação nos interessa compreender o funcionamento da consciência e os meios de atuar sobre ela.

Para Vygotski (1925/2003), a consciência funciona como mecanismo mediador entre o sujeito e sua ação no mundo, operando o comportamento. O autor ilustra essa ideia através da metáfora do funil7 7 Vygotski (1925/2003) toma emprestado de Sherrignton a metáfora do funil. , explicando que o comportamento observável deixa atrás de si uma série de resíduos e possibilidade não realizadas:

O mundo penetra de alguma forma pela larga abertura do funil em forma de milhares de excitantes, de pulsões, de vontades; no interior do funil acontece uma luta, uma colisão incessante; todas as excitações desembocam da abertura estreita sob a forma de reações-respostas do organismo em quantidade fortemente reduzida. O comportamento realizado é uma ínfima parte do que é possível. O homem é cheio a cada minuto de possibilidades não realizadas. (Vygotski, 1925/2003, p.76, tradução nossa)

De acordo com essa metáfora, pode-se compreender que o comportamento humano observável é somente uma parte daquilo que seria possível e que as outras possibilidades permanecem como um resíduo do funcionamento psicológico humano.

Em outro texto, Vygotski (1930/1985) se pergunta se seria possível atuar sobre a consciência. Através de uma pesquisa sobre o método da dupla estimulação, o autor chega à conclusão de que, para realizar uma tarefa, o sujeito pode utilizar ferramentas de trabalho ou, ainda, instrumentos psicológicos. Segundo Friedrich (2012Friedrich, J. (2012). Lev Vigotski - Mediação, Aprendizagem e Desenvolvimento. Uma leitura filosófica e epistemológica. Mercado de Letras. ), a diferença entre eles seria a seguinte: as ferramentas são concebidas em função das intervenções que farão (martelo para pregar, pá para cavar), ao passo que os instrumentos psicológicos não estão no mundo exterior, mas na atividade psíquica do sujeito, sendo um meio, fabricado, de influência do sujeito sobre si mesmo. O instrumento psicológico seria uma adaptação artificial, de natureza social, destinado ao controle dos próprios comportamentos. O direcionamento artificial colocado pelo instrumento engendra “um uso ativo das propriedades naturais do tecido cerebral” (Vygotski, 1930/1985, p.41).

A segunda contribuição se encontra na hipótese vygotskiana a respeito do desenvolvimento humano. Do ponto de vista psicológico, dentre os instrumentos psicológicos que permitem ao sujeito agir sobre si mesmo, Vygotski (1934/1997) se interessa particularmente pela relação entre pensamento e linguagem, colocando “a significação da palavra” como a unidade de base central para pensar o desenvolvimento humano. Ela assume essa função de unidade, segundo Schneuwly (1999Schneuwly, B. (1999). Le développement du concept de développement chez Vygotski. In Y. Clot (Ed.), Avec Vygotski (pp. 267-280). La Dispute. ), por reunir duas funções essenciais: a da generalização, forma complexa e socialmente elaborada de representação, e da comunicação, isso é, da ação sobre o outro; assim, com sua valência ao mesmo tempo externa e interna ao sujeito, ela permitiria a reorganização fundamental do funcionamento psíquico. O significado, por ser uma unidade maleável, pode se transformar e modificar as funções que ocupa, portanto, o signo passa a ser passível de modificar as relações do homem ao real (Clot, 2003Clot, Y. (2003). Vygotski, la conscience comme liaison. In Y. Clot (Ed.). Conscience, inconscient, émotions (pp. 7-59). La Dispute.).

A terceira contribuição que recuperamos se concentra nas formas de estudar os fenômenos psicológicos descritos. Para estudar essa consciência (ou o psiquismo) que “filtra” ou “trabalha” o mundo (Friedrich, 2012Friedrich, J. (2012). Lev Vigotski - Mediação, Aprendizagem e Desenvolvimento. Uma leitura filosófica e epistemológica. Mercado de Letras. , p.49), Vygotski (1927/1999) se interroga sobre os métodos utilizados em psicologia. Por um lado, os métodos diretos se propunham a estudar a realidade da experiência imediata, tanto nas observações externas do movimento behaviorista, quanto das observações internas do movimento de introspecção. Por outro, os métodos indiretos - como os utilizados pelos historiadores e arqueólogos que estudam o passado através de rastros e vestígios, ou como o termômetro que por meio da dilatação do mercúrio dá a conhecer o calor - permitem uma interpretação e reconstrução de fenômenos aos quais não se têm acesso diretamente (Friedrich, 2012Friedrich, J. (2012). Lev Vigotski - Mediação, Aprendizagem e Desenvolvimento. Uma leitura filosófica e epistemológica. Mercado de Letras. ). Assim, para ele, seria necessário que a psicologia desenvolvesse seu próprio termômetro.

Com base nesses três pontos, uma intervenção que vise ao desenvolvimento dos sujeitos, supõe que se considere (i) a atividade de trabalho para além do que é observável, considerando que, por trás dos comportamentos, há uma série de possibilidades não realizadas; (ii) que o potencial desenvolvimento dos sujeitos está ligado à transformação das significações de suas experiências; (iii) o emprego de métodos indiretos, com o intuito de reconstituir, de forma interpretativa, as dimensões realizadas e impedidas da ação do sujeito no mundo.

A atividade no coração do trabalho: tensões e zona de desenvolvimento potencial

Fazendo dialogar as contribuições vygotskianas com o dialogismo de Volochinov (1929/2010) no campo da psicologia do trabalho, Clot (1999Clot, Y. (1999). La fonction psychologique du travail. PUF. ) propõe uma forma de transformar e compreender a atividade profissional e suas dimensões: a Clínica da Atividade. Para ele, a unidade de análise central a ser considerada é a atividade triplamente dirigida: pelo sujeito, através do objeto da tarefa e em direção ao outro. O foco desloca-se do sujeito e passa a ser a tensão permanente, dinâmica e viva da atividade, sempre triplamente dirigida.

A Clínica da Atividade (Clot, 2008Clot, Y. (2008). Travail et pouvoir d’agir. PUF., 2011Clot, Y. (2011). Théorie en clinique de l’activité. In B. Maggi (Ed.), Interpréter l’agir: un défi théorique (pp. 17-39). PUF.) define as dimensões do trabalho ou do métier como sendo ao mesmo tempo pessoal, porque implica o sujeito, suas capacidades e afetos; interpessoal, pois se realiza coletivamente e se dirige a outros; impessoal, pois é redigo por tarefas prescritas; e transpessoal, pois não pertence a ninguém, é disponível a todos, atravessando ao mesmo tempo gerações e cada profissional. Clot (2011Clot, Y. (2011). Théorie en clinique de l’activité. In B. Maggi (Ed.), Interpréter l’agir: un défi théorique (pp. 17-39). PUF., p. 36) conclui que o trabalho “[Ele] é então estruturalmente conflito”. Cada uma das dimensões é constantemente e dinamicamente retomada pelos sujeitos e pelos coletivos, de modo a fazer viver o métier.

Para Clot (2008Clot, Y. (2008). Travail et pouvoir d’agir. PUF.), se desejamos compreender a atividade devemos nos confrontar aos conflitos que a constituem. A ideia de conflito retoma a contribuição vygotskiana que evocamos anteriormente acerca da luta entre ações rivais que competem pela sua efetiva realização no comportamento. É a partir dela que o autor sustenta que “o realizado não tem o monopólio do real” (Clot, 2011Clot, Y. (2011). Théorie en clinique de l’activité. In B. Maggi (Ed.), Interpréter l’agir: un défi théorique (pp. 17-39). PUF., p.17). Assim, as ações suspensas, contrariadas, impedidas também fazem parte do real da atividade (Clot, 1999Clot, Y. (1999). La fonction psychologique du travail. PUF. ). Entre o realizado e o real há mais uma contradição que uma concordância, assim, é nesse espaço - em que o sujeito consegue não somente falar sobre o que viveu ao se confrontar com determinada situação profissional, mas revivendo-a, vislumbrar outros possíveis - que o conflito se constitui como um “motor do desenvolvimento” (Clot, 2011Clot, Y. (2011). Théorie en clinique de l’activité. In B. Maggi (Ed.), Interpréter l’agir: un défi théorique (pp. 17-39). PUF., p.24).

