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David M. Sarver

ENTREVISTA

Avanços tecnológicos e diferentes correntes filosóficas têm alimentado a história da Ortodontia - primeira especialidade da Odontologia. Por algum tempo, grande ênfase foi dada ao surgimento de diferentes desenhos de aparelhos, apresentados como recursos indispensáveis ao sucesso dos tratamentos. Agora, uma nova fase está despontando, com a valorização da essência de nossa especialidade – diagnóstico e planejamento individualizados e conhecimento biomecânico pautado em princípios básicos sólidos.

Ícones da Ortodontia contemporânea, como Björn Zachrisson, Vincent Kokich e David Sarver, dentre outros, têm levantado esta bandeira. Sarver, particularmente, vem enfatizando, em seus cursos, conferências e publicações, a importância de um estudo dinâmico da estética, ressaltando a análise da dentição integrada à face, nos três planos do espaço.

Por ocasião do último evento da Angle Society, realizado em fevereiro deste ano, em Palm Springs, Califórnia, convidamos o Dr. Sarver a colaborar com a seção de entrevistas da Revista Dental Press. O diálogo* aconteceu com o Dr. Anthony A. Gianelly e é uma amostra do que o Dr. Sarver irá apresentar, por ocasião do Congresso da ABOR, em Gramado, no mês de outubro próximo.

Telma Martins de Araújo

1) David, o que é exatamente o "novo paradigma estético"? Todos nós avaliamos sorrisos, arcos do sorriso e corredores bucais. Mas o que significa tudo isso? Anthony A. Gianelly

Por muitas décadas, o planejamento do tratamento ortodôntico era focado principalmente na obtenção de oclusão normal nos molares e caninos, com sobremordida e sobressaliência ideais. O paradigma estético significa que precisamos adicionar às necessidades e metas funcionais do paciente alguns aspectos, tais como a apresentação do sorriso e a estética da face. Apesar da grande atenção voltada para a estética facial, a maioria dos ortodontistas não se dá conta de que o rosto já era uma parte integrante da visão original de Edward H. Angle, exercendo uma influência fundamental na escola de Ortodontia do mesmo. Edward E. Wuerpel, um professor de Artes, havia sido convidado por Angle como professor visitante, com a missão de ensinar escultura greco-romana e proporções faciais aos alunos. Por ocasião do encontro da Associação de ex-alunos da Angle School of Orthodontics, em 1931, Wuerpel prestou uma homenagem ao seu falecido amigo e falou sobre seu papel como professor na Angle School. É uma leitura tão interessante que todo ortodontista deveria ler esse tributo de Wuerpel a Angle, pois nos oferece uma visão deste muito diferente daquela que normalmente conhecemos.

Os nossos objetivos em termos de estética de perfil têm sido guiados principalmente pela necessidade de atingir determinados valores cefalométricos de tecidos duros, tais como - APo, o triângulo de Tweed, entre outros.

Apesar de alguma atenção dada à apresentação do sorriso, foi somente nos últimos 5 a 10 anos que a nossa profissão começou a dar mais ênfase ao assunto. Por que demorou tanto para se incluir o sorriso no planejamento do tratamento ortodôntico? Por vários motivos:

• o aumento do interesse pela Odontologia cosmética nos consultórios dos nossos colegas. Eles estão mais focados do que nunca na estética do sorriso e esperam que os pacientes ortodônticos, encaminhados por eles, retornem com sorrisos de acordo com os critérios que eles adotam;

• a influência de celebridades acadêmicas, tais como os Drs. Sheldon e Leena Peck, Björn Zacchrisson e Vincent Kokich.

Meus colegas e eu temos propagado que o paradigma estético seja ampliado de modo a incluir três divisões principais²,³: macro-estética, mini-estética e micro-estética.

• A macro-estética é representada pela aparência facial e parâmetros tais como proporções faciais verticais, assimetrias mandibulares, posição retrusiva da mandíbula e do mento, prognatismo mandibular, entre outros.

• A mini-estética abrange a estrutura do sorriso, incluindo a apresentação dos dentes e gengivas, arco do sorriso e largura do sorriso.

• A micro-estética inclui, por exemplo, as proporções e alturas dentárias, incisivos laterais conóides.

