Open-access Da ordem indizível ao imperativo flagrante: O “tirocínio” como recurso de suspeição nas abordagens policiais*

From the unspeakable order to the flagrant imperative: “Tirocinium” as a resource of suspension in police approaches

Resumos

O presente texto acompanha as forças e os fluxos que compõem o processo de construção da suspeita nas ações de abordagem realizadas pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Na insuficiente precisão dos parâmetros normativos que orientam as abordagens dos PM, o “tirocínio”, como recurso analisador, incita reflexões sobre quais subjetividades são produzidas e atualizadas na seleção do suposto sujeito criminoso. Nesse plano cartográfico, indicam ser os jovens negros e moradores dos circuitos favelizados o perfil preferencial das malhas de captura, que restringem direitos e expõem grupos específicos a situações de maior vulnerabilidade.

Palavras-chave: Abordagem policial; tirocínio; construção da suspeita; racialização; produção de subjetividades


This text follows the forces and flows that make up the process of building suspicion in the approach actions carried out by the Military Police of the State of Rio de Janeiro. In the insufficient precision of normative parameters that guide the Military Police approach, the “tirocinium,” as an analyzing resource, encourages our reflections on which subjectivities are produced and updated in the selection of the alleged criminal subject. In this cartography, young black people and favela residents are the preferred profile of capture networks, which restrict rights and expose specific groups to situations of greater vulnerability.

Keywords: Police approach; tirocinium; construction of suspicion; racialization; production of subjectivities


Introdução

Este artigo, recorte de uma pesquisa de mestrado desenvolvida entre 2017 e 2019, discute como subjetividades têm sido forjadas no contrato social quando da eleição de suspeitos no curso das abordagens realizadas pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). Na cena pública, denúncias que apontam a existência de filtragem racial na instrumentalização das ações policiais são cada vez mais frequentes. Parte da comunidade científica especializada assevera que são os jovens negros a clientela preferencial das demandas repressivas do Estado. Uma parcela significativa dos agentes policiais, contudo, nega que a instituição seja dispositivo catalisador do racismo. Nesse sentido, as análises aqui propostas concentram esforços nas pautas em debate acerca do modelo de policiamento ostensivo na capital fluminense, debruçando-se sobre os aspectos preponderantes à apreensão do tema. Ganham destaque os efeitos de um sistema bipartido, que preconiza o combate como projeto de segurança e nega às polícias estaduais a autonomia da investigação, assim como os impactos das políticas de guerra dirigidas àqueles que, ainda hoje, vivenciam, em seus corpos, as heranças dos tempos coloniais.

Considerando que um dos principais componentes do policiamento ostensivo decorre da oportunidade de uma ação que é preventiva e possibilita a antecipação dos agentes à prática da atividade delituosa, as abordagens policiais despontam na arena de conflito entre um grupo específico da sociedade e a Polícia Militar (PM) do estado. No encontro diário com as muitas pessoas que cortam as ruas e as avenidas da cidade, ao agente policial é demandado o reconhecimento, quase que imediato, de qualquer indício que sua experiência apreender destoante da preservação da ordem na dinâmica pública. Diante de um saber que calibra seu olhar na inspeção do perigo, o acesso limitado às normativas formais, como medida dos processos decisórios, garante espaço a um emaranhado de outros elementos não oficiais e, por isso, ocultos, os quais sobrevêm da cultura organizacional e da complexa rotina de trabalho. É nessa atmosfera de produção, transmissão e aprendizagem de saberes acumulados que a fisionomia do suspeito alcança contornos e aciona uma intrincada rede de tecnologias de repressão em favor do interesse coletivo.

É inegável que a suspeição está profundamente imbricada em nosso cotidiano - a polícia suspeita e a população também. Há de se inferir, portanto, que o medo que opera politicamente a abordagem policial é o mesmo que opera em nós outros expedientes incorporados como justificativas a uma infinidade de questões que, semelhante às ações dos homens de farda, deixamos de estranhar. Fazemos uso e observamos um sistemático acelerar e recuar dos passos, fechar de janelas, instalar grades e câmeras de segurança, entre uma série extensa de recursos atenuantes do perigo. Nesse limite, admitindo os destinos da segurança pública como agenda de responsabilidade conjunta, cumpre indagar: que forças e fluxos, afinal, compõem o processo de produção da suspeita no curso das ações de abordagem empreendidas pela PM de uma das mais importantes metrópoles nacionais?1

A seleção do sujeito abordado se estabelece no plano autorizado da discricionariedade do agente público. Sob essa perspectiva, a “fundada suspeita”, competência do poder de polícia, é o amparo legal que condiciona a ação de abordagem. Ocorre, porém, que o conceito normativo inscrito no artigo 244 do Código de Processo Penal,2 carece de conteúdo definidor preciso em lei que garanta a prática, fomentando relevantes discussões no país. Na inexistência de parâmetros concretos, é o saber prático das atividades de policiamento que lhe atribui significados aplicáveis (SCHLITTLER, 2016). A insuficiente definição legal parece ensejar que o ato de abordar, a depender das circunstâncias, se perfaz em meio a autorizações prévias atravessadas por uma gama de fatores imperativos à lógica vigilante e punitiva de combate ao inimigo. Para Bicalho (2005), a lei não assegura a prática porque essas são matérias comprometidas com questões do campo da produção de subjetividades e não privativas à ordem jurídico-legal.

Dos signos da suspeição, a noção de “tirocínio”, categoria nativa acerca das habilidades próprias ao agente de polícia, desvela-se como recurso que contrapõe a experiência cotidiana das ruas às acusações de operacionalização do racismo nas práticas ostensivas, movimentando e impulsionando reflexões a respeito dos processos de produção e atualização das subjetividades. Dessa maneira, tomar o “tirocínio policial” como analisador, tal qual nos propomos neste artigo, é investir na apreensão de uma dinâmica que provoca interferências no acesso pleno a direitos constitucionalmente garantidos, impondo contextos de vulnerabilidade tanto aos que se ocupam da cena pública como sociedade civil quanto àqueles que recebem a incumbência de gerenciar a ordem. Ademais, apostar nas análises dos processos de subjetivação significa demarcar a recusa pela combinação simplista entre a fabricação da “fundada suspeita” e a noção de sujeito como entidade identitária, mas a asserção de uma economia sócio-histórica criadora de mundos.

Mapeando paisagens, compartilhando percursos: Notas metodológicas de um trabalho de pesquisa

O modelo de policiamento ostensivo se refere àquele executado pelas PM dos estados da Federação. Alicerçado por operações que objetivam policiar ambientes públicos, sobretudo mediante patrulhamentos e atendimentos por chamadas telefônicas ao 190, esse meio típico de exercício dos dispositivos de segurança está orientado à responsabilidade de controlar o crime, ou seja, de selecionar e retirar das ruas o dito sujeito criminoso em vias da preservação da ordem pública e o bom convívio entre os cidadãos. Outro de seus aspectos fundamentais está imbricado à necessidade de visibilização, exigindo uma presença difusa e contínua por entre as dinâmicas territoriais. Esses procedimentos seriam imprescindíveis à realização de uma prática efetiva de controle do crime e auxiliariam no despertar dos sentimentos de segurança da população. Sendo essas as suas finalidades primeiras, o policiamento é alocado por decisão do comando da área em prol das demandas prioritárias definidas por sua unidade, como segundo o exame dos riscos de ocorrências na distribuição do território e no acionamento das chamadas de emergência. O termo polícia ostensiva trata da ordem de um fazer que nasce da lei (BONI, 2006; SINHORETTO, 2018).

Nessa medida, a adesão da marca “ostensiva” se refere à tarefa pública da dissuasão, característica do policial fardado e armado, reforçada pelo aparato militar que evoca o poder de uma corporação unificada pela hierarquia e pela disciplina. Isso posto, as abordagens policiais, forma coloquial de nomear a figura jurídica da busca pessoal, são então delimitadas como modo de intervenção que atravessa não apenas as liberdades públicas, mas, ainda, seus bens e direitos, impelindo o agente policial a usar do poder de polícia que lhe reveste no cumprimento do dever constitucional (RIBEIRO, 2009). Sendo a razão do poder de polícia o interesse social, a discricionariedade é, portanto, assimilada como um dos atributos específicos de seu exercício quando das intervenções na sociedade. Acontece que, na complexidade dinâmica da prática discricionária, um contingente de arbitrariedades tende a motivar interações conflituosas com a população, distanciando o fazer policial das referências democráticas.