Trabalhar nessa perspectiva significa realizar contínuas escolhas, arbitragens entre várias ações possíveis, na encruzilhada de vários horizontes em tensão (Kostulski et al, 2011Kostulski, K., Clot, Y., Litim, M., & Plateau, S. (2011). L’horizon incertain de la transformation en clinique de l’activité. Activités, 8(1), s.p. https://doi.org/10.4000/activites.2456
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). Analisar a atividade é encontrar outros devires possíveis para os conflitos do real (Clot, 2011Clot, Y. (2011). Théorie en clinique de l’activité. In B. Maggi (Ed.), Interpréter l’agir: un défi théorique (pp. 17-39). PUF.).

Nesse sentido, os métodos da Clínica da Atividade se propõem a constituir “zonas de desenvolvimento potencial, onde a experiência se desenvolve pela mediação de conceitos e esses últimos pela mediação da atividade prática” (Clot, 1999Clot, Y. (1999). La fonction psychologique du travail. PUF. , p.137). Segundo Clot (1999Clot, Y. (1999). La fonction psychologique du travail. PUF. ), essa passagem entre conceitos cotidianos e conceitos científicos (Vygotski, 1934/1997) cria novos espaços de compreensão e permite (re)viver a experiência de outra maneira. Colocando-se para além de uma psicologia estritamente explicativa, com explanações externas pelo pesquisador, ou estritamente compreensiva, com descrição do vivido pelo sujeito, a Clínica da Atividade sugere uma terceira via: uma conduta não de descrição, mas de re-descrição ou recriação do vivido, em colaboração entre pesquisadores e trabalhadores. Trata-se, portanto, de “transformar para compreender” (Clot & Faïta, 2000Clot, Y., & Faïta, D. (2000). Genres et styles en analyse du travail. Concepts et méthodes. Travailler, 4, 7-42. , p.33).

De forma específica, em relação aos conflitos que emergem nos contextos de ensino-aprendizagem do francês como língua estrangeira (FLE), temos procurado identificar, nas pesquisas do Grupo ALTER-AGE-CPNq, temáticas recorrentes que possam se constituir como conflitos do métier, pois dizem respeito a diferentes professores, em diferentes contextos, assumindo, assim, uma dimensão coletiva e não individual do trabalho. Nesse sentido, mais recentemente, temos observado que o uso da língua materna nos contextos de ensino-aprendizagem do FLE é recorrente em pesquisas em nosso grupo (Lousada, 2011bLousada, E. G. (2011b). Aprendendo o “métier” de professor: uma análise de textos produzidos em situação de formação inicial de professores de francês. In P. T. C. Szundy, J. C. Araújo, C. S. Nicolaides, & K. A. Silva (Eds), Linguística Aplicada e Sociedade. Pontes Editora., 2019Lousada, E. G. (2019). Dialogues avec la Clinique de l’Activité et contributions pour la coanalyse de l’activité de travail de l’enseignant. 21 slides. Conferência Plenária no IV Colóquio Internacional de Clínica da Atividade. Bragança, São Paulo, Brasil. , 2021Lousada, E. G. (2021). O papel da língua materna no ensino do francês como língua estrangeira: uma velha questão rediscutida à luz das ciências do trabalho. Horizontes, 39(1), e021038. https://doi.org/10.24933/horizontes.v39i1.1285
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; Dantas-Longhi, 2013Dantas-Longhi, S. M. (2013). Como os jogos podem revelar outras dimensões do trabalho do professor de língua estrangeira? [Dissertação de mestrado em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês]. Banco de Teses da USP. https://doi.org/10.11606/D.8.2013.tde-30072013-103516
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; Silva, 2014Silva, E. C. (2014). L’analyse du travail enseignant pour la formation: enjeux et possibilités d’une expérience d’appropriation du cadre méthodologique de l’auto-confrontation. Non Plus, 5, 95-114. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-3976.v3i5p95-114
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, 2022, 2023; Duarte, 2017Duarte, N. A. (2017). O papel das entrevistas de aloconfrontação na formação de professores iniciantes de Francês como língua estrangeira. [Dissertação de mestrado em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês]. Banco de Teses da USP. https://doi.org/10.1017/CBO9781107415324.004
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; Silva & Dantas-Longhi, no prelo), mas também emerge em outros contextos (Gajo, 2000Gajo, L. (2001). Immersion, bilinguisme et interaction. Didier.; Castellotti, 2001Castellotti, V. (2001). La langue maternelle en classe de langue étrangère. CLE International.; Lüdi, Py, 2013Lüdi, G., & Py, B. (2013). Être bilingue (4 ed.). Peter Lang S.A.). Em nossa pesquisa, procuramos nos voltar para essa questão, por meio da análise dos textos produzidos em situações de coanálise da atividade.

Um dos métodos utilizados por esses pesquisadores para recriar o vivido, possibilitando transformar para compreender, é a entrevista em autoconfrontação (Clot & Faïta, 2000Clot, Y., & Faïta, D. (2000). Genres et styles en analyse du travail. Concepts et méthodes. Travailler, 4, 7-42. ). Proposta por Daniel Faïta em uma intervenção com condutores de trem na França, o método da autoconfrontação vem sendo utilizado na Clínica da Atividade (Clot, 1999Clot, Y. (1999). La fonction psychologique du travail. PUF. ) e na Ergonomia da Atividade (Amigues, 2003Amigues, R. (2003). Pour une approche ergonomique de l’activité enseignante. Skhôle, v. hors-série, pp. 5-16. ; Faïta, 2004Faïta, D. (2004). Gêneros de discurso, gêneros de atividade, análise do professor. In A. R. Machado (Ed.), O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva (pp. 55-80). Eduel.) de forma profícua (Clot & Faïta, 2000Clot, Y., & Faïta, D. (2000). Genres et styles en analyse du travail. Concepts et méthodes. Travailler, 4, 7-42. ). Ela pode ser descrita em cinco etapas: primeiramente, há a constituição de um coletivo de trabalho, dentro do qual será apontada alguma dificuldade ou questão a ser trabalhada. Nesse momento, os trabalhadores escolhem os voluntários e as sequências a serem filmadas. A segunda etapa consiste em registrar em vídeo sequências da rotina de trabalho de dois membros do coletivo. Na terceira etapa, cada trabalhador, em momentos separados, assiste ao vídeo juntamente com o pesquisador, elucidando para o outro e para si as questões que surgem no decorrer da atividade filmada (autoconfrontação simples). Na quarta etapa, os dois trabalhadores juntos assistem sequências do trabalho do outro e da autoconfrontação simples, o que chamamos de (autoconfrontação cruzada). Finalmente, na quinta etapa, os trabalhadores escolhem os momentos a serem compartilhados com o coletivo com o intuito de agir sobre meio de trabalho, criando possivelmente novas prescrições.

Nesse método de intervenção e coanálise da situação de trabalho, a verbalização “é um instrumento de ação interpsicológico e social” (Clot & Faïta, 2000Clot, Y., & Faïta, D. (2000). Genres et styles en analyse du travail. Concepts et méthodes. Travailler, 4, 7-42. , p.32), é através dela que as controvérsias profissionais provocarão possíveis novas significações das experiências. Ao se ver - como um outro - no vídeo, comumente os trabalhadores se deparam com momentos de tomada de consciência, o que é menos uma “descoberta de um objeto mental inacessível anteriormente, mas a redescoberta - a recriação - desse objeto psíquico em um novo contexto que o “faz ver de outra forma” (Clot & Faïta, 2000Clot, Y., & Faïta, D. (2000). Genres et styles en analyse du travail. Concepts et méthodes. Travailler, 4, 7-42. , p.34).

