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Má oclusão Classe II, 2ª Divisão de Angle, com sobremordida acentuada

Resumos

Este relato de caso descreve o tratamento ortodôntico de uma paciente adulta, portadora de uma má oclusão Classe II, 2ª Divisão de Angle, com sobremordida e curva de Spee acentuadas e que apresentava vestibuloversão do dente 12 e algumas recessões gengivais. A paciente foi tratada com exodontia dos primeiros pré-molares superiores e máximo controle de ancoragem. Esse caso foi apresentado à Diretoria do Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial (BBO), representando a categoria 6, ou seja, uma má oclusão com sobremordida acentuada, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Diplomado pelo BBO.

Má oclusão Classe II de Angle; Ortodontia corretiva; Sobremordida acentuada


This case report describes the orthodontic treatment of an adult patient, who presented a Angle Class II, Division 2, malocclusion, with overbite, severe curve of Spee, right maxillary lateral incisor proclined and gengival recessions. The patient was treated with extraction of the first premolars and maximum anchorage control. This case was presented to the Brazilian Board of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics (BBO) representing the category 6, deep overbite malocclusion, as part of the requirements for obtaining the title of Diplomate by BBO.

Angle Class II malocclusion; Corrective Orthodontics; Deep overbite


CASO CLÍNICO BBO

Má oclusão Classe II, 2ª Divisão de Angle, com sobremordida acentuada

Paulo Renato Carvalho RibeiroI

IEspecialista em Ortodontia e Ortopedia Facial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor do Curso de especialização em Ortodontia e Ortopedia Facial da ABO Juiz de Fora (MG). Diplomado pelo Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Paulo Renato Carvalho Ribeiro Rua Oswaldo Cruz, 75 - Santa Helena CEP: 36.015-430 - Juíz de Fora / MG E-mail: paulorenatojf@terra.com.br

RESUMO

Este relato de caso descreve o tratamento ortodôntico de uma paciente adulta, portadora de uma má oclusão Classe II, 2ª Divisão de Angle, com sobremordida e curva de Spee acentuadas e que apresentava vestibuloversão do dente 12 e algumas recessões gengivais. A paciente foi tratada com exodontia dos primeiros pré-molares superiores e máximo controle de ancoragem. Esse caso foi apresentado à Diretoria do Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial (BBO), representando a categoria 6, ou seja, uma má oclusão com sobremordida acentuada, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Diplomado pelo BBO.

Palavras-chave: Má oclusão Classe II de Angle. Ortodontia corretiva. Sobremordida acentuada.

HISTÓRIA E ETIOLOGIA

A paciente se apresentou para o exame inicial aos 24 anos e 7 meses, com bom estado geral de saúde e sem histórico de doenças graves ou traumatismos. Sua queixa principal estava relacionada ao fato de os incisivos superiores serem malposicionados e com alteração significativa em sua inclinação axial. A mesma relatou ter feito tratamento endodôntico no incisivo central superior esquerdo e possuía extensas restaurações em resina nos dentes anteriores. Nenhum tratamento ortodôntico havia sido realizado até então.

DIAGNÓSTICO

Apresentava, no aspecto dentário, má oclusão de Classe II, 2ª Divisão de Angle, com sobremordida de 100%, retroinclinação acentuada dos dentes 11, 21 e 22, e vestibuloversão do 12. Observou-se, ainda, na arcada dentária superior, extensas restaurações nos incisivos centrais, algumas recessões gengivais, principalmente nos primeiros molares, e apinhamento. A arcada inferior apresentava bom alinhamento, porém com curva de Spee acentuada (Fig. 1, 2).