Dada a conjuntura, o presente texto contribui para a compreensão das nuances locais em torno das subjetividades que agenciam o processo de produção da suspeita na rotina das ações de abordagem executadas pela PMERJ, tomando o “tirocínio policial” como elemento analisador. Os debates empreendidos foram alimentados metodologicamente pela singularidade das composições dialogadas em uma experiência cartográfica que se ancora nas dimensões da pesquisa-intervenção (DELEUZE; GUATTARI, 1997; PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2009; ROLNIK, 2014). Envolvidas com uma posição de resistência perante discursos e práticas segregacionistas, investimos, por meio da criação escrita, na potência do compartilhar. Quando da aposta por uma escrita política, implicada, conjunta e, por isso, não descolada daquilo que produz, reconhecemos que nossas narrativas, além de comunicadoras do que temos construído coletivamente são, de igual modo, terreno de lutas e de produção de certos mundos. Logo, é na dimensão ética, estética e política do fazer cartográfico que nos afirmamos como pesquisadoras.

Cartografar é se dispor ao encontro, acompanhar o emaranhado de forças e mergulhar nas intensidades (ROCHA; UZIEL, 2008). Servimo-nos, assim, da metodologia cartográfica como uma proposta de pesquisa que escapa à inscrição em um paradigma hegemônico de fazer ciência e que permite o deslocamento da visão pré-estabelecida acerca das definições de sujeito e objeto de investigação. Uma aposta desafiadora em meio a um cenário academicista tradicionalmente pautado por ideias positivistas, na assunção de especialismos e resguardo da lógica dicotômica pela captação de protocolos generalizáveis, os quais acabam por negligenciar os atravessamentos da diferença, do irregular e o papel do imponderável em nossas pesquisas. Destarte, na perspectiva cartográfica, nada está pronto (SOUZA; FRANCISCO, 2016). Não há o que se dizer sobre prescrições a serem rigidamente seguidas ou verdades específicas a desvelar, mas sobre tensões passíveis de negociação e realidades que se constituem fazendo (SADE et al., 2013).

Entendendo que, para Rolnik (2014), a subjetividade é produzida e modelada no registro social e encaminhada como processualidade, as orientações ético-políticas a ela dirigidas devem acompanhar as suas variações. Por conseguinte, tomando que a construção do conhecimento é inseparável da criação de realidades e assumindo que nossas práticas intervêm no campo, é o reconhecimento da inseparabilidade entre pesquisar e intervir que permite colocar em questão as noções de objetividade e neutralidade dessas produções. Aqui, parece importante frisar que intervir não significa observar de fora um objeto dado, mas construí-lo de dentro, ao tempo em que produz a si mesmo(a) no território de intervenção (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2009; ROCHA; UZIEL, 2008). Estamos convencidas de que o movimento de análise de implicação em nossas práticas de pesquisa se revela como dispositivo imprescindível ao campo, uma vez que é pela afirmação da subjetividade que fluxos irrompem, agenciamentos ganham expressão e sentidos são atribuídos às dinâmicas que acontecem.

Acessar o campo é também traçá-lo. Assim, o exame das nossas implicações é o que incita à desconstrução do lugar identitário daquele(a) que aplica um saber já formulado. Sob esse olhar, os recortes binarizantes e excludentes outorgados pelas ciências duras não nos bastam em nosso ofício de análise. Assume a cena, porém, a tarefa da transversalização (PASSOS; BENEVIDES DE BARROS, 2003). Admitir a transversalidade impele a adoção de um sistema multivetorial, produtor de dinâmicas de diferenciação que, na processualidade das vivências e representações pessoais, desestabiliza o que se mostra tendo a realidade como uma forma dada. Transversalizar é, pois, considerar o plano onde todos os atores se comunicam, transformam-se dialogicamente e radicalizam a gestão das categorizações. Quem observa expõe a sua corresponsabilidade sobre aquilo que é observado, revelando uma posição implicada ante o que evoca. Quem é analisado, por sua vez, demove-se da postura passiva de concessor de dados arrogando o lugar de produtor de conhecimento (SADE et al., 2013). Em outros termos, a cartografia, ao assentir a prática não como um fazer subordinado à teoria, mas a relação entre ambas como processo sustentado pelas forças em jogo, impele uma série de tensões na ordem estabelecida, ativando recriações perenes e inesgotáveis do campo em análise - aqui, as ações de abordagem policial.

Pensar a cartografia como uma prática destituída de apriorismos não se aproxima da ideia de enveredar por um percurso de puro relativismo, do qual não se pode extrair nenhuma forma, nenhum rigor e, nesse prisma, por um caminho de ausência de referenciais, objetivos ou, ainda, estratégias metodológicas. Ao contrário, esse é um fazer que se desdobra a partir de orientações. Souza e Francisco (2016) denotam que sustentar certa margem de flexibilidade e provisoriedade em relação aos objetivos e às metas das nossas pesquisas não compromete o rigor metodológico uma vez que esse se afasta do entendimento moderno sobre a rigidez metodológica. A precisão, pela lente cartográfica, é compreendida enquanto interesse, como disponibilidade de implicação na realidade e, por conseguinte, como intervenção. Moraes (2004) explica que se debruçar sobre a exatidão ou inexatidão de um critério significa aproximá-lo de parâmetros que de antemão delimitam o certo e o errado. Demarcar a recusa por esse modelo é produzir um rigor apreendido como efeito de conexões heterogêneas e, por isso mesmo, um rigor a posteriori, não definido a nenhuma unidade que lhe exceda ou antecipe os seus efeitos. Assim, como efeitos que são, tais noções são marcadas por certa instabilidade que as inscreve como fronteiras variáveis e abertas, perfazendo contornos sempre prestes a diferir segundo uma vastidão de rotas.

Partir do mundo, dessa série infinita, sugere voltar o olhar à multiplicidade das forças que pedem passagem. Somos entusiastas de Silva e Feuerwerker (2019), autoras que pensam o cartógrafo como um poeta andarilho, que colhe coisas pelo trajeto e monta um mosaico a partir do que encontra e com o que se conecta. Imprescindível apreender, todavia, que o múltiplo não deve ser limitado àquilo que detém inúmeras partes, mas como o que pode ser dobrado de formas distintas em tempos, espaços e por direções diversas (ROLNIK, 2014). Cumpre frisar que o campo apresentado não emerge como mecânica apartada, visto que, apesar de operada nos moldes da hierarquia e da disciplina, a organização PM está inserida em um terreno social muito mais amplo e complexo. Nesse âmbito, parece controverso colocar em análise algumas das subjetividades que irrompem a sociedade quando tratamos das políticas de segurança e das polícias estaduais sem levar em conta a dinâmica de desigualdades e o histórico de violências que as estruturam e têm no racismo o fator preponderante (RAMOS; MUSUMECI, 2005). Esquadrinhar o processo de composição histórica das forças em atividade e o lugar que as polícias ocupam na formação das nossas subjetividades é o que possibilita ao campo não se revelar apenas como asserção teórica, mas como investida ética que se destina ao tensionamento de marcadores já consolidados.

Para tanto, visando acompanhar a multiplicidade de rumos e as realidades subjetivas, servimo-nos da entrevista não diretiva individual como recurso de investigação. A experiência, que marcou o encontro com 24 homens que participaram de ações de abordagem encaminhadas pela PMERJ, seja na condição de agente operador da lei, seja na posição de suspeito, inscreveu o campo de investigação necessário ao desenvolvimento de uma pesquisa de mestrado que teve a primeira autora deste texto como pesquisadora principal e a segunda autora como orientadora do estudo. Entre os entrevistados, dez jovens civis e catorze PM. Para efeitos da análise aqui empenhada, os encontros com os homens da polícia serão o material que norteará as nossas reflexões. O acesso às dependências da PMERJ se efetivou por meio da autorização de instâncias superiores, após a devida apresentação e formalização do pedido para ingresso nos batalhões, com o fim particular de elaboração de pesquisa acadêmica. O arranjo das entrevistas foi celebrado com base no método “bola de neve” (ALBUQUERQUE, 2009; VINUTO, 2014), quando uma rede de encontros é criada após as indicações de cada novo policial que se voluntariava como participante do estudo. Dos agentes entrevistados, treze ainda na ativa, distribuídos em duas unidades da Zona Norte da cidade,3 que nomeamos de Zona Norte 1 e Zona Norte 2 ao longo deste artigo. Completando a lista de interlocutores, um policial reformado com mais de três décadas de serviços prestados à corporação também aparece no texto. Quanto a seus postos e graduações, participaram da pesquisa homens do quadro de oficiais e de praças da PMERJ, em respectivo, imbuídos das funções de planejamento das tarefas ostensivas e de sua aplicação nas atividades organizacionais diárias.

