Open-access Nem tudo é o que parece: A disputa semântica sobre a tortura no sistema de justiça criminal

Not Everything Is as It Seems: The Semantic Dispute over Torture in the Criminal Justice System

RESUMO

O artigo analisa de que maneira a lei no 9.455/97 tem sido aplicada pelo sistema de justiça criminal. A partir da seleção de pesquisas e trabalhos desenvolvidos entre 2008 a 2018, buscamos ressaltar as principais contribuições analíticas realizadas, bem como formular, a partir destes trabalhos, considerações a respeito do tratamento dado à apuração e ao processamento de crimes de tortura pelo sistema de justiça criminal. Argumentamos que os atores jurídicos têm pautado a apuração desse crime a partir de fatores alheios à dinâmica delitiva, afetando significativamente a compreensão do que é tortura, bem como ações para seu enfrentamento.

Palavras-chave: tortura; sistema de justiça criminal; violência; lei no 9.455/97; atores jurídicos

ABSTRACT

Not Everything Is as It Seems: The Semantic Dispute over Torture in the Criminal Justice System analyses how law no 9.455/97 has been applied by the criminal justice system. From the selection of research and work that took place between 2008 and 2018, we highlight the main analytical contributions and formulations made from these works, the considerations regarding the treatment given to the determination and processing of torture crimes by the criminal justice system. We argue that legal actors have based the determination of the crime on factors unrelated to the criminal dynamics, significantly affecting the understanding of what torture is as well as actions to confront it.

Keywords: torture; criminal justice system; violence; law no 9.455/97; legal actors

Introdução

"Pau de arara também funciona. Sou favorável à tortura, tu sabes disso. E o povo é favorável também" (FOLHA DE S. PAULO, 28/03/2019). A frase do então deputado federal e atual presidente da República, Jair Bolsonaro, externaliza, de certo modo, a ideia de que a tortura constitui um tipo de prática que, apesar de violenta, tem alguma justificativa. Para além dos efeitos e significados que se pode explorar a partir de tal fala, nós a destacamos como forma de propor um convite à reflexão sobre como práticas de tortura permanecem como um expediente cujo apoio ou escusa está em contínua disputa na sociedade brasileira1. Mais especificamente, nos interessa compreender como determinados atores-chave mobilizam categorias sociais para definir um caso de violência como tortura e, portanto, crime, e utilizam essa tipificação.

Considerando-se que o sistema de justiça criminal representa um lócus privilegiado para a compreensão de como certos tipos de práticas sociais são interpretados como crimes (MISSE, 2008), procuramos neste texto ressaltar as principais interpretações produzidas no bojo do Judiciário a respeito de práticas de tortura. Este texto analisa as produções acadêmicas realizadas por pesquisadores, organizações não governamentais e projetos de pesquisa financiados pelo governo que se dedicaram a compreender de que modo a lei no 9.455/97 (BRASIL, 1997), conhecida como Lei da Tortura, tem sido mobilizada pelos diferentes atores que compõem o sistema de justiça, como delegados, promotores de justiça e magistrados. Consideramos que essas produções, quando estudadas de forma transversal, permitem observar de que maneira a legislação vem sendo utilizada, sobretudo como forma de caracterizar determinadas ações violentas como práticas de tortura.

Outra escolha metodológica utilizada deve-se ao lapso temporal estabelecido para a análise. Consideramos que a década de 2008 a 2018 foi bem representativa quanto à produção de investigações a respeito da aplicabilidade da Lei da Tortura. Nesse aspecto, compreendemos que, embora existam outras produções que versam sobre essa temática, os trabalhos aqui discutidos referem-se, especialmente, às disputas em torno do sentido atribuído à tortura, a partir do enquadramento legal dessa lei no bojo das rotinas e dinâmicas particulares do sistema de justiça criminal (VARGAS, 2000).

Este texto não discute abordagens que se dedicaram a refletir a Lei de Tortura sob o viés histórico ou o dogmático-jurídico. Do mesmo modo, não nos ocupamos de pesquisas em que episódios de tortura são abordados de forma tangencial. Assim, embora existam trabalhos no mesmo período que versam sobre violência institucional, policial, audiências de custódia etc. e relatam diferentes episódios de tortura, eles não serão abordados com profundidade nesta proposta, uma vez que essas não são suas questões centrais. Destacamos, por fim, que esta não é uma análise exaustiva, mas uma amostra constituída por trabalhos que consideramos os que trazem mais descrições e contribuições sobre o desempenho dos atores do sistema de justiça criminal quando da aplicação da lei no 9.455/97. Assim, este texto destaca de que maneira essas pesquisas trouxeram relevo a alguns aspectos centrais quanto ao processamento e julgamento de crimes de tortura, especialmente nas etapas de investigação, formação de culpa e condenação/absolvição de indivíduos por práticas desse tipo, nos moldes da referida lei.

