RESUMO
Este artigo discute como elementos da dimensão cinésica na oralidade potencializam a construção da figura da madrasta em uma narrativa cinematográfica e como são percebidos por estudantes da Educação Básica. O trabalho foi desenvolvido a partir da vivência de uma oficina pedagógica com discentes do Ensino Médio de uma escola particular na região metropolitana do Recife. Os dados foram áudio-gravados e analisados qualitativamente sob um prisma interpretativista. Para embasar teoricamente a discussão, recorremos a teóricos/as da oralidade, tais como, Schneuwly e Dolz (2004), Marcuschi (2010), Dionisio (2007), Costa-Maciel (2014), Leal (2022) e Araújo (2021), no que se refere ao estudo dos aspectos cinésicos na construção de sentidos. Os resultados evidenciaram que movimentos do corpo, o gestual, as expressões faciais e os olhares assumem papéis de destaque na construção de sentido e corroboram o estereótipo associado à figura da madrasta representada em película cinematográfica. Além disso, apontam para a necessidade de ampliação de discussões com os discentes no processo de ensino e de aprendizagem formal a respeito do papel que ocupam as questões cinésicas na construção de sentidos.
Palavras-chave: oralidade; dimensões cinésicas; narrativa cinematográfica; madrasta
ABSTRACT
This article explores how elements of the kinesic dimension in orality enhance the construction of the stepmother figure in a cinematic narrative and how these elements are perceived by secondary education students. The study was conducted through a pedagogical workshop with high school students from a private school in the metropolitan region of Recife. The data were audio-recorded and qualitatively analyzed from an interpretative perspective. To theoretically support the discussion, we draw on scholars of orality, such as Schneuwly and Dolz (2004), Marcuschi (2010), Dionisio (2007), Costa-Maciel (2014), Leal (2022), and Araújo (2021), with a focus on the study of kinesic aspects in meaning construction. The results highlighted that body movements, gestures, facial expressions, and gazes play prominent roles in meaning-making and reinforce the stereotype associated with the stepmother figure as portrayed in cinematic films. Additionally, the findings underscore the need to expand discussions with students within the formal teaching and learning process regarding the role kinesic elements play in constructing meaning.
Keywords: orality; kinesic dimensions; cinematic narrative; stepmother
1. Considerações Iniciais
Neste artigo, discutimos como elementos da dimensão cinésica potencializam a construção da figura da madrasta em uma narrativa cinematográfica e como são percebidos por discentes da Educação Básica. Nele, salientamos a necessidade de percebermos que, no ensino desses aspectos, estamos lidando com um conjunto de linguagens que se completam e formam sentido, a saber “que co-ocorrem ao mesmo tempo em que falamos: a gestualidade, a postura corporal, a expressão facial e o direcionamento do olhar” (Bentes, 2010, p. 134).
Essa perspectiva está alinhada aos princípios de Dolz et al. (2004), ao afirmarem que o texto verbal é intimamente concatenado ao corpo. Nessa direção, defendem que os elementos cinésicos estejam incorporados ao ensino do gêneros para que se reflita sobre a produção de sentidos, observando: atitudes corporais, movimentos, gestos, troca de olhares, mímicas faciais; posições dos/as locutores/as (ocupação de lugares, espaço pessoal, distância, contato físico); aspecto exterior (roupas, disfarces, penteado, óculos, limpeza); disposição dos lugares (iluminação, disposição de cadeiras, ordem, ventilação, decoração)” (Dolz et al., 2004, p. 134). Para o trabalho com os aspectos cinésicos, ressaltamos mais adiante as discussões propostas por Araújo (2021).
Entendemos que toda produção discursiva é sustentada por múltiplos lentes de sentido, apresentando um caráter multissemiótico que transcende recursos estritamente linguísticos, “os processos de produção e de recepção dos discursos e textos (orais e escritos) envolvem necessariamente a mobilização, por parte do produtor do e/ou receptor, sonoridades, visualidades, movimentos, texturas etc.” (Bentes, 2010, p. 131). Assim, lançamos a seguinte questão: De que forma os aspectos cinésicos contribuem para a construção do papel associado à figura da madrasta na narrativa cinematográfica “Cinderela”?
Para desenvolver este trabalho, realizamos uma oficina pedagógica com treze (13) discentes do 1º ano do Ensino Médio matriculados em uma escola da região metropolitana da cidade de Recife, Pernambuco, Brasil. Consideramos, na análise produzidas pelos/as discentes, os meios não linguísticos do gênero textual filme de longa metragem (Schneuwly & Dolz, 2004), que está relacionada à comunicação não verbal por meio de gestos, expressões faciais, posturas e movimentos corporais. Os dados foram capturados por áudio-gravação e foram tratados a partir da dimensão qualitativa de pesquisa (Bogdan & Biklen, 1994; Minayo, 2013), mediante elementos interpretativista (Bortoni-Ricardo, 2008). Na transcrição dos áudios, fomos fiéis aos textos dos/das estudantes mantendo e respeitando a variedade linguística empregada por eles/as.
