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Saucerização de implantes osseointegrados e o planejamento de casos clínicos ortodônticos simultâneos

INSIGHT ORTODÔNTICO

Saucerização de implantes osseointegrados e o planejamento de casos clínicos ortodônticos simultâneos

Alberto ConsolaroI; Renato Savi de CarvalhoII; Carlos Eduardo Francischone Jr.III; Maria Fernanda M.O. ConsolaroIV; Carlos Eduardo FrancischoneV

IProfessor Titular em Patologia da FOB-USP e da Pós-Graduação da FORP-USP

IIProfessor Doutor de Implantologia da Universidade Sagrado Coração (USC)

IIIProfessor Mestre de Implantologia da USC

IVProfessora Doutora de Ortodontia e da Pós-Graduação em Biologia Oral da USC

VProfessor Titular da FOB-USP e de Implantologia da USC

Endereço para correspondênciaEndereço para correspondência: Alberto Consolaro E-mail: consolaro@uol.com.br

O campo de atuação do ortodontista se amplia com o surgimento de novas abordagens diagnósticas e terapêuticas em todas as especialidades médicas e odontológicas como a Implantodontia, Medicina do Sono, Cirurgia Ortognática, Tomografia Computadorizada, Gerodontologia, etc. Isso requer o domínio de novos conceitos e termos técnicos próprios do jargão de cada área específica. Esse domínio se faz importante nas discussões sobre diagnósticos e planejamentos de casos clínicos com profissionais das demais especialidades.

Um exemplo ocorre com os implantes dentários osseointegráveis que, nos últimos 20 anos, mudaram por completo a prática e a amplitude da Odontologia. Muitos pacientes adultos ortodônticos são portadores ou estão planejando e/ou necessitando colocar implantes osseointegráveis. Muitos pacientes jovens ortodônticos também têm implantes osseointegrados em decorrência de perdas dentárias por traumatismos ou em função da anodontia parcial.

A saucerização nos implantes osseointegrados representa um fenômeno a ser reconhecido e considerado no planejamento ortodôntico para estabelecimento de prognóstico do ponto de vista funcional e estético. Este Insight tem o objetivo de discorrer sobre o conceito da saucerização especialmente para questionar: existiriam necessidades ou cuidados específicos na movimentação e na finalização de casos ortodônticos para os dentes vizinhos aos implantes osseointegrados, se consideramos a ocorrência da saucerização?

O conceito da osseointegração e uma particularidade dos dentes e implantes em nosso corpo: importância dos tecidos moles cervicais

A osseointegração representa a ancoragem direta de um implante por formação de tecido ósseo ao redor do implante sem crescimento ou desenvolvimento de tecido fibroso na interface osso-implante3,5.

Os dentes representam as únicas estruturas do corpo que atravessam ou penetram um revestimento ou cobertura epitelial (Fig. 1, 2, 3). Por extensão, o implante dentário também tem essa característica e a ancoragem propiciada pela osseointegração é um pré-requisito para a estabilidade do implante. A retenção por longo tempo de um implante depende da união do epitélio e do tecido conjuntivo com a superfície de titânio, pois um completo selamento cervical de tecido mole protege o osso do meio bucal altamente contaminado8,10,15,22,23,26.




A gengiva marginal e a mucosa peri-implantar demonstram muitas características clínicas e microscópicas comuns1,2,19,20,25. A mucosa gengival ao redor de implantes bem-sucedidos geralmente não apresenta lesões inflamatórias. Quando presentes, essas lesões são pequenas e localizadas adjacentes ao longo de um epitélio juncional1,19. Clinicamente, a gengiva levemente inflamada e/ou sadia, como também a mucosa peri-implantar com higiene bucal adequada, apresentam infiltrados inflamatórios com localização e extensão similares entre si20. Vários estudos demonstraram semelhanças entre a mucosa peri-implantar e a gengiva quanto às suas estruturas epiteliais e conjuntivas9,16,17,18,24,27. Entretanto, a ausência de cemento radicular na superfície dos implantes muda o plano de orientação e união das fibras entre os dentes e os implantes9. A importância do selamento de tecido mole nos sítios de implantes, com respeito ao sucesso funcional, não tem sido completa ou detalhadamente avaliada.