Nossas metas funcionais de oclusão (relação normal em molares e caninos, sobremordida e sobressaliência ideais) continuam a existir, mas são avaliadas dentro do contexto de uma análise dentofacial expandida. Este modelo nos oferece estrutura para uma avaliação sistemática das necessidades estéticas de cada paciente (Fig. 1). É uma grande mudança se comparada com a abordagem tradicional do diagnóstico e planejamento ortodôntico, que se baseia quase essencialmente em modelos e números cefalométricos. Ao invés disto, leva o ortodontista a proceder a um exame clínico do paciente com a posição dos lábios em repouso e ao sorrir, e em todas as três dimensões físicas. É dada mais ênfase à proporcionalidade das feições faciais do que a normas lineares e angulares. A divisão do sistema de classificação em vários componentes nos permite fazer uma abordagem sistemática e atualizada do tratamento, com ênfase nos problemas específicos do paciente. O planejamento do tratamento habitual se concentra geralmente nas relações dentoesqueléticas. Nós recomendamos que o planejamento do tratamento leve em consideração o reconhecimento de fatores positivos, fazendo o que se define por "otimização do tratamento" (Fig. 2). Na concepção convencional do planejamento do tratamento orientado por problemas, o ortodontista identifica os desvios funcionais e estéticos do paciente e cria uma lista de problemas a serem solucionados durante o tratamento. Quando os clínicos se preocupam somente em corrigir problemas, tendem, às vezes, a esquecer fatores estéticos positivos do paciente, correndo assim o risco de afetar adversamente atributos estéticos já presentes. O exemplo clássico é o paciente Classe II com terço facial médio normal e deficiência mandibular. Quando analisado apenas sob o aspecto de relação oclusal, poderia ser tratado com extrações de pré-molares superiores e reposicionamento lingual dos dentes superiores anteriores. Isto, no entanto, resultaria no achatamento do lábio superior, afetando negativamente o ângulo nasolabial e resultando em um "visual ortodôntico" desfavorável.



Há muitas características associadas ao que consideramos o sorriso ideal e, recentemente, temos dado mais ênfase ao arco do sorriso.

O arco do sorriso é definido pela relação entre a curvatura do plano oclusal maxilar e a curvatura do lábio inferior ao sorrir, devendo ter paralelismo ou consonância entre si. Estudos mostram que o tratamento ortodôntico altera desfavoravelmente o arco do sorriso em 1/3 dos casos5,6. Uma alteração, mesmo não sendo intencional, da estética do sorriso, decorrente da colocação de braquetes e/ou de mecânicas inadequadas, sem levar em conta um arco de sorriso já harmonioso antes do tratamento, resultará no achatamento do arco. Nossos conceitos do design de diagnóstico e tratamento estão mudando para incorporar esses novos aspectos, alterando a abordagem das nossas atribuições diárias no consultório.

2) Como isso afeta o planejamento do tratamento em termos de análise cefalométrica, extração versus não-extração, e a importância do posicionamento dos incisivos superiores? Anthony A. Gianelly

O uso de dados cefalométricos tem pouca importância no paradigma estético atual. A razão para isso é simples: a quantidade de informação que uma radiografia cefalométrica lateral nos oferece é limitada, pelo simples fato de se tratar de uma representação bidimensional do paciente, no plano sagital médio. A radiografia cefalométrica lateral foi originalmente projetada para ser uma ferramenta de pesquisa e não o instrumento principal no diagnóstico ortodôntico. Se pararmos para pensar, há muitos motivos por que a radiografia cefalométrica simplesmente não nos dá a informação necessária para tratar casos ortodônticos com sucesso. As razões que nos vêm à mente são:

• trata-se de um retrato de uma entidade em crescimento. O crescimento facial ocorre com velocidades diferentes, apresenta tendências diversas de acordo com o gênero do paciente, sofre tendências familiares, além de existirem muitas outras variáveis;