A escassez de pesquisas que tratem da relação entre aspectos cinésicos (relacionados às questões ligadas às expressões faciais, olhares, postura e movimentos), a construção de sentidos e uma compreensão mais completa das intenções e emoções transmitidas durante uma interação oral, no âmbito de uma produção fílmica, reforça a contribuição deste texto para as vivências de sala de aula e de formação discente. Além disso, ocupa uma lacuna de trabalhos que relacionem aspectos cinésicos e narrativa fílmica a figuras femininas, colaborando para se pensar na superação de estereótipos de personagens femininas.
Organizamos este artigo em duas partes: na primeira, dissertamos sobre a dimensão cinésica do oral e sobre o multiletramentos, tendo em vista o objeto deste texto toma como corpus uma narrativa cinematográfica; na segunda parte, trazemos a análise dos dados, destacando imagens de cenas fílmicas e as interações do grupo-sala envoltas na base teórica que sustentou a nossa análise. Desejamos que este texto se apresente como um convite à reflexão e à criação de novos olhares sobre a temática abordada.
2. Dimensões do oral e multiletramentos: considerações teóricas
Como tratamos de aspectos cinésicos da oralidade em uma película cinematográfica, entendida aqui como objeto dos multiletramentos, é necessário discutirmos teoricamente sobre essas questões. Iniciamos, portanto, definindo oralidade na perspectiva de Marcuschi (2010, p. 25), para quem ela deve ser entendida “como uma prática social interativa e essencial no processo de comunicação para fins comunicativos”. No que tange à sua manifestação, essa oralidade “se apresenta sob várias formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora” (Marcuschi, 2010, p. 25).
Nesse sentido, tomamos a primeira acepção com que o oral se manifesta, segundo o autor, nas “várias formas”. Defendemos, aqui, essas formas como dimensões ou saberes (Costa-Maciel, 2014; Leal et al., 2012). Neste trabalho, destacamos alguns aspectos cinésicos, que, segundo Araújo (2021), estão relacionados a uma linguagem corporal desenhada pelos/as interlocutores/as no processo de comunicação, atrelados à postura corporal e facial, bem como a movimentações empregadas pelo corpo e à movimentação dos/as interlocutores/s no espaço onde a interlocução acontece (Dolz et al., 2004; Araújo, 2021). Ademais, “quando falamos, usamos não só a voz, mas também o corpo, pois fazemos gestos, meneios de cabeça, entoações que podem sinalizar uma pergunta, uma crítica, um elogio, por exemplo” (Dionisio, 2007, p. 178). Assim, as interações discursivas orais são multimodais (Dionisio, 2007).
Entendemos que o reconhecimento das potencialidades dos aspectos cinésicos na narrativa cinematográfica aproxima nosso artigo das normativas da Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil, 2018), em que a oralidade é assumida como eixo de ensino. O referido documento visa a contemplar as mais diversas expressões textuais nas quais a oralidade se faz presente, trilhando pelas diversas práticas de linguagem contemporâneas, envolvendo novos gêneros e textos, cada vez mais “multissemióticos” e “multimidiáticos”, e buscando novas formas de interação, de modo a atingir um público plural e interativo (Brasil, 2018).
A BNCC (Brasil, 2018), no eixo destinado aos estudos da oralidade, apresenta pontuais referências a termos que dialogam com as discussões construídas no presente texto, dentre elas destacamos “multimodalidade” e “elementos paralinguísticos e cinésicos”. Salientamos, nesse ponto, a sugestão de objeto de conhecimento: “aspectos não linguísticos (paralinguísticos) no ato da fala” (Brasil, 2018, p. 92), trazendo como habilidade a ser desenvolvida pelo/a estudante/ coletivo-sala a atribuição de “significado a aspectos não linguísticos (paralinguísticos) observados na fala, como direção do olhar, riso, gestos, movimentos da cabeça (de concordância ou discordância), expressão corporal, tom de voz” (Brasil, 2018, p. 93).
Dentre as habilidades destacadas na BNCC, uma delas traz o trabalho a ser desenvolvido com as práticas de oralidade, as quais envolvem os elementos não verbais, o que inclui os meios cinésicos (Dolz et al, 2004, p. 134).
(EM13LP14) Produzir e analisar textos orais, considerando sua adequação aos contextos de produção, à forma composicional e ao estilo do gênero em questão, à clareza, à progressão temática e à variedade linguística empregada, como também aos elementos relacionados à fala (modulação de voz, entonação, ritmo, altura e intensidade, respiração etc.) e à cinestesia (postura corporal, movimentos e gestualidade significativa, expressão facial, contato de olho com plateia etc.) (Brasil, 2018, p. 500).
No eixo da análise linguística/semiótica, também encontramos referência aos elementos cinésicos e à gestualidade na construção dos sentidos, como citado:
No caso de textos orais, essa análise envolverá também os elementos próprios da fala - como ritmo, altura, intensidade, clareza de articulação, variedade linguística adotada, estilização etc. -, assim como os elementos paralinguísticos e cinésicos - postura, expressão facial, gestualidade etc. (Brasil, 2018, p. 80).
