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As reabsorções radiculares múltiplas ou severas não estão relacionadas a fatores sistêmicos, suscetibilidade individual, tendência familiar e predisposição individual

INSIGHT ORTODÔNTICO

As reabsorções radiculares múltiplas ou severas não estão relacionadas a fatores sistêmicos, suscetibilidade individual, tendência familiar e predisposição individual

Alberto ConsolaroI; Telma Regina Gobbi FranscischoneII; Laurindo Zanco FurquimIII

IProfessor Titular na FOB e da Pós-Graduação na FORP-Universidade de São Paulo

IIEndocrinologista e Doutora em Patologia pela FOB-USP

IIIProfessor Doutor da Universidade Estadual de Maringá e Doutor em Patologia pela FOB-USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Alberto Consolaro E-mail: consolaro@uol.com.br

As reabsorções radiculares múltiplas, ou as mais severas, ainda são frequentemente atribuídas às alterações sistêmicas4,5; em especial às endocrinopatias. Isso também ocorre quando há maior severidade de perda óssea alveolar, especialmente durante a movimentação ortodôntica18,19,20.

No turnover ósseo, o processo de deposição de matriz se alterna continuadamente com a reabsorção óssea em momentos e locais diferentes. Esse processo dinâmico permite que o tecido ósseo se adapte às demandas funcionais de cada região do esqueleto14,15,23 e participe ativamente na manutenção da homeostasia mineral do organismo no controle do nível sérico de cálcio e fósforo2,3,6,15. Em períodos variáveis de acordo com a idade do paciente, o esqueleto ósseo renova-se completamente22.

Os dentes não são envolvidos no turnover ósseo, especialmente as estruturas radiculares1,8,12,17. O turnover ósseo ocorre devido à atividade celular dos osteoblastos, osteócitos, macrófagos e clastos. Essas células se organizam em unidades multicelulares básicas ou osteorremodeladoras (BMUs) e recebem estímulos de mediadores sistêmicos e locais em receptores de superfície na membrana celular, especialmente nos osteoblastos e macrófagos2,7,22.

As células que colonizam a superfície dentária radicular, os cementoblastos, não têm receptores numericamente suficientes e significativos para os mediadores do turnover ósseo6,21. Os cementoblastos são células "surdas" às mensagens dos mediadores do turnover ósseo mesmo quando estão em altos níveis nos tecidos periodontais, como ocorre no hiperparatireoidismo. Em processos inflamatórios periodontais, os níveis locais de mediadores indutores da reabsorção óssea também estão elevados, mas os cementoblastos não respondem e dessa forma os dentes ficam protegidos do turnover ósseo (Fig. 1, 2).



A constatação da "ausência" de receptores de superfície nos cementoblastos para os mediadores do turnover ósseo dificulta qualquer raciocínio para atribuir às reabsorções dentárias uma origem sistêmica como as endocrinopatias21. Em outras palavras, os cementoblastos não sofrem influência de mediadores sistêmicos ou hormônios. Independentemente de os mediadores sistêmicos estarem em baixos ou altos níveis, os cementoblastos continuam colonizando a superfície radicular.

As causas das reabsorções dentárias devem estar relacionadas à perda dos cementoblastos da superfície radicular. A perda dos cementoblastos pode ter origem traumática, química ou biológica, mas com dimensão local7 (Fig. 1, 2). Na patologia humana não se conhecem doenças caracterizadas pela ausência ou diminuição de cementoblastos na superfície radicular. Para a reabsorção radicular ocorrer, o primeiro passo necessário é a remoção ou perda local dos cementoblastos.