• a radiografia cefalométrica lateral não reflete a dinâmica dos tecidos moles, tão importantes para o diagnóstico. Especificamente falando, os atributos do sorriso não conseguem ser analisados com uma radiografia cefalométrica. Uma ilustração desse princípio é mostrada na figura 3A. A paciente tem um perfil normal e, pela imagem intrabucal, o tratamento parece ter obtido um resultado clínico satisfatório. Mas imagens intrabucais, obtidas com afastadores, e modelos de gesso articulados não refletem adequadamente a relação da maxila e dos dentes, com o sorriso. Somente a visualização frontal do sorriso permite ao ortodontista observar alguma assimetria dentária transversal. A fotografia frontal do sorriso (Fig. 3B) é um indicador muito melhor de assimetria transversal relacionada com posicionamento dentário do que uma visão intrabucal obtida com afastadores de lábios. Com uma boa visualização das relações dentolabiais, o clínico poderá planejar os posicionamentos adequados, determinar a necessidade de modificação diferencial de crescimento e/ou erupção dentária em adolescentes ou correção cirúrgica em adultos.


Quanto ao tratamento com extração versus não-extração, novamente precisamos estar cientes das modificações nos tecidos moles que ocorrem com o crescimento e amadurecimento, às quais não se tem dado a devida importância durante os cursos de Ortodontia.

A maioria das universidades oferece informações sobre o crescimento dos tecidos duros relacionados com modificações mandibulares e dentoalveolares, mas poucas são as que informam sobre mudanças labiais, crescimento nasal e afins.

Esta tem sido uma modificação importante quando da aplicação do novo paradigma estético, como demonstraremos no caso descrito a seguir.

A paciente ilustrada na figura 4A nos consultou para obter uma segunda opinião, sendo que na primeira avaliação haviam sido indicadas extrações de quatro pré-molares, a fim de conseguir retração dos incisivos. Seu perfil foi considerado muito "cheio", bi-protruso (Fig. 4B) e as extrações haviam sido recomendadas para conseguir certa retração dos incisivos, tornando o perfil mais suave. No paradigma estético, sentimos que a retração dos incisivos não seria indicada, porque aos 12 anos de idade o crescimento nasolabial ainda não estaria completo. A figura 4C mostra a paciente ao final do tratamento e a 4D dez anos após o tratamento. As medidas cefalométricas são basicamente as mesmas após 10 anos (Fig. 4E). Nota-se o achatamento do perfil, que ocorreu com a maturação natural, ressaltando o fato de que o tratamento com base apenas nos tecidos duros ou sem levar em conta a maturação normal e o envelhecimento dos tecidos moles da face poderia ter levado a um resultado antiestético. A importância da posição do incisivo superior também é um aspecto importante do paradigma estético. Como sabemos, há um grande número de dados que demonstram que há uma menor exposição do incisivo superior, tanto em repouso quanto ao sorrir, ao longo do processo de envelhecimento, e que devemos ter o cuidado de não reduzir a exposição do incisivo em adolescentes para evitar uma aceleração do processo de envelhecimento em termos de aparência do sorriso7,8. O posicionamento dos braquetes tradicionalmente tem sido diagramado para seguir fórmulas definidas. A prática mais comum é que a ranhura do braquete no incisivo central esteja 4mm acima do bordo incisal, a 3,5mm nos incisivos laterais e a 4,5mm nos caninos. Esta regra seria aplicada a todos os pacientes, o que no entanto é totalmente contrário a um dos princípios do paradigma estético, que é o planejamento individualizado do tratamento. A figura 5A mostra o sorriso de uma jovem paciente antes do tratamento e a figura 5B ilustra a apresentação dos incisivos durante o tratamento ortodôntico. Neste caso não se prestou atenção à relação dos incisivos superiores com o lábio inferior durante a fase de planejamento do tratamento, e conseqüentemente os dentes superiores anteriores foram intruídos, não só reduzindo a exposição dos incisivos, mas também achatando o arco do sorriso. O reposicionamento dos braquetes sobre os dentes, mais para apical, extruiu os incisivos superiores, aumentando a exposição dos incisivos e realçando o arco do sorriso (Fig. 5C).



3) Como isso afeta o tratamento em termos da seleção de mecânica? Anthony A. Gianelly

Na maioria dos casos, a mecânica de arco contínuo funciona muito bem. No entanto, no paradigma estético a mecânica de arcos segmentados é utilizada mais freqüentemente. Citaria com exemplo uma paciente com sobremordida acentuada. A sobremordida profunda pode ser reduzida de várias maneiras:

• extrusão de dentes posteriores;

• intrusão de dentes anteriores (tanto dos incisivos superiores como inferiores);

• vestibularização dos incisivos.