Essa zona de desenvolvimento potencial criada ao se “ver o trabalho de outra forma”, na perspectiva da Clínica da Atividade, se ancora nos pressupostos vygotskianos que elencamos na primeira seção e encontra, portanto, paralelos nos estudos do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), que contemplam verbalizações em situação de análise do trabalho. Estes últimos compartilham dos mesmos pressupostos vygotskianos, porém concedendo um papel mais preponderante à linguagem no desenvolvimento das pessoas. Bronckart (2008bBronckart, J.-P. (2008b). Un retour nécessaire sur la question du développement. In M. Brossard, & J. Fijalkow (Eds.), Vygotski et les recherches en éducation et en didactiques (pp. 237-250). Presses Universitaires de Bordeaux. , p.224) afirma que a “sustentação e alimentação constante de uma dinâmica da interpretação da atividade são sem dúvida os processos verdadeiramente geradores de desenvolvimento”. De maneira análoga, Filliettaz e Trébert (2015Filliettaz, L., & Trébert, D. (2015). Le travail comme objet d’analyse dans les espaces interprétatifs de l’alternance : le cas de la formation professionnelle en éducation de l’enfance. In V. L. Borer (Ed.), Analyse du travail et formation dans les métiers de l’éducation (pp. 159-178). De Boeck Supérieur. https://doi.org/10.3917/dbu.lussi.2015.01.0159
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, p.164) postulam que as práticas de análise do trabalho constituem verdadeiros “espaços interpretativos da atividade”. Finalmente, Bulea-Bronckart (2019Bulea-Bronckart, E. (2019). Des « jeux sémiologiques » à la base du développement et des apprentissages. Raisons éducatives, 23(1), 19-45. https://doi.org/10.3917/raised.023.0019
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) afirma que “o desenvolvimento profissional que pode resultar desse tipo de verbalização é interpretável como um efeito, não de tradução, nem de alguma relação causal, mas da interação entre a dinâmica linguageira estratificada e a dinâmica cognitiva sobre um referente de ordem praxiológica” (Bulea-Bronckart, 2019Bulea-Bronckart, E. (2019). Des « jeux sémiologiques » à la base du développement et des apprentissages. Raisons éducatives, 23(1), 19-45. https://doi.org/10.3917/raised.023.0019
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, p.32). Assim, a interpretação da atividade mediada pela linguagem torna-se o objeto de estudo na perspectiva do ISD.

Em síntese, os pressupostos teóricos deste estudo articulam lentes de ordem psicológica e linguístico-discursiva para compreender e analisar o ensino como trabalho (Machado, 2004Machado, A. R. (2004). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. EDUEL.).

Para finalizar, é importante frisar que, em nossa pesquisa, não assumimos que o desenvolvimento profissional esteja pressuposto através dos métodos, mas sim que os métodos criam zonas que o potencializem. Assim, consideramos que o desenvolvimento assume um status de hipótese e não de pressuposto (Saussez, 2016Saussez, F. (2016). Les visées développementales de la co-analyse de l’activité: une lecture critique à l’aide de la notion de Zone de Développement le plus Proche. Travail et Apprentissages. Revue de didactique professionnelle, 17, 121-148. https://doi.org/10.3917/ta.017.0121
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; Saussez & Yvon, 2014Saussez, F., & Yvon, F. (2014). Problématiser l’usage de la co-analyse de l’activité en formation initiale à l’enseignement. In L. Paquay, P. Perrenoud, M. Altet, R. Étienne, & J. Desjardins. (Eds.), Travail réel des enseignants et formation (pp. 113-126). De Boeck Supérieur. https://doi.org/10.3917/dbu.paqua.2014.01.0113
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), cujos indícios são objeto de uma “interpretação compreensiva” e não causal (Bronckart, 2017Bronckart, J.-P. (2017). Développement du langage et développement psychologique. L’approche de l’interactionnisme socio-discursif. Veredas, 21(3), 30-46. https://doi.org/10.34019/1982-2243.2017.v21.27992
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, p.33) por parte do pesquisador.

Contextualização e transferência dos conhecimentos produzidos pela pesquisa

Cabe ressaltar ainda dois apontamentos teóricos que trazem luz sobre a metodologia da pesquisa e nos ajudam a compreender a criação e implementação do dispositivo de intervenção formativa em questão.

O primeiro deles se refere à questão da contextualização. Em se tratando de um estudo que se interessa pela transformação e compreensão de questões ligadas ao métier do professor de francês a partir de uma intervenção formativa com professores, a pesquisa se insere e se centra em um determinado contexto, situado histórico, social e geograficamente. Essa característica é comum em trabalhos, como o nosso, inscritos na área da Linguística Aplicada (Celani, 1998Celani, M. A. A. (1998) Transdisciplinaridade na Linguística Aplicada no Brasil. In I. Signorini & M. Cavalcanti (Eds.), Lingüística Aplicada e Transdisciplinaridade (pp.115-126). Mercado de Letras.; Lousada 2017Lousada, E. G. (2017). Intervenção, pesquisa e formação: aprendizagem do trabalho educacional e desenvolvimento de professores. Horizontes, 35(3), 94-104. https://doi.org/10.24933/horizontes.v35i3.559
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; Silva & Dantas-Longhi, 2020).

Além do movimento descendente para compreender o contexto específico, nossas pesquisas buscam também um movimento ascendente, identificando questões comuns ao métier. Tal movimento faz com que os conhecimentos e materiais produzidos não se restrinjam apenas àquele contexto, mas possam se mostrar produtivos para integrar intervenções em outros8 8 É importante verificar os aspectos éticos implicados no uso dos materiais de intervenção provenientes de outros contextos. No nosso caso, os vídeos utilizados tinham esse uso já previsto no Termo de Consentimento, quando foram produzidos. De forma similar, os participantes desse estudo também assinaram Termos de Consentimento Livre e Esclarecido para participação na pesquisa, tendo sempre suas identidades resguardadas. . Assim, o segundo apontamento diz respeito ao que tem sido chamado nas pesquisas em Educação de transferência dos saberes produzidos nas pesquisas (em francês: transfert des connaissances issues de la recherche). Marion e Hulfort (2015Marion, C., & Houlfort, N. (2015). Transfert de connaissances issues de la recherche en éducation: situation globale , défis et perspectives. Nouveaux cahiers de la recherche en éducation, 18(2), 56-89. https://doi.org/10.7202/1036033ar
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, p.64) fazem um levantamento dos estudos nessa área e definem: “O conceito de transferência dos conhecimentos parece ultrapassar amplamente a simples disseminação de dados de um meio para outro”, mas incluem todas as etapas desse processo, desde a produção dos conhecimentos até sua integração pelos participantes em suas ações. Dentre as características que facilitam essa transferência, observa-se o fato se considerarem as necessidades e as realidades dos participantes, “o que se traduziria notadamente por uma abertura a adaptar os métodos e os processos de pesquisa” (Marion & Hulfort, 2015Marion, C., & Houlfort, N. (2015). Transfert de connaissances issues de la recherche en éducation: situation globale , défis et perspectives. Nouveaux cahiers de la recherche en éducation, 18(2), 56-89. https://doi.org/10.7202/1036033ar
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, p.77, tradução nossa). Com efeito, anteriormente a essa publicação, realizamos um projeto de pesquisa com pesquisadores da Universidade Aix-Marseille sobre o trabalho docente, cujo objetivo era a transferência de conhecimentos de pesquisa. O projeto, intitulado “Analyser l’activité de professeurs de français au Brésil en préalable à l’élaboration d’une stratégie et d’une ingénierie de formation professionnelle continue”, teve financiamento da AUF (Agence Universitaire de la Francophonie) e seu objetivo principal era o de transformar resultados de pesquisa em conhecimentos e competências para a ação.