Corroborando com os estudos sobre gestos, buscamos embasar essa discussão no conceito de “matriz gesto-fala”, em que “gestos e fala compartilham um estágio computacional (são partes da mesma estrutura psicológica); eles estão conectados internamente” (Mcneill, 1985, p.353 - grifo do autor; tradução nossa). Isso possibilita o entendimento de que gesto e fala estão associados ao mesmo processo cognitivo e interacional.
Cumpre lembrarmos que, nas esferas de comunicação, as dinâmicas comunicacionais exigem dos/as interlocutores/as multiletramentos, ou seja, novas formas de se comunicar e expressar sentidos, diante de um cenário social tão plural e dinâmico. Para Rojo (2012, p. 19), os textos que exigem multiletramentos “são aqueles compostos de muitas linguagens (ou modos, ou semioses) e que exigem capacidades e práticas de compreensão e produção de cada uma delas (multiletramentos) para fazer significar”.
Como um elemento cultural, a produção audiovisual partilha de recursos diversos, não se restringindo apenas à transmissão de informações ou conhecimentos, é também uma estratégia que visa a partilhar sentimentos e emoções, expressos, dentre outras aspectos, pelos meios cinésicos, foco deste artigo. A educação pela arte cinematográfica é um dos grandes desafios dos educadores, porque, mesmo sendo um meio de comunicação e expressão, propicia uma melhor visão de mundo, colaborando na formação de jovens conscientes, críticos e reflexivos, aproximando-os de sua comunidade (Prado, 2010, p. 2).
Todas essas questões permitem ao/à professor/a uma maior visão de seu grupo-sala e permite que ele/ela dê seus direcionamentos e aprofunde importantes discussões em um ambiente de troca e partilhas. A seguir, procedemos com a análise dos dados, dialogando com a categoria “aspectos cinésicos na oralidade”.
3. Aspectos cinésicos na construção da figura da madrasta em narrativa cinematográfica: análise dos dados
Neste artigo, discutimos como elementos da dimensão cinésica da oralidade, vista sob o olhar de estudantes da Educação Básica, potencializam a construção da figura da madrasta em uma narrativa cinematográfica. Por isso, selecionamos fragmentos das interações ocorridas em uma oficina pedagógica para atingir o propósito visado. A oficina, vivenciada em 2023, foi estruturada em 20 horas/aula, divididas em seis (6) encontros, na sala de aula uma escola privada da Região Metropolitana de Recife. Utilizamos áudio-gravação para registrar e preservar as informações, conforme Bortoni-Ricardo (2008, p. 62), que destaca a importância de se revisitarem os dados para esclarecer dúvidas e refinar teorias. A faixa etária dos/as participantes era entre 14 e 16, e todos eles/as, por questões éticas, receberam nomes fictícios, criados aleatoriamente de acordo com seu gênero social.
No contexto da oficina, apresentamos ao grupo-sala o filme “Cinderela” (Branagh & Weitz, 2015). A película em questão foi escolhida devido à proximidade do grupo com o conto de fadas de mesmo nome e escrito por Charles Perrault. Além disso, é também nessa narrativa que o estereótipo da “madrasta má” ganha forte visibilidade. Apesar de muitos/as participantes terem assistido ao filme em outra fase de suas vidas - especialmente na infância -, o grupo mostrou-se bastante atento à exibição e engajado, principalmente nas discussões propostas. Ao longo da exibição da película, o coletivo analisou a narrativa com um olhar para a figura da Cinderela. Muitos/as alunos/as teciam comentários sobre as personagens, levando em consideração suas relações com a Cinderela. Algumas cenas e quadros geraram reflexões, como as que veremos a seguir, com a fala da aluna Júlia, que compartilhou as suas impressões sobre o papel da madrasta no filme.
Excerto 1: A madrasta tem um papel sempre com um ar de maldade. Ela usa o corpo sempre muito reto, você não vê ela se curvando pra nada nem pra ninguém. Ela só fica reta e olha para as coisas de cima.
Na fala da aluna, a personagem, ao longo do filme, apresenta um figurino que marca seu corpo esguio, apresentando ombros bem estruturados de maneira ampla e larga, com um figurino que ganha mais destaque com seus cabelos ruivos bem penteados, com curvas e ondulações e chapéus grandes e com abas largas (Figura 1). Tudo isso chamou a atenção dos/das estudantes, conforme notamos no Excerto 1. Sem adjetivar, a estudante Júlia observa a postura de arrogância da madrasta (Figura 2), o que se revela no comentário apresentado anteriormente. Cumpre lembrarmos que a dimensão verbo-visual “participa ativamente da vida em sociedade e, consequentemente, da constituição dos sujeitos e das identidades” (Brait, 2009, p. 143), por isso seus efeitos de sentido são importantes na análise do filme e no trabalho com a língua portuguesa em sala de aula.