Em boa medida, os elementos produzidos no bojo do sistema de justiça criminal cristalizam, por vezes, percepções sociais difundidas na sociedade e, igualmente, fornecem um retrato atualizado quanto a permanências e mudanças vigentes no sistema de justiça criminal.

Este texto se divide em três partes. Na primeira, sumarizamos alguns aspectos referentes à própria edição da Lei de Tortura. Na sequência, apresentamos uma síntese da amostra de trabalhos que compilamos, dos quais destacamos os elementos mais representativos quanto à incriminação da tortura pelo sistema de justiça criminal e a aplicação da lei no 9.455/97. Finalmente, na última parte, fazemos algumas considerações que entendemos centrais para compreender a aplicação da Lei de Tortura pelo sistema de justiça brasileiro.

A edição da Lei de Tortura

A Constituição Federal de 1988 consagrou uma série de direitos e garantias legais que materializam de modo mais preciso demandas oriundas dos movimentos sociais engajados nos processos de redemocratização do país. A proibição da tortura representa uma dessas demandas que receberam atenção por parte do legislador constituinte2, reflexo também do papel significativo que essa forma de violência operou ao longo do período de ditadura civil-militar (TEIXEIRA, 2012; JOFFILY, 2014). A escolha dos constituintes por deixar expressa a reprovação à prática de tortura sugeria, em princípio, que essa forma de violência seria moralmente/socialmente reprovável.

A despeito de a promulgação da Constituição ter ocorrido em 1988, na sequência, nenhuma legislação foi sancionada no sentido de tipificar o crime de tortura. Dessa forma, embora houvesse um mandamento constitucional pela proibição da tortura, o sistema de justiça criminal não tinha dispositivos legais capazes de definir ou responsabilizar penalmente qualquer indivíduo por sua prática3.

Em 1994, aparece o primeiro projeto de lei sobre o assunto a tramitar no Congresso Nacional. O projeto de lei (PL) no 4.716/94 (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1994) visava à criminalização da tortura, seguindo uma tramitação ordinária4. No entanto, a discussão em torno do referido projeto somente é retomada após os eventos de março de 1997 na chamada Favela Naval em Diadema, São Paulo (GLOBO, 31/03/1997), levados a conhecimento do grande público por meio da veiculação, no Jornal Nacional, de imagens de policiais militares extorquindo, torturando e executando moradores da favela. As gravações, produzidas por um dos moradores da favela e amplamente divulgadas pela mídia, trouxe ao debate público a ação ilegal e violenta do Estado. A resposta institucional, naquele momento, foi tomada pelo Congresso Nacional, que colocou em pauta a discussão do projeto de lei de 1994 (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1994).

O PL sofreu poucas alterações e foi promulgado em pouco mais de um mês depois de ter sido colocado em debate (SENADO FEDERAL, 1997). A Lei de Tortura foi promulgada nos seguintes termos:

Artigo 1º. Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Pena - reclusão, de dois a oito anos (Ibid., p. 1).

Possas (2014) argumenta que, embora os movimentos sociais e demais atores políticos estivessem cientes de que o combate à tortura necessitava de medidas alternativas - como a capacitação de policiais, o aprimoramento dos atores do sistema de justiça criminal, entre outros -, a escolha por priorizar uma legislação punitiva era uma resposta imprescindível naquela oportunidade. Nesse sentido, a autora aponta como a edição da Lei de Tortura constituiu não apenas um momento de confluência de uma série de interesses, sobretudo dos movimentos sociais e de outros grupos historicamente interessados em ações mais efetivas de enfrentamento a tal forma de violência, mas também um ato cooptado pelo campo político como uma resposta imediata e simbólica à violência estatal exposta na mídia (POSSAS, 2014).

Outro ponto que merece destaque é o fato de a lei não considerar a tortura um crime próprio5, como considera a Convenção Contra a Tortura da ONU, mas um crime comum. Ou seja, qualquer pessoa pode ser denunciada por crime de tortura. Diversos autores, como Franco (1997), Shecaira (1997), Juricic (2002), Cabette (2006), Burihan (2008) e outros, argumentam que esse seria um dos pontos críticos da lei no 9.455/97: a divergência entre a lei brasileira e as convenções internacionais contra a tortura teria como um de seus principais efeitos a não punição de agentes do Estado, que, historicamente, utilizam esse tipo de violência em suas rotinas profissionais. As pesquisas de Maia (2006), Jesus (2010) e Calderoni (2015) mostram que há maior punição a casos envolvendo não agentes de Estado.