Na análise das radiografias periapicais, foi possível constatar o tratamento endodôntico do dente 21 e verificar que a paciente não apresentava qualquer alteração que comprometesse o tratamento ortodôntico (Fig. 3). Na radiografia de perfil e no traçado cefalométrico, pode-se observar: verticalização dos incisivos (1-NA = 0º); padrão esquelético de Classe II, com ângulo ANB = 5º, (SNA = 80º e SNB = 75º) e crescimento mandibular, no sentido vertical, normal (SN-GoGn = 32°, FMA = 23° e Eixo Y = 60°). Essas informações podem ser visualizadas na figura 4 e na tabela 1.



Na avaliação facial, apresentava perfil reto (LS = 1mm e LI = 0mm), com selamento labial passivo, ausência de assimetrias significativas e terços faciais proporcionais.

OBJETIVOS DO TRATAMENTO

Considerando tratar-se de uma paciente adulta, com perfil facial harmonioso, buscou-se manter o posicionamento vertical, transverso e anteroposterior das bases ósseas. Na dentição maxilar, a proposta foi de manutenção da relação molar de Classe II, com controle total da ancoragem, e correção da sobremordida e da inclinação dos incisivos superiores4,5,6. O objetivo específico para a dentição mandibular foi o nivelamento da curva de Spee, com manutenção das distâncias intercaninos e intermolares. Dessa forma, ao final do tratamento, esperava-se obter guias corretas em caninos, com sobremordida e sobressaliência adequadas, promovendo-se melhora significativa na estética do sorriso.

PLANO DE TRATAMENTO

Para atingir os objetivos propostos, a paciente foi informada sobre o plano de tratamento elaborado, que envolvia a exodontia dos primeiros pré-molares superiores. Na sequência, seria realizada a montagem do aparelho ortodôntico fixo na arcada dentária superior (sistema Edgewise, standard, slot 0,022" x 0,028"), confecção de arco extrabucal e barra transpalatina, e utilização de arcos redondos de aço inoxidável de 0,014" a 0,020", para alinhamento e nivelamento dos segmentos posteriores. Para permitir o alinhamento dos dentes anterossuperiores, os caninos seriam movimentados parcialmente para distal com arcos segmentados (alças em T). Simultaneamente seria utilizado um arco base de Ricketts5,6, confeccionado com fio de aço inoxidável redondo para correção da sobremordida e projeção dos incisivos superiores. Quando possível, a partir dessa projeção dos incisivos superiores, seria executada a montagem do aparelho fixo na arcada dentária inferior com sequência de arcos de nivelamento contínuos em fios de aço, do 0,014" ao 0,020". Para controle de ancoragem, estava prevista, ainda, caso necessário, a utilização de mecânica de Classe II. Após a movimentação dos caninos superiores para distal, foi realizada a retração dos incisivos, com arcos retangulares 0,019" x 0,025", de aço inoxidável, com alças verticais entre os incisivos laterais e os caninos. Para a finalização, foram usados arcos 0,019" x 0,025", superior e inferior, com dobras individualizadas conforme a necessidade. Após o término do tratamento ativo, planejou-se a utilização de uma placa superior removível (wraparound), confeccionada com fio de aço inoxidável 0,036" e, na arcada dentária inferior, barra intercaninos com fio 0,032". A paciente foi informada, também, por escrito, dos cuidados necessários com os aparelhos de contenção, bem como com sua higiene bucal.