Nesse sentido, é válido ressaltar que a transferência de saberes produzidos nas pesquisas - ou nas intervenções - já tem sido praticada, tanto por trabalhos da Ergonomia da Atividade dos Profissionais da Educação (Goigoux, 2007Goigoux, R. (2007). Un modèle d’analyse de l’activité des enseignants. Éducation et didactique, 1(3), 47-69. https://doi.org/10.4000/educationdidactique.232
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; Félix, Saujat, 2015Félix, M.-C., & Saujat, F. (2015). L’intervention-recherche en milieu de travail enseignant comme moyen de formation. In V. Borer, M. Durand, & F. Yvon (Eds.), Analyse du travail et formation dans les métiers de l’éducation (pp. 201-18). De Boeck Supérieur. https://doi.org/10.3917/dbu.lussi.2015.01.0199
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), quanto em formação de professores através da análise das práticas (Lussi Borer, Müller, 2016Lussi Borer, V., & Müller, A. (2016). L’enquête collaborative comme démarche de transformation de l’activité d’enseignement : de la formation initiale à la formation continuée. In V. Lussi Borer, L. Ria (Eds.), Apprendre à enseigner (pp. 193-207). Presses universitaires de France. Disponível em: https://archive-ouverte.unige.ch/unige:112087
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). Félix e Saujat (2015Félix, M.-C., & Saujat, F. (2015). L’intervention-recherche en milieu de travail enseignant comme moyen de formation. In V. Borer, M. Durand, & F. Yvon (Eds.), Analyse du travail et formation dans les métiers de l’éducation (pp. 201-18). De Boeck Supérieur. https://doi.org/10.3917/dbu.lussi.2015.01.0199
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, p.216) afirmam: “quando o tempo da pesquisa sucede ao tempo da intervenção, os materiais produzidos na coanálise, que serviram de recurso a serviço do objetivo transformativo e formativo, podem então mudar de status tornando-se recursos a serviço dos objetivos epistêmicos”. No Brasil, intervenções, formações e pesquisas do grupo ALTER-AGE também têm desenvolvido essa questão, como pode ser constatado em Lousada (2017Lousada, E. G. (2017). Intervenção, pesquisa e formação: aprendizagem do trabalho educacional e desenvolvimento de professores. Horizontes, 35(3), 94-104. https://doi.org/10.24933/horizontes.v35i3.559
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) e Duarte (2017Duarte, N. A. (2017). O papel das entrevistas de aloconfrontação na formação de professores iniciantes de Francês como língua estrangeira. [Dissertação de mestrado em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês]. Banco de Teses da USP. https://doi.org/10.1017/CBO9781107415324.004
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). No caso desta pesquisa, tal processo também ocorreu, uma vez que os materiais das intervenções formativas com professores de francês de outros contextos foram empregados como recursos para o novo dispositivo de intervenção (conforme detalhamos na próxima seção). Destacamos que o caráter particularmente inovador deste estudo, no âmbito do grupo de pesquisa, esteve em trazer os vídeos produzidos do contexto do ensino do francês na extensão universitária para a intervenção com professores de francês da educação básica, mais especificamente do CEL, tornando essa transferência acessível a um novo público.

Em nossa pesquisa, os conceitos de contextualização e de transferência dos conhecimentos produzidos em pesquisa são os fundamentos centrais para a elaboração do dispositivo, os quais serão explicitados na seção a seguir, dedicada aos procedimentos metodológicos.

3. Procedimentos metodológicos

Nesta seção, descreveremos, em um primeiro momento, o contexto da intervenção; em seguida, as etapas de constituição e implementação do dispositivo de intervenção; e por fim, os objetivos da pesquisa com os procedimentos de seleção e análise dos dados.

Contexto

O contexto em que foi realizada a intervenção era composto de professores do Centro de Estudos de Línguas (CEL) da rede pública de ensino do Estado de São Paulo. Localizados em escolas públicas estaduais, os CEL oferecem aulas de língua normalmente no contraturno das aulas regulares. No ano de 2019, havia 290 CEL no estado, com um total de mais de treze mil alunos concluintes no conjunto dos seis módulos semestrais das línguas inglês, espanhol, alemão, francês, italiano, mandarim e japonês. Os alunos que podem se matricular são aqueles do 7o ano do Ensino Fundamental ao 3o ano do Ensino Médio. Os docentes são professores da rede estadual, das categorias PEB I, PEP II ou categoria O, que possuam conhecimento na língua estrangeira a ensinar.

A origem da intervenção se deu em um curso intitulado “Francês para Professores do Centro de Estudos de Línguas”, o qual consiste em uma formação de língua francesa para professores do CEL, oferecido conjuntamente pela Secretaria de Estado de Educação (SEDUC), com o apoio do Consulado da França em São Paulo, da Associação de Professores de Francês do Estado de São Paulo (APFESP) e pela coordenação do Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo (USP). Seu surgimento parte uma demanda observada pelo adido de cooperação linguística do Consulado entre os anos de 2015 e 2016. Havia um grande interesse dos professores de francês do CEL em participar de oficinas de formação da APFESP, no entanto não havia oferta de formações linguísticas contínuas que dessem conta de aperfeiçoar seu nível de francês, uma vez que a restrição de ensinar somente os níveis iniciais da língua tendiam a levá-los a uma estagnação da fluência em francês. Assim, o curso de francês para professores do CEL se iniciou em 2016, com uma média de 5 a 10 professores participantes por semestre.

As estruturas dos CEL proporcionam aulas de diversas línguas estrangeiras aos alunos, diferentemente do que acontece em muitas escolas de línguas particulares, que ensinam uma única língua. Por isso, muitas vezes os professores dos CEL relatam certo isolamento, uma vez que não possuem pares com quem discutir questões de seu métier, como a preparação das aulas, a troca de materiais, discussão sobre intervenções didáticas, etc. Assim, por trabalharem em escolas e até cidades diferentes, sendo os únicos professores de francês de suas escolas, eles rapidamente viram no espaço-tempo do curso uma oportunidade para romper com o isolamento, discutir e compartilhar dúvidas, dificuldades e sugestões sobre seu trabalho, desenvolvendo uma relação de confiança mútua, constituindo um coletivo de trabalho (Caroly & Clot, 2004Clot, Y., & Caroly, S. (2004). Du travail collectif au collectif de travail - Des conditions de développement des stratégies d’expérience, comparaison entre deux bureaux de poste. Formation et Emploi, 88, 43-55.).

Observando essa interação do grupo e a demanda informal da parte dos professores, uma das formadoras do curso, que possuía experiência com métodos de análise do trabalho docente (Silva, 2015Silva, E. C. (2015). O vivido, o revivido e os possíveis do desenvolvimento em diálogo: um estudo sobre o trabalho do professor de FLE com os conteúdos culturais. [Dissertação de mestrado em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês]. Banco de Teses da USP. https://doi.org/10.11606/D.8.2015.tde-29062015-125936
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, 2023; Lousada, 2017Lousada, E. G. (2017). Intervenção, pesquisa e formação: aprendizagem do trabalho educacional e desenvolvimento de professores. Horizontes, 35(3), 94-104. https://doi.org/10.24933/horizontes.v35i3.559
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), mestrado nessa área e que inicialmente tinha um objetivo apenas didático, em conjunto com a coordenação do curso, propôs uma intervenção longitudinal com o objetivo de analisar o trabalho prático do ensino do francês e proporcionar ao coletivo um aumento de seu poder de agir (Clot, 2008Clot, Y. (2008). Travail et pouvoir d’agir. PUF.). A proposta foi acolhida positivamente pelos professores que viram nela uma possível resposta à sua demanda. A participação nas reuniões e entrevistas para discussão das questões sobre o métier foi de caráter totalmente voluntário e em momento separado ou posterior ao momento do curso. Nesse cenário, a formadora do curso assumiu também o papel social de pesquisadora-interveniente na condução das entrevistas. Esses quatro momentos que dão origem à intervenção estão sintetizados nas primeiras quatro fases da Figura 1, em azul. Na próxima seção, descrevemos as fases da intervenção, sistematizadas na Figura 1, na cor salmão.