Mário, por sua vez, aproveita a fala de Júlia e faz a seguinte colocação sobre a figura da madrasta:
Excerto 2: A questão da postura dela, a gente vê ela sempre muito séria, com expressões faciais de nojo e meio que uma inveja. E as irmãs acabam se inspirando na mãe para reproduzir os comportamentos com a Cinderela.
Ao analisar as expressões faciais e corporais da personagem, o aluno Mário considera-a muito séria, enjoada e invejosa. Isso revela que a dimensão cinésica da oralidade contribui para a produção de sentidos que o texto verbal, por si só, talvez não construísse isoladamente. Por essa razão, reforçamos que tal dimensão deve ser considerada no trabalho com a oralidade em sala de aula, haja vista não ser algo apenas ilustrativo, mas se tratar de um signo ideológico (Volóchinov, 2018). Isso porque “o diálogo entre diferentes textos constrói sentidos por meio das especificidades da dimensão verbo-visual” (Brait, 2009, p. 143). Nesta análise, apesar de focalizarmos especificamente no não verbal, não nos esquecemos que o filme ora analisado é composto também de um texto verbal, que foi debatido em sala de aula com os/as estudantes.
Partindo dessa colocação, propomos ao coletivo-sala o início de uma análise de momentos da narrativa nos quais a ideia de vilania, maldade e outros predicados são associados à figura da madrasta, de modo a entendermos como isso se dá na construção da película, observando tanto elementos linguísticos quanto não linguísticos. Assim, retomamos um momento inicial do filme, no qual a madrasta acompanha às escondidas uma conversa de Cinderela com seu pai. Essa situação pode ser notada nas figuras a seguir:
A posteriori, perguntamos ao coletivo-sala sobre os sentidos que poderiam ser observamos nesse pequeno trecho do filme a partir do texto verbal em conjunto com o não verbal. Patrícia faz a seguinte colocação:
Excerto 3: A gente vê um rosto que começa rindo [ao sair da festa que estava acontecendo] e depois um rosto que fica sério, em silêncio, ao ver ele conversando com ela [Cinderela] e falando sobre ela [madrasta], ela muda a expressão, não sei se fica com raiva ou ciúme mesmo, porque eles falam da mãe de Cinderela.
Cecília faz a seguinte observação a respeito da fala de Patrícia:
Excerto 4: Dá uma sensação de ciúme mesmo, como se ela não gostasse de falar da primeira esposa dele. Isso alimenta uma competição que a gente vê muitas vezes entre mulheres na vida real. O olhar dela assusta muito.
Essa colocação permitiu uma breve reflexão junto ao grupo a respeito da trajetória dessa figura da madrasta ao longo da história, desde a origem latina do termo “madrasta” (significa “nova mulher do pai”; forma depreciativa para mater, que significa “mãe”). O iDicionário @ulete Digital (2024, s/p) reforça esse sentido, ao trazer a seguinte acepção figurativa para a palavra madrasta: “mãe ou mulher má, pouco carinhosa, insensível”. A expressão madrasta assumiu conotações peculiares quando, devido ao falecimento das mães, muitas crianças eram cuidadas pelas novas esposas de seus pais. Nessa reconstrução familiar, as novas esposas assumiram a responsabilidade de cuidar dos enteados e dos seus filhos biológicos e, embora não existam registros que comprovem cientificamente tal abordagem, àqueles estavam reservados o direito de nem sempre serem bem-vindos no novo seio familiar.
Assim, atitudes consideradas condenáveis recaem sobre essa mulher, preservando a figura maternal reservada à mãe. De acordo com Bettelheim (2002), essa figura materna dotada de amor incondicional e imensurável é substituída pela figura da madrasta:
Assim, a divisão típica do conto de fadas entre a mãe boa (normalmente morta) e uma madrasta malvada é útil para a criança. Não é apenas uma forma de preservar a mãe interna totalmente boa, quando na verdade a mãe real não é inteiramente boa, mas permite à criança ter raiva da “madrasta” malvada sem comprometer a boa vontade da mãe verdadeira, que é encarada como uma pessoa diferente. Assim, o conto de fadas sugere a forma da criança lidar com sentimentos contraditórios que de outro modo a esmagariam neste estágio onde a habilidade de integrar emoções contraditórias apenas está começando. A fantasia da madrasta malvada não só conserva intacta a mãe boa, como também impede a pessoa de se sentir culpada a respeito de uma culpa que interferiria seriamente na boa relação com a mãe (Bettelheim, 2002, p. 73).
Para a madrasta, sobram os papéis antagônicos à figura da mãe, recebendo predicados que as caracterizam como vingativas, ciumentas, invejosas, soberbas, entre outros (Bettelheim, 2002). Além disso, em muitas histórias, sua personalidade é marcada por episódios nos quais ela submete figuras órfãs a trabalhos forçados e humilhantes; em outras, as madrastas preparam armadilhas para seus/suas enteados. Tais aspectos são reforçados no filme por meio da dimensão cinésica e visual, como observado pelos/pelas estudantes (Excerto 3 e 4).