Em posse da autorização institucional, o ingresso e a permanência nos batalhões visitados transcorreram sem maiores contratempos. Enquanto a decisão por efetuar a pesquisa na unidade Zona Norte 1 foi instigada pela facilidade de acesso e familiaridade com o bairro onde ela está inserida, o que permitiu à pesquisadora dispor de um tempo mais extenso em suas dependências, a opção pelo Zona Norte 2 foi alavancada por sua notoriedade como um “batalhão de questão”, isto é, nas palavras dos policiais, um ambiente definido por demandas operacionais violentas.4 Apesar do indiscutível acolhimento em ambas as unidades, não podemos deixar de partilhar os obstáculos do campo: em uma manifesta regra de funcionamento, dirigente de certa imobilidade retórica que, ainda hoje, indica conformar uma espécie de relação desconfiada entre acadêmicos e o corpo policial militar, a explanação de complicadores que se desenrolaram na promoção de impeditivos ou pronta recusa à abertura de espaços de diálogo. Em específico, na unidade Zona Norte 1, a apreensão da pesquisadora como figura provavelmente associada a partidos políticos de esquerda e movimentos em defesa dos direitos humanos conferiu o tom precípuo do cenário de desconfianças. Ao passo que alguns exibiam, de modo tímido, os seus receios de serem mal interpretados, outros questionavam com maior impetuosidade o destino daquelas informações.

No cotidiano desafiador do trabalho de campo, surpresas, angústias, objeções, hesitações, engajamentos, dúvidas, desconfortos, entraves e mudanças de rota. No emaranhado rizomático que agencia e compõe tramas na pesquisa, um sentido possível à cartografia: acompanhamento de percursos, implicação nos processos de produção, conexão de redes e a disponibilidade para o novo (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2009). Mesmo que não seja possível mensurar com exatidão o número de recusas e desautorizações no que se refere às gravações em áudio durante as entrevistas no Zona Norte 1, a experiência na instituição pode ser facilmente comparada, não de maneira ingênua, importante salientar, com a aceitabilidade constante no Zona Norte 2, onde todos os policiais indicados concordaram em participar do estudo, franqueando o cumprimento integral do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual incluía o pedido de gravação em áudio dos seus respectivos relatos. Assim, o rol de especificidades da PMERJ, tanto nas indicações dos profissionais a serem entrevistados quanto nas recusas explícitas ou veladas, também são elementos que compõem a pesquisa.

A prevalência do atravessamento hierárquico foi elemento preponderante em nossas observações. Isso posto, explicamos: diferentemente da dinâmica firmada na primeira unidade, o Zona Norte 1, em que os encontros foram autorizados pelo comandante, porém, mediados por oficiais-dia - policiais responsáveis pelo gerenciamento, controle e fiscalização da rotina institucional no turno de suas escalas de trabalho - e por uma parte dos interlocutores à medida que aceitavam compartilhar suas histórias, no Zona Norte 2, contudo, a movimentação se deu por outras vias. Nessa unidade, as proposições partiram, em exclusivo, de um integrante do oficialato que estava responsável pelo equipamento institucional quando da apresentação da pesquisadora. Na oportunidade, o capitão iniciou as entrevistas operadas no batalhão. Crucial ponderarmos, nesse sentido, os impactos de uma estrutura profundamente hierarquizada sobre as relações de poder que dela derivam e que nela se constituem, com ressonâncias bastante significativas nos rumos dessa pesquisa. Desse modo, ao que parece, os ditames hierárquicos foram, decerto, não a única, mas uma pista essencial à tomada de decisão pela cooperação na pesquisa, o que evidencia que os códigos que norteiam a decisão por falar e direcionam o conteúdo a ser dito, espelham a estrutura verticalizada de suas patentes.

Ademais, dizer que os movimentos de entrada e permanência nos batalhões, pela primeira autora desse texto, se deram sem a companhia de outros(as) pesquisadores(as) ratifica a relevância da análise de implicação em nossas práticas que, como uma análise dos vínculos, contribui para acionar as forças que produzem o encontro com o campo, tornando viável a tomada de questões acerca de um conjunto de práticas de saber-poder ditas universais e, por isso mesmo, entendidas como enunciadoras de verdades absolutas. Se por um prisma, a rigidez do quadro hierarquizado não foi elemento principal na unidade Zona Norte 1, o fato da pesquisadora residir no bairro onde a unidade está localizada, indicou ser componente favorável ao estreitamento das relações que ali se firmaram, impelindo uma maior liberdade de circulação pela instalação militar. A extensão dos laços de confiança se mostrou potente, reforçando a aposta nessa ligação. Portanto, além de uma visita representativa da sociedade civil, os agentes, por vezes, exprimiam maior engajamento pelo fato da visitante ser uma cliente da unidade policial: “Dá uma bola aí pra pesquisadora porque é um trabalho importante, entendeu? E de repente isso no futuro pode reverberar em algum trabalho positivo pra gente. Ela é parceira nossa, é cliente nossa também. Vamos dar ênfase nisso e apoiar ela” (informação verbal),5 solicitou um agente a outro de seus pares.

Tempos mais tarde, foi possível radicar contato com um PM da reserva, diretamente convidado pela pesquisadora após a apresentação do agente em um evento acadêmico, ocasião que, prontamente, teve seu pedido aceito. A conversa aconteceu em um local público da cidade, alguns dias depois. Em meio às experiências, do ofício de compartilhar em formato narrativo a dimensão do que afeta, linhas que tentam recolocar em escrita o que se deu na ordem do vivido. É na reinvenção dos territórios e na produção de novas cartografias que nos confrontamos com a difícil tarefa de capturar movimentos sem, entretanto, aprisioná-los. Segundo Larrosa e Kohan (2002), é a experiência e não os regimes de verdade o que oferta sentidos à escrita. Desse modo, entendendo a fabricação de conhecimento um processo criador de verdades sempre provisórias, tomamos a escrita cartográfica como instrumento basilar ao desmanchamento de determinados mundos e à formação de outras realidades a partir do que se transversaliza em suas composições enquanto o seu inacabamento se revela atributo compulsório.

Rabiscos a serem lidos, relidos, reeditados e reavaliados em seu diálogo com um conjunto de outras vozes que se corporificam, ecoam e, enfim, assinam conosco este texto. Das palavras em circulação, a insistência de uma pergunta comum entre os agentes tensionava, outra vez, o campo: “Você não vai falar mal da gente não, né?” (informação verbal).6 Que as nossas práticas sancionam verdades, isso é sabido. Porém, uma questão ainda reverbera: que realidades temos produzido?

O medo como operador das políticas públicas de segurança na gestão dos territórios

A segurança pública do país, firmada na Constituição Federal de 1988, prevê, no artigo 144, os órgãos públicos responsáveis pelo desempenho das atribuições de segurança, identificando suas obrigações. Nos termos prescritos, o ordenamento jurídico apresenta, em um pequeno recorte do parágrafo quinto, a assertiva de que às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (VADE…, 2012). Diante do exposto, pode ser assimilado como procedimento policial toda ação desencadeada pelos órgãos da segurança pública do Estado por intermédio dos seus representantes, visando o bom convívio entre os cidadãos. Assim, a capilaridade da PM, além de sua natureza e funções de trabalho, são questões que nos interessam quando do mapeamento e das análises das políticas públicas de segurança vigentes (SINHORETTO, 2018).

No campo de disputas, perdem força propostas direcionadas à garantia da segurança como direito universal, assumindo relevância as de cunho populista. Guiadas pela lógica de uma epistemologia que nega a construção social do crime e acolhe o prisma do juízo individual, as bases do neoliberalismo incitam a redução do Estado nas políticas sociais, a desregulamentação crescente do mercado e clamam a ampliação do caráter punitivo dos processos de resolução de conflitos. E, assim, o medo operado politicamente, aquece retóricas repressivas e de endurecimento penal, mobilizando o apelo social por maiores investimentos em uma segurança pública afiançada pela sofisticação das matrizes de disciplinamento e de motores punitivos que ordenam, controlam e exterminam as “classes perigosas” (COIMBRA, 2001). Tendo como pressuposto a ideia de que cumpriria à ordem punitiva atuar como expediente solucionador da problemática do crime e das várias formas de violência, os meios para se alcançar esse fim sempre se justificam, sejam quais forem eles. Nesse plano, as polícias, sobretudo a militar, rebentam no protagonismo da cena, impactando de modo direto na produção das políticas de segurança na gestão dos territórios.