A partir da edição da lei no 9.455/97, abriu-se a possibilidade de formação de uma perspectiva analítica voltada a entender o comportamento dos atores do sistema de justiça criminal em relação à criminalização de práticas de tortura. Quais seriam as ações, interpretações, seleções e efeitos da apuração de casos desse tipo? Os trabalhos a seguir sintetizados colaboram para perceber os modos e meios pelos quais a legislação tem sido empregada. Além disso, fornecem um retrato bastante interessante sobre os múltiplos contextos e dinâmicas sociais em que a tortura tem sido utilizada na sociedade brasileira.

Alguns achados de pesquisas

Consideramos que a edição da lei no 9.455/97 conferiu a possibilidade de se acionar instâncias policiais e judiciárias para a incriminação de práticas de tortura. Em outras palavras, a criação de uma legislação específica contra a tortura deu respaldo legal ao Estado e suas instituições para criminalizar e punir indivíduos por práticas desse tipo6. Diante da ausência de uma lei específica que criminalizasse esse tipo de violência, não era possível processar e condenar penalmente indivíduos por crimes dessa natureza. A lei tem, portanto, um papel bastante significativo na interpretação de eventos violentos como práticas de tortura do ponto de vista jurídico.

Nessa dimensão, entender a interpretação desse fenômeno social sob uma classificação de crime conduz a reflexões sobre os dispositivos acionados e acionáveis para a incriminação de práticas desse tipo (MISSE, 2008, 2010). Ademais, essas interpretações amplificam os espaços de circulação de valores e conceitos quanto a essa forma de violência, enquanto provocam disputas e ressignificações sobre o que é tortura.

Na presente proposta, levamos em consideração a dimensão da tortura no plano jurídico-legal e sua aplicabilidade pelo sistema de justiça criminal, justamente por entendermos que o processamento judicial desses casos revela como atores jurídicos interpretam essa violência e quais fatores são mobilizados para justificar que determinadas agressões sejam enquadráveis ou não como tortura. Nas seções seguintes, apontamos alguns estudos que discutem aspectos relativos aos entraves, ajustes e elaborações decorrentes da aplicação da lei no 9.455/97.

Revisão das pesquisas sobre tortura e justiça criminal

Um dos trabalhos iniciais que abordaram a aplicabilidade da Lei de Tortura advém da pesquisa de Maria Gorete M. de Jesus (2010). A autora analisou 51 processos de crimes de tortura das varas criminais situadas no Fórum da Barra Funda, na cidade de São Paulo, distribuídos de 2000 a 2004 e julgados em primeira instância até 2008. O total de réus denunciados nesses 51 processos era 203, sendo 181 agentes do Estado (policial militar, civil, agentes penitenciários, monitor de unidade de internação), 12 civis (não agentes do Estado) e dez pessoas presas acusadas de terem torturado outros presos. Dos 181 agentes do Estado, 127 foram absolvidos, 33 foram condenados por crime de tortura e 21 foram condenados por outro crime (lesão corporal ou maus tratos). Entre os 12 civis acusados, três foram absolvidos, seis foram condenados por crime de tortura e três foram condenados por outro tipo penal, ou seja, metade dos casos resultou em condenação dos acusados. Em suas conclusões, Jesus considerou que a lei no 9.455/97 é mais utilizada para condenar pessoas comuns do que para punir agentes do Estado (JESUS, 2010).

A partir de uma análise qualitativa dos processos, a autora percebeu que havia uma nítida diferença entre os julgamentos com réus comuns e aqueles em que os acusados eram agentes do Estado. No primeiro grupo, o julgamento se concentrava no agressor: sua fala era colocada em questionamento a todo o momento. Em contrapartida, nos casos envolvendo agentes do Estado, o julgamento se concentrava na vítima: o que estava em avaliação era se a vítima era confiável e se estava realmente falando a verdade. A condição da vítima, geralmente pessoa presa, detida ou suspeita criminosa, a colocava no centro do julgamento. Não era mais o crime de tortura que estava em julgamento, mas a própria vítima. Ao agressor era conferida toda a credibilidade, principalmente por ser ele um agente do Estado. A pesquisa destacou que o perfil da vítima e o do acusado pesam para a classificação de uma determinada conduta como tortura. A categoria analítica formulada pela autora (agentes públicos e privados) foi posteriormente utilizada por outros pesquisadores (Ibid.).

Na sequência, destacamos a pesquisa coordenada por Vivian Calderoni e Maria Gorete M de Jesus (2015), que teve por objetivo entender como os tribunais de justiça (TJs) do país se posicionavam a respeito do reexame de casos de tortura. Esse estudo conseguiu constatar alguns fatores importantes para se entender de que modo decisões colegiadas nos tribunais brasileiros refletiam tendências e similaridades a respeito do uso da lei no 9.455/97. Um dos principais destaques deve-se à constatação de que os TJs atuavam de forma muito parecida ao que constatou Jesus (2010). Nesse sentido, haveria uma maior punibilização de agentes privados por práticas de tortura que de agentes públicos. De acordo com os resultados da pesquisa, os casos que envolviam agentes públicos apresentaram duas vezes mais chances de ter sua decisão de condenação convertida em absolvição nos TJs que nos casos envolvendo os agentes privados. Do total de casos envolvendo agentes públicos, 35% foram absolvidos. Entre os casos envolvendo agentes privados, 11% foram absolvidos em segunda instância. Um dos argumentos mais comuns encontrados nos acórdãos para a decisão de absolvição dos acusados estava relacionado às provas, consideradas insuficientes para comprovar a violação e/ou a autoria (CALDERONI et al., 2015).