A determinação da causa da reabsorção dentária requer uma anamnese minuciosa, resgatando-se a história dentária anterior, os vícios, os acidentes, os tipos de esportes e atividades de lazer praticados, os tratamentos anteriores e doenças locais associadas. Na anamnese deve-se valorizar detalhes relevantes, como os traumatismos leves do tipo concussão e subluxação, nem sempre lembrados pelo paciente e não passíveis de identificação por parte do clínico examinador. Os traumatismos leves podem ocorrer durante mordidas em objetos muito duros durante a mastigação, pancadas nos momentos de lazer, apoios cirúrgicos de alavancas durante exodontias de dentes vizinhos ou, ainda, batidas do laringoscópio durante procedimentos anestésicos gerais.

Quando não for possível determinar a causa local da reabsorção dentária, uma vez esgotados todos os recursos, pode-se adjetivar a sua etiopatogenia como idiopática. O termo idiopático refere-se à impossibilidade de identificação da causa sem que se dê qualquer conotação de origem sistêmica ou iatrogênica.

Nas reabsorções dentárias atribuídas a uma provável causa sistêmica, é necessário encaminhar o paciente ao endocrinologista9,10,16; pois em estágios avançados as endocrinopatias podem levar à morte. O cirurgião-dentista não tem a obrigação de um diagnóstico preciso de endocrinopatias, mas ao suspeitar deve encaminhar o paciente para o endocrinologista para avaliação e identificação definitiva do problema (Fig. 1, 2).

Na etiopatogenia das reabsorções radiculares, eventualmente são citadas a suscetibilidade individual, a tendência familiar e a predisposição individual4,5,13 sem referências a estudos criteriosos quanto à metodologia de análise. Em casos de suspeita de envolvimento hereditário ou alteração genética específica, o paciente deve ser encaminhado ao geneticista para uma avaliação minuciosa e localização do problema.

Sobre a suscetibilidade individual, a tendência familiar e a predisposição individual, não se devem ignorar os fatores locais como morfologia radicular, forma do ápice radicular, formato da crista óssea alveolar e a proporção coroa-raiz, que influenciam muito o prognóstico de reabsorções radiculares durante o futuro tratamento ortodôntico11. Esses aspectos morfológicos, que podem ser preditivos de maior ou menor reabsorção radicular durante o tratamento ortodôntico, podem ser herdados ou adquiridos durante a odontogênese por influência de fatores ambientais. Mas, em geral, quando se refere à suscetibilidade individual, à tendência familiar e à predisposição individual nas reabsorções radiculares em Ortodontia, quase sempre são consideradas como fatores sistêmicos e não locais.

A publicação sobre as características de grandes casuísticas ortodônticas pode ter contribuição importante para a literatura:

1. Quantos pacientes são checados criteriosamente, na consulta de avaliação e diagnóstico, sobre as condições sistêmicas relacionadas ao diabetes melito, funcionamento da tireoide, paratireoides, hipófise, ovários e demais glândulas endócrinas?

2. Quantos pacientes são avaliados pelo endocrinologista antes de iniciar o tratamento ortodôntico?

3. Muitos pacientes são endocrinopatas assintomáticos e foram ortodonticamente tratados, receberam alta e não apresentaram qualquer problema quanto ao nível ósseo e índice de reabsorções radiculares. Quantos desses pacientes foram posteriormente avaliados sistemicamente, detectando-se as endocrinopatias?

4. Quantos pacientes apresentaram reabsorções múltiplas ou severas e foram avaliados endocrinologicamente, detectando-se algum distúrbio glandular?

Se as alterações sistêmicas, a suscetibilidade individual, a tendência familiar e a predisposição individual não apresentam evidências de que são causas de reabsorções radiculares, a que se deve atribuir as reabsorções múltiplas ou severas eventualmente diagnosticadas na clínica ortodôntica?

Primeira Explicação

Para as reabsorções radiculares se iniciarem na superfície radicular, os cementoblastos devem ser removidos, eliminados ou desaparecer do local. Os cementoblastos estão intimamente relacionados com a superfície do cemento e, ao mesmo tempo, estão protegidos lateralmente pelas fibras colágenas que se inserem ou fusionam-se com o cemento radicular. Os traumatismos, os procedimentos cirúrgicos e os produtos bacterianos e químicos aplicados na superfície radicular podem remover os cementoblastos.