Figura 1
Etapas da pesquisa: da demanda à implementação do dispositivo de intervenção

As etapas do dispositivo de intervenção

Com base nas intervenções já realizadas no grupo de pesquisa (Lousada, 2017Lousada, E. G. (2017). Intervenção, pesquisa e formação: aprendizagem do trabalho educacional e desenvolvimento de professores. Horizontes, 35(3), 94-104. https://doi.org/10.24933/horizontes.v35i3.559
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) do qual a formadora-pesquisadora participava, o dispositivo buscou proporcionar, longitudinalmente, diferentes formas de analisar o trabalho, contextualizando-as em um campo novo: o do CEL. Suas etapas estão sintetizadas na Figura 1, na cor salmão, que compreende as etapas descritas a partir da “proposta de intervenção” até “retorno ao coletivo”.

Na primeira reunião coletiva, foram levantadas as dificuldades que os professores encontravam em sua atividade de ensino, ao final da qual eles escolheram duas delas para serem trabalhadas pontualmente: a questão do uso da língua materna (português) na aula de francês língua estrangeira e a questão da falta de motivação dos alunos em alguns momentos específicos.

Nas duas reuniões coletivas seguintes, foram realizadas aloconfrontações (Mollo & Falzon, 2004Mollo, V., & Falzon, P. (2004). Auto- and allo-confrontation as tools for reflective activities. Applied Ergonomics, 35(6), 531-540. https://doi.org/10.1016/j.apergo.2004.06.003
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; Leblanc, 2014Leblanc, S. (2014). Vidéo formation et transformations de l’activité professionnelle. Activités, 11(2), 143-171. https://doi.org/10.4000/activites.968
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) a respeito dos temas escolhidos. Nas aloconfrontações, o grupo de professores participantes se confrontou a filmagens de aula de contextos de ensino do francês diferentes do contexto do CEL. A professora-pesquisadora escolheu os filmes a serem mostrados aos professores e coordenou as discussões, que abordaram os temas escolhidos pelos professores (a falta de interesse dos alunos e uso do português na aula de francês). Foram utilizados vídeos da plataforma Néopass@ction (Ria & Leblanc, 2011Ria, L., & Leblanc, S. (2011). Conception de la plateforme de formation Néopass@ction à partir d’un observatoire de l’activité des enseignants débutants : enjeux et processus. Activités, 8(2), 150-172. https://doi.org/10.4000/activites.2618
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) e do contexto dos Cursos Extracurriculares de Francês da USP (Lousada, 2017Lousada, E. G. (2017). Intervenção, pesquisa e formação: aprendizagem do trabalho educacional e desenvolvimento de professores. Horizontes, 35(3), 94-104. https://doi.org/10.24933/horizontes.v35i3.559
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), ambos como elementos para que os professores discutissem aquelas questões e compartilhassem suas práticas.

No semestre seguinte, foi proposto que os professores trouxessem registros de suas aulas - podendo ser relatos em áudio, diários de aula ou filmagens - para que essas discussões continuassem, mas agora focando nos seus contextos específicos. Dois professores, de forma voluntária, registraram suas aulas em vídeo, a partir das quais foram feitas duas entrevistas em autoconfrontação simples e uma entrevista em autoconfrontação cruzada (Clot & Faïta, 2000Clot, Y., & Faïta, D. (2000). Genres et styles en analyse du travail. Concepts et méthodes. Travailler, 4, 7-42. ), em que os mesmos temas foram retomados. Finalmente, uma reunião de retorno ao coletivo foi realizada de maneira que os participantes pudessem compartilhar a sua experiência e conclusões.

Em se tratando de uma intervenção, a ideia é que, ao manter e alimentar o debate interpretativo (Bronckart, 2008bBronckart, J.-P. (2008b). Un retour nécessaire sur la question du développement. In M. Brossard, & J. Fijalkow (Eds.), Vygotski et les recherches en éducation et en didactiques (pp. 237-250). Presses Universitaires de Bordeaux. ) sobre as questões que preocupam esses professores, eles possam aumentar seu raio de ação sobre as situações e seu poder de agir (Clot, 1999Clot, Y. (1999). La fonction psychologique du travail. PUF. ). Assim, essa intervenção longitudinal não se encerrou na pesquisa, mas permanece ativa, tendo em vista que o grupo se modifica ligeiramente de um semestre para o outro, dando novos contornos às questões.

A pesquisa: procedimento de análise dos dados

No que se refere à pesquisa (Silva, 2023), foram dois os objetivos principais: a) implementar um dispositivo de intervenção longitudinal que pudesse dar conta da demanda dos professores, de forma adaptada ao contexto; e b) através da análise das representações veiculadas nos textos produzidos pelos professores em situação de análise do trabalho, identificar, descrever e analisar indícios de um possível desenvolvimento profissional durante sua participação na intervenção.

Para isso, o corpus contou com uma coleta de dados referente ao contexto do CEL e com o conjunto de transcrição das entrevistas, as quais foram analisadas linguístico-discursivamente segundo o modelo de análise de textos do ISD (Bronckart, 1999Bronckart, J.-P. (1999). Atividade de Linguagem, Textos e Discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. EDUC.) e a adaptação do mesmo para entrevistas em situações de análise das práticas (Bulea & Bronckart, 2012Bulea, E., & Bronckart, J.-P. (2012). Les représentations de l’agir enseignant dans le cadre du genre entretien. Raído, 6(1), 131-149. Disponível em: http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/Raido/article/view/1780
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). Segundo esse modelo, antes da análise linguístico-discursiva, propõe-se uma reflexão sobre o contexto de produção do texto (detalhado nos Procedimentos Metodológicos), procurando compreender sua influência na produção textual.

A fim de investigar indícios de um possível desenvolvimento profissional, buscou-se identificar, nas entrevistas, momentos-chave indicativos da criação de uma zona de desenvolvimento potencial (Clot, 1999Clot, Y. (1999). La fonction psychologique du travail. PUF. ), em que “a experiência se desenvolve pela mediação de conceitos e esses últimos pela mediação da atividade prática”. Para isso, identificamos e analisamos elementos linguísticos-discursivos que apontassem para a menção de conflitos acerca de seu trabalho, isso é, momentos de oposição ou contradição entre diferentes motivos em jogo no momento da ação, os quais podem implicar nas várias dimensões do métier. Essa análise seguiu três momentos.

  • a) Primeiramente, realizou-se a 1) identificação de conteúdos temáticos relacionados a um agir do métier e representados por lexemas referentes ao campo das dificuldades (difficulté) e modalizações apreciativas de teor negativo (difficile); e 2) mecanismos de textualização (articuladores no nível da conexão textual) e mecanismos enunciativos (vozes e modalizações) articulados a um agir característico do métier do professor que configuram tensões, oposições e algum tipo de descontentamento indicativos de conflitos do métier, a saber:

  • operadores argumentativos de oposição (mais), concessão (même si) ou alternância (ou, si)

  • marcadores discursivos de pessoa evidenciando oposição entre pessoas, contextos, instâncias (moi, vous, tu, il)

  • indicadores de oposições temporais (dans un premier moment, dans un deuxième moment)

  • cadeias anafóricas (problème, difficulté)

  • modalizações pragmáticas (je n’arrive pas, je ne réussis pas)

  • modalizações apreciativas negativas (c’est pas bon) ou positivas (c’est bon / bien)

  • modalizações lógicas que expressam incerteza (je ne sais pas)

  • b) Após a identificação do conflito, reconstituímos as tensões entre os pólos da atividade de ensino e as implicações das eventuais escolhas dos participantes representadas na entrevista, a fim de melhor compreendê-las. Pode-se verificar, nessa etapa, se a temática e as tensões envolvidas no conflito referente ao agir daquele professor é algo recorrente, ou similar em alguns aspectos, ao que acontece em outros contextos, caracterizando um conflito do métier.