Verificou-se também uma baixa incidência de casos dessa natureza nos TJ estaduais. O estudo conseguiu reunir, ao longo de cinco anos, apenas 455 decisões que versavam sobre a aplicação da lei no 9.455/977. Constitui-se por si só um fator emblemático, uma vez que, a despeito de não ser possível realizar um quadro comparativo em relação a outros delitos, é sugestivo que o reexame de casos de tortura em segunda instância e, consequentemente, a mobilização da lei no 9.455/97 tenham ocorrido em um número ínfimo de ocorrências.

Outro trabalho centrado no posicionamento dos TJs foi realizado por Dani Rudnicki e Moisés de Oliveira Matusiak (2016), que levantaram 92 decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entre 2009 e 2013. Os autores identificaram uma sobrerrepresentação de casos envolvendo agentes privados (74 casos do total), o que atribuem à condição de vulnerabilidade das vítimas (criança, mulher, idoso etc.). Por contarem com uma rede de proteção legal (conselhos tutelares e delegacias da mulher), elas teriam seus casos mais notificados ao Ministério Público por meio dos prontuários, ofícios produzidos por essas instituições, instaurando mais procedimentos investigativos (RUDINICK e MATUSIAK, 2016). As vítimas dos casos envolvendo agentes públicos que também estavam em condição de vulnerabilidade (suspeitos de delitos e pessoas presas), por sua vez, não dispõem de uma rede de proteção efetiva. Dessa maneira, o sistema de justiça daria maior crédito à conduta dos agentes públicos e, por conta disso, episódios de violência reportados por suspeitos e presos seriam menos apurados ou processados.

A pesquisa de Fernando Salla, José de Jesus e Maria Gorete M. de Jesus (2016) se dedicou a compreender como os órgãos de polícia e de justiça apuram, investigam, processam e julgam crimes de tortura, especialmente aqueles praticados por agentes do Estado. A pesquisa foi realizada em três diferentes cidades do país: Goiânia, Curitiba e Belo Horizonte. Ela teve como fonte principal os documentos produzidos para investigar e/ou processar crimes de tortura, na fase administrativa e na judicial, em primeira e segunda instâncias. O trabalho procurou identificar casos de tortura entre 2010 e 2013 junto às corregedorias das polícias Civil e Militar e do sistema penitenciário e socioeducativo e TJs desses estados

A falta de registros confiáveis e sistematização dos casos por esses órgãos, além da opacidade sobre como as instituições do sistema de segurança e de justiça apuram as denúncias, foram algumas das constatações da pesquisa. Quando apresentam algum mecanismo de armazenamento de dados sobre os procedimentos instaurados, essas instituições nem sempre contam com uma posterior sistematização e padronização dessas informações, de modo a subsidiar a produção de indicadores ou o desenho de políticas públicas.

Além disso, o estudo demonstrou que as investigações não produzem provas consistentes, limitando-se, no mais das vezes, ao confronto de depoimentos entre agentes públicos - valorizados e inquestionáveis - e vítimas - socialmente desclassificadas como “bandidos”, “presos”, “criminosos” (SALLA et al., 2016).

Há, portanto, uma condução precária das investigações por parte das instituições, além de uma baixa notificação e de uma defasagem na produção de parâmetros e registros qualificados. Além disso, os casos em que há um maior conjunto probatório são mais exitosos.

A pesquisa de Mayara Gomes (2017) analisou casos de tortura apurados pelo sistema de justiça criminal da cidade de São Paulo. Foram selecionados 36 inquéritos policiais e processos-crime já arquivados e julgados de acordo com a lei no 9.455/97 com tramitação de 2004 a 2014. A autora descobre que os casos de maior êxito no processamento, chegando ao sentenciamento, são aqueles que provêm de incriminações em flagrante. Segundo ela, isso se deve à forma como tais casos ingressaram no sistema de justiça.

Sérgio Adorno e Wânia Pasinato (2010) demonstraram, em pesquisa sobre impunidade penal, que o flagrante exerce grande influência na conversão de boletins de ocorrência em inquéritos policiais. À mesma conclusão chegou a pesquisa sobre inquéritos policiais no Brasil coordenada por Misse (2010). Análises mais recentes sobre o funcionamento do sistema de justiça criminal na cidade de São Paulo também apontam a centralidade do flagrante nas práticas policiais (KULLER, 2016; JESUS, 2018).