Nessa trama de epistemologias vinculadas à noção de periculosidade que conforma a figura do suspeito, não podemos nos furtar de sublinhar o processo sócio-histórico do país na fabricação da virtualidade do criminoso e na construção dos veículos de punição. Sob a máxima do inimigo público, nutrida por discursos de insegurança, são estruturadas respostas penais inclinadas não no âmbito das infrações empreendidas à revelia da lei, mas ao controle das virtualidades que representam - uma mecânica eficaz de desqualificação que institui a natureza delinquente. O dispositivo determina, com isso, que tão significativo quanto o que um indivíduo fez, é o que ele poderá vir a fazer (COIMBRA, 2001). Destarte, é preciso considerar que o medo como operador político tem engendrado uma série imperativa de ordem estruturante do Estado brasileiro. Assim, não há como suprimir o racismo da mecânica agenciadora de subjetividades. Falamos de uma subjetividade também inventada no atravessamento da raça como elemento da produção de um padrão determinado de polícia e das medidas de suspeição. Dito isso, negar as desigualdades, os horrores dos tempos de escravização e de colonização, é negar nossa formação sócio-histórica de subjetividade e, por conseguinte, o refinamento de uma tecnologia de poder ainda instrumentalizada.

A respeito disso, atentar-nos aos processos de produção de subjetividade que concretizam a imagem do desviante em um modelo estereotipado, ou seja, ter como horizonte o paradigma da vulnerabilidade à criminalização que identifica o perigo àquele representado pela tríade “preto, pobre e favelado” (SINHORETTO, 2018), sem desconsiderar os diversos processos históricos que os circunscrevem, possibilita direcionarmos a atenção para o vínculo estabelecido entre as formações de realidades e as estratégias de dominação política e de controle social - “é o medo branco das almas negras” de que nos fala Chalhoub (1988). Isso se assenta em um sistema há muito organizado, atravessado também pelas ideias do higienista italiano Cesare Lombroso que magnificam e reeditam a marginalização que o destino de ser um jovem preto e pobre no Brasil já marcava na passagem do século XIX para o XX, quando as elites faziam conhecidas as subjetividades que fundamentam o enredo da periculosidade. Logo, se os agentes policiais inventam lombrosianamente a racialização do corpo na seleção dos suspeitos, nós, civis, por meio de enunciações valorativas, não rejeitamos esses saberes. Sobre isso, indica ser evidente que se as ideias de Lombroso operam suspeições, antes de tudo, medeiam nossa forma de apreender o mundo e gerir nossos medos, distanciando-nos do caráter crítico de um saber que nos serve rumo à desejada extirpação do mal e que ganha contornos singulares na operacionalização das práticas policiais.

Conhecendo fortes, desmanchando fortalezas: O “tirocínio policial” como analisador

Um dos parâmetros utilizados na avaliação da produtividade do policiamento ostensivo é o quantitativo de prisões realizadas e drogas e armas apreendidas. No seio da legalidade, dada a competência discricionária que confere ao policial militar a autoridade da análise e escolha de como e quando intervir em benefício da coletividade, ao passo que lhe é negada a autonomia da investigação, o formato da estrutura organizacional atravessa, de modo substancial, a instauração do processo decisório de seus membros. Assim, por meio do olhar atento à divisão do trabalho, quando o imperativo do “prender” se manifesta como forma de comando, o que compete à PM? Prender em flagrante o sujeito transgressor (SOARES, 2015). E é nesse contexto que o procedimento de abordagem assume valor significativo na missão policial. Vejamos: uma vez concebida uma das faces da predileção da PM por anotações quantificáveis, a vigília sobre a população tem como única camada mensurável seu elemento final, ou seja, autuar um criminoso em flagrante delito é o que todo policial anseia em suas tarefas diárias (PINC, 2006).

Para que a PM seja capaz de alcançar suas atribuições constitucionais, é indispensável conservar certos poderes de modo a legitimar sua competência no agir em nome do Estado. Com o caráter discricionário de suas funções, a autoexecutoriedade e a coercibilidade figuram como outros de seus atributos. Dado que a discricionariedade marca a escolha da administração pela oportunidade e a congruência no exercício do poder de polícia, à autoexecutoriedade compete a esfera facultativa do julgamento e da decisão sobre a aplicação do ato por meios próprios e diretos, sendo dispensada a intervenção do judiciário uma vez satisfeitas as exigências legais. Enfim, impende à coercibilidade o dever coativo da ação do poder de polícia, legitimando inclusive a utilização da força quando necessário (BONI, 2006; JESUS, 2016; RIBEIRO, 2009).

Na autoridade concedida aos agentes de impor obediência à norma legal, a seleção dos suspeitos exige que sejam avaliados não só os critérios que subsidiarão a abordagem, mas a maneira como o ofício será executado, considerando a intensidade do emprego da força: “Se eu estiver dentro de um coletivo, eu mudo até meu equipamento. Não vou abordar dentro de um coletivo de fuzil, uso a minha pistola. Não existe receita de bolo, mas a gente precisa seguir algumas coisas” (informação verbal),7 anui o cabo Robert,8 policial lotado no Batalhão de Polícia Militar (BPM) Zona Norte 2. O debate sobre o poder de uso da força pelos agentes policiais se tornou mais visível e substancial com o fim dos regimes autoritários no país. Tânia Pinc (2006) pondera que a medida da força em uso deve estar vinculada à reação ofensiva ofertada pelo suspeito, ou seja, diretamente condicionada à resistência deste. A autora atesta que a linha tênue que separa a aplicação da força legítima e a violência policial não é facilmente visível, o que instaura uma dimensão fundamental do debate porque o resultado dessa interação poderá provocar consequências danosas a todos os envolvidos.

O adestramento do olhar no movimento proativo de reconhecer o “sujeito perigoso” é o que confere contrapartida à sociedade. A justificativa pública e jurídica da validade desse modelo é a prevenção de delitos, que autoriza policiais a levantarem suspeita sobre determinada “fundada” para, então, agirem em flagrante. Contudo, além de toda a problemática que denuncia o conteúdo da imprecisão normativa mencionada, os agentes públicos, em regra, reivindicam que atuam em infortúnios sociais de alta complexidade e, por vezes, se queixam da falta de respaldo de outras políticas e serviços destinados ao óbice da violência. Assinalam que, na lide cotidiana, são as PM que desempenham o protagonismo da segurança em um estado e em um país completamente assolados pelas desigualdades sociais e pela carência de integração entre as agências públicas, o que, por óbvio, torna as suas ações menos efetivas à ordem democrática, afeta a relação com a população e evidencia o sucateamento institucional.

Da discricionariedade do agente de segurança e de sua tomada decisória serão extraídos o conhecimento, o fazer policial e um saber prático firmado junto com as ações de rua. Trata-se de um amplo estoque de fundamentos acumulados, os quais motivam seus olhares ao reconhecimento imediato do risco. Em resumo, quanto maior o tempo de serviço dispensado ao corpo militar, supõe-se que mais acertada é a capacidade de apreensão dos critérios afiançados para definir o que/quem será avaliado suspeito. Sobre isso, o cabo Robert, do BPM Zona Norte 2, reflete: “O policial aprende na vida profissional inteira. Tanto que, quando tem um companheiro mais experiente, ele sempre toma a frente do acontecimento porque a maturidade e a experiência fazem com que ele esteja apto a fazer isso” (informação verbal).9 O relato do agente exprime um saber adquirido por meio de outras matrizes que não aquelas limitadas à ordem normativa ou formativa, mas as que estabelecem um tipo de conhecimento prático-discursivo imbricado à própria experiência. Diante da complexidade da demanda por seus serviços e a pressão dos acontecimentos, todo PM afirma reconhecer que as regras universais de trabalho, quando desencarnadas das experiências procedimentais concretas, tendem a se mostrar de pouca serventia.