Estudos sobre a topografia da vascularização dos tecidos periodontais revelaram que a gengiva e o tecido conjuntivo acima da crista óssea dos dentes são nutridos por vasos supraperiosteais laterais advindos do processo alveolar e do ligamento periodontal. Nos tecidos moles peri-implantares moles e duros, a região da mucosa é nutrida por braços terminais de largos vasos originários do periósteo do sítio ósseo implantar. Em ambas as situações, os vasos construíram um "plexo clevicular" lateral ao epitélio juncional. Todos os dentes naturais na porção conjuntiva acima da crista demonstravam uma rica vascularização; enquanto, nos sítios dos implantes, são observados muito poucos vasos7. Essa observação reforça a suspeita de que o tecido mole peri-implantar pode ter uma capacidade de defesa um pouco menor frente a agressões exógenas do que os tecidos periodontais naturais (Fig. 1).

A resistência mecânica entre a gengiva e a mucosa peri-implantar foi testada em cães e observou-se que a penetração das sondas era maior nos implantes do que nos dentes: 2mm e 0,7mm, respectivamente14. Nos tecidos moles peri-implantares, a sonda deslocava o epitélio juncional bem como o tecido conjuntivo da interface união/superfície do implante e parava na crista óssea. Ocasionalmente, havia sangramento por ruptura de vasos. Nos dentes, a sonda parava na porção apical do epitélio juncional, identificando o fundo do sulco gengival; o sangramento era mínimo, contrastando com o dos implantes14.

Os efeitos da placa dentobacteriana após 3 semanas e 3 meses na gengiva e tecidos peri-implantares foram avaliados comparativamente6. Em ambos os tecidos, em 3 semanas as lesões inflamatórias, quanto ao tamanho e composição, tinham as mesmas características. Em 3 meses o sangramento era similar e os dois infiltrados inflamatórios tinham as mesmas características, mas a sua extensão apical era mais pronunciada na mucosa peri-implantar do que na gengiva. Isso implica em afirmar que os mecanismos de defesa na gengiva são mais eficientes do que nos tecidos peri-implantares na prevenção de futuras propagações da microbiota do sulco6. Porém, a região cervical de um implante dentário osseointegrado tende a ser compatível com a normalidade funcional e estética, desde que a higiene bucal seja mantida, o que também é válido para os dentes naturais.

Saucerização dos implantes osseointegrados: o conceito e mecanismo

A saucerização ocorre em todos os implantes osseointegrados, independentemente do seu design, tipo de superfície, de sua plataforma e de conexão, da sua marca comercial e das condições do paciente (Fig. 12). A sua velocidade pode ser maior ou menor, mas sua ocorrência parece fazer parte da integração dos implantes com o epitélio e tecido conjuntivo gengival.


A região cervical dos implantes osseointegrados expostos no meio bucal geralmente apresenta um certo grau de reabsorção óssea (Fig. 4 a 11), aproximadamente com 0,2mm de profundidade4,5,11. O plano da superfície óssea osseointegrada reabsorvida em relação à superfície do implante forma um ângulo aberto na região cervical em praticamente todas as suas faces. Tridimensionalmente, essa reabsorção óssea cervical - observada em todos os tipos de implantes osseointegrados - assume a forma de um pires, ou seja: é rasa e superficial e, por isso, como em Inglês saucer = pires, logo passou, por extensão em Português, a ser denominada "saucerização". Esse processo pode se prolongar ao longo do tempo, em média consumindo 0,1mm a cada ano de tecido ósseo cervical peri-implantar4,5,11. Em comunicação pessoal, Albrektsson relatou que essa perda óssea cervical ao longo dos anos é ainda menor do que a verificada em trabalhos anteriores, e que esses resultados serão brevemente apresentados na literatura.