Mayara Gomes (2017) destaca o modo como elementos alheios à dinâmica do crime de tortura constituem fatores relevantes para compreender a baixa notificação de casos desse tipo no sistema de justiça criminal. Controles informais e subjetivos produzidos nos núcleos familiares e dinâmicas afetivas atuariam como mecanismos de controle, influenciando a denúncia de tais casos às instituições policiais e de justiça. Assim, os casos envolvendo agentes privados (pais, mães etc.), por exemplo, teriam como obstáculo o fato de agressores e vítimas estarem em relacionamentos prévios de parentesco, papéis afetivo-sexuais, de crença ou comunhão religiosa. Tais pré-configurações contribuiriam para que as vítimas não conseguissem ou fossem desencorajadas a expor as práticas de tortura em dinâmicas familiares, afetivas e religiosas.

Em casos com agentes públicos, aponta a autora, o temor, a baixa confiança nas instituições de justiça e a rotinização da violência colaboram para que esse tipo de violência não seja notificado ou não seja classificado como tortura, afetando significativamente a forma como tais casos são conduzidos (Ibid.). Em ambos os perfis (público e privado), argumenta, a baixa notificação tem como efeito a dificuldade de diagnóstico da real incidência dessa forma de violência nas relações sociais. Assim, atores do sistema de justiça, sobretudo promotores e juízes, são pouco interpelados a atuar em casos do tipo, contribuindo para uma distorção na percepção desses agentes quanto à realidade e à quantidade de casos de tortura, praticados em dinâmicas da esfera privada ou envolvendo agentes públicos (Ibid.).

As pesquisas desenvolvidas pela Pastoral Carcerária (2010, 2016, 2018) também são relevantes para apontar como a tortura é parte indissociável da forma como os estabelecimentos de contenção e detenção de pessoas no país funcionam. Ela seria um componente inscrito nas diversas dinâmicas estabelecidas nesses espaços, correspondendo a uma forma difusa de violência que afeta substancialmente a condição de pessoas em situação de prisão. Nesses ambientes, ela se constituiria não apenas de violência física e psicológica, mas também da falta sistemática de atendimento médico, de alimentação adequada e água potável (PASTORAL CARCERÁRIA, 2016).

A maior parte dos episódios de tortura reportados não tem qualquer tratamento jurídico na esfera criminal ou cível. Segundo o relatório da Pastoral Carcerária (Ibid.), dos 105 episódios de tortura reportados, somente 24 tiveram a instauração de um inquérito policial, ou seja, 22%. Isso apesar do fato de que qualquer episódio de violência institucional, assim como qualquer outro fato delitivo, deveria ensejar a instauração de procedimentos investigativos. Além disso, nos poucos casos de tortura que chegam a ser investigados e processados, a fala das vítimas é deslegitimada por diversos atores do sistema de justiça criminal. As vítimas sequer são tratadas como tal, mas designadas como “presos/as” ou “sentenciados/as”. Em razão do histórico criminal, estariam “mentindo”, “vingando-se de agentes públicos” (Ibid.).

A pesquisa Tortura Blindada8, elaborada pela ONG Conectas Direitos Humanos (2017), trouxe à discussão a incriminação de casos de violência policial e tortura reportados em audiências de custódia9. Foram acompanhadas 393 audiências de custódia na cidade de São Paulo. Em 26% delas, não se tomou qualquer providência a respeito dos episódios de violência reportados. O trabalho ilustra as dificuldades dos atores do sistema de justiça criminal em reconhecer a violência policial e a tratar como prática de tortura.

Nas audiências em que a pessoa detida em flagrante havia fornecido um relato espontâneo de violência (331 casos), não houve qualquer tipo de questionamentos sobre a denúncia, seja por juízes (em 33% dos casos) seja por promotores de justiça (30% dos casos). O fato sinaliza que essa questão não aparece como algo relevante à circunstância, embora as audiências de custódia sirvam exatamente para analisar a necessidade da manutenção da prisão em flagrante e possíveis abusos e violência pela polícia. Dos casos com algum encaminhamento sobre a violência reportada (72%), apenas 1% foi convertido em inquérito policial. Os demais foram encaminhados às corregedorias das polícias Civil e Militar ou ao Instituto Médico Legal10.

A omissão de promotores, juízes e defensores em indagar sobre o abuso policial naturaliza a violência institucional. Não há ação mais ativa e incisiva por parte dos membros do sistema de justiça mesmo quando esses episódios são reportados em momento muito próximo de sua ocorrência. Dessa maneira, é possível identificar como a tortura e outras modalidades de violência institucional são frequentemente ajustadas a práticas e rotinas que se produzem no bojo do sistema de justiça, como é o caso das audiências de custódia.