Um saber, portanto, adquirido na vivência do trabalho cotidiano, em especial nas ações de rua, bem como aprendido na matriz do “currículo oculto” presente nos ambientes formativos oficiais, cujo propósito é o ensino sistemático da obediência e internalização da autovigilância, além de ser explorado em várias produções sobre a formação policial (FRANÇA, 2019; OLIVEIRA; ROMEU, 2019). Esses trabalhos constatam que a incorporação do chamado “currículo oculto” na pedagogização dos PM expõe a relevância da cultura institucional, inscrita nos ritos, nas práticas, nos procedimentos, nas regras e relações hierárquicas definidas, sobre a produção das experiências que atravessam a vida dos agentes de segurança. Efeitos da complexidade de um conhecimento transmitido por meio de uma normativa formal que se exibe insuficiente quando do enfrentamento de uma série de contingências por quem transita na linha de frente das políticas públicas no estado do Rio de Janeiro. Por conta disso, não raro, renunciam às orientações contidas nos manuais informativos, as quais se mostram pouco adequadas a um plano de intervenção reconhecido por sua volatilidade. Logo, se por um lado os cursos ministrados em sala de aula e as demais atividades curriculares englobam a dinâmica oficial dos centros de formação, por outros caminhos, os agentes denotam fazer uso de um estoque de conhecimento não formalizado, que se faz imprescindível à assimilação das forças em articulação no processo de construção da suspeita e seleção do suposto sujeito criminoso.

Implica dizer, por isso, da invenção diária de uma prática especializada que prescinde os limites do saber científico e que encontra fundamentação em um composto de regras produtoras de subjetividades e constituem o que os agentes policiais nomeiam “tirocínio policial”. Segundo o capitão Gregory, do BPM Zona Norte 2, a referida habilidade pode ser descrita como aquilo que “faz você sentir o ambiente, se sentir desconfortável e aí fazer a abordagem. Isso só chega com a experiência, com o trabalho que se faz na rua. Você passa a modificar, a olhar o indivíduo diferente” (informação verbal).10 Cabo Robert, seu companheiro de batalhão, ressalta que o “tirocínio” explicita uma “questão de atitude, de comportamento. É uma coisa inexplicável. Vão passar mil policiais aqui e todos vão falar isso para você. No geral, o policial sabe o que é preciso ser feito, alguma coisa diz que ele deve ter cuidado” (informação verbal).11 Em suma, da ordem do indizível e da insuficiência de parâmetros legais definidos, é a rotina prática da ostensividade de policiamento, o que lhe atribuirá sentidos convenientes à missão institucionalizada (SCHLITTLER, 2016).

A fala dos entrevistados desvela a relevância do “tirocínio” como instrumento cotidiano, fazendo com que, por aqui, ganhe contornos de analisador. Ele surge como uma habilidade de difícil tradução, embora um tanto estruturada por uma sequência concreta de códigos que dialogam com o contexto em que aparecem. Contexto que nossos interlocutores não colocam em análise, mas, ao contrário, naturalizam. Assim, o “tirocínio policial” possibilita que qualifiquemos o processo de construção da suspeita enquanto uma relação de saber-poder, esta sim acima de qualquer suspeita. Artefato de intensificação da análise, tem-se no analisador a condensação do material disperso, que possibilita a movimentação dos não ditos, provocando rupturas, manifestando conflitos e registrando outros percursos possíveis (REBEQUE; JAGEL; BICALHO, 2008). Apropriando-nos do “tirocínio” como mote analisador, elegemos o caminho inverso: partimos do que foi negado, do conteúdo silenciado, do que não exprime uma definição tangível justo por envolver campos de saber compartilhados entre os atores políticos que os dominam cotidianamente.

A gente aprende a lidar com isso no nosso dia a dia, a gente vive isso. Eu converso com vagabundo, eu lido com vagabundo diariamente. Então eu sei os trejeitos, os vícios, seus cacoetes. Todo mundo aqui sabe, todo policial consegue identificar. Coisa que você não vai saber. O vagabundo tem os trejeitos, tem os vícios. É o andar, a forma que olha. Tem muita coisinha que a gente pesca. É simples: você convive todos os dias com um mesmo produto e aí você vai conhecer aquele produto mais a fundo do que quem só pega uma vez ou outra. O dia a dia faz você ser sensível a comportamentos que são comuns para você e que para outras pessoas passa despercebido (informação verbal).12

O “tirocínio” é, nesse fim, aquele que, embora fabricado no trânsito da vida ordinária, não se consegue formular. Na dificuldade própria de sua formulação, pistas que indicam a construção de um especialismo esculpido nas ruas. Um tipo de conhecimento que, nascido da irredutibilidade do acaso, se presta a encantamentos e fabulações, como sugere Muniz (1999). Em suas análises, um saber ligado ao episódico, constrangido por contingências que demonstram resistir à padronização. Ele está na imprevisibilidade de cada novo evento, na memória prodigiosa do policial vocacionado, se conformando como uma parte indissociável das trajetórias de vida e experiências de um personagem que tem a missão de tirar das ruas os “maus elementos” que habitam o cenário urbano: “No começo você tá meio cru, né? Essa maldade vai vindo com o tempo” (informação verbal),13 confessa o sargento Jean, do BPM Zona Norte 1.

A operacionalização do saber ato (MUNIZ, 1999) comunica que muitos dos agentes que trabalham nas ruas reivindicam que o conhecimento escolarizado das Academias de Polícia não apresenta utilidade prática, uma vez que a teoria transmitida, ensinada e aprendida nesses locais não reflete a realidade do policial no trato com a população, com os eventuais suspeitos e a imprevisibilidade própria dos procedimentos policiais, como anui o sargento Diogo, do BPM Zona Norte 1: “Eu aprendi no papel uma coisa, mas na prática já é outra coisa. A gente se depara com situações que a gente estudou de um jeito, ou não estudou, e precisamos tomar uma decisão em fração de segundos” (informação verbal).14 Uma das implicações dessa fragmentação versa sobre a dificuldade de se obter referências voltadas ao controle e à avaliação do desempenho policial, individualizando as decisões técnicas, os seus efeitos e, por consequência, fortalecendo a tirania da produtividade baseada no número de prisões e apreensões de armas e drogas.

Se a polícia não tirar mais de quatrocentos, quinhentos fuzis da rua, eu não sei qual a estatística do ano, só chega mais e mais. Se são quinhentos e a polícia não tira nada, ano que vem tem mais quinhentos e isso a gente tá falando só o que apreende, o que tá sendo tirado, fora os que já estão lá. Igual ao Exército agora, eu acho que eles têm o respaldo de equipamento, estão bem estruturados, mas eles não têm a nossa experiência da rua (informação verbal).15

Acerca disso, cabe observar em que medida a subjetividade policial assume posição de centralidade quando a discricionariedade e a limitação de mecanismos formais contribuem para a ampliação de possíveis brechas de arbitrariedade no exercício profissional. O elemento íntimo da discricionariedade sinaliza um nó de sérias implicações práticas devido ao fato de que, de acordo com a sua execução, o que deveria ser admitido como um atributo do poder de polícia, pode tender a se transmutar em uma prática conduzida por autorizações prévias não condizentes com os dispositivos democráticos. Isso não significa dizer que a PMERJ funciona, em absoluto, por meio de ilegalidade; afinal, não sem razão, ela aparece marcada no texto constitucional, mas quer afirmar que o limite de expedientes formais atualizados cria uma ambiência favorável para que a instituição designe de forma velada a tarefa de mobilizar critérios próprios pelos quais a corporação não se responsabiliza, ainda que, a depender do desfecho, se aproprie dos resultados: “A gente trabalha no escuro, né? O nosso trabalho é mesmo no achismo que vai. Tipo assim, eu suspeitei e vou até lá. Às vezes dá certo” (informação verbal),16 declara o cabo Robert, do BPM Zona Norte 2.

É por isso também que os casos de violência exacerbada e abusos de poder são encarados como falhas individuais de maus policiais e não como deficiências ou fracassos intrínsecos ao modelo de policiamento adotado no país (SINHORETTO, 2018). No limite, os agentes da PM calibram, em maior ou menor grau, o “tirocínio” em razão do contexto de oportunidades de suas experiências no policiamento ostensivo. Para isso, conduzem suas escolhas por marcadores do que denominam “atitude suspeita”. Premissa manipulada para desmistificar a ideia de discriminação nas ações de abordagem: “Quando as pessoas falam do nosso trabalho, acham que só abordamos negro, e não é assim que acontece. O PM aborda todos que apresentam uma atitude suspeita. Não existe pessoa suspeita, existe atitude suspeita” (informação verbal).17 Desse modo, é o “tirocínio policial” o artefato que direciona a metodologia de seleção da suspeita no curso da tarefa cotidiana, ou seja, a sua habilidade de mapear sinais e expressões, bem como qualquer outra condição que facilite a antecipação da conduta na busca pelo ilícito. O ponto nodal do saber vocacionado, imprescindível sinalizar outra vez, é que ele toca a questão da discricionariedade quando a instituição delega ao agente da ponta o poder de resolver como operar o procedimento de eleição da fisionomia suspeita em favor da coletividade.