Nos dentes traumatizados as grandes lesões de camada cementoblástica podem ser reconstruídas, em parte, com células de linhagem osteoblástica, que apresentam receptores para os mediadores do turnover ósseo. Serão como cementoblastos, ou cementoblatos-like, mas, frente a um novo estímulo inflamatório local, precocemente iniciam um processo reabsortivo local, promovendo maior perda de estrutura radicular a cada movimento dentário induzido, quando comparar-se com uma superfície sem cementoblastos-like7. Por isso pode-se adotar a seguinte premissa: dentes traumatizados, se movimentados ortodonticamente, apresentam maior chance de reabsorções radiculares mais frequentes e severas. Isso não significa contraindicação, apenas maior cuidado na aplicação de forças ortodônticas em dentes nessas condições, especialmente quanto à sua distribuição homogênea por toda a raiz quando possível, além da preocupação com a sua intensidade.

Segunda Explicação

A eliminação dos cementoblastos também pode ocorrer durante o movimento dentário induzido. Uma força excessiva pode impedir que o ligamento periodontal - comprimido entre o osso e o dente - possa receber suprimento sanguíneo. As células deste segmento ligamentar comprimido, incluindo-se os cementoblastos, fogem do local e abandonam a superfície ou morrem antes de migrar e desnudam a raiz. Essa debandada ou morte celular deixa na região apenas uma matriz extracelular hialinizada. A superfície radicular sem a proteção dos cementoblastos passa a ser palco de reabsorções no processo de reorganização periodontal da região após a dissipação da força aplicada.

Depois de alguns dias, a reorganização periodontal termina e uma nova camada cementoblástica se estabelece, voltando a proteger a raiz da reabsorção. A superfície pode ficar irregular em seu contorno, mas funcionalmente no local o ligamento periodontal volta ao normal. Essa área não ficará mais suscetível a novas reabsorções radiculares.

Depois de aproximadamente 21 dias, o processo descrito pode recomeçar e nova perda de tecido dentário mineralizado se soma à do período anterior. Mas, se a força for adequada e compatível com a vida dos cementoblastos, não acontecerão novas reabsorções radiculares. A reabsorção radicular diagnosticada no final do tratamento ortodôntico representa o somatório das reabsorções de cada período de ativação e não significa um único processo durante o período de movimentação (Fig. 2).

A cada período de ativação do aparelho ortodôntico cria-se uma grande expectativa na comunidade celular e tecidual no ambiente periodontal: teremos ou não novos ataques aos cementoblastos? Quanto termina o tratamento ortodôntico e o paciente recebe alta, todos se confraternizam, pois o pior já passou! E que não venham os traumatismos acidentais e oclusais!

Consideração final

Cada vez menos, em casos de reabsorções radiculares múltiplas e severas, se atribui como causa os fatores ou doenças sistêmicas, a suscetibilidade individual, a tendência familiar e a predisposição individual. Quando houver suspeita de alguns desses fatores influenciando no aparecimento e evolução das reabsorções radiculares, os pacientes devem ser encaminhados ao endocrinologista e/ou ao geneticista para uma abordagem médica adequada. Nos casos em que essa conduta é adotada, em geral, o paciente retorna com a informação de que não existe relação da reabsorção radicular múltipla ou severa com o seu estado sistêmico e/ou histórico familiar.

Independentemente da inexistência da relação entre fatores sistêmicos, suscetibilidade individual, tendência familiar e predisposição individual e as reabsorções radiculares, parece-nos pertinente que casos de pacientes com doenças sistêmicas controladas ou não e que foram submetidos a tratamentos ortodônticos sejam publicados criteriosamente para enriquecer a literatura de evidências de que as endocrinopatias e outras doenças não apresentam as reabsorções dentárias como parte de suas manifestações clínicas.

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  • Endereço para correspondência:
    Alberto Consolaro
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011
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