A violência continua sendo dirigida aos grupos historicamente submetidos ao controle e à vigilância das instituições policiais e judiciárias (LIMA, 1995). Nem a corporalidade (marcas, fraturas e sinais de violência) nem a fala (sobre a dor, suas perspectivas) desses indivíduos são consideradas relevantes para romper com a concepção de que certos indivíduos são violáveis e violentados (KULLER e GOMES, 2018).

Os estudos aqui descritos demonstram como os atores do sistema de justiça exercem um papel central na seleção e na interpretação de práticas de tortura. Observa-se que a lei no 9.455/97 é um dispositivo essencial para compreender a atuação desses agentes e a significação dada por eles aos casos de violência que chegam ao sistema de justiça criminal, uma vez que são eles que mobilizam a lei, tanto para classificar como para afastar a incriminação da tortura. Além disso, a lei exibe conceitos vagos, o que permite uma margem de interpretação maior que a verificada em outros delitos11. Destacamos igualmente que o sistema de justiça criminal é (re)produtor de representações sociais que extrapolam os limites abstratos-legais, incorporando valores e percepções externas (VARGAS, 2000; GOMES, 2017).

Os atores jurídicos: filtros à definição da tortura

A contextualização anteriormente discutida revela que há uma tendência de os casos de tortura serem processados a partir de vieses que, embora não sejam explícitos, evidenciam práticas históricas do sistema de justiça criminal, como a seletividade e a distinção de tratamento dada aos sujeitos submetidos a processos e práticas judiciárias (ADORNO, 1994; LIMA, 1989, 1995). Esses elementos já foram apontados em relação à apuração de outros delitos, como, por exemplo, nos trabalhos de Vargas (2004, 2000), Misse (2013) e Lima (1995). A nosso ver, as expectativas sociais atribuídas a certos papéis sociais são um fator central em casos de tortura: elas são mobilizadas para justificar a permissibilidade do uso da tortura, ou seja, caracterizá-la como uma prática que pode ser infligida a certos indivíduos em determinadas dinâmicas sociais, como se observa, por exemplo, em seu uso como dispositivo de punição/controle de suspeitos.

Isso pode ser observado a partir da deslegitimação das narrativas de violência constituídas ao longo das etapas de classificação e incriminação no sistema de justiça criminal. A desconfiança em relação à palavra da vítima costuma ser um fator significativo na designação de determinada violência como tortura. Em certa medida, isso ocorre porque expectativas sociais criam uma assimetria entre aquilo que é compreendido como válido e/ou verossímil e o que não é.

Nos casos de tortura envolvendo agentes públicos, os agressores frequentemente são pessoas que exercem suas atividades profissionais em contato contínuo e direto com o sistema de justiça criminal. Dessa forma, policiais, delegados, investigadores etc. exercem atividades típicas e indissociáveis do sistema de justiça e, por isso, seriam percebidos com menos desconfiança, e suas narrativas, com maior credibilidade que as relatadas por sujeitos que se encontram no polo oposto do sistema de justiça, na posição de “suspeitos” ou “criminosos” (GOMES, 2017). Assim, a trajetória transgressora, incriminável e estigmatizada contribui para que a versão apresentada por esses indivíduos seja encarada como inverossímil ou como revanchismo, mentira que visa apenas macular a atuação dos agentes públicos imputados como seus agressores/torturadores (Ibid.; SALLA et al., 2016; MISSE, 2013).

Desse modo, aqueles com relações consideradas positivas, como os agentes públicos, têm suas narrativas mais bem recepcionadas. Por outro lado, as relações consideradas negativas, como no caso das vítimas que também são réus, suspeitos ou presos, a acolhida dos relatos sobre a violação de seus corpos é, por vezes, enviesada pelas preconcepções e estigmas que recaem sobre eles (GOMES et al., 2018). Certamente, esse fator se soma a outros, como raça, classe e gênero, conforme notado por outras pesquisas sobre o sistema de justiça (ADORNO, 1994; VARGAS, 2000, 2004; MISSE, 2013; KULLER, 2016).

Outra forma de observar essa dinâmica é perceber como são criadas ficções que, embora não encontrem um lastro legal preciso, com respaldo jurídico, conferem legitimidade à ação dos atores jurídicos. É corrente que policiais, delegados e agentes penitenciários sejam identificados como pessoas que gozam de fé pública em decorrência das atividades e cargos que exercem. No entanto, isso não tem respaldo legal, uma vez que o direito administrativo pátrio considera que os documentos oficiais têm fé pública, não os indivíduos em si (RIGON e JESUS, 2019). O curioso é justamente o fato de juízes e promotores considerarem que essa definição de fé pública se estende ao funcionário público. Por isso há frequentemente a suposição de que a narrativa desses agentes são mais críveis e verossímeis, principalmente quando apresentam uma suposta inevitabilidade do uso da violência em atos de correção/dever legal (Ibid.; JESUS, 2018). O fato de os agentes de segurança pública poderem fazer uso legal da força no exercício das suas atividades é compreendido como se esse uso fosse indispensável ao exercício da vigilância, do controle e da apreensão de indivíduos classificados como suspeitos ou criminosos.