PROGRESSO DO TRATAMENTO

Foram confeccionados anéis ortodônticos com acessórios soldados nos primeiros e segundos molares superiores e instalada uma barra transpalatina nos dentes 16 e 26. Em seguida, foi solicitada a exodontia dos dentes 14 e 24, e foram colados braquetes metálicos do tipo standard, sem torques ou angulações, slot 0,022"x 0,028", sistema Edgewise. Em seguida, confeccionou-se um aparelho extrabucal do tipo Klohen, para uso noturno. Iniciou-se o alinhamento e nivelamento com arcos segmentados, nos lados direito e esquerdo, de segundo molar a canino, com fios de aço inoxidável coaxiais de 0,015" e lisos de 0,014" a 0,018". Para promover o alinhamento dos incisivos, os caninos foram movimentados levemente para distal. Simultaneamente, utilizou-se um arco base de Ricketts confeccionado com fio redondo de aço inoxidável 0,014", atuando, inicialmente, somente nos incisivos centrais, para projeção dos mesmos. Logo que possível, foram incluídos os incisivos laterais e deu-se continuidade ao alinhamento e nivelamento, até o arco 0,018". Os caninos continuaram sendo retraídos com arco segmentado, em aço inoxidável 0,017" x 0,025". No entanto, problemas com o controle de ancoragem, devido à pouca colaboração com o uso do aparelho extrabucal, exigiram mudança na mecânica. Foi instalado um arco de estabilização para a intrusão dos dentes anteriores, em fio de aço 0,018", incluindo todos os dentes superiores, exceto os caninos (By Pass), e instaladas alças em "T", de Burstone, confeccionadas com fio TMA 0,017" x 0,025", para retração dos caninos. Com essa mudança, o controle de ancoragem foi obtido. Na arcada dentária inferior, foi utilizado o mesmo tipo de braquete do superior, e o alinhamento e nivelamento foi realizado com arcos de aço inoxidável de 0,014" a 0,020". Para a retração dos incisivos superiores, utilizou-se um arco de aço inoxidável 0,018" x 0,025" com alças. Na arcada dentária inferior, confeccionou-se um arco de mesma espessura, com ômegas justos, e associou-se o uso de elásticos intermaxilares com direção de Classe II para melhorar a ancoragem. Após o término do fechamento dos espaços, foi feita uma recolagem na arcada dentária superior para renivelamento, com fios de aço de 0,014" a 0,020". O tratamento foi finalizado com arcos ideais de aço inoxidável 0,019" x 0,025", superior e inferior, e utilização de elásticos com direção de Classe II. Solicitou-se a exodontia dos terceiros molares superiores. Com a verificação de que todos os objetivos pretendidos tinham sido alcançados, o aparelho ortodôntico fixo foi removido, iniciando-se a fase de contenção. Para tanto, foi utilizada uma placa removível superior (wraparound), confeccionada com fio de aço inoxidável 0,036", e uma barra inferior, com fio redondo 0,032", colada nos dentes 33 e 43. Recomendou-se a utilização da placa superior durante 24 horas por dia, no primeiro ano e, após esse período, doze horas, por seis meses, e, finalmente, apenas para dormir, por mais seis meses. A barra intercaninos inferior foi recomendada para uso por tempo indeterminado.

RESULTADOS DO TRATAMENTO

Avaliando-se os registros finais da paciente (Fig. 5 - 9), pode-se verificar que os objetivos propostos foram atingidos1,7. Na maxila, foi mantido o posicionamento vertical e transverso da base óssea, com pequena alteração anteroposterior, representada pela discreta movimentação do ponto A, devido à correção da inclinação dos incisivos. Isso resultou na obtenção de um padrão esquelético de classe I, com o ângulo ANB passando de 5º para 4º. Como pode ser visto na tabela 1, o ângulo 1-NA sofreu uma alteração importante, de 0º para 16º, e o posicionamento linear dos incisivos (1-NA, mm) aumentou 2mm, passando de 2mm para 4mm. Essa mudança foi realizada para permitir a correção da sobremordida, tendo em vista que a retroinclinação inicial inviabilizava a intrusão, devido à proximidade do ápice radicular dos incisivos com a cortical vestibular da maxila. As distâncias intercaninos e intermolares foram mantidas (Tab. 2).





Na mandíbula, não ocorreu alteração na posição da base óssea. Houve aumento na inclinação dos incisivos, conforme pode ser visto na tabela 1, representado pelas alterações nas medidas 1-NB, de 14º para 26º, e do ângulo IMPA, de 87º para 98º. Com isso, o ângulo interincisal sofreu uma mudança significativa de 161º para 135º. Da mesma forma que na maxila, as distâncias intercaninos e intermolares permaneceram inalteradas (Tab. 2).