Em uma das falas, a aluna Patrícia fala sobre o silêncio da personagem ao visualizar a conversa entre pai e filha. Essa observação nos aproxima do que se conhece por linguagem não verbal, que, para Siqueira (2006, p.4), envolve o estudo do corpo, entendido como “instrumento básico para análise e reflexão”, visto que o corpo fala mesmo sem a utilização do verbal4. Nesse entendimento de que o corpo fala, percebemos que, em uma conversa face a face, é pouco provável que alguém tenha interagido “sem transmitir sinais inconscientes na testa, na forma de um mover de sobrancelhas ou de um franzir da pele - movimentos indicativos de mudança de humor” (Morris, 2005, p.31).
Assim, entendemos que a comunicação não verbal, além de se manifestar a partir de expressões faciais, olhares, postura corporal, também tem no silêncio um elemento pleno de sentido (Cunha, 2005, 2001), visto que há silêncios que falam e há até silêncios que são eloquentes, isto é, que dizem mais ou melhor do que palavras (Cunha, 2005, 2001). Ademais, as pausas - ou silêncios - são elementos típicos da oralidade e apresentam funções discursivas e interacionais diversas, como o planejamento verbal. Logo, o silêncio faz parte da oralidade assim como o som também o faz. Na verdade, a oralidade é construída de sons emitidos pela voz humana e dos sons concatenados a ela.
Outro elemento que chama a atenção de uma das alunas é o olhar, que causa uma espécie de susto. Para Morris (2005), é intimidador o olhar fixo de uma pessoa irritada, furiosa. A interpretação das alunas caminhou para esse sentido: olhar de ameaça.
Na trilha da narrativa, o pai da personagem morre e ela acaba ficando com sua madrasta, submetida a trabalhos braçais e vivendo com suas irmãs. Essas, por sua vez, atribuem um apelido jocoso a Ella - Cinderela5 -, visto que essa estava suja de cinzas devido ao trabalho na cozinha. Além disso, impedem que Cinderela sente-se à mesa durante uma refeição. A partir disso, questionamos ao coletivo-sala o que eles/elas podem inferir desse momento, e Bárbara traz a seguinte colocação:
Excerto 4: Aí a gente pode ver essa competitividade entre as figuras femininas, né? As filhas passam a reproduzir os maus tratos que a mãe delas tem com Cinderela.
Polyane completa a fala de Bárbara com a seguinte colocação sobre a figura da madrasta:
Excerto 5: Professora, engraçado que ela é tão ruim que nesse momento ela tá usando uma roupa que normalmente é associada à figura de uma fera, uma estampa estilo animal print [risos].
Nesse momento, o coletivo-sala ri, e voltamos às cenas anteriores. Notamos que a construção visual é determinante para a produção de sentidos, haja vista o verbal e o visual estarem amarrados, combinados (Brait, 2013). A tomada de consciência disso por parte dos/das estudantes é necessária à compreensão da oralidade como um todo, formada por um conjunto de signos ideológicos (Volóchinov, 2018) que produzem sentidos diversos. Além disso, a análise de tais dimensões é enfatizada na BNCC (Brasil, 2018), não sendo aleatória sua análise em sala de aula com os/as alunos/alunas. Então, congelamos a imagem a seguir e questionamos o grupo a respeito dos elementos que poderiam ser identificados.
De pronto, Sofia pede o turno e se coloca de maneira empolgada:
Excerto 6: Aí a gente vê o que Poly falou. A roupa que ela “tá “usando, a sua postura, meio de superioridade em relação a Cinderela. As mãos na cintura, como se fosse um porte que ela tem, meio que pra mostrar que é ela que manda.
Felipe pede a fala e diz:
Excerto 7: Ainda tem essa cara dela, né, professora, sempre irritada, com raiva, como se fosse mesmo melhor que Cinderela, feito Sofia falou.
As colocações dos/a participante/s reforçam os aspectos cinésicos, dentre os quais se destacam os movimentos corporais, gestos, as trocas de olhares, mímicas faciais; distância entre os participantes, contato físico; destacando também o aspecto exterior: roupas, disfarces, penteados (Schneuwly & Dolz, 2004).
Sobre a questão dos gestos, Dolz et al (2004) destacam que a oralidade envolve outros meios além dos elementos linguísticos e prosódicos. Assim, os autores versam sobre a premissa de que as relações estabelecidas em uma interação oral vão além de recursos verbais. Isso reforça o que os autores dissertam sobre a “comunicação não linguística”, cujo entendimento de determinadas situações pode ser assimilado a partir das expressões faciais, posição/postura corporal do interlocutor durante o processo interativo.
Nas análises dos/das estudantes, eles/elas salientaram questões relacionadas à disposição do corpo em relação a outros interlocutores, movimentações de mãos e cabeça, olhares, disposição dos interlocutores no espaço físico etc. Relacionamos tais observações aos estudos de Araújo (2021), cujas observações estão relacionadas às estratégias de linguagem corporal que servem de suporte à fala.