Há uma série de reservas e cautelas quanto à formação de culpa dos agentes públicos. A observância de ritos, princípios e pressupostos legais é maior nesses casos, sendo perceptível, ainda, o maior número de absolvições (GOMES, 2017; CALDERONI et al., 2015; JESUS, 2010).

Por outro lado, nos casos em que os agressores vêm da esfera privada, cujas relações decorrem de outros arranjos sociais, como os familiares e de confiança (vizinhos, colegas e amigos) outros valores e estereótipos orientam a apuração. A desconfiança em relação às narrativas das vítimas é menor. A leitura do evento violento será feita a partir do papel social que os agressores desempenham. Nesse sentido, a suspeição em relação aos agressores se torna o traço mais premente na apuração dos casos.

Em crimes de tortura, o que se observa é se as expectativas sociais atribuídas aos agressores, por exemplo em relações de parentesco com a vítima, são de fato preenchidas, ou seja, se estão em correspondência com o que socialmente e moralmente se espera deles. A falta de provisão, cuidado ou afeto também é analisada a fim de identificar se o desvio de tais papéis é indício suficiente de sua culpabilidade (GOMES, 2017).

Em dinâmicas mais imprecisas, como as que decorrem de contextos entre seguranças privados12, presos contra presos, facções criminosas e vizinhos, são outros os repertórios mobilizados para identificar e punir os atos. Porém, deve-se observar que os fatores informadores da apuração de tais casos também serão lastreados a partir de expectativas sociais e do cálculo quanto à permissibilidade do uso da violência em face da vítima (Ibid.). Essa é uma agenda de pesquisa que precisa ser aprofundada no país.

Considerações finais

Este artigo decorre do interesse em entender, ainda que parcialmente, as interpretações produzidas em torno da tortura na sociedade brasileira. Embora tenha abordado apenas a análise do sistema de justiça criminal, expõe elementos balizadores da escolha dos agentes que também encontram eco em outros setores sociais.

Nesse sentido, nossa análise resgatou alguns dos estudos que investigaram a aplicação da lei no 9.455/97 (BRASIL, 1997), sistema de justiça criminal. Pode-se notar que os atores do sistema de justiça tendem a considerar determinada violência como tortura a partir de uma série de fatores que vão do perfil dos envolvidos (acusados e vítimas) ao contexto em que tais situações acontecem - tornando-a legítima ou não. Em comparação com outras modalidades delitivas, como por exemplo os casos de letalidade policial, são poucos os casos reportados ao sistema de justiça criminal e menos efetiva a resposta legal-institucional.

As manifestações e decisões dos atores jurídicos, frequentemente pautados por critérios subjetivos, têm orientado interpretações e aplicações da lei como resultados de cálculos morais relativos às vítimas e aos agressores envolvidos. Identificar um fato violento como crime de tortura tem implicado, portanto, uma análise de vários elementos que visam constituir veracidade entre as narrativas da vítima, o modo como a violência foi imprimida em seus corpos e a conexão com dimensões subjetivas dos atores do sistema de justiça.

Dessa forma, quando a vítima é compreendida como um indivíduo portador de estigmas e estereótipos negativos, observa-se que a violência por ela suportada pode ser flexibilizada, constituindo-se, por vezes, não uma decorrência da prática de tortura, mas uma ocorrência ou uma lesão de menor importância. Os casos de denúncia de violência com pessoas presas como vítimas são recebidos com ainda mais reservas pelos atores do sistema de justiça criminal. Assim, o fato de os agressores serem frequentemente agentes públicos em atividades de contato contínuo com as instituições de justiça e com o direito de exercer legalmente o uso da força, colabora para um descrédito ainda maior da narrativa das vítimas.

Da mesma forma, quando agressores exibem elementos desqualificadores a seu respeito, tais fatores concorrem para que a narrativa da vítima tome mais relevo na descrição do caso. Ambos os casos evidenciam que o que está em jogo na apuração é esse entrelaçamento entre estereótipos e signos. Uma vez produzidos e associados, eles contribuem para que fatos graves e violentos como a tortura sejam interpretados a partir do valor atribuído social e institucionalmente à vítima. As suas narrativas de sua experiência de dor são recebidas com desconfiança, enquanto as de seu(s) agressor(es), que apresentam suas escusas e justificativas quanto ao uso da intervenção física/psicológica/moral contra a vítima, parecem ter maior aceitabilidade por parte dos atores do sistema de justiça.