  • c) Finalmente, procedemos a uma análise de caráter longitudinal em relação à entrevista, verificando se, ao longo da sequência daquela interação ou da sequência de entrevistas, há ou não presença de elementos que sugiram uma transformação das significações para o sujeito, constituindo, para a Clínica da Atividade, uma possível zona de desenvolvimento potencial e, para o Interacionismo Sociodiscursivo, espaços sociossemióticos de debate interpretativo em que as representações dos sujeitos podem ser reelaboradas, reconfiguradas. Para essa análise, os índices foram:

  • mudança nos mecanismos de responsabilização enunciativa (modalizações)

  • mudança nas categorizações utilizadas (cadeias anafóricas) para referir-se à dificuldade encontrada

  • mudança na percepção das dimensões do métier mobilizadas quando se fala dos conflitos (responsabilização enunciativa, vozes, operadores argumentativos)

Neste artigo, apresentaremos as análises de um excerto de uma entrevista que integra o corpus da pesquisa, com base nos procedimentos de análise acima descritos. O professor em questão é Pedro9 9 Nome fictício para resguardar a identidade do participante. , de 41 anos, formado em Filosofia, atuante nessa área e no ensino do francês, com um total de sete anos de experiência em ambos. Pedro começou a aprender francês quando estava na universidade, em um curso semestral; posteriormente, teve a oportunidade de morar na França por oito meses, por motivo de trabalho. Frequenta o curso de formação desde a sua oferta inicial (2016) e se mostrou sempre muito interessado em formações didáticas.

4. O uso do português na aula de língua estrangeira: do conflito ao debate interpretativo

A primeira reunião do dispositivo intervenção formativa foi dedicada ao levantamento das dificuldades dos professores em relação ao seu trabalho concreto. Os participantes foram convidados a falarem sobre suas dificuldades e ao final, coletivamente, elencaram duas questões para discussão posterior. Foram elas: o uso do português língua materna na aula de francês língua estrangeira e a questão sobre como manter o interesse dos alunos na aula, temas que foram objeto das aloconfrontações coletivas.

A problemática do uso do português reapareceu na aula gravada do professor Pedro e foi por ele comentada na entrevista em autoconfrontação simples (ACS), conforme verifica-se na transcrição abaixo. Na sua aula, ele estava trabalhando o tema “falar sobre a casa” com os alunos do módulo iniciante, ensinando especificamente os nomes dos cômodos através de uma imagem de uma casa, distribuída a todos os alunos.

Em determinado momento da aula, o professor Pedro mostra os andares da casa e diz: “Bien… il y a des maisons qui ont cette partie en bas qui s’appelle la cave. Vous savez qu’est-ce que c’est... une cave? La cave c’est… comment je peux dire… c’est le porão. Porão d’accord?”. Isso é, ao mostrar a parte da casa (cave - porão), ele usa a tradução para ensinar esse novo vocabulário.

Na ACS, ao assistir essa cena, o prof. Pedro para o vídeo e comenta:

No turno 43, Pedro observa que as professoras do curso de formação e as demais professoras que ele teve explicam os novos vocabulários utilizando a própria língua estrangeira e não fazem a tradução imediatamente, comparando esse modo de agir com sua própria prática, que “passa para o português muito facilmente”. Ele diz ainda que, às vezes, para de falar em francês e fala em português. A interveniente pergunta, então, se essa prática se relacionava mais aos seus hábitos ou se era uma demanda da classe. Pedro responde, no turno 45, que se justifica dizendo que é uma necessidade da sala, mas que, no fundo, ele passa “para o português” por causa de si mesmo.

Vemos que, nesse excerto, um conflito se delineia através de uma tensão que se estabelece inicialmente entre a prática do professor e a das formadoras que ele já teve (dimensões pessoal e interpessoal), o que se marca pela presença da oposição entre as vozes “toi et Marina / les autres profs” e “moi / nous”, referindo-se a ele e aos demais professores que participam do curso de formação. A essa oposição, ele adiciona um questionamento de sua prática através da modalização lógica que expressa incerteza (“je ne sais pas si ça c›est bon”). Incitado pelo questionamento da interveniente, o professor inicia uma reflexão acerca do que o mobiliza a utilizar o português. Ele conduz essa reflexão opondo “um primeiro momento” em que ele “se justifica dizendo que é uma necessidade da classe” a um segundo momento em que “no fundo”, ele faria essa passagem para o português “por causa de si mesmo” (dimensão pessoal). O debate interpretativo acerca do conflito continua se delineando através do operador argumentativo de oposição (mas - “mais”), da oposição entre esse primeiro momento ligado à necessidade da classe e um segundo momento ligado às suas características pessoais.

A interveniente então introduz nesse debate uma diferenciação no ato de “traduzir” ou de “usar o português”, vejamos:

Nos turnos 50 e 52, a interveniente introduz duas formas de observar o uso do português ou da tradução: uma ligada a eventos pontuais e isolados e outra para longos momentos de explicação e sugere que ele comece a identificar esses momentos em sua prática de maneira diferente. Assim, em 53, Pedro pergunta se pode ficar tranquilo com isso, solicitando implicitamente uma validação da interveniente, atribuindo-lhe o papel de formadora ou de par mais experiente. Em 54, a interveniente tenta sair desse papel, explicitando que não está assumindo o papel de julgar o que é correto ou incorreto, mas de compreender o que a tradução trazia para sua prática profissional.

Diante do questionamento, Pedro continua:

Em reação ao posicionamento da pesquisadora, que indicou como observar de outra forma o trabalho, mas que se isentou de julgar aquela forma de agir (turno 54), Pedro continua reavaliando sua prática. Em 55, Pedro retoma as tensões envolvidas nesse conflito, abordando agora novos fatores envolvidos no ato de traduzir ou não na sala de aula: o cansaço, a quantidade de aulas seguidas, o horário das aulas, apontando que em alguns momentos conseguia “fazer a coisa correta”, isto é, não traduzir, porém em outros momentos, pelo cansaço, acabava por passar ao português. Esse excerto articula ao anterior mais uma dimensão da atividade de ensino: a impessoal, referente às condições de trabalho ou da organização do sistema de ensino (Machado, 2007Machado, A. R. (2007). Por uma concepção ampliada do trabalho do professor. In A. M. Guimarães, A. R. Machado, & A. Coutinho (Eds.), O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas (pp. 77-97). Mercado de Letras. ).

As categorizações utilizadas (“la chose correcte” e “problème”) revelam, seja pela modalização apreciativa “correcte”, seja pelo lexema “problème”, o posicionamento do professor em relação ao tema. Para ele, passar para o português é visto como “problema” e isso o incomoda, o que percebemos por meio da modalização apreciativa (“ça me gêne un peu”). Nesse momento, vemos que, para além de apenas observar a tradução na aula de francês, a entrevista em autoconfrontação nos permite ter acesso à percepção do trabalhador sobre como as condições de organização do trabalho afetam o ensino, influenciam seu agir: o fato de dar quatro aulas seguidas uma vez na semana (ao invés de duas aulas, duas vezes na semana), para ele, implica em uma sobrecarga mental de se falar a língua estrangeira todo o tempo.