Muitas teorias e explicações foram dadas para a saucerização, mas quase todas apresentam dificuldades para explicar um ou outro aspecto. Uma dessas teorias atribui a saucerização à carga mastigatória oclusal a que os implantes são submetidos. No entanto, quando implantes osseointegrados estão fora de oclusão ou apenas com o cicatrizador gengival durante muitos meses ou até anos, sem nunca terem entrado em oclusão, também apresentam saucerização (Fig. 13). Por outro lado, quando implantes permanecem submersos por alguns meses/anos, o tecido ósseo avança em direção à superfície mais cervical e pode até recobrir os parafusos de cobertura (Fig. 12). Esse ganho de osso muitas vezes exige manobras de osteotomia para a colocação do cicatrizador ou do intermediário protético.


Logo após a colocação do cicatrizador ou diretamente do intermediário e coroa, o epitélio estratificado pavimentoso da mucosa bucal se justapõe à superfície com sua espessura normal (Fig. 4). Quando um epitélio é ulcerado, suas células ficam com as membranas expostas a mediadores para que interajam com seus receptores, tal como ocorre nas ulcerações bucais e nas feridas cirúrgicas, inclusive peri-implantares.


O EGF (Fator de Crescimento Epidérmico ou Epitelial) da saliva, bem como o das células epiteliais, estimula a proliferação epitelial peri-implantar e tem início a formação do epitélio juncional peri-implantar. O epitélio juncional peri-implantar ganha mais camadas de células e assume uma conformação semelhante à do epitélio juncional dos dentes naturais (Fig. 5). Essa nova conformação do epitélio juncional peri-implantar aproxima-o da superfície osseointegrada, aumentando a concentração local de EGF e, em consequência, acelera a reabsorção óssea, tendo início a saucerização (Fig. 5). Em dois trabalhos recentes, foram apresentadas revisões sobre as funções e o histórico da descoberta do EGF12,13.


Uma vez formado o epitélio juncional peri-implantar e a saucerização, depois de algumas semanas ou meses se estabelece uma relação de distanciamento. Configura-se, então, uma distancia biológica estável entre o osso cervical integrado ao implante e o epitélio juncional peri-implantar, tal como ocorre nos dentes naturais. A partir daí, tem-se um equilíbrio e estabilização da saucerização, permitindo que o osso volte a se corticalizar na superfície cervical (Fig. 6 e 8 a 11). Provavelmente, em função dessa estabilização ao longo dos anos, a perda óssea cervical decorrente da saucerização diminui o seu ritmo4,5,11 se as condições de higiene e saúde periodontal forem próximas das que se considera ideais. Essa situação pode ser observada em casos clínicos acompanhados por muitos anos após a colocação dos implantes osseointegráveis (Fig. 10, 11).


FIGURA 7

FIGURA 9

FIGURA 10

FIGURA 11

O restabelecimento do epitélio juncional na mucosa bucal peri-implantar pode ser decorrente do estímulo dado pelo EGF do próprio epitélio mucoso, por um efeito conhecido como autócrino. Provavelmente isso esteja ocorrendo em toda a mucosa, mas especialmente nas áreas ulceradas, onde a esse efeito autócrino soma-se o do EGF salivar. Por isso, há um considerável aumento das camadas celulares epiteliais a ponto de formar o epitélio juncional peri-implantar. Uma vez promovida a junção epitélio-implante, a penetração do EGF salivar cessa ou reduz-se drasticamente e o processo de proliferação epitelial de renovação celular volta ao normal.

A espessura do tecido gengival parece influenciar consideravelmente na perda óssea da crista alveolar. Quando essa espessura for de 2mm ou menos, a perda óssea cervical tende a ser significativamente maior21. Provavelmente, esses resultados poderiam ser explicados à luz do EGF. Quanto mais espessos os tecidos gengivais no momento da colocação dos implantes, maior será a distância do epitélio juncional implantar a ser formado em relação ao tecido ósseo, ou seja, as moléculas do EGF chegarão em menor concentração à superfície óssea.