Logo, quando o “tirocínio policial” emerge na cena como analisador, nossos olhares se voltam a um conjunto de agenciamentos subjetivos que encaminham o dever institucional de realizar as ações de abordagem. Tendo em vista que a PM, preventiva e ostensiva, não trabalha com o crime após o fato ocorrido, isto é, não lhe cabendo o processo de investigação, ela dirige sua atenção à virtualidade do crime. Somado a isso, na medida em que a imprecisão legal abre brechas ao acionamento das subjetividades do agente público sobre quem são os sujeitos suspeitáveis, ela também informa outra série importante de elementos objetivos que se colam à noção de certo “sujeito perigoso”. Assim, as produções subjetivas parecem ter muito a contribuir ao refinamento do debate sobre segurança pública em nosso país. Por fim, tão fundamental quanto pensar quem são os que caem nas malhas da captura das ações de abordagem, é pensar o que faz com que estes o sejam - estes, e não outros.

Nas malhas da captura, eis os suspeitáveis

Discutimos até aqui sobre como o policiamento ostensivo é operado pela PM com base em pistas que se fizeram circular no encontro com agentes públicos do quadro de oficiais e praças da corporação do estado do Rio de Janeiro. De maneira mais específica, nosso interesse está orientado pelas relações entre esse modelo de policiamento e a forma como a suspeita é construída durante as ações de abordagem policial. Conforme mencionado, o dever ostensivo opera segundo a lógica de gerenciamento dos resultados, alicerçada na produtividade expressa dos relatórios quantitativos que revelam a boa execução do trabalho. As abordagens despontam como ferramenta medular da ostensividade policial à medida que encaminha os registros produtivos da instituição. E essa é uma das pistas centrais que torna tão relevante o estudo das ações aplicadas pela PM, ou seja, o clamor punitivo somado à pressão por resultados específicos parecem ser fatores reforçadores da seletividade de suas escolhas. Assim, quando a entidade passa a ser reconhecida não pelo resultado que deveria importar - a redução dos índices de violência -, mas por taxas de encarceramento e apreensões de armas e entorpecentes, o imperativo flagrante reúne atributos normativos para fazê-lo em escala: a política criminal de drogas, a legislação proibicionista que dela deriva e, por conseguinte, o critério de seletividade que captura quem se vincula ao varejo (SCHLITTLER, 2016; SOARES, 2015).

O apelo por resultados é uma exigência contínua tanto por parte dos governos quanto dos comandos, além das reivindicações de uma parte da população que demanda o recrudescimento das organizações policiais. Há uma relação de proporcionalidade entre a quantidade de prisões e apreensões efetuadas e a avaliação de desempenho. Nas palavras do capitão Gregory, do BPM Zona Norte 2: “Os resultados são, sim, muito maiores porque o policial só vai poder prender se abordar. Então a orientação é abordar continuamente. Quem mais aborda é quem mais prende. É igual o Oscar [Schmidt] quando vai lançar a bola na cesta: ele acerta mais se jogar mais. Tem que jogar” (informação verbal).18 Na perspectiva de um sistema bipartido, admitindo a política de drogas vigente, indicam ser esses aspectos basilares à fruição da seletividade nas estratégias de controle social adotadas no país, tomando que alguns crimes e zonas territoriais parecem receber maior atenção quando comparados a outros. Portanto, se a presença do policial fardado inibe a atividade delituosa, são as abordagens policiais o dispositivo que gera a efetividade do policiamento.

Pode até ser que a gente não pegue o que a gente quer, mas a nossa presença inibe muito o assalto porque o vagabundo vê que o setor tá trabalhando naquela redondeza, então ele não vai roubar ali. Se ele tá vendo o policial ali, ele não vai dar mole, não vai ficar boiando e passando de moto porque ele sabe que vai poder ser abordado (informação verbal).19

A abordagem é extremamente necessária porque muita arma é tirada da rua pela abordagem. O Comando mesmo fala: “Abordar, abordar e abordar”. A patrulha, o ruim é que ela é muito empenhada, né? No final de semana ela pega vinte ocorrências numa noite. Então você tira a liberdade de tá patrulhando, parar e abordar. A abordagem é extremamente eficaz pra você tirar o mau elemento da rua e as armas (informação verbal).20

A noção de “fundada suspeita”, como já referido, é o principal requisito para que o agente público militar proceda uma ação de abordagem. Componente da vigilância rotineira das ruas, essa noção consiste na atividade de examinar a presença de ilícitos em pessoas, objetos e/ou veículos, desde que sob “fundada suspeita” de que alguém tenha praticado, ou esteja em vias de praticar, fato delituoso visando identificar e neutralizar um suspeito. Contudo, o Código de Processo Penal não dispõe de objetividade descritiva em sua definição, o que movimenta uma série de discussões em torno desse problema. Assim, tomando o impasse para análise, a partir de que/quais referências os agentes de segurança pública devem suspeitar de uma pessoa justificando a necessidade de iniciarem um procedimento de busca pessoal? Segundo Schlittler (2016), não seria inadequado inferir que a imprecisão normativa e institucional quanto aos critérios mobilizadores da identificação de suspeitos resultasse em uma ampla gama de perfis daqueles que são parados pela polícia. Porém, o que temos acompanhado é um cenário distinto. O que ocorre, ao contrário, é a reiteração de um padrão de atuação policial que focaliza um público definido, marcado por signos racializados, compreendido como o perfil preferencial de suspeição: o jovem negro, preto, pobre e morador de favelas e periferias. Outro ponto de destaque é a constatação de que as malhas da suspeita recaem, em geral, sobre crimes contra o patrimônio e delitos inscritos na problemática das drogas e não sobre aqueles mais violentos. Ainda sobre a “fundada”, o coronel Firmino, PM da reserva, compartilha:

Em “fundada suspeita” não existe definição legal. Ela é, portanto, uma competência discricionária dada ao agente encarregado de fazer cumprir a lei, agente que pode ser interpretado até como agente garantidor de, pela discricionariedade, perceber elementos que possam trazer perigos à nossa sociedade. Esses elementos vão dar a ele a percepção de “fundada suspeita”, mas não diz o que é. Então ela é um elemento penal, uma questão jurídico-penal perigosa, digamos assim. Não vou chamar de covarde, mas… É porque ela atribui ao agente encarregado de fazer cumprir a lei a responsabilidade de determinar o que ninguém quer determinar. […] A “fundada suspeita” que autoriza o policial a fazer a abordagem é a “fundada” de algo que possa ser perigoso. Você tem que encontrar na pessoa elementos de suspeição para dizer: “Ele tá numa posição que pode trazer perigo”. Perigo de que? Quando você fala da noção de “fundada suspeita”, é suspeita de fazer o quê? O que compõe a “fundada suspeita”? Bom, você é aluno numa escola de polícia e essa é a pergunta que você faz para o seu instrutor: “O que é fundada suspeita?”. Ele te diz: “Olha, é o feeling, a sua percepção, o bom senso”. Tá vendo que eu não estou dando nenhuma resposta concreta? Depende do local, da situação. Daí vem essa questão de chamar o cara de elemento. Na verdade, o que você tem são elementos de suspeição. Dependendo disso você vai ter o feeling de que aquela pessoa pode cometer uma infração legal. Mas o que, afinal, vai te dar a ideia de fazer a abordagem? (informação verbal).21

Existe uma ideia recorrente entre os agentes policiais que justifica as ações de abordagem a partir da suspeição de uma determinada “atitude” ou de um conjunto delas, como o “tirocínio” faz informar. No entanto, ao buscarem detalhar as forças e os fluxos que atravessam o processo, torna-se nítido que essas apreensões, em geral, tendem a se confundir com um tipo definido de corporalidade. O suspeito, portanto, exibe signos racializados, que não se resumem à cor de sua pele, mas que se reproduzem nos territórios por onde circula, no traje adotado, no jeito de falar, no andar gingado e mais outra série de códigos que atrelam a imagem do potencial criminoso à figura do jovem negro periférico. Em resumo, sendo a missão do policiamento ostensivo flagrar os ditos suspeitos, cabe à PM a responsabilidade de intervir na seleção e retirada das ruas daqueles identificados como criminosos. Porém, no Brasil, existe um processo histórico que determina quem é “perigoso”. Não alheio a esse processo, o agente policial constrói a sua suspeita no uso de marcadores que, em maioria, reivindicam elementos da cultura negra. Nessa medida, é importante destacar que o nosso sistema de classificação por cor não se sustenta por uma questão de tonalidade ou se desvela apartado das noções de raça e embranquecimento. A cor da pele é apenas um - o principal, não há dúvidas -, dentre os vários traços físicos e culturais imbricados à escala de gradiente evolutivo que comunica a nossa história: preto, pardo, branco. (GUIMARÃES, 2000; SINHORETTO, 2018)

