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São Paulo metrópole: sustentabilidade com redução das desigualdades, um processo unitário

RESUMO

A cidade de São Paulo é caracterizada, historicamente, por expressivas desigualdades socioeconômicas estruturais. O seu enfrentamento demanda novas formas de gestão da política pública, em razão de ser incontornável o desafio de torná-la uma cidade sustentável. Este ensaio apresenta evidências de como sustentabilidade e redução das desigualdades conformam um processo socioeconômico de natureza unitária. As próximas gestões municipais serão demandadas a realizar um esforço significativo nessa direção, que se faz necessário, tanto para equacionar a crise urbana estrutural que caracteriza a cidade há várias décadas, quanto para mitigar os futuros riscos ambientais e sociais.

PALAVRAS-CHAVE:
Desigualdades; Sustentabilidade; Políticas públicas; Crise urbana; Gestão municipal

ABSTRACT

The city of São Paulo is historically characterized by significant structural socioeconomic inequalities. Facing it demands new ways of managing public policy, as the challenge of making it a sustainable city is unavoidable. This essay presents evidence of how sustainability and reduction of inequalities express a socioeconomic process of a unitary nature. The next city administrations will be required to make a significant effort in this direction to address the structural urban crisis that has characterized the city for several decades and to mitigate future environmental and social risks.

KEYWORDS:
Inequalities; Sustainability; Public policies; Urban crisis; City administration

Introdução

Em razão de serem cada vez mais intensos, recorrentes e com consequências sociais crescentes, os fenômenos meteorológicos têm dado proeminência ao tema da crise climática no debate público, jogando luz, especialmente, sobre a necessidade de rápida descarbonização em todo o planeta. É evidente ser incontornável que os países individualmente, e em conjunto, adotem políticas que visem promover a redução rápida da emissão de carbono. É fundamental, também, reconhecer que as políticas de enfrentamento da crise climática devem fazer frente a desafios mais complexos, que não se restringem ao processo de descarbonização.

O desafio refere-se à transição para uma sociedade sustentável, processo que envolve uma agenda ampla e complexa de políticas públicas de naturezas diversas sendo, muitas delas, associadas obrigatoriamente à redução das desigualdades. Em termos objetivos, não se alcançará a sustentabilidade sem redução das desigualdades socioeconômicas. Ambas são faces de um único processo socioeconômico que deverá ser conduzido pela sociedade contemporânea, caso ela se convença de que não vale a pena correr o risco de viver uma crise climática radical, em poucas décadas.

Preparar-se para a crise climática e construir uma sociedade sustentável exigem a redução, concomitantemente, das desigualdades, dando a essas centralidade nas diversas políticas públicas. Esse desafio é significativamente mais evidente para o meio urbano e, em especial, para as grandes cidades, particularmente para as metrópoles, que carregam problemas socioeconômicos expressivos, como são os observados no município de São Paulo e em sua região metropolitana.

Este ensaio apresenta uma reflexão sobre o foco incontornável que a atual e as próximas gestões municipais terão que enfrentar: sustentabilidade, somente com superação do estado atual das desigualdades que gravam a principal cidade brasileira, a São Paulo metrópole.

A metrópole e sua desigualdade, não. A metrópole e suas desigualdades

A literatura sobre desigualdade na sociedade capitalista ganhou maior expressão pública a partir dos desequilíbrios consolidados pelo processo de transformação após a II Revolução Industrial. A devastação social provocada pela fome e pelas doenças endêmicas criava uma situação de crise urbana com estancamento da atividade econômica, que colocava em risco o próprio funcionamento da sociedade capitalista. A Era Vitoriana, na Inglaterra, foi marcada pela emergência de políticas públicas voltadas para o enfrentamento de problemas que reforçavam a crise social urbana, especialmente, aqueles associados à educação, ao trabalho, ao transporte, ao acesso à água, ao saneamento básico e à habitação.1 1 Ver o trabalho de Desai (1995), que faz uma compilação da controvérsia entre professores da London School of Economics, na passagem para o século XX, sobre a II Revolução e as desigualdades. A doutrina liberal foi colocada em xeque no último quarto do século XIX, em um contexto de emergência de pressões sociais e políticas para uma maior intervenção estatal no funcionamento da sociedade e da economia (Polanyi, 2001POLANYI, K. The Great Transformation. Boston: Beacon Press, 2001.).

Os anos de instabilidade econômica, social e política dos períodos da Primeira Guerra Mundial, da primeira grande crise econômica do capitalismo monopolista, desenrolada ao longo da década de 1930, e da Segunda Guerra Mundial demandaram dos Estados Nacionais dos países de maior desenvolvimento a ampliação das políticas públicas com o objetivo de superar a crise social por meio da ampliação da proteção social e do trabalho de suas populações. Essas iniciativas, também, visavam ao reestabelecimento da estabilidade socioeconômica de forma a garantir a continuidade do capitalismo, enquanto modo de produção predominante, e como estratégia de enfrentamento ao bloco soviético.

