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Quando a média é um prato raso para clínicos e cientistas, e cheio para políticos e escritores

"Estatística: a ciência que diz que se eu comi um frango e tu não comeste nenhum, teremos comido, em média, meio frango cada um. Dino Segrè, escritor italiano

Na Ortodontia, assim como nas demais áreas da ciência, temos uma verdadeira adoração pela média aritmética. Somos capazes de descrever, rotineiramente, que o tratamento ortodôntico demora 24 meses, usando a média para exprimir uma verdade. Entretanto, nem sempre tal medida é parâmetro que deva ser examinado isoladamente - outras vezes, sequer deveria ser empregada.

A média é a medida de tendência central próxima à qual estaria concentrada a maioria dos nossos dados. Entretanto, usá-la para descrever o que acontece com grande parte de nossos pacientes requer obediência a alguns pressupostos. Em muitas situações, quando tais pressupostos não estão presentes, continuamos utilizando a média para descrever os resultados clínicos e científicos. Ledo engano provocado pelo vício.

A média será de pouca importância e produzirá parca informação quando tivermos grande variabilidade naquilo que estamos examinando. E a variabilidade é rotina na área biológica.

Suponha que você esteja examinando o tempo de tratamento dos seus pacientes. Temos a premissa que, em média, o tratamento ortodôntico tenha duração de 24 meses. Todavia, se você for analisar o prontuário de cada paciente, encontrará um número razoável de tratamentos em torno de 12 meses, e muitos outros com mais de 36 meses. Nesse caso, a média é medida imprecisa que, provavelmente, levará a equívocos se você insistir em utilizá-la para prever o tempo de tratamento do próximo paciente. Todos os ortodontistas mais experientes - além de muitos inexperientes - já aprenderam esse conceito. Nesse caso, a variabilidade é uma medida muito mais interessante do que a média. A investigação, clínica ou científica, deveria se debruçar sobre os motivos de tanta variação, e não sobre uma medida (a média) que contempla a minoria dos indivíduos.

Um exemplo do uso equivocado da média ocorre quando examinamos distribuições assimétricas, também conhecidas como anormais. Tomemos como exemplo a leitura do ângulo SNB em uma população com oclusão normal, ilustrada, de forma fictícia, pela Figura 1. A média (80o) será o valor mais frequente observado e, quanto mais nos distanciamos desse valor - para mais ou para menos, simetricamente -, menor será a chance de encontrarmos o valor de referência. Assim, em uma amostra normal, é mais provável encontrarmos um valor de SNB igual a 78o do que um indivíduo com 74o, por exemplo. Portanto, na distribuição normal, a média é o valor mais frequente encontrado. Ademais, à medida que nos distanciamos da média, menor será a chance de observar um determinado evento, tanto para mais quanto para menos.

Figura 1
Valores do ângulo SNB para indivíduos com oclusão normal (dados fictícios). A simetria da distribuição aponta à normalidade da curva, na qual a média é o valor mais frequentemente encontrado e valores distantes da média têm uma menor probabilidade de serem observados.

Essa premissa é quebrada quando temos grandes assimetrias na distribuição de dados. Na Figura 2 observamos a distribuição de renda de famílias brasileiras de estudantes de nível superior1IBGE. PNAD. Brasília, DF; 1998.. O valor de maior frequência seria a renda de dois mil reais - muito pouco, se considerarmos tratar-se da renda familiar. A média, entretanto, estará deslocada para a direita em razão de um pequeno número de famílias que ganham muito dinheiro. Esse reduzido número de famílias, com renda bem mais alta, aumentará significativamente o valor da média. Assim, a média será um valor bem superior aos dois mil reais - algo em torno de cinco mil reais, mais do que o dobro.

Figura 2
Renda familiar mensal de estudantes brasileiros de nível superior (Fonte: IBGE1, 1998). Observe a acentuada assimetria da curva, deslocando a média para a direita da moda, que é o valor mais frequentemente observado (até R$ 2.000). A grande maioria das famílias possui até R$ 3.000,00 de renda mensal

No exemplo anterior, o uso da média é um equívoco, visto que, ao empregá-la, estaríamos produzindo uma informação superestimada da tendência central dos dados obtidos. Nos atuais tempos de eleições, essa seria uma forma de manipular dados, por meio do erro na escolha da medida central para a descrição de um problema - prática comum e proposital na política, para se obter vantagens ou expor críticas. O uso equivocado da média, infelizmente, não é uma prática comum somente na política; trata-se de uma conduta equivocada e muito comum também na ciência e na literatura. Na arte, entretanto, os erros podem assumir uma conotação irônica, como no texto em epígrafe. Na ciência, o buraco pode ser mais profundo: sete palmos, em média - mas com alguma variabilidade, dependendo do tamanho da mão.

David Normando

REFERENCES

  • 1
    IBGE. PNAD. Brasília, DF; 1998.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014
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