Apesar da pressão pela produtividade policial atestar sua indissociabilidade da prática de filtragem nas ações da PM, o discurso que nega a práxis racializada e afirma que o policiamento se baseia em cálculos, manchas e balanços estatísticos georreferenciados retira da instituição o encargo de revisar de modo contínuo as suas ações, ao passo que individualiza o processo decisório das atividades operacionais, culpabilizando quem integra a base do quadro policial, produzindo a retórica de que o policiamento se perfaz isento das ingerências sócio-históricas que nos constituem. Para Carneiro (2005), no Brasil, a narrativa que molda as relações raciais é o mito da democracia racial. Sua construção e permanência evidenciam a função estratégica de apaziguar as tensões étnico-raciais. A própria noção de mestiçagem, das heranças branca, negra e indígena, desponta como dispositivo tático ao embranquecimento da população por meio da hierarquização cromática e fenotípica, que aproxima ou distancia os sujeitos de determinada condição humana, no tempo mesmo em que se consagra como premissa legítima da aparente inexistência de preconceito, intolerância e desigualdade racial no país.

Não obstante, toda a luta do movimento negro, os atributos estruturantes do racismo estão presentes nas práticas de controle do crime e punição. Trata-se da correspondência em um plano de continuidades firmado por uma sociedade escravagista, que faz da abordagem e da formação da suspeita eixos fundamentais. Nossas construções subjetivas passam por esses temas e, por isso, devem nos importar. Quando começamos a compreender o racismo não mais enquanto uma conjuntura, mas como fenômeno estrutural, ele deixa de participar da chave do que produz estranhamento e passa a integrar a chave estruturante que engendra as nossas relações. Segundo Almeida (2018), conceber que o racismo é estrutural reporta à ideia de que ele atua como mecânica que integra a organização econômica e política da sociedade. Nesse prisma, o racismo é apreendido como aquilo que oferta sentido, lógica e tecnologia para as desigualdades e violências que moldam as interações sociais. Considerando a invisibilidade da temática também no intramuros institucional, para os nossos interlocutores, as desvantagens econômicas e os seus efeitos explicitam de maneira mais acertada o planejamento ostensivo.

As pessoas acham muito que a polícia é preconceituosa, principalmente o pessoal acadêmico, mas não é. Eu mesmo sou negro. O PM não prende só negro. Acontece que outros motivos levaram a população negra a cometer muito mais crimes, mas não significa que ela seja ruim, marginal, que seja instinto. Têm outros motivos, mas eu não tô aqui pra pesquisar essa parte. O branco também tá nesse mesmo foco da polícia. Só que nas comunidades têm mais pessoas negras do que brancas, existem mais criminosos. Mas trejeitos são trejeitos. Branco, preto, é tudo a mesma coisa. É o trejeito criminoso, é o comportamento criminoso, e isso a gente sabe identificar. Independente da raça, da altura, se ele é gordo ou se é esbelto (informação verbal).22

O policial da ponta tem um olhar bem clínico. Ele olha e já sabe se é vagabundo ou não. Tem muito aquilo do local também, né? Você não vai pegar na Zona Sul, lá em Botafogo, e achar que todo mundo que tá na moto é um suspeito, mas aí quando você vai pra Madureira, você precisa prestar muito mais atenção nisso (informação verbal).23

No que tange às justificativas de suspeição apoiadas nos discursos de classe e exposições a contextos de vulnerabilidade, é condição latente no Brasil e, sobremaneira, no Rio de Janeiro, a maior concentração de pessoas negras em áreas periféricas. Isso posto, se falamos das agendas de uma pobreza criminalizada, falamos de uma pobreza diretamente atravessada por um sistema de classificação racial, que formula e atualiza estereótipos do tipo suspeito preferencial. Ademais, ser preto ou ser branco no Brasil, há muito, condiciona as nossas experiências de integração por fronteiras econômicas, impelindo subalternidade ao povo negro e agenciando categorizações que destinam esse grupo às margens das relações de poder. Sob vieses velados, na geopolítica da repressão, na qual classe informa cor, a concentração das ações de policiamento por favelas e periferias expõe a ideia ilusória da ausência de conflitos sobre as questões de raça, as quais nutrem silenciamentos tanto dentro quanto fora dos muros policiais.

Por entre as brechas institucionais, alguns discursos dissidentes afirmam que a “atitude”, mapeada pelo “tirocínio” na cena informal do dever policial, é lida na corporalidade do suspeito. Em comum, a visão de que tanto os mecanismos informais quanto aqueles instrumentalizados com base nas regras e normativas legais criam um jogo de repetições entre a ideia diagnóstica e seus resultados, reforçando a filtragem racial nas ações de abordagem efetuadas pela PM, alimentando violências e desigualdades já conhecidas. Nessa perspectiva, se existe uma maior concentração de atividades policiais em locais com um amplo número de pessoas negras, a tendência é que as ações de abordagem se direcionem majoritariamente para essa população. Apoiados em uma leitura crítica da realidade, no uso do exame das manchas criminais, quanto mais jovens negros e periféricos são abordados pela polícia, mais os registros informativos são alimentados e, por isso, mais eles figuram nas malhas estatísticas sobre as quais o policiamento deve se manter vigilante (ANUNCIAÇÃO; TRAD; FERREIRA, 2020; SINHORETTO, 2018). Não por acaso, Ramos e Musumeci (2005) lembram que o jargão “cor padrão” era aplicado pelos agentes militares nas comunicações de rádio durante as suas ações, em referência a suspeitos de cor preta ou parda, marcando a relação entre o corpo negro e a suspeição.24

Eu trabalhava na Baixada, outra realidade. Diferente mesmo até da Zona Norte. Lá você tem uma maioria que é mulata, nordestina. Tem um negro diferenciado em termos de cor e de origem. E aí, de repente, “quatro elementos. Três de cor padrão”. Eu perguntei: “Que porra é essa?”. Foi então que eu ouvi: “Cor padrão, chefe. O elemento do crime é negro, ele é crioulo”. Eles estavam me dizendo que a cor padrão era igual ao crime. (informação verbal).25

Pensar a segurança pública e as ações de polícia não significa trazer à cena uma discussão exclusivamente mobilizada pela temática do crime. Na asserção do coronel Firmino, a seleção do suspeito fica evidente no reconhecimento da cor, por mais que a retórica compartilhada insista em desarticular qualquer relação direta. Compreender o crime é se debruçar sobre algo que, por sua vez, não se restringe à concretude dos dados. Tendo em vista que a criminalidade que se apresenta para nós é sempre da ordem do objetivo, esse se constitui como um resultado atravessado por um processo muito caro ao que temos discutido até aqui: a seletividade racial nas atividades de abordagem operacionalizadas pelo “tirocínio policial”. Assim, naquilo que desponta materializado em estatística, mais do que explicitamente o crime, o que se coloca é um processo de filtragem em curso que faz falar da nossa formação sócio-histórica. A respeito disso, os elementos de suspeição que relacionam uma certa fisionomia perigosa, sabidamente conhecida, ao risco de desestabilização da ordem, revelam uma série de estereotipias constituintes da sociedade brasileira que, por óbvio, não denotam, em exclusivo, uma conduta tida como ilícita. Diante disso, concluímos que as ações de monitoramento e controle do desvio dizem respeito a um interesse notadamente maior: a efetiva eliminação de presenças indesejáveis. Por fim, na complexidade da tarefa de lidar com as lógicas e racionalidades empregadas na fundamentação da suspeita, sob a recusa de incorrer em denuncismos ou perseguir culpados, seguimos apostando na potência das brechas, das rachaduras e linhas de fuga inscritas nesses discursos que são tão duros e de fácil captura.