A partir dos anos de 1930, o tema das desigualdades ganha centralidade nas reflexões acadêmicas e no campo político sobre o desenvolvimento socioeconômico capitalista nos países desenvolvidos. No campo da sociologia, a reflexão sobre o tema adotou uma abordagem ampla de natureza multidimensional, possibilitando importantes contribuições para o desenvolvimento das políticas sociais, que resultaram no estado de bem-estar social (Marshall, 1965MARSHALL, T. H. Social Policy. New Hampshire: Hutchinson Publishing Groupe, 1965.; Merrien, 1997MERRIEN, F.-X. L’État-providence. Paris : Presses Universitaires de France, 1997. Coll. Que sais-je?, n.3249, 128p.). O acesso aos bens públicos de educação, saúde, transporte, água e saneamento parametrizou os sistemas nacionais de políticas sociais.

No pensamento econômico, o tratamento do tema e sua associação com as políticas públicas conheceu trajetória distinta. Se, em um primeiro momento, a proteção social e do trabalho esteve presente nas proposições apresentadas pelos economistas para enfrentar a crise de 1929, rompendo a lógica liberal dominante, posteriormente, estabeleceu-se um embate entre duas perspectivas. Uma, de natureza mais economicista, que privilegiou a análise da desigualdade associada à distribuição da renda corrente, sob a óptica da satisfação e da utilidade por ela proporcionada (Hicks, 1940HICKS, J. R. The Valuation of the Social Income. Economica, v.7, n.26, p.105-24, 1940. <https://doi.org/10.2307/2548691>.
https://doi.org/10.2307/2548691...
; Pigou, 1951PIGOU, A. C. Some Aspects of Welfare Economics. The American Economic Review, v.41, n.3, p.287-302, 1951. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/1802103>.
http://www.jstor.org/stable/1802103...
). E outra, de natureza ampliada, mais próxima à encontrada na sociologia, encaminhada por Kuznets (1948aKUZNETS, S. On the Valuation of Social Income-Reflections on Professor Hicks’ Article. Part I. Economica, v.15, n.57, p.1-16, 1948a. <https://doi.org/10.2307/2549705>.
https://doi.org/10.2307/2549705...
, 1948b).

A consolidação da sociedade salarial no pós-Segunda Guerra, que ficou marcada pela dominância da forma salário na renda corrente nacional, deu lastro para a dominância do enfoque da renda corrente no debate acadêmico, bem como nas políticas públicas e nos levantamentos estatísticos socioeconômicos, cuja ordenação foi e é estabelecida no Sistema de Contas Nacionais (SCN) sob orientação da Organização das Nações Unidas (ONU).

Apesar da evidente complexidade das desigualdades observada na sociedade capitalista e explorada nos estudos sociológicos, ocorreu claro reducionismo no enfoque dado ao problema pelos economistas, que centraram suas contribuições na relação entre desenvolvimento e desigualdade de renda corrente. Essa visão restritiva legitimou processos nacionais de desenvolvimento com um enfoque predominantemente economicista, que usurparam de forma radical e indiscriminada os recursos naturais.

Na década de 1970, o esgotamento desse modelo de desenvolvimento/crescimento foi inevitavelmente acompanhado de grave crise urbana nas principais metrópoles mundiais, seja nos países desenvolvidos, seja nos em desenvolvimento. Em razão da situação de menor estoque acumulado de infraestrutura urbana, a crise foi mais avassaladora nas metrópoles dos países periféricos. Tal crise carregava problemas de todas as ordens, especialmente econômica e social. A falta de segurança pública era acompanhada de elevados índices de criminalidade, amplos bolsões de população vivendo em cortiços nas zonas centrais, mobilidade em situação crítica devido à ausência de planejamento e investimento na rede de transporte público, extensa situação de poluição decorrente das diversas formas de descarte de resíduos, além da precariedade acentuada da infraestrutura de educação e de saúde. A esses problemas somava-se, ainda, uma crise estrutural dos mercados de trabalho, marcados pela emergência de um elevado nível de desemprego aberto.

Por concentrarem parcelas expressivas das populações nacionais, a crise das grandes metrópoles contaminava a economia e a sociedade como um todo. O processo de desindustrialização associado a tal crise amplificou os problemas sociais acumulados, levando a um movimento de deterioração expressiva nas metrópoles. Os maiores exemplos desse processo foram registrados nos Estados Unidos: Detroit, Chicago, Boston e Nova York.

Desenvolvimento, natureza e desigualdades

Em razão da complexidade e da intensidade da crise econômica e social, estabelecida a partir dos anos de 1970, tornou-se inevitável a emergência de uma visão crítica sobre a relação estabelecida entre desenvolvimento e natureza, associada à eclosão de graves problemas sociais, os quais não podiam ser resolvidos por uma simples correção do processo de desenvolvimento (Kuznets, 1973_______. Remarks, in M.Moss, The Measurement of Economic and Social Performance. New York: National Bureau of Economics Research/Columbia University Press, 1973.).

Era evidente o esgarçamento da capacidade da natureza de prover recursos para o desenvolvimento socioeconômico, em especial para aquele que se processava nas metrópoles. A progressiva impossibilidade desse provimento de recursos atingia de modo desigual as populações dos grandes centros urbanos.