Até metade do turno 63, Pedro percebe o uso do português de forma negativa, o que observamos por meio de lexemas de teor negativo e modalizações apreciativas (problème, je ne sais pas si ça c’est bon). A entrevista evidencia a configuração de um conflito enquanto tensão constituída entre sua prática concreta, aquela vista no vídeo de sua aula (tradução da palavra cave por porão), e a representação que ele faz do que seria correto (la chose correcte), a prática das formadoras, que normalmente explicam as palavras novas em língua estrangeira e a influência das condições de trabalho. No entanto, alguns poucos turnos após a introdução de duas maneiras de ver a tradução (pontual ou longas explicações) pela interveniente, uma nova forma de perceber sua própria prática emerge:

Em 63, Pedro reavalia sua prática concreta (ici em referência ao seu agir registrado em vídeo) com modalizações pragmáticas e modalizações apreciativas de valor positivo (“mas aqui eu eu acho que consegui fazer direito… teve a tradução mas tudo bem”). Assim, há uma mudança de posicionamento em relação à ideia anteriormente elaborada, marcada pela presença dos operadores argumentativos de oposição (“mas tudo bem”), o que aponta para o fato de que ele passa a perceber a tradução pontual de outra forma. A presença de modalizações apreciativas de valor positivo (faire bien, c’est bien) evidencia uma alteração na postura enunciativa do professor acerca de sua prática.

No turno 65, essa mesma perspectiva se reafirma. Pedro observa: “aqui também eu disse sótão, eu fiz a tradução, mas eu acho que tudo bem porque para explicar talvez levaria muito tempo”. Nesse momento, a representação de Pedro sobre a tradução pontual se relaciona a uma nova dimensão de seu trabalho: o da gestão do tempo em função do objeto de ensino a ser trabalhado, verbalizadas com uma nova forma de raciocínio prevendo um uso da tradução com intencionalidade (“parce que pour”). Vemos, assim, que o uso da língua materna aparece, inicialmente, como algo negativo, advindo, provavelmente, de prescrições da didática (Calvé, 1993Calvé, P. (1993). Pour enseigner le français… en français. Canadian Modern Language Review, 50(1), 15-29. https://doi.org/10.3138/cmlr.50.1.15
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). Porém, ao longo da autoconfrontação, ele passa de algo que vai contra as prescrições nas aulas de língua estrangeira, a um recurso para que o professor use em seu favor, de maneira consciente e intencional.

Ao compreendermos a questão do uso da língua materna em aulas de língua estrangeira como uma orientação que vem das prescrições e que causa um conflito ao se deparar com a prática do professor na sala de aula, acreditamos que estamos diante de um possível conflito do métier de professor de língua estrangeria. Levantamos essa hipótese, pois encontramos essa prescrição em inúmeros textos da Didática das Línguas e, ao mesmo tempo, observamos esses conflitos em autoconfrontações com outros professores (Dantas-Longhi, 2013Dantas-Longhi, S. M. (2013). Como os jogos podem revelar outras dimensões do trabalho do professor de língua estrangeira? [Dissertação de mestrado em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês]. Banco de Teses da USP. https://doi.org/10.11606/D.8.2013.tde-30072013-103516
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, 2017Dantas-Longhi, S. M. (2017). A formação como trabalho. Análise da atividade do tuteur-formador de professores de francês como língua estrangeira. [Tese de Doutoramento em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês]. Banco de Teses da USP. https://doi.org/10.11606/T.8.2018.tde-12042018-130159
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; Silva, 2014Silva, E. C. (2014). L’analyse du travail enseignant pour la formation: enjeux et possibilités d’une expérience d’appropriation du cadre méthodologique de l’auto-confrontation. Non Plus, 5, 95-114. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-3976.v3i5p95-114
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, 2023; Duarte, 2017Duarte, N. A. (2017). O papel das entrevistas de aloconfrontação na formação de professores iniciantes de Francês como língua estrangeira. [Dissertação de mestrado em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês]. Banco de Teses da USP. https://doi.org/10.1017/CBO9781107415324.004
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; Lousada, 2019Lousada, E. G. (2019). Dialogues avec la Clinique de l’Activité et contributions pour la coanalyse de l’activité de travail de l’enseignant. 21 slides. Conferência Plenária no IV Colóquio Internacional de Clínica da Atividade. Bragança, São Paulo, Brasil. ). Em outras palavras, esse conflito entre a prescrição de não usar a língua materna em aulas de língua estrangeira e o confronto com a realidade em sala de aula que demanda que, em alguns contextos, a língua materna seja usada, parece ser muito presente no ensino de línguas estrangeiras e, portanto, no métier desses professores.

De acordo com a análise desse excerto, a pergunta da interveniente, ao introduzir duas formas de perceber o uso do português ou da tradução, permitiu que o professor elaborasse uma nova significação não somente da palavra ou do termo “uso da língua materna / tradução em aula de francês”, mas da sua práxis. As análises linguístico-discursivas do excerto acima nos permitem, através de seus indícios, caracterizar um debate interpretativo acerca da atividade de trabalho, em que se evidencia, a partir de um conflito colocado pelo professor em sua prática, uma passagem entre uma dada representação inicial (uso indistinto / não intencional da tradução) e uma nova representação sobre esse acontecimento (a diferenciação de quando usar a tradução / uso intencional), mediada pela introdução da distinção por parte da interveniente durante a situação de coanálise do trabalho, na autoconfrontação. As análises parecem apontar, assim, para a criação de novos espaços de compreensão, permitindo-se interpretar a experiência de outra maneira.

Nesse sentido, este estudo conclui juntamente com Bulea-Bronckart (2019Bulea-Bronckart, E. (2019). Des « jeux sémiologiques » à la base du développement et des apprentissages. Raisons éducatives, 23(1), 19-45. https://doi.org/10.3917/raised.023.0019
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) que:

de um ponto de vista do desenvolvimento, a capacidade de produzir raciocínios de diferentes ordens e de articulá-los nos parece um verdadeiro indício de profissionalização, à medida que ela testemunha a aquisição de instrumentos cognitivos consubstanciais ao exercício do métier e ao seu contexto específico (Bulea-Bronckart, 2019Bulea-Bronckart, E. (2019). Des « jeux sémiologiques » à la base du développement et des apprentissages. Raisons éducatives, 23(1), 19-45. https://doi.org/10.3917/raised.023.0019
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, p. 42, tradução nossa).

5. Considerações finais

Este artigo teve por objetivo descrever um dispositivo de intervenção formativa baseado na análise das práticas realizado com um grupo de professores de francês do CEL e apontar, através de uma análise linguístico-discursiva, de que maneira a intervenção pode proporcionar momentos indicadores de transformação das significações das experiências dos professores. Para tanto, descrevemos a criação e implementação desse dispositivo, expondo o contexto, as etapas de sua realização, bem como os procedimentos de seleção e análise dos dados utilizados na pesquisa, procurando atingir o objetivo mencionado acima. O dispositivo de intervenção apresentado considerou, de acordo com os pressupostos teóricos, a atividade de trabalho para além do que é observável, assumindo que o trabalho realizado é uma ínfima parte do que é possível, para retomar as palavras de Vygotski. Assumiu também que o emprego de métodos indiretos, como a autoconfrontação, possibilita reconstituir as dimensões impedidas da atividade e vislumbra que, através de uma dinâmica de interpretação das práticas, é possível haver transformação das significações das experiências vividas. Assim, o dispositivo não assume o desenvolvimento dos participantes a priori, mas concebe-o como um efeito potencial da interação entre a dinâmica linguageira e a dinâmica cognitiva sobre a práxis.

