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Conflitos na atual concepção ética da vida universitária

INTEGRIDADE E INOVAÇÃO CIENTÍFICA

Conflitos na atual concepção ética da vida universitária

Sueli Gandolfi Dallari

Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil

É lugar-comum afirmar que a Universidade vive um momento altamente competitivo, à semelhança do que acontece ao seu redor. O mundo contemporâneo tem pressa. Conversas com temas amplos ou mesmo que impliquem considerações mais gerais a respeito de pontos específicos são consideradas perda de tempo. Por outro lado, o individualismo – marca da Modernidade, ainda não suplantada –, somado à competitividade, gera frequentemente comportamentos passíveis de avaliações antagônicas em relação à sua adequação à melhor forma de vida em sociedade. Aproveitar-se pessoalmente do acesso eventual a uma informação reservada pode significar ascensão profissional e ser considerada uma vantagem competitiva ou, no extremo oposto, revelar comportamento desonesto, que deve ser repudiado. Assim também, a tarefa de transmitir o saber acumulado quando assumida pela sociedade capitalista como um trabalho em tudo semelhante aos demais torna legítimo o exercício da greve na Universidade, transformada em direito do trabalhador. As inquietações a respeito da inadequação da recusa, ainda que temporária, à prática de qualquer das tarefas indispensáveis ao processo de desenvolvimento científico da sociedade podem representar um forte argumento para a reprovação desse comportamento.

A Universidade busca responder à enorme pluralidade de valores indivi- duais que conformam sua comunidade de modo semelhante àquele que tem sido historicamente adotado pelas sociedades: a elaboração de códigos morais. Trata-se de organizar as regras de comportamento que melhor traduzem os valores que contribuem para a vida feliz dos seus membros. Códigos de Ética são uma resposta ótima à angustia do mundo apressado: não é necessário perder tempo em discussões a respeito da adequação do comportamento aos valores sociais, basta verificar sua conformidade às regras. A ética, entretanto, exige discussão, pois depende de que se encontre o comportamento individual que seja mais adequado ao bem-estar da organização social, como ensinou Aristóteles e vem sendo reforçado pelos pensadores que se seguiram. Assim, embora seja fundamental a orientação que decorre da atenta leitura aos códigos de ética, é indispensável que temas polêmicos sejam periodicamente discutidos para que se encontre – na situa- ção atual – o comportamento que melhor se adapte à norma ética.

Examinando, então, os mais intensos conflitos presentes na atual concepção ética da vida na universidade, a Comissão de Ética da Universidade de São Paulo se propôs a discutir alguns dos temas que mais controvérsias vêm apresentando, com a finalidade de elaborar um acervo da atual interpretação que vem sendo dada às regras do Código de Ética da Universidade de São Paulo em ambiente de convivência acadêmico-profissional. Essa ideia foi imediatamente abraçada pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) cujo programa envolve, além do óbvio interesse pelo panorama exterior, um olhar aguçado para o próprio ambiente universitário. Foram promovidas importantes discussões com a colaboração de competentes colegas que atuam nesse ambiente. Dentre as grandes inquietações do meio universitário, optou-se por ampliar a discussão com a divulgação, na revista estudos avançados, de alguns dos argumentos desenvolvidos nos seminários a respeito da Fabricação, Falsificação e Plágio nas Ciências e Humanidades e, também, da Greve e Ética na Universidade de São Paulo. Certamente as respostas às seguintes questões: 1. Somos menos éticos e menos íntegros que nossos antepassados?; 2. Que valores estão acoplados ao trabalho e à publicação científica hoje?; 3. Vigiar, punir, prevenir ou transformar? Onde estamos e para onde queremos ir?, apresentadas pela professora Marisa Russo Lecointre, da Universidade Federal de São Paulo, implicarão uma reflexão sobre a responsabilidade coletiva e os valores atribuídos ao trabalho científico na atualidade. Assim como o relato de experiências da Coppe/UFRJ, relacionadas ao problema de violação de direitos autorais de terceiros, especialmente das medidas formais e educativas destinadas a minimizar problemas de plágios e conscientizar dos problemas de integridade na pesquisa, apresentado pelo professor Edson Watanabe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ajudará na melhor compreensão do fenômeno. Por outro lado, os argumentos elencados pelo professor Otavio Pinto e Silva, da Faculdade de Direito, da Universidade de São Paulo, para a necessária harmonização do direito de greve com o direito constitucionalmente assegurado à educação e ao desenvolvimento científico e cultural do país, devem colaborar para o encontro do indispensável equilíbrio desses direitos.

Tanto a ESTUDOS AVANÇADOS quanto o Instituto de Estudos Avançados e, sobretudo, a Comissão de ética, todos da Universidade de São Paulo, ficaram felizes com a possibilidade de ampliar o acesso a tais reflexões e assim alargar e manter aceso o debate, visando contribuir para o predomínio de comportamentos éticos na Universidade de São Paulo.

Em 30 de janeiro de 2014.

Recebido em 30.1.2013 e aceito em 22.1.2014.

Sueli Gandolfi Dallari é professora titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e presidente da Comissão de Ética da USP (2012-2014).

@ – sdallari@uol.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Abr 2014
  • Data do Fascículo
    Abr 2014
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