É nesse sentido que se pode afirmar que a população da cidade de São Paulo, em conjunto com a de sua região metropolitana, não escapava dessa situação de constrangimento. Sendo uma cidade de 2,1 milhões de habitantes em 1950, o município alcançaria a cifra de 5,9 milhões em 1970, 9,6 milhões em 1991 e 11,2 milhões em 2010. Enquanto a região de Pinheiros, inclusive a região dos Jardins, cresceu de 169 mil para 289 mil habitantes, a região de Campo Limpo teve uma expansão de 13 mil para 607 mil habitantes nesse período (Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, s.d).

Eram escancaradas as evidências do caos urbano criado e alimentado pelos anos de industrialização desenfreada do Plano de Metas (1957-1960) e do milagre econômico da ditadura militar (1967-1973). Diversos problemas sociais eclodiam e atingiam diferenciadamente segmentos da população paulistana. Esses eram decorrentes da mobilidade travada, da falta de água e de saneamento básico, da vulnerabilidade habitacional e da poluição provocada por resíduos gasosos, líquidos e sólidos.

A precariedade social alarmante e crescente que gravava o município de São Paulo no início dos anos de 1970, após um longo período de crescimento econômico, que teve a região metropolitana paulista como carro chefe, levou a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo a demandar, junto ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, a realização de um diagnóstico daquela situação (Camargo, 1976CAMARGO, C. P. F. São Paulo, 1975 crescimento e pobreza: estudo realizado para a Pontifícia Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. São Paulo: Edições Loyola, 1976. 155p.). Na apresentação do estudo, o então arcebispo metropolitano cardeal Dom Paulo Evaristo Arns afirmava que,

[...] a pujança do crescimento de São Paulo, representado pela concentração, sem paralelo no país, dos meios de produção, dos serviços, do capital, da riqueza enfim, vai de par com o aumento da pobreza. O desenvolvimento paulistano, examinado à luz das condições de vida dos habitantes, traduz-se num elevado e crescente desnível entre a opulência de poucos e as dificuldades de muitos. O agravamento das condições de vida da maioria é um índice que se revela de modo dramático na inflexão da curva de mortalidade infantil. (apud Camargo, 1976CAMARGO, C. P. F. São Paulo, 1975 crescimento e pobreza: estudo realizado para a Pontifícia Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. São Paulo: Edições Loyola, 1976. 155p., p.8)

De acordo com esse estudo, tendo apresentado uma trajetória de queda na primeira metade do século XX, a expectativa de vida no município de São Paulo tinha estagnado no patamar de 64 anos entre 1960 e 1970. Tendo sido reduzida de 89 por mil crianças para 62 por mil entre 1950 e 1960, a taxa de mortalidade infantil apresentou um recrudescimento para 89 por mil em 1970. Entre 1965 e 1974, o número de horas trabalhadas para aquisição de uma cesta básica aumentou de 90 h para quase 160 h mensais. Em 1974, as famílias com renda de até dois salários-mínimos respondiam por 21% do total da demanda habitacional, enquanto as famílias com renda igual ou superior a 20 salários mínimos respondiam por apenas 1,6%. Enquanto os domicílios da região do Ibirapuera eram, na sua totalidade, atendidos pela coleta de lixo em 1958, na região de Itaquera, 71% dos domicílios não eram atendidos por esse serviço.

Em termos estatísticos, o recrudescimento da taxa de mortalidade infantil na cidade de São Paulo, na primeira metade dos anos de 1970, sintetizava a impossibilidade de manutenção daquele modelo de desenvolvimento, em termos econômicos e sociais. Ao se recorrer à imprensa local da época, é possível recolher abundante material analítico e fotográfico sobre o caos urbano expresso nos enormes congestionamentos e na precariedade do transporte coletivo vividos pela cidade, bem como da situação de poluição do ar e das águas dos dois principais rios que a contornam. Já naquela época, era observada, na região central, uma participação crescente da população vivendo em cortiços, em particular no bairro da Luz. Em suma, os anos 1970 constituem-se no momento crítico de um modelo de desenvolvimento que carregava desigualdades de todas as ordens, evidenciando o esgotamento da capacidade da natureza metropolitana continuar sendo dilapidada.

A eclosão da crise social e as primeiras evidências desse esgotamento, oriundo do longo período de crescimento na principal metrópole brasileira, impuseram ao autoritário governo militar da época, nada preocupado com a questão social, a adoção de investimentos nas diversas áreas das políticas sociais. Para conter a crise social urbana e o desgaste que o governo militar já vivia no início de 1970, distintos projetos desenhados desde os anos de 1960 tiveram sua implantação acelerada como, por exemplo, o Programa Nacional de Vacinação de atendimento à saúde, programas de acesso à água e ao saneamento básico, de mobilidade urbana como no caso da implantação do metrô, de habitação por meio dos grandes conjuntos habitacionais, a exemplo dos de Itaquera.