Considerações finais

A prática de abordagem, relação direta entre o PM e o cidadão, abrange o processo de identificação de pessoas suspeitas e se constitui como uma racionalidade operada por autoridades legalmente investidas nas funções públicas da segurança e competentes à execução de suas ações. Nesse contexto, a abordagem é um procedimento rotineiro, entendido como um ato administrativo, quando presentes os requisitos que lhe devem revestir (RIBEIRO, 2009). Há uma limitada decodificação a respeito do exercício e controle do poder decisório, sendo esse tributário de um saber empírico que o agente vocacionado deve aprender a manejar. A ação de abordar, além de ser uma condição do policiamento ostensivo, é também ferramenta de produtividade do trabalho policial militar. Negada a autonomia da PM em relação às tarefas de investigação, o que desponta é a demanda pela realização de prisões em flagrante, bem como as apreensões de armas e entorpecentes. A eficácia policial é mensurada por meio dos resultados obtidos nos procedimentos de rua. Por isso, parece óbvio constatar que todo o planejamento e as atividades policiais passam a ser norteadas em favor da missão de se antecipar ao ilícito e capturar possíveis criminosos.

Cartografar a/na PMERJ é mapear a política a que ela responde, produz e implementa. Nesse texto, discutimos como os procedimentos de abordagem são realizados por entre as ruas e pelas avenidas da cidade e quais parâmetros de seleção são operados na delimitação daqueles admitidos como sujeitos suspeitáveis. Nos limites da insuficiência de normas formais sobre o aparelhamento de tais ações, dois tipos distintos de conhecimento ganham contornos na seara do policiamento ostensivo: de um lado, um domínio escolarizado, aprendido nas academias de formação, cercado de institucionalidade, e, de outro, um saber informal, nutrido pelas vivências de rua, pelo chamado “tirocínio policial”. Apesar da dificuldade enunciativa de pôr em palavras as tramas que conformam a habilidade policial de identificar o sujeito desviante, o “tirocínio” pode ser definido como uma regra de experiência, agenciada por saberes subjetivos acumulados na encomenda cotidiana das práticas ostensivas. Muito valorizado entre os agentes, os quais, inclusive, o qualificam como inscrição própria ao policial vocacionado, o “tirocínio” acaba por coexistir com a racionalidade formal das escolas institucionais incumbidas da formação profissional.

Mesmo que admitida a importância dos cursos de formação e aperfeiçoamento profissional, para os agentes policiais, são notórias as disparidades entre o saber escolarizado e o que se vive na imprevisibilidade do trabalho nas ruas. No plano discricionário, levando-se em consideração que os procedimentos de segurança militarizada impelem ações decisórias financiadas pelo jugo do agente policial, embora detenham premissas legais, reais e razoáveis, essas são de custosa identificação em abstrato, o que induz ao reconhecimento da pertinência de examinar, em cada caso, a medida mais adequada. O fato de não ser encontrado nos registros formais da PM, não restringe a sua conveniência subjetiva diante da execução do trabalho ou, de outra maneira, das demandas por produtividade nos encargos cotidianos. Isso posto, o “tirocínio policial”, nascido da complexidade das ruas, não se perfaz impermeável ao processo de formação sócio-histórico brasileiro. Dispositivo de uma dinâmica de normalização informativa que cria o sujeito perigoso são as corporalidades que agrupam uma série material, estética, cultural e simbólica, os signos que fazem do jovem negro, pobre e periférico, o perfil prioritário do fazer racializado.

Semelhante ao que figura no extramuros institucional, constatamos o não reconhecimento das discriminações raciais na PM. Pensar o racismo se desvela como tabu. A observância do manejo da polícia em sua íntima relação com as favelas e espaços periféricos expõe outra série de elementos raciais interligados, narrativa por eles recusada. Suas negativas sobre as práticas seletivas parecem alimentar, uma vez mais, o sistema de discriminações raciais reproduzido pelos atores sociais e institucionalizado nas estruturas da PMERJ. Aquilo que assimilamos se deu nas fissuras, nos interditos e não ditos dos encontros com nossos interlocutores. No processo de produção da suspeita, fundada na habilidade do “tirocínio”, as desvantagens da população jovem, negra e economicamente vulnerável são pistas essenciais à exposição de uma gestão da ordem que impõe ao grupo descrito formas muito bem específicas de controle.

Decerto, essas não são análises que se encerram aqui. Há uma agenda de questões a serem exploradas. Por ora, objetivamos tensionar a construção dos sujeitos suspeitos nas abordagens realizadas pela PMERJ, nas bases subjetivas do “tirocínio”, enquanto saber esculpido na dinâmica das ruas. Nas entrevistas com os policiais, nos deparamos com um contexto em que o “tirocínio policial”, tomado como recurso de suspeição, movimenta um fazer racializado, em termos específicos de produtividade e fiscalização. A partir das nossas análises, certas questões insistem: o que nos cabe para que sejam criadas outras possibilidades de atuação policial? Em que podemos investir para tornarmos a fortaleza mais porosa, de forma que seus muros altos se constituam cada vez menos como apartador de mundos? Nesse sentido, o quanto conseguimos falar de outros tipos de experiência na/com a PM e não meramente da atualização de um diálogo há tempos enrijecido? Como cartografar tanto as permanências quanto as descontinuidades por entre fissuras, desmanchando fortalezas e vislumbrando a potência das bifurcações? Sigamos.

Notas

  • *
    O trabalho contou com o amparo financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) à primeira autora do presente texto, pesquisadora responsável pela realização da dissertação de mestrado que, por sua vez, foi orientada pela segunda autora.
  • 1
    O Rio de Janeiro apresenta características estruturais bastante particulares. No contexto nacional, ele figura como a segunda principal metrópole em termos econômicos e populacionais (RIBEIRO; RAITANO, 2020).
  • 2
    O termo “fundada suspeita”, competência do poder de polícia, aparece inscrito na redação do artigo 244 do Código de Processo Penal como requisito de legalidade da busca pessoal. Diz a letra da lei: “A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso da busca domiciliar” (VADE…, 2017, p. 488).
  • 3
    A Zona Norte do município do Rio de Janeiro é um dos territórios mais populosos do estado. É nessa área que estão concentrados os bairros com os menores índices de desenvolvimento humano municipal (IDHM), de acordo com informações sistematizadas pelo Observatório Sebrae do Rio de Janeiro (SEBRAE, 2015).
  • 4
    Na cultura da PM, segundo os nossos interlocutores, um “batalhão de questão” é aquele assimilado como um “batalhão de verdade”, ou seja, uma unidade que confere contornos mais fidedignos às reais funções da polícia. Em resumo, são operações que envolvem confrontos armados e disputas intensas. À contrapartida dos “batalhões de questão”, as demais unidades atendem regularmente ocorrências de baixo potencial ofensivo, como conflitos familiares, brigas em bares e restaurantes ou entre vizinhos, as quais os PM se referem como “feijoadas”.
  • 5
    Depoimento de PM durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 6
    Depoimento de PM durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 7
    Depoimento do cabo Robert durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 8
    Os nomes verdadeiros dos policiais entrevistados foram substituídos por nomes fictícios visando a preservação da identidade deles.
  • 9
    Depoimento do cabo Robert durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 10
    Depoimento do capitão Gregory durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 11
    Depoimento do cabo Robert durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 12
    Depoimento do cabo Luciano, BPM Zona Norte 1, durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 13
    Depoimento do sargento Jean, BPM Zona Norte 1, durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 14
    Depoimento do sargento Diogo, BPM Zona Norte 1, durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 15
    Depoimento do sargento Fábio, BPM Zona Norte 2, durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 16
    Depoimento do cabo Robert, BPM Zona Norte 2, durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 17
    Depoimento do soldado José, BPM Zona Norte 1, durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 18
    Depoimento do capitão Gregory, do BPM Zona Norte 2, durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 19
    Depoimento do Subtenente Stephan, BPM Zona Norte 2, durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 20
    Depoimento do Subtenente Stephan, BPM Zona Norte 2, durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 21
    Depoimento do coronel Firmino, PM reformado, durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 22
    Depoimento do soldado José, BPM Zona Norte 1, durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 23
    Depoimento do sargento Diogo, BPM Zona Norte 1, durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.
  • 24
    Em 2013, o Comando da PM de Campinas, São Paulo, deixou vazar uma ordem de serviço que se referia à necessidade de intensificar as abordagens a “indivíduos de cor parda e negra”. A solicitação partiu de um membro do oficialato e o episódio foi classificado pelo Comando como um “deslize na comunicação” (PM de Campinas…, 2013).
  • 25
    Depoimento do coronel Firmino, PM reformado, durante trabalho de campo, no Rio de Janeiro, em 2018.

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Editado por

  • Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2022
  • Aceito
    10 Ago 2023
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