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Zoneamento ecológico e econômico da Amazônia
Questões de escala e método
Aziz Ab'Saber
Introdução
O conceito de zoneamento ecológico e econômico exige uma série de entendimentos prévios. Sua aplicação ou utilização em relação a um determinado espaço geográfico exige método, reflexão e estratégias próprias. Não existe qualquer possibilidade de dar à questão um tratamento empírico ou endereçar a ela uma abordagem linear e epidérmica. Os princípios de um verdadeiro zoneamento ecológico (e econômico) não têm condições de serem aplicados a todo e qualquer tipo de região geográfica e social. Por sua vez, quando aplicável a uma determinada área ou espaço, requer uma multidisciplinaridade plena, pelo fato de pretender identificar as potencialidades especificas ou preferenciais de cada um dos subespaços ou subáreas do território em estudo. Essa busca das vocações de cada componente ou célula espacial, inserida em conjuntos maiores do espaço regional, exige um conhecimento do mosaico dos solos; a detecção das tendências de uso econômico ou especulativo dos espaços rurais, urbanos e rururbanos; o balanço da economicidade dos sistemas de explotação propostos; os espaços livres à exploração econômica; os tipos de módulos rurais passíveis de serem instalados nos espaços liberados à exploração econômica; os fatores de apoio às atividades agrárias e o balanço das carências ou das eficiências das infra-estruturas preexistentes. Por outro lado, implica em se reconhecer e delimitar espaços defendidos por legislações especiais: parques nacionais, reservas indígenas, reservas biológicas, estações ecológicas, setores críticos dos espaços ecológicos (cabeceiras de drenagem, florestas beiradeiras) e outras áreas de proteção obrigatória ou parcial. A amplitude das tarefas a serem realizadas exige uma participação variada de especialistas pertencentes a diferentes áreas do conhecimento, sob a batuta de pessoas treinadas em métodos de planejamento regional.
Estabelecer as bases de um zoneamento ecológico e econômico em uma determinada conjuntura geográfica equivale a realizar um estudo para determinar a vocação de todos os subespaços que compõem um certo território, e efetuar o levantamento de suas potencialidades econômicas, sob um critério basicamente ecodesenvolvimentista. Para tanto, existe um feixe de metodologias aplicáveis, elaboradas por agrônomos, geógrafos, ecólogos, engenheiros-florestais e cartógrafos; na condição de alguém dentre eles possuir uma boa noção de planejamento regional.
A metodologia que mais se aproxima dessa tarefa é a dos agrônomos que, com relação ao zoneamento dos espaços rurais, possuem, desde há muitos anos, técnicas para a identificação das classes de capacidade de uso preferencial dos solos de uma região. Essa metodologia foi bastante aperfeiçoada desde que se generalizou o uso de aerofotos e outros tipos de imagens (radar, satélites) como documentos básicos de apoio, para a interpretação do mosaico regional dos solos, em suas respectivas unidades de relevo. Infelizmente, o uso abusivo dessas técnicas, sem a necessária adequação para condições regionais muito diversas, ocasionou uma certa desmoralização científica de sua aplicação. Tratava-se de uma metodologia por demais genérica e pretensamente universal, que perdia parte de sua objetividade quando aplicada a regiões morfoclimáticas e geopedológicas muito diversas daquelas que serviram de modelo para o teste original da classificação. Nesse sentido, não será demais lembrar que a identificação e o mapeamento das classes de capacidade de uso do solo foram técnicas criadas para serem aplicadas às regiões temperadas dos EEUU, não podendo ser transportadas rigidamente para grandes conjuntos de terras equatoriais, tropicais ou semi-áridas, para não falar em regiões de natureza climática e ecológica mais extremadas (desertos, tundras, altas montanhas). Em boa hora, no Brasil, alguns pesquisadores da área agronômica, mais bem-avisados, têm procurado realizar as adequações necessárias, para tornar o reconhecimento das classes de capacidade de uso dos terrenos mais adaptáveis à determinadas situações da natureza regional brasileira.
Em relação à Amazônia, o estabelecimento puro e simples de uma carta das classes de capacidade de uso do solo poderia induzir os especuladores e os administradores mal-avisados a cometer as propostas agrárias mais absurdas, com base numa metodologia que não tem condições de ser aplicada às condições ecológicas e fisiográficas regionais. A própria cartografia extensiva do Projeto RADAM, dirigida para o uso potencial dos solos, tem se mostrado ineficiente e perigosa, quando utilizada com rigidez, favorecendo as mais diversas distorções, pelos interessados no uso empírico dos espaços amazônicos. Há, portanto, que trilhar outros caminhos metodológicos e adotar estratégias mais precatadas, a fim de ser mais útil à região, às comunidades residentes, e ao País. Acredita-se que, na oportunidade de assentar as bases metodológicas para um zoneamento ecológico e econômico das terras amazônicas, venha a ser possível atender tais objetivos, com maiores possibilidades de acerto.
Zoneamento Ecológico e Econômico: uma discussão conceitual
Um esforço para realizar um zoneamento dito ecológico e econômico, de um espaço geográfico da ordem de grandeza de um grande domínio morfoclimático e fitogeográfico, é uma tarefa que implica em muitos pressupostos. A saber: demanda de uma reflexão orientada para o entendimento integrado do complexo natural da região, incluindo o conhecimento da natureza dos seus contrastes internos. Envolve uma metodologia ecodesenvolvimentista para as questões básicas de utilização dos espaços físicos e ecológicos, a par com uma metodologia pragmática e cuidadosa sobre a forma mais conveniente e dinamizadora para a utilização dos recursos eventuais do subsolo. Envolve a recuperação correta das experiências anteriores, incluindo uma análise das razões do seu fracasso ou do seu sucesso. Implica em um cruzamento dos conhecimentos sobre os fatos fisiográficos e ecológicos com os fatos da conjuntura econômica, demográfica e social da região. Tem que se proceder uma avaliação do papel que as cidades e a rede urbana preexistente podem desempenhar nos processos de desenvolvimento incentivado. Em caráter obrigatório, precisa-se reunir toda a documentação sobre a extensão, a distribuição e a tipologia das áreas de preservação e conservação existentes no interior da área em estudo. Da mesma forma que deverá obter todos os informes sobre as infra-estruturas instaladas ou em processo de instalação, envolvendo, ainda, o conhecimento do mosaico de planos, programas e projetos propostos para a região, em diferentes tempos por diferentes órgãos.
Não há como aceitar a idéia simplista de que a determinados espaços ecológicos devem corresponder espaços econômicos, numa sobreposição plena e totalmente ajustável. E totalmente utópico pensar-se que o potencial dos recursos naturais de uma área possa ser