A intensidade dos problemas sociais vividos na metrópole manifestava-se de modo heterogêneo em seu território. Enquanto uma parcela de sua população vivia próxima ao local de trabalho e se beneficiava de uma infraestrutura social de qualidade, como era e é o caso daquela residente nas regiões de Jardins, Paraíso e Higienópolis, outra parcela residia longe do seu local de trabalho e sem acesso à infraestrutura social, como a população de Campo Limpo. A metrópole carregava uma configuração extremamente heterogênea em termos de acesso a bens públicos e, também, ao mercado de trabalho. Essa situação transbordava os limites do próprio município, em razão de parte das ocupações, em geral as de baixa qualificação, localizadas no município de São Paulo, ser exercida por pessoas residentes em municípios vizinhos, pertencentes à própria Região Metropolitana, como Osasco, Carapicuíba, Perus, Franco da Rocha, Guarulhos, dentre outros.

Esses municípios tinham uma infraestrutura social tão precária quanto a observada nos bairros da periferia do município de São Paulo. De acordo com Francisco Filho (1987, p.61), “em 1958, a cidade contava com 54 aglomerados favelados, que em 1968 já eram 291, chegando a 1086 em 1983 e ultrapassando 1500 em 1985”.

Já nos anos 1970, eram amplas as evidências da impossibilidade de continuidade do modelo de desenvolvimento conduzido pelo país. Era, naquele momento, incontornável a necessidade de mudança para um modelo de desenvolvimento nacional equilibrado em relação à natureza e às desigualdades e, também, por consequência, de uma política urbana no município de São Paulo e em sua região metropolitana com objetivos semelhantes. Isto é, o legado econômico e social do passado tornava complexos e urgentes os desafios da política pública urbana, exigindo uma reorganização substantiva dos seus instrumentos de ação e de seus objetivos. A precariedade social presente na metrópole combinava diversos problemas estruturais de infraestrutura acumulados, ao menos, desde 1920, momento em que ela passou a conhecer um crescimento econômico e populacional acelerado.

A reprodução de uma política urbana desgastada, a adoção de políticas públicas para amenizar os problemas sociais e a perpetuação das desigualdades

Ao mesmo tempo em que era cada vez mais evidente a impossibilidade de continuidade do modelo de desenvolvimento que o país havia trilhado desde os anos 1930, era evidente o progressivo desgaste do governo autoritário de 1964. Tanto os impasses econômicos quanto os impasses políticos vividos pelo país alcançavam os diversos níveis de governança. As maiores tensões políticas e sociais se estabeleciam no âmbito da governança local, isto é, na esfera municipal. Era justamente no município de São Paulo e nos do seu entorno que tais tensões se fizeram mais intensas desde meados da década de 1970. Amparados pelas organizações sociais da igreja católica, diversos movimentos sociais ganharam progressiva expressão pública, como o movimento sindical e o de luta por moradia.

Desde a década de 1970, trilhando uma trajetória carregada de contradições, as diversas gestões públicas do município de São Paulo, de modo bastante diverso, tomaram iniciativas para o enfrentamento do crescente déficit de acesso às políticas sociais e à infraestrutura social, muitas delas articuladas com os governos estadual e federal e orientadas para a região metropolitana em seu conjunto. Tudo isso, sem demandar a adoção de um modelo de desenvolvimento nacional e local que estabelecesse uma nova relação entre desenvolvimento, natureza e desigualdade.

São amplamente conhecidos os projetos orientados para melhorar a mobilidade urbana, como são os casos da ampliação das redes de metrô e de trens interurbanos e da criação dos corredores para ônibus. Apesar do aumento nada desprezível das redes de metrô e trens interurbanos, a malha viária ferroviária consolidada é, até hoje, muito restrita ante a demanda desse tipo de serviço. Ademais, destaca-se que, em termos relativos, a malha paulistana apresenta uma extensão muito pequena quando comparada a de outras metrópoles de tamanho populacional semelhante, sendo, predominantemente, não eletrificada. Mais que isso, os projetos de mobilidade urbana praticamente nada, ou pouco, desestimularam a modalidade individual de transporte. Os graves problemas de mobilidade foram, evidentemente, amenizados. No entanto, apesar de a desigualdade de acesso e de qualidade ter sido atenuada, esse serviço permaneceu, estruturalmente, aquém das necessidades da população. Deve-se, ainda, reforçar que essas iniciativas deram pouca contribuição para a sustentabilidade do sistema de transporte da metrópole paulista.

O sistema de água e saneamento já apresentava situação crítica na década de 1970. É inegável que investimentos públicos relevantes foram realizados, permitindo um aumento significativo da cobertura de acesso à rede de água e de saneamento, bem como da formação de reservatórios que visavam à segurança do provimento de água para toda a região metropolitana. Entretanto, pouco se avançou em termos da qualidade das águas dos principais rios e de seus afluentes que cortam o município de São Paulo. Os problemas de saneamento são amplamente visíveis ao transitar nas marginais ou nas regiões mais pobres e periféricas da cidade.