Nesse movimento de coleta dos dados aqui expostos, a partilha dessas colocações era sempre marcada por grande surpresa por parte dos alunos/as. Em rápidas observações individuais, o coletivo-sala percebeu que esse filme fez parte da infância de muitos/as deles/as, embora o olhar que fora debruçado sob a narrativa tenha sido um olhar mais infantil, ainda condicionado à perspectiva do “final feliz”, na certeza de que a jovem garota precisa da figura de um homem para salvá-la de uma madrasta má.
As colocações de algumas alunas estão associadas ao movimento que foi organizado inicialmente na oficina pedagógica, momento no qual, junto ao coletivo-sala, discutimos questões relacionadas à figura da mulher na sociedade e como essa se comporta diante das relações de gênero entre homens e mulheres. Seguindo com as análises pertinentes aos aspectos cinésicos na construção da figura da madrasta, apresentamos duas imagens:
No primeiro momento (Figura 7), a madrasta descobre que um grande baile será ofertado pelo rei, visto que ele deseja encontrar uma noiva para seu filho. Demonstrando um comportamento abjeto para com a jovem Ella, Lady Tremain - a madrasta - proíbe a jovem de comparecer ao baile, não lhe ofertando um vestido novo. No segundo momento (Figura 8), a madrasta e suas filhas observam Cinderela (sem a identificarem), que dança ao centro do grande salão nobre com o príncipe.
Os/As alunos/as começam a observar o comportamento das filhas de Lady Tremain. Assim, questionamos o coletivo-sala: Como podemos identificar possíveis sentidos produzidos por meio da linguagem corporal da madrasta e de suas filhas nessas cenas? A estudante Regina pede a fala e tece a seguinte observação:
Excerto 8: A filha de rosa que eu não sei o nome [risos] na primeira cena demonstra que realmente não quer que a Cinderela vá, parece que ela acha bom a forma como a mãe dela fala com a Cinderela. Na segunda, é a inveja mesmo, né? [risos].
Diego faz a seguinte colocação:
Excerto 9: A de amarelo também não fica atrás, ela fica sempre rindo, achando graça das coisas, mesmo quando faz algumas coisas erradas. O sorriso dela no primeiro aí é meio de [...] não é vingança [...], mas é como se fosse prazeroso pra ela ver que a Cinderela não vai pro baile. E na outra só pode ser inveja, ciúme [...].
Os/As alunos/as trazem, novamente em suas falas (Excerto 8 e 9), como as expressões faciais podem incidir sobre um determinado contexto e promover o sentido e corroborar com a intencionalidade discursiva do interlocutor. Notamos, em ambos os excertos, que os/as discentes elaboram sentidos a partir das dimensões cinésicas da oralidade e do visual, qualificando os sentimentos expressados pelas personagens pela cor de sua vestimenta e pelas expressões faciais e corporais, tais como ciúme e inveja. Para Pedrosa (2009), apesar de o amarelo simbolizar sentidos positivos, como fartura e luz, também representa desespero, despeito e traição. Já o rosa, junção de vermelho e branco, pode simbolizar infantilidade. A cor das vestimentas das personagens chama a atenção do coletivo-sala, que se refere a elas justamente pela cor das roupas (Excerto 9).
João Pedro aponta brevemente como elas são diferentes da protagonista na película, e Diego coloca uma outra visão a respeito da situação.
Excerto 10: A Cinderela sempre tá feliz, sempre tá agradecida, mesmo a madrasta colocando ela pra baixo, mas ela sempre tem aquela postura de que tá tudo certo, que vai ficar tudo bem.
Patrícia pede a fala e compartilha com o grupo que questões envolvendo os gestos e as expressões faciais aparecem com mais força quando a Cinderela chega ao baile. Seguimos, então, com o filme, pausando no quadro a seguir, que mostra o momento exato em que a madrasta avista Cinderela usando um vestido que fora de sua mãe, para ir ao baile.
Analisemos, então, a interação verbal entre as duas personagens no quadro em questão.
Lady Tremaine: Cinderela? Cinderela: Não lhe custou nada. Era um vestido antigo da minha mãe. Eu ajeitei sozinha. Drizella: Olha! Cinderela no baile. Ninguém quer uma criada como noiva (risos). Lady Tremaine: Depois de tudo que tenho feito. Cinderela: Eu não quero atrapalhar nada. Eu nem quero conhecer o príncipe. Lady Tremaine: Ahh, não vai. Porque não há chance de você ir ao baile. Cinderela: Mas... Todas as donzelas da região foram convidadas. Por ordem do rei! Lady Tremaine: É, no rei que eu estou pensando. Era um insulto a figura real levar você ao palácio vestida nesses trapos velhos. Lady Tremaine: Trapos? Ele era da minha mãe. Lady Tremaine: Sinto muito lhe dizer isso, mas o gosto da sua mãe era questionável. Essa... coisa é tão antiquada. E está praticamente caindo aos pedaços. (Lady Tremaine rasga uma parte do vestido) ombro rasgou. Está se desfazendo (rasga outra parte do vestido). Drizella: É uma piada ridícula e fora de moda (rasga outra parte do vestido). Cinderela: Não devia ter feito isso. Lady Tremaine: Como faria diferente? Eu não quero que alguém associe minhas filhas a você. Vai arruinar as chances delas se as virem chegando com uma criada esfarrapada. Porque isso é o que você é. E é isso que sempre será (aproxima-se do rosto de Cinderela). Apontando os dedos em direção a Cinderela) Agora guarde minhas palavras: você não poderá ir ao baile!A transcrição sinaliza como a construção de sentido na cena se dá a partir da combinação entre os elementos cinésicos e o texto verbal utilizado na interação entre as personagens. No trecho, as expressões faciais e corporais intensificam a cena. Lady Tremaine exibe desdém e superioridade, com gestos deliberados ao rasgar o vestido de Cinderela, reforçando sua postura intimidatória. Cinderela, com expressões de choque e tristeza, tenta se proteger com uma postura mais retraída, enquanto Drizella, demonstrando raiva e satisfação, rasga o vestido de forma exagerada e teatral. Esses elementos visuais e gestuais destacam a crueldade de Lady Tremaine e Drizella e a vulnerabilidade de Cinderela, criando uma cena impactante.