Com relação à implementação do dispositivo de intervenção, é fundamental pontuar a particularidade do contexto em que ela se inseriu, o que não nos parece invalidar posteriores tentativas de replicação ou adaptação. Alguns fatores chave parecem ter contribuído para que a intervenção se concretizasse de forma efetiva. Primeiramente, destacamos o fato de que a realização da proposta de intervenção com o contexto dos professores do CEL só foi possível graças à transferência de saberes produzidos pela pesquisa (Marion, Hulfort, 2015Marion, C., & Houlfort, N. (2015). Transfert de connaissances issues de la recherche en éducation: situation globale , défis et perspectives. Nouveaux cahiers de la recherche en éducation, 18(2), 56-89. https://doi.org/10.7202/1036033ar
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), tanto no nível da formação e atuação da interveniente que já havia experiência na condução de intervenções anteriores, quanto pelo uso dos materiais em vídeos produzidos no contexto das pesquisas sobre o trabalho do professor de francês na USP (Lousada, 2017Lousada, E. G. (2017). Intervenção, pesquisa e formação: aprendizagem do trabalho educacional e desenvolvimento de professores. Horizontes, 35(3), 94-104. https://doi.org/10.24933/horizontes.v35i3.559
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) ou sobre o trabalho de ensino produzidas na França, como a plataforma Néopass@ction (Ria & Leblanc, 2011Ria, L., & Leblanc, S. (2011). Conception de la plateforme de formation Néopass@ction à partir d’un observatoire de l’activité des enseignants débutants : enjeux et processus. Activités, 8(2), 150-172. https://doi.org/10.4000/activites.2618
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). Em segundo lugar, enfatizamos que a configuração do dispositivo foi pensada de maneira contextualizada ao público, que não tinha experiência prévia com situações de análise do trabalho concreto. Dessa forma, foi fundamental realizar as etapas com aloconfrontações coletivas, de maneira a fazer conhecer as situações de registro da atividade, de coanálise do trabalho em uma perspectiva de valorização, compartilhamento e transferência do saber profissional entre pares e não de julgamento. Ao assistir os profissionais se confrontando com sua prática, foi possível proporcionar uma familiarização com método da autoconfrontação antes de iniciá-lo no contexto. Em terceiro lugar, os professores foram convidados a registrar sua atividade concreta da forma como achassem melhor (áudio, diário, vídeo). Tal flexibilização e autogestão do registro de sua atividade parece ter gerado mais confiança e autonomia para que os professores filmassem a si mesmos. De maneira geral, esses fatores exemplificam o que evocamos anteriormente através do princípio da ancoragem contextual apresentado anteriormente e sustentam que esse movimento é extremamente necessário ao se propor uma intervenção em um novo contexto.

Com relação aos efeitos da intervenção, este trabalho apresentou análises linguístico-discursivas que caracterizam as tensões constitutivas de um possível conflito do métier de professor de francês como língua estrangeira e exemplificou de que maneira o trabalho de intervenção pode proporcionar momentos indicadores de transformação das significações das experiências dos professores. Através da análise das representações veiculadas nos discursos em situação de análise das práticas, no caso, uma entrevista em autoconfrontação simples, foi possível constatar a configuração de um conflito do professor participante sobre sua práxis, que apontava para uma concepção negativa e evitável do uso do português na aula de francês. Ao longo da entrevista em autoconfrontação, as representações iniciais sofreram alterações na interação com a interveniente, tornando-se positivas ao final do excerto analisado. O uso do português passou a ser visto de forma distinta (em termos de duração), contextualizada e submetida a uma intenção do professor (manter o ritmo da aula). Foi na interação em situação de análise das práticas, com a introdução de novos conceitos, que o debate interpretativo a respeito do trabalho concreto se realizou, o que parece nos mostrar uma transformação da significação por parte do professor. Sem assumirmos que o desenvolvimento esteja pressuposto pelo método (Saussez & Yvon, 2014Saussez, F., & Yvon, F. (2014). Problématiser l’usage de la co-analyse de l’activité en formation initiale à l’enseignement. In L. Paquay, P. Perrenoud, M. Altet, R. Étienne, & J. Desjardins. (Eds.), Travail réel des enseignants et formation (pp. 113-126). De Boeck Supérieur. https://doi.org/10.3917/dbu.paqua.2014.01.0113
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), propusemo-nos a identificar momentos em que a dinâmica interpretativa sobre a atividade de trabalho indicasse a criação de uma zona de desenvolvimento potencial (Clot, 1999Clot, Y. (1999). La fonction psychologique du travail. PUF. ) e mediada pela transformação das significações. Esse momento, a nosso ver, não garante, mas abre a possibilidade para que o sujeito aumente o raio do poder de agir (Clot, 2008Clot, Y. (2008). Travail et pouvoir d’agir. PUF.) sobre as situações concretas de sua prática.

Este trabalho espera contribuir, portanto, para apontar caminhos possíveis em direção à problemática da formação de professores e do desenvolvimento profissional. Pelo que expusemos, a elaboração e implementação de dispositivos de intervenção baseados em análise das práticas deve levar em conta o coletivo, a transmissão e circulação dos saberes profissionais e o debate entre profissionais sobre os critérios de eficácia e do trabalho bem realizado (Clot, 1999Clot, Y. (1999). La fonction psychologique du travail. PUF. ). Esse debate não deveria se restringir a saberes teóricos e conjecturas hipotéticas, mas seria mais profícuo se dialogasse com a prática concreta das situações de ensino de cada contexto, proporcionando uma análise longitudinal contextualizada, que possa acompanhar os profissionais de forma mais contínua e perene. Por fim, cabe ressaltar que as soluções encontradas e o desenvolvimento de novas compreensões sobre a prática podem e devem ser reapropriadas pelo coletivo de trabalho dos professores do CEL e dos professores de francês como língua estrangeira, de forma que eles possam ter instrumentos para transformar o trabalho e transformar-se no trabalho. Ao mesmo tempo, acreditamos que esse dispositivo de intervenção formativa que propusemos tem grande potencial para ser explorado em outros contextos de formação de professores.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - por meio de concessão de bolsa no Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior - processo 88881.188434/2018-01, com o apoio da bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2 e da bolsa CAPES-Print n. 88887.696492/2022-00.

Referências

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    » https://doi.org/10.11606/D.8.2015.tde-29062015-125936
  • 3
    Grupo de pesquisa ALTER - Análise de Linguagem, Trabalho e suas Relações - CNPQ
  • 4
    Grupo de pesquisa ALTER - AGE- Análise de Linguagem, Trabalho e suas Relações - Aprendizagem, Gêneros Textuais e Ensino - CNPQ
  • 5
    Tal visão dialoga tanto com a proposta da Ergonomia de “compreender para transformar” (Guérin et al, 2001Guérin, F. , Laville, A., Daniellou, J., Duraffourg, J., & Kerguelen, A. (2001). Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da ergonomia. Blücher.), quanto com a proposta da Clínica da Atividade de “transformar para compreender” (Clot & Faïta, 2000Clot, Y., & Faïta, D. (2000). Genres et styles en analyse du travail. Concepts et méthodes. Travailler, 4, 7-42. , p. 33).
  • 6
    Este trabalho emprega o termo “dispositivo de intervenção” no sentido empregado pela Ergonomia da Atividade dos Profissionais da Educação (Félix & Saujat, 2015Félix, M.-C., & Saujat, F. (2015). L’intervention-recherche en milieu de travail enseignant comme moyen de formation. In V. Borer, M. Durand, & F. Yvon (Eds.), Analyse du travail et formation dans les métiers de l’éducation (pp. 201-18). De Boeck Supérieur. https://doi.org/10.3917/dbu.lussi.2015.01.0199
    https://doi.org/10.3917/dbu.lussi.2015.0...
    ) referindo-se ao conjunto de procedimentos realizados longitudinalmente com um grupo de professores participantes, conforme descrito na seção de procedimentos metodológicos. Por se situar no campo da Educação, o trabalho de intervenção e de análise da atividade por ser considerado como formativo.
  • 7
    Vygotski (1925/2003) toma emprestado de Sherrignton a metáfora do funil.
  • 8
    É importante verificar os aspectos éticos implicados no uso dos materiais de intervenção provenientes de outros contextos. No nosso caso, os vídeos utilizados tinham esse uso já previsto no Termo de Consentimento, quando foram produzidos. De forma similar, os participantes desse estudo também assinaram Termos de Consentimento Livre e Esclarecido para participação na pesquisa, tendo sempre suas identidades resguardadas.
  • 9
    Nome fictício para resguardar a identidade do participante.

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados anonimizados que dá suporte aos resultados deste estudo foi disponibilizado no Banco de Teses da USP e pode ser acessado em https://doi.org/10.11606/T.8.2023.tde-04072023-123407 .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2022
  • Aceito
    21 Fev 2024
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