Essas evidências mascaram não só os problemas expressivos e estruturais de desigualdade de acesso à água tratada e a saneamento básico, observados há décadas, mas, também, os riscos à saúde da população nas periferias da cidade, em pleno século XXI. Não há necessidade de recorrer, nesse momento, aos indicadores estatísticos, pois a situação revelada, nacional e internacionalmente, quanto aos problemas graves de acesso à água e ao saneamento pelas populações das favelas de Paraisópolis e Heliópolis, no momento de eclosão da pandemia da Covid-19, é suficiente para lançar luz sobre a desigualdade social inaceitável presente em áreas relativamente centrais do município. Trata-se de uma dimensão das desigualdades que se manifesta no acesso a um bem público fundamental para a vida e para a saúde pública. A esses problemas, somaram-se, ainda, as questões habitacional e de atendimento à saúde, além dos problemas historicamente conhecidos de acesso à renda e a uma ocupação no mercado de trabalho.

Ações emergenciais tiveram que ser adotadas, tanto pela prefeitura municipal quanto pela população local, em decorrência da crise sanitária e social imposta pela pandemia. Escolas foram utilizadas para atendimento e acolhimento e isolamento das pessoas com Covid-19 por conta da inadequação de suas habitações. Medidas emergenciais visando à locomoção de pessoas com Covid-19 e a garantia de ambulâncias foram desenhadas e administradas pelas próprias comunidades, evidenciando a grave carência de políticas de atendimento à saúde para a população local (Lopreato, 2021LOPREATO, C. S. R. Incursões libertárias na pandemia: a experiência inovadora de Paraisópolis, 2021 (mimeo).).

Além das precariedades de acesso ao sistema de água e saneamento, de infraestrutura de atendimento à saúde e de segurança mínima habitacional, outras vulnerabilidades foram amplamente evidenciadas nas duas maiores favelas de São Paulo,2 2 Em 2010, a população residente em Heliópolis era de aproximadamente 200 mil pessoas e de Paraisópolis de 100 mil pessoas. como são os casos da destinação inadequada de resíduos sólidos e da deficiência do transporte público. O escopo amplo de precariedades em termos de infraestrutura social e habitacional revela, ademais, a impossibilidade de se alcançar a sustentabilidade ambiental nessas comunidades.

Ao tratar dessa situação de precariedade, ou mesmo de insuficiência de acesso a algumas políticas sociais e de infraestrutura no município de São Paulo, fica evidente como as gestões municipal, estadual e federal desenvolveram ações desde os anos de 1970 que, apesar de atenuarem alguns problemas sociais existentes, não promoveram uma alteração do padrão de desenvolvimento local e nacional que pudesse equacionar questões sociais estruturais. Caso isso tivesse sido alcançado, teria ocorrido a superação do estado brutal de desigualdades com uma transformação positiva da qualidade/sustentabilidade ambiental e social na metrópole.

Breves notas metodológicas

O esforço de mensuração das desigualdades tem ganhado destaque não apenas na literatura acadêmica, como também no âmbito das instituições nacionais e internacionais ligadas ao estudo e à proposição de políticas para a superação dos desafios impostos por esse fenômeno (Trovão et al., 2023TROVÃO, C. J. B. M.; SILVA JUNIOR, A. H. M.; ARAÚJO, J. B. Insuficiência Socioeconômica Multidimensional (ISM): definição conceitual, proposição metodológica e aplicação para o Brasil com dados da PNAD Contínua de 2016-2022. Natal: DEPEC/UFRN, TD007 | 2023 - DEPEC/UFRN, Natal. DOI: http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.25938.73928.
http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.25938....
).

Neste ensaio procurou-se explorar os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua para o ano de 2022. Ela é uma pesquisa baseada em uma amostra probabilística de domicílios, estruturada a partir da amostra mestra de setores censitários propiciada pelo Censo Demográfico. A partir do mapeamento e da constituição do mapa de UPA, organizado pelo Censo Demográfico, é que se selecionam as UPA que conformarão a amostra da PNAD Contínua. Trimestralmente, ao redor de 210 mil domicílios, e aproximadamente 16 mil setores censitários são visitados, constituindo, assim, o escopo da amostra.3 3 Para o detalhamento da construção da amostra da PNAD Contínua, ver IBGE (2023) e Trovão et al. (2023).

Para o tratamento da desigualdade atual na metrópole paulista, este ensaio tomou como unidade básica de análise as UPA da cidade de São Paulo definidas na PNAD Contínua, adotando o indicador de Insuficiência Socioeconômica Multidimensional (ISM) para revelar algumas dimensões desse fenômeno.