Perguntamos ao/às estudantes se conseguiam visualizar algo de diferente com as personagens que aparecem nesse trecho/imagem, em relação às outras situações analisadas. O grupo sugere apenas questões citadas anteriormente, tais como o olhar intimidador que incide sob a protagonista, a expressão facial séria e que inspira raiva pelo contexto vivenciado. Entretanto, o que pode ser ressaltado nesse quadro/imagem é a questão da proxemia/proxêmica, que pode ser entendida como uma parte da linguagem não verbal, como a linguagem corporal (Farsani & Rodrigues, 2021), considerando a maneira como “as pessoas se autorregulam no espaço e como se movem no espaço” (Collier, 1995, p. 235).
A maneira como a madrasta se aproxima da protagonista, mantendo uma proximidade de seu rosto (diferente das outras situações, nas quais ela mantém uma certa distância) e apontando o dedo para seu rosto sugere uma intimidação (Figura 9), conecta o verbal com o visual, possibilitando que o interlocutor entenda a mensagem sem necessitar de palavras. Para Calbris (1990), observando sob a lente da cultura ocidental, os gestos de apontar (ou gestos dêiticos) configuram-se como categorias que indicam quem, onde e quando. Os dedos que apontam são, comumente, empregados para ordenar, comandar ou culpar. Por sua vez, o gesto de mão aberta com a palma voltada para cima representa uma superfície, não uma linha, simbolizando um presente ou uma oferta. Por conseguinte, esse gesto de mão é mais educado e amigável, e menos imperativo.
Apresentamos ao coletivo-sala diversas imagens que, na narrativa, aparecem quando os súditos do príncipe tentam encontrar a dona do sapato de cristal. Como a madrasta havia prendido Cinderela no porão, um dos integrantes da comitiva do rei ouve o canto da jovem Ella e decide, sob as ordens do príncipe, investigar a presença de outra jovem na casa. Analisamos a transcrição a seguir:
Capitão: Senhorita sua presença foi solicitada. Deve se apresentar ao seu rei. Lady Tremaine: Eu a proíbo que faça isso. Capitão: Eu a proíbo de proibi-la. Quem é a senhora para deter o oficial do rei? É uma imperatriz? Uma santa? Uma divindade? Lady Tremaine: Eu sou a mãe dela. Cinderela: Você nunca foi. E nunca irei substituir a minha mãe. Capitão: Venha, senhorita. (sai) Lady Tremaine: (segurando o braço de Cinderela com força) Lembre-se de quem você é, miserável.
Nesse recorte, é possível observarmos como o texto verbal se edifica em sentido a partir dos elementos visuais e cinésicos na narrativa cinematográfica, que atribui profundidade ao diálogo. Lady Tremaine, ao afirmar sua posição como “mãe”, exibe uma expressão facial que sugere certa indignação, acompanhada de uma postura dominadora (Figura 11). Quando Cinderela declara que Lady Tremaine nunca foi sua mãe, a expressão facial reflete determinação e rejeição, um gesto de afastamento que enfatiza sua separação emocional (Figura 12). A interação física entre Lady Tremaine e Cinderela, com a madrasta segurando o braço de sua enteada com força (Figura 13), é um elemento cinésico crucial para a construção do enredo da narrativa cinematográfica, enriquecendo o entendimento das emoções e dinâmicas de poder em jogo, intensificando o impacto da interação oral.
Em seguida, solicitamos ao coletivo-sala que observasse a sequência de imagens apresentada a seguir (Figuras de 14 a 17, entre outras) e expusessem suas colocações.
Seguindo com a observação de Patrícia, aluna então faz a seguinte colocação:
Excerto 11: Agora a gente vê que o rosto dela não é mais de soberba, é uma cara de medo, porque ela mentiu pro príncipe junto com o duque. Olha os olhos dela, meio que baixo, como que se esconde.