Na análise da radiografia panorâmica (Fig. 7), observa-se bom paralelismo radicular, com exceção da região entre incisivo lateral e canino superiores do lado direito e entre o canino e o primeiro pré-molar inferiores do mesmo lado. Houve, também, discreto arredondamento apical nos incisivos superiores, compatível com a grande movimentação realizada nesses dentes.

A oclusão dentária apresentou melhora na intercuspidação posterior, de ambos os lados, tendo-se finalizado o tratamento com uma relação de Classe II, nos molares, e de chave de oclusão, nos caninos, além de sobremordida e sobressaliência adequadas. As recessões gengivais, verificadas inicialmente, não sofreram alterações. Foi solicitado à paciente um tratamento reabilitador estético na região anterior e, ainda, a exodontia dos terceiros molares superiores. A estética facial não sofreu alterações significativas, com a manutenção do perfil facial. Contudo, o sorriso sofreu melhora significativa, com o alinhamento e nivelamento adequado dos dentes anteriores.

Os exames obtidos, após três anos e quatro meses do término do tratamento ortodôntico corretivo (Fig. 10 - 14), mostram a estabilidade das posições alcançadas. A reabilitação estética solicitada, ao final do tratamento, ainda não estava completamente realizada e as exodontias dos terceiros molares superiores também não haviam sido executadas. Os valores cefalométricos sofreram pequenas variações e as distâncias intercaninos e intermolares se mostraram estáveis, como pode ser observado nas tabelas 1 e 2.




CONSIDERAÇÕES FINAIS

A má oclusão de Classe II, 2ª Divisão de Angle, é caracterizada pela retroinclinação dos incisivos centrais superiores, normalmente associada a uma sobremordida acentuada. Para a correção dessa anomalia, em pacientes adultos, frequentemente recorre-se à exodontia de primeiros pré-molares. Esse procedimento, como no caso apresentado, requer um bom controle de ancoragem, para a obtenção de uma relação adequada entre os caninos. O tratamento descrito demonstra que _ mesmo com problemas na cooperação com o uso do arco extrabucal _, quando há uma avaliação contínua dos resultados e a alteração da mecânica em tempo hábil (nesse caso, com o uso de arco da mecânica segmentada de Burstone), é possível manter a ancoragem sob controle, por meio de princípios biomecânicos específicos2-7, conseguindo-se atingir os objetivos propostos ao início do tratamento. A correção da sobremordida acentuada foi realizada por um conjunto de movimentações dentárias planejadas que incluíram, inicialmente, a projeção dos incisivos superiores, através de um movimento de inclinação não-controlada, de maneira a permitir que o ápice desses dentes se afastassem da cortical vestibular, para depois realizar-se a intrusão necessária, através da utilização de um arco base de Ricketts5,6 em fios redondos.

Durante a retração dos incisivos superiores, e também na finalização, foi necessária a utilização de mecânica de elásticos com direção de Classe II8, como forma auxiliar de controle de ancoragem, tendo em vista a dificuldade verificada inicialmente. Com o aumento na inclinação dos incisivos superiores e inferiores, o ângulo interincisal foi finalizado com um valor muito próximo ao ideal e as sobreposições cefalométricas entre as fases inicial, final e controle (Fig. 14), da mesma forma que os registros oclusais feitos na fase de controle (Fig. 10, 11), demonstram a estabilidade da mecânica utilizada.

Enviado em: outubro de 2009

Revisado e aceito: dezembro de 2009

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  • Endereço para correspondência:
    Paulo Renato Carvalho Ribeiro
    Rua Oswaldo Cruz, 75 - Santa Helena
    CEP: 36.015-430 - Juíz de Fora / MG
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Aceito
      Dez 2009
    • Recebido
      Out 2009
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