A ISM pode ser definida como a insuficiência de acesso a um conjunto de elementos essenciais para a reprodução da vida material em sociedade, em múltiplas dimensões. Essas, em seu conjunto, apresentam-se como as formas de manifestação da ISM, o que contribui para a definição de seu conceito [...], é um fenômeno que está relacionado, não apenas ao conceito de privação e, portanto, de pobreza, como também ao de desigualdade. (Trovão et al., 2023TROVÃO, C. J. B. M.; SILVA JUNIOR, A. H. M.; ARAÚJO, J. B. Insuficiência Socioeconômica Multidimensional (ISM): definição conceitual, proposição metodológica e aplicação para o Brasil com dados da PNAD Contínua de 2016-2022. Natal: DEPEC/UFRN, TD007 | 2023 - DEPEC/UFRN, Natal. DOI: http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.25938.73928.
http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.25938....
, p.28)

O índice procura captar o grau de insuficiência de um aglomerado de domicílios a partir de seis dimensões: 1) Educação; 2) Trabalho; 3) Renda corrente e patrimônio; 4) Condições habitacionais; 5) Acesso a bens de consumo de uso individual; e 6) Acesso a bens e serviços públicos de uso coletivo. Cada dimensão é composta por um conjunto de indicadores que permite a identificação de cada domicílio, respondente do questionário da pesquisa, segundo sua condição de insuficiência socioeconômica.

A ideia básica é a seguinte: 1) cada um dos indicadores assume os valores um ou zero, caso a condição definida seja cumprida ou não, respectivamente; 2) é possível calcular o somatório dos valores dos indicadores observados para os indicadores específicos em cada uma das dimensões, sendo que o valor dessa soma pode variar entre zero e o número de indicadores que compõem cada dimensão; 3) um domicílio será classificado como em situação de insuficiência socioeconômica em cada uma das dimensões se a razão entre esse somatório e o total de indicadores da dimensão for igual ou superior a 0.25. (ibidem, p.32)

Uma vez classificados os domicílios, calculam-se as frequências relativas daqueles em situação de ISM, em cada uma das dimensões. Destaca-se que, quanto maior o valor observado em uma determinada dimensão, maior é o grau de insuficiência.

Para o tratamento dos dados da metrópole de São Paulo, adotaram-se os seguintes passos:

  • 1 Definiu-se como unidade básica de análise os domicílios da amostra de 247 UPA do município;

  • 2 Calculou-se o rendimento domiciliar per capita 4 4 Os dados foram deflacionados pelo IPCA para o último trimestre do ano de 2022. ponderado pelo peso amostral para cada uma das UPA;

  • 3 Estratificaram-se as UPA em cinco (5) intervalos quintílicos segundo a distribuição da renda domiciliar per capita;5 5 Os valores médios para o rendimento real domiciliar per capita em cada intervalo quintílico foram os seguintes: R$ 1.122,30 (1º); R$ 1.712,40 (2º); R$ 2.428,30 (3º); R$ 3.992,80 (4º); R$ 10.153,10 (5º).

  • 4 Calcularam-se os 26 indicadores socioeconômicos ponderados pelos pesos amostrais e distribuídos pelas 6 dimensões da ISM para cada um dos intervalos quintílicos;

  • 5 Calculou-se a proporção de domicílios em insuficiência para cada intervalo e para cada dimensão da ISM;

  • 6 E, por fim, estimou-se o ISM, com base nas estimativas das proporções definidas no item 5.

Sustentabilidade, somente com redução das desigualdades

O ensaio defende a tese de que a sustentabilidade ambiental se associa à sustentabilidade social, ou seja, que para alcançar a sustentabilidade é necessário superar desigualdades de acesso a bens públicos. Essa relação é válida para o país como um todo (Dedecca; Trovão, 2020DEDECCA, C. S.; TROVÃO, C. J. B. M. Sobre desigualdades no Brasil: passado, presente e futuro. Revista Brasileira de Economia Social e do Trabalho, v.2, e020015, 2020.; IPCC, 2023), porém apresenta um vínculo mais estreito no espaço urbano da metrópole.

Defende-se ser fundamental, ainda que não suficiente, a descarbonização do sistema de transporte para a sustentabilidade do município de São Paulo e de sua região metropolitana por meio da extinção dos equipamentos movidos a combustível fóssil. No entanto, além dessa medida, faz-se necessário reduzir as distâncias entre os locais de moradia e de atividades econômicas e sociais, o que requer um conjunto de reestruturações: habitacional, em termos de organização e distribuição espacial; do mercado de trabalho; e da distribuição dos equipamentos públicos. Também, é preciso equacionar a destinação e o tratamento das diversas formas de resíduos, o que impõe a universalização do acesso à água e ao saneamento básico, além da coleta de lixo. Em outras palavras, é fundamental que outra relação seja estabelecida entre homem, economia e natureza para que se alcance uma sociedade ambiental e socialmente sustentável. Será necessário, para além de minimizar a destruição da natureza, adotar medidas que recomponham sua capacidade de prover o necessário para a manutenção da vida em sociedade. Para tanto, exige-se a superação do estado de desigualdades historicamente reproduzidos pela metrópole.

Ao classificar o território do município de São Paulo segundo um ranqueamento que ordena as regiões das mais pobres para as mais ricas e estimar o IISM para cada uma delas para o ano de 2022, tem-se uma evidência da real distância que separa as localidades de renda baixa daquelas de renda alta em múltiplas dimensões. As estimativas do IISM indicam que os domicílios de baixa renda (posicionados abaixo do 1º quintil) apresentam um grau de insuficiência que se mostra superior em mais de duas vezes ao daqueles de maior renda (posicionados acima do 4º quintil). Isso expressa uma síntese das desigualdades presentes na cidade de São Paulo (Gráfico 1).