Tal observação faz referência à imagem 14 e à 17. Nelas os/as estudantes percebem nuances de medo e desespero na personagem, através de um olhar fixo arregalado ou que se esquiva, da cabeça erguida com certa rigidez ou que se inclina ao solo. Para Miguel (2015, p. 157),
O medo é despertado frente a um evento causado pelo ambiente ou por outra pessoa, e que é avaliado como ameaçador [...], tipicamente resultando numa resposta de fuga que objetiva colocar o indivíduo em segurança. Alguns modelos localizam a ansiedade dentro da categoria medo, pois, em ambos os casos, considera-se a emoção como uma resposta a um perigo.
A figura 15 nos oferece ainda a percepção de medo por parte da madrasta, visto que ela se encontra na iminência de ser descoberta. Buscando as inferências dos/as alunos/as, Diego comenta: “Gostei do jeito da Cinderela. Enfrentou mesmo a malvada [risos]”.
A postura assumida pela protagonista corrobora com a sensação de medo que pode ser percebida no comportamento da madrasta. Ela se sente encurralada diante dos seus planos de não apresentar a jovem Ella ao príncipe. Diferentemente das imagens anteriores, questionamos o seguinte: As imagens 14 e 17 reforçam as mesmas características das demais? Sofia se adianta em dizer:
Excerto 12: Não, agora ela não tem mais medo, ela tá frustrada, deu tudo errado, ela só não perde a pose no começo [risos].
Apesar do silêncio da cena (figura 17), os alunos analisaram adequadamente os sentidos das expressões faciais das personagens, demonstrando que, no exame de alguns textos e discursos, o verbal e o não verbal são indissociáveis (Brait, 2009), caso da obra cinematográfica.
Em síntese, os aspectos cinésicos na construção da figura da madrasta se expressam de diversas maneiras. Desde a sua postura hostil para com aqueles que cruzam o seu caminho, até os olhares lançados ao outro durante sua elocução. Pouco expressivas e manifestando frieza em suas ações e feições, a personagem se demonstra impositiva e autoritária diante da protagonista da narrativa. Na análise de textos orais, a observação dos meios cinéticos, parte da verbovisualidade do discurso, são imprescindíveis para a construção dos sentidos, não podendo ser ignorados no estudo em sala de aula. Para isso, estudos como este são necessários, já que possibilitam serem adaptados a outros contextos de ensino, de modo a atendermos ao que preconiza a BNCC (Brasil, 2018).
4. Considerações Finais
Neste artigo, exploramos como os aspectos cinésicos da oralidade contribuem para a construção da figura da madrasta na narrativa cinematográfica “Cinderela”. Ao longo do estudo, ficou evidente que os movimentos corporais, gestos, expressões faciais e olhares desempenham papéis cruciais na criação de sentidos, reforçando estereótipos culturalmente enraizados sobre a personagem da madrasta. Esta análise permitiu compreender melhor como elementos não verbais podem influenciar a interpretação de personagens em narrativas audiovisuais.
A pesquisa também destacou a importância de integrar discussões sobre a dimensão cinésica da oralidade no contexto educacional. Ao promover uma análise crítica e detalhada dos elementos não verbais em filmes, nós, docentes, podemos ampliar a compreensão dos/das estudantes a respeito da linguagem cinematográfica e suas complexidades. Isso, por sua vez, contribui para uma formação mais holística e reflexiva dos/das jovens, preparando-os/as para interpretar e questionar as mensagens subjacentes nas mídias audiovisuais.
Além disso, a investigação mostrou que a análise cinésica não apenas enriquece a interpretação de personagens e narrativas, mas também oferece insights sobre como as práticas culturais influenciam a percepção de comportamentos e características. Mediante a observação e a discussão dos gestos e expressões das personagens, os/as estudantes puderam refletir sobre as construções sociais e culturais presentes nas narrativas cinematográficas.
Outro ponto relevante levantado pela pesquisa é a necessidade de se considerar a multimodalidade no ensino da oralidade. A BNCC já aponta a importância de trabalharmos com elementos paralinguísticos e cinésicos no ensino de língua portuguesa, e este estudo reforça essa orientação ao mostrar como esses elementos podem ser explorados de forma eficaz em sala de aula. Ao incluir a análise de elementos não linguísticos, os/as educadores podem desenvolver linguísticas e não verbais mais abrangentes nos/nas alunos/as, preparando-os/as para interações comunicativas mais complexas.
Em suma, este estudo contribuiu para uma maior compreensão da dimensão cinésica da oralidade na narrativa cinematográfica e sua importância no contexto educacional. Ao promover uma análise crítica dos gestos e expressões faciais em personagens como a madrasta de “Cinderela”, destacamos a relevância de considerar esses elementos no ensino da oralidade. Essa abordagem não só enriquece a análise das narrativas, mas também promove uma formação mais crítica e reflexiva dos estudantes, alinhando-se às diretrizes da BNCC e às necessidades de um mundo cada vez mais multimodal e interativo.
Agradecimentos
Aos/Às participantes da pesquisa, por seu compromisso com as atividades realizadas. Ao professor Eduardo Francisco Ferreira, pela tradução do resumo para a língua inglesa.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Nov 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
16 Abr 2024 -
Aceito
28 Jun 2024