A saucerização no tempo e o tratamento ortodôntico

Nos dentes naturais, a união do epitélio juncional com o esmalte e superfície cervical se faz por vários tipos de estruturas de união promovendo um vedamento eficiente para a penetração do EGF salivar (Fig. 1, 2, 3). No epitélio juncional peri-implantar, no entanto, esse vedamento, propiciado pela junção epitélio-implante, é menos eficiente e deve permitir uma constante entrada de EGF salivar que, somando-se ao EGF do próprio epitélio juncional e da mucosa, promove um processo constante e lento de aproximação com o osso cervical (Fig. 1, 4, 5, 6, 9).

Depois da instalação de um implante osseointegrável, deve-se considerar normal que ocorra a saucerização peri-implantar, independentemente do tipo de implante utilizado (Fig. 14, 15). Assim sendo, qual a distância média que a região cervical dos dentes naturais vizinhos deve ser mantida, pelo ortodontista, em relação aos implantes osseointegrados, para que o nível ósseo cervical dos mesmos não seja envolvido pela saucerização vizinha?



Essa preocupação pode ser mais especial ainda em casos de dentes anteriores superiores como, por exemplo, nos implantes correspondentes aos incisivos laterais (Fig. 10, 11, 14, 15) em casos de anodontia parcial uni ou bilateral. Ou, ainda, nos casos de incisivos e caninos perdidos por traumatismos acidentais. As implicações estéticas e funcionais da gengiva devem ser consideradas no planejamento e instalação dos implantes, como a forma e o tamanho das papilas, bem como a manutenção de uma linha harmoniosa do sorriso.

No tempo, a saucerização pode influenciar desfavoravelmente os tecidos moles e duros cervicais de dentes vizinhos a implantes em pacientes ortodonticamente tratados, nos quais os dentes foram alinhados harmoniosamente com os implantes? Quais seriam os cuidados ortodônticos especiais para evitar ou diminuir as consequências indesejáveis ao longo do tempo da saucerização de implantes osseointegrados vizinhos aos dentes naturais?

Quanto mais desvendarmos os fenômenos celulares e teciduais relacionados à saucerização, mais detalharemos os cuidados e nuanças estéticas e funcionais envolvidas. A cada dia, o refinamento e o detalhamento implicam na evolução dos procedimentos operatórios e restauradores da Odontologia como um todo, sem limites ou cercas entre as mais diversas especialidades.

Consideração final

O ortodontista deve familiarizar-se cada vez mais com o jargão de outras especialidades clínicas, entre as quais a Implantodontia e seus conceitos e aspectos mais específicos. Essa necessidade advém de uma ação cada vez mais transdisciplinar dos profissionais em planejamentos conjuntos de casos clínicos envolvendo várias especialidades e cujo objetivo final está na reabilitação bucal do paciente.

A saucerização óssea ao redor dos implantes osseointegrados representa um desses conceitos específicos que fazem parte do jargão do implantodontista. O ortodontista deve considerar a ocorrência desse fenômeno ósseo peri-implantar quando, em um mesmo período de tempo, se aplica os implantes osseointegráveis e também se movimenta os demais dentes, realinhando ou reposicionando-os harmoniosamente, muitas vezes com uma proximidade tal na região cervical que deve ser criteriosamente avaliada quanto aos seus riscos e benefícios estéticos e funcionais.

Provavelmente, novas pesquisas são necessárias para responder ao questionamento: quais seriam as necessidades ou cuidados específicos na movimentação e na finalização de casos ortodônticos para os dentes vizinhos a implantes osseointegrados, se considerarmos a ocorrência da saucerização?

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  • Endereço para correspondência:
    Alberto Consolaro
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010
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