Gráfico 1
Índice de Insuficiência Socioeconômica Multidimensional, intervalos quintílicos da distribuição de renda domiciliar per capita das UPA do município de São Paulo, 2022.

Segundo dados da PNAD Contínua, a cidade de São Paulo tinha uma população de aproximadamente 12,5 milhões de habitantes, distribuídos em 4,6 milhões de domicílios em 2022. É com um olhar mais atento para essa população que se pretende cumprir um de nossos objetivos, qual seja, apresentar um retrato atual da condição das desigualdades de acesso sob a ótica da insuficiência socioeconômica multidimensional.

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos indicadores de acesso segundo intervalos quintílicos da renda domiciliar per capita média das Unidades Primárias de Amostra (UPA) da cidade de São Paulo. Com base nela, observa-se que ao menos 50% dos domicílios com pessoas com alguma deficiência educacional pertenciam, em 2022, aos dois primeiros intervalos da distribuição de renda. Essa situação apresenta-se de modo semelhante para os indicadores de mercado de trabalho. Ademais, uma concentração expressiva nos dois primeiros intervalos, também, pode ser observada para os indicadores de renda e patrimônio.

Tabela 1
Número de domicílios segundo indicadores socioeconômicos, dimensões da ISM e intervalos quintílicos da distribuição de renda domiciliar per capita das UPA do Município de São Paulo, 2022

Em termos de renda, 370 mil domicílios na cidade de São Paulo encontravam-se em situação de pobreza sem acesso à assistência social. Quanto ao mercado de trabalho, nota-se que o desemprego afeta mais intensamente os domicílios das regiões mais pobres. Porém, a informalidade e a subocupação, apesar de se mostrarem mais intensas nos domicílios das UPA de menor renda, apresentam um alcance expressivo naquelas mais ricas. Isso evidencia que a precariedade do mercado de trabalho, hoje, no Brasil e, na metrópole de São Paulo, é tão extensa que não permite que os domicílios de maior renda, na maior cidade do país, dela estejam protegidos.

A situação mais crítica é observada em relação ao acesso aos serviços públicos e à condição habitacional. Quase 60% dos domicílios sem sanitários e 75% sem combustível adequado para o fogão pertenciam aos dois primeiros intervalos. Ao redor de 80% dos domicílios de São Paulo sem coleta de esgoto e 90% daqueles sem coleta de lixo encontravam-se nas regiões de menor renda.

Em termos absolutos, de acordo com a PNAD Contínua, quase 150 mil domicílios da cidade de São Paulo não tinham acesso à rede de esgoto e, como visto, parte predominante deles pertenciam às UPA mais pobres.6 6 Um amplo leque de indicadores de acesso a bens públicos e ao mercado de trabalho para as diversas regiões da cidade é apresentado em Rede Nossa São Paulo (2021).

Ao tratar das desigualdades espaciais que a cidade de São Paulo carrega em termos de inserção no mercado de trabalho e de acesso a bens e serviços públicos, constata-se, ao menos, três evidências quanto aos desafios para a política pública. A primeira diz respeito ao caráter estrutural e histórico da situação de desigualdades presentes no município de São Paulo, que podem até terem sido contidas ou amenizadas pelas ações dos diversos governos, mas, cuja situação, no início da segunda década do século XXI, provavelmente, pouco difere daquela de 50 anos atrás. A segunda refere-se ao fato de a desigualdade não estar restringida à questão da renda. É provável que, para muitas famílias pobres, resolver o acesso aos bens e serviços públicos tenha tanta relevância quanto equacionar as dificuldades de inserção no mercado de trabalho. A última evidência escancara a impossibilidade de se construir uma cidade sustentável sem que as desigualdades socioeconômicas observadas sejam superadas.

Sustentabilidade só com redução das desigualdades

É evidente a correlação entre sustentabilidade e equidade. Equacionar os problemas dessa identidade requer um esforço brutal da gestão pública da metrópole (Hoelscher, 2022HOELSCHER, K. et al. We Learn from Urban Crisis?. Sustainability, v.14, n.898, 2022. https://doi.org/10.3390/su14020898
https://doi.org/10.3390/su14020898...
). Isso se deve, ao menos, a três principais desafios que, para ela, se apresentam.

O primeiro está determinado pela cumulatividade e complexidade de problemas que a constituição metropolitana da cidade apresenta. Com certeza, migrar para um sistema sustentável de transporte urbano, hoje, deva ser muito mais custoso do que há 100 ou 50 anos. A construção de novas linhas de metrô faz-se fundamentalmente por meio da construção de túneis, ao contrário do que ocorreu nas cidades europeias e americanas que realizaram esse processo, em grande medida, a céu aberto. O mesmo ocorre com a rede de esgoto. Em muitas regiões, não é possível adotar o método a céu aberto para construí-la.