Por um lado, a lei constitui um aspecto bastante significativo da operacionalidade exercida pelos atores jurídicos na definição e na incriminação de indivíduos por crimes de tortura. Por outro lado, ela serve igualmente para escamotear dispositivos históricos que circulam no sistema de justiça criminal, como a seletividade de classe, racial, de gênero e, sobretudo, a sujeição que permite que certos indivíduos sejam submetidos a processos de violência sem que isso constitua algo estranho, mas, ao contrário, seja considerado plenamente compreensível e permitido (MISSE, 2010).

Pode-se perceber que a atuação dos atores do sistema de justiça criminal tem contribuído sensivelmente para que a tortura ainda seja tratada com indiferença, colaborando para sua perpetuação. O sistema de justiça, assim, é um campo de disputa para que práticas desse tipo sejam enfrentadas e problematizadas. Por meio das análises aqui sumarizadas, foi possível evidenciar algumas das deficiências estruturais e históricas que, a despeito de contrariar valores democráticos, permanecem sendo utilizadas.

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  • 1
    Jair Bolsonaro sempre deixou pública sua percepção sobre a utilidade da tortura. Suas ações como presidente da República evidenciam isso, com o desmonte que vem realizando de políticas de prevenção à tortura, sobretudo a descaracterização do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) (AMARAL, 2019).
  • 2
    Assim se encontra previsto no art. 5º, inciso III: “Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (BRASIL, 1988). Em momento posterior à Constituição Federal, foram ratificadas, em 1989, a Convenção Contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984, e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, de 1985.
  • 3
    Havia a exceção do art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que previa uma responsabilização penal àqueles que cometessem atos de tortura contra crianças e adolescentes. Esse artigo foi revogado pela lei no 9.455/97 (BRASIL, 1997).
  • 4
    No site do Senado Federal, é possível acompanhar os trâmites e etapas do referido projeto de lei. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=223777
  • 5
    O crime próprio é aquele em que o agente ativo (autor da ação/omissão punível) demanda uma qualificação especial. No caso de crimes de tortura, essa qualificação se refere à determinação de serem agentes/funcionários públicos, notadamente policiais, agentes penitenciários, monitores socioeducativos, educadores de abrigos etc., pessoas que historicamente exercem atividades de controle e vigilância de determinados grupos sob sua tutela.
  • 6
    Outros dispositivos legais, como lesões corporais (art. 129 do Código Penal) e abuso de autoridade (BRASIL, 1965), poderiam ser utilizados para reprimir práticas violentas, mas elas não seriam necessariamente caracterizadas e nominadas como “crimes de tortura”.
  • 7
    Pode-se considerar que as mortes decorrentes de intervenção policial seriam a “ponta do iceberg” da violência institucional, ou seja, são aquelas mais graves e aparentes em relação a outras formas mais dissimuladas de violência institucional, como, por exemplo, práticas de tortura. Nesse sentido, quando argumentamos que são baixos os números de episódios de tortura processados pelo sistema de justiça criminal, levamos em consideração essa configuração. Estamos cientes também de que os casos de mortes decorrentes de intervenção policial têm baixa tramitação e esbarram em uma série de desafios e limitações institucionais e culturais, conforme demonstrou o estudo de Misse (2013). Ainda assim, esses casos aparecem com alguma frequência nos registros criminais.
  • 8
    Apesar de essa pesquisa não ser sobre o julgamento de crimes de tortura, ela mostra os desafios para enquadrar e reportar uma denúncia de violência policial como tortura.
  • 9
    A audiência de custódia é um instituto recente, criado pela parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os TJs do país. Nela, a pessoa presa em flagrante deve ser apresentada ao juiz de direito em até 24 horas do momento do flagrante. São objetivos centrais da audiência de custódia apurar a prática de violência estatal no momento da prisão e aferir a legalidade do auto de prisão em flagrante e a necessidade da prisão. Para uma reflexão sobre as audiências de custódia em São Paulo, ver Kuller (2016).
  • 10
    Outro trabalho sobre as audiências de custódia em São Paulo: Monitoramento das audiências de custódia em São Paulo (IDDD, 2016). Do conjunto das 588 audiências acompanhadas, em 45% delas não houve qualquer questionamento sobre a violência policial por nenhum dos atores jurídicos. Além disso, dos 141 casos em que a pessoa presa informou ter sido agredida, em apenas 91 casos houve outros encaminhamentos (Ibid.).
  • 11
    Considera-se que outros delitos são mais fáceis de serem enquadrados em incriminações jurídico-legais porque têm uma margem menor de discussão para os atores jurídicos, como seria, por exemplo, o delito de homicídio, assim definido pelo art. 121 (GOMES, 2017): “Matar alguém”.
  • 12
    Episódios recentes de práticas de tortura em mercados e supermercados veiculados na mídia expõem a faceta do uso da tortura em dinâmicas envolvendo seguranças privados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2020
  • Aceito
    08 Jul 2020
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