O método a ser usado para correção da sobremordida dependerá dos quesitos de macro e mini-estética. Por exemplo, a correção da mordida profunda em paciente de face alongada não deveria ser feita por meio da extrusão posterior, já que desta maneira se aumentaria a altura facial. No paciente com exposição reduzida de gengiva em repouso e ao sorrir, não optaríamos por corrigir a sobremordida com a intrusão dos incisivos superiores, pois isto diminuiria mais ainda a apresentação dos incisivos no sorriso. O paciente de face alongada seria tratado com a intrusão dos incisivos inferiores, que é melhor obtida com uma abordagem de mecânica segmentada. Por exemplo, a paciente da figura 6A apresenta altura facial reduzida, sobremordida acentuada (Fig. 6B) e, ao sorrir, a exposição de incisivos superiores é reduzida (Fig. 6C). Um tratamento ortodôntico com extrusão posterior foi planejado, a fim de aumentar a altura facial (Fig. 6D) e a abertura funcional da mordida (Fig. 6E). O posicionamento dos braquetes foi ajustado para extruir levemente os incisivos e aumentar a exposição destes dentes no sorriso (Fig. 6F).



4) Isso tem influenciado o planejamento pós-tratamento, tais como procedimentos restauradores? Anthony A. Gianelly

A estética de sorriso ideal não é alcançável em todos os casos; longe disso. Isto significa que se o paciente desejar ter um sorriso ideal, a Odontologia Estética pode ser a melhor opção para se concluir o tratamento e obter o "sorriso perfeito". O mesmo vale para a cirurgia ortognática. Por exemplo, alguns arcos de sorrisos achatados são decorrentes de um padrão esquelético braquicefálico, que poderiam ser melhorados com uma reposição esquelética por meio de cirurgia ortognática, opção essa que pode não ser aceita pelo paciente.

Anthony Gianelly, DMD, PhD, MD

  • O Dr. Gianelly é professor de Ortodontia e presidente emérito da Boston University School of Dental Medicine. Recebeu seu diploma e treinamento em Ortodontia na Harvard School of Dental Medicine. Seus diplomas de mestrado e doutorado são da Boston University. O Dr. Gianelly é membro de diversas organizações, entre elas a E.H. Angle Society. Já publicou 3 livros e cerca de 90 artigos e ministrou mais de 200 palestras nos EUA e em outros países. Recebeu diversos prêmios, como o de melhor trabalho do American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics e do Angle Orthodontist, um Lifetime Achievement Award e o prêmio A.H. Ketcham

REFERÊNCIAS

1. WUERPEL, E. H. My friend, Edward Hartley Angle. Dental Cosmos, 1931. v. IXXI, p. 908-921.

2. SARVER, D. M.; ACKERMAN M. B. Dynamic smile visualization and quantification and its impact on orthodontic diagnosis and treatment planning in the art of smile- integrating Prosthodontics, Orthodontics Periodontics, Dental Technology and Plastic Surgery. Ed. R. Romano, Quintessence Publishing Co. Chicago, Il. 2005, p. 99-139.

3. SARVER, D. M. Soft-tissue-based diagnosis and treatment planning. Clinical impressions, v. 14, no. 1, p. 21-26, Mar. 2005.

4. SARVER, D. M. The importance of incisor positioning in the esthetic smile arc. Am J Orthod Dentofacial Orthop, Aug. 2001, v. 120, no. 2, p. 98-111.

5. HULSEY, C. M. An esthetic evaluation of lip-teeth relationships present in the smile. Am J Orthod, v. 57, no. 2, p. 132-144, Feb. 1970.

6. ACHERMAN, J. L.; ACKERMAN, M. B.; BRENSINGER, C. M.; LANDIS, Jr. A morphometric analysis of the posed smile. Clin Orthod Res, v. 1, no. 1, p. 2-11, Aug. 1998.

7. DICKENS, S.; SARVER, D. M.; PROFFIT, W. R. The dynamics of the maxillary incisor and the upper lip: a cross-sectional study of resting and smile hard tissue characteristics. World J Orthod, v. 3, p. 313-320, 2002.

8. VIG, R. G.; BRUNDO, G. C. The kinetics of anterior tooth display. J Prosth Dent, v. 39, p. 502-504, 1975.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2007
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