O sistema de tratamento e de recuperação dos rios envolve a construção de equipamentos mais complexos e de muito maior porte, muitos deles associados a projetos que envolvem a região metropolitana em seu conjunto. Ademais, a urgência e o tamanho dos problemas necessitam ser solucionados em um prazo significativamente mais curto do que aqueles que outros países enfrentaram.

O segundo desafio está relacionado à complexidade dos problemas e à necessidade de uma gestão da política pública muito mais robusta, que articule diversas áreas sociais e de infraestrutura. Em outras palavras, há a necessidade da transversalidade da política pública para o equacionamento dos problemas existentes. Provavelmente, parte das iniciativas não estará associada a uma área especifica da política pública, mas a uma área espacial determinada. Não é suficiente equacionar a deficiência de equipamento escolar em Paraisópolis ou Heliópolis, apesar da inegável importância das unidades implantadas pelos Centros Educacionais Unificados (CEU) nessas comunidades. É preciso mobilizar de modo abrangente as políticas sociais e de infraestrutura para equacionar a situação desigual quanto ao acesso às políticas e para garantir a sustentabilidade ambiental e social na comunidade. São fundamentais, portanto, novos desenhos e modus operandi para as políticas públicas sociais e de infraestrutura para que se promova uma maior integração e articulação entre elas, e que o binômio desigualdades-sustentabilidade determine a sua lógica.

A deficiência na gestão da política pública no formato atual fica evidente no processo em curso de privatização da Sabesp. Independentemente de concordar ou não com a importância da privatização, a proposta do governo estadual tem como guia a restrição financeira que carrega a empresa. Estão ausentes na proposta questões como: 1) a da segurança hídrica da população, em um momento em que boa parte dos estudos reconhece que a crise climática a coloca em risco; e 2) a da sustentabilidade do sistema de água e saneamento da região metropolitana. É visível que a solução apresentada é de curto prazo, dando importância secundária para os desafios que o sistema terá que enfrentar dentro de três ou quatro décadas.

Por fim, o terceiro desafio refere-se à situação de atraso da política pública, seja no enfrentamento da situação desigual de acesso aos bens e serviços públicos vivida pela população paulistana, seja na relação frágil entre as políticas sociais e de infraestrutura e as metas de sustentabilidade.7 7 Sobre os desafios colocados para a gestão pública orientada para a sustentabilidade urbana, ver os documentos Ministère de la Transition Écoligique et Solidaire (2019), La Fabrique de la Cité (s.d.) e Irena (2021). Essa fragilidade fica evidente ao analisar o Plano Diretor aprovado pela cidade em 2023, o qual faz menção à sustentabilidade por seis vezes, mas é omisso quanto as diretrizes e ações que serão adotadas para tal objetivo.

Diversas metrópoles internacionais têm adotado medidas visando à sustentabilidade, há mais de duas décadas. São metrópoles europeias, como Londres, Berlim e Estocolmo, pioneiras em termos de iniciativas e de seu grau de desenvolvimento. De acordo com o projeto C40 Cities, são incipientes as iniciativas tomadas por cinco metrópoles brasileiras visando à sustentabilidade e termos de destino e tratamento de resíduos sólidos.

A leitora ou leitor apontará seguramente outros desafios não explorados nesse ensaio, como a questão do financiamento, da participação política na definição e na gestão das políticas sociais e, também, de dimensões das desigualdades aqui não explicitadas, como a da distribuição desigual da infraestrutura de cultura, esporte e lazer. Sem dúvida, todos merecem o tratamento devido. Buscamos explorar aqueles mais evidentes para a situação de desigualdade brutal que São Paulo reproduz historicamente, dentro da dimensão permitida para um ensaio.

Referências

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    » http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.25938.73928

Notas

  • 1
    Ver o trabalho de Desai (1995), que faz uma compilação da controvérsia entre professores da London School of Economics, na passagem para o século XX, sobre a II Revolução e as desigualdades.
  • 2
    Em 2010, a população residente em Heliópolis era de aproximadamente 200 mil pessoas e de Paraisópolis de 100 mil pessoas.
  • 3
    Para o detalhamento da construção da amostra da PNAD Contínua, ver IBGE (2023) e Trovão et al. (2023).
  • 4
    Os dados foram deflacionados pelo IPCA para o último trimestre do ano de 2022.
  • 5
    Os valores médios para o rendimento real domiciliar per capita em cada intervalo quintílico foram os seguintes: R$ 1.122,30 (1º); R$ 1.712,40 (2º); R$ 2.428,30 (3º); R$ 3.992,80 (4º); R$ 10.153,10 (5º).
  • 6
    Um amplo leque de indicadores de acesso a bens públicos e ao mercado de trabalho para as diversas regiões da cidade é apresentado em Rede Nossa São Paulo (2021).
  • 7
    Sobre os desafios colocados para a gestão pública orientada para a sustentabilidade urbana, ver os documentos Ministère de la Transition Écoligique et Solidaire (2019), La Fabrique de la Cité (s.d.) e Irena (2021).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2024
  • Aceito
    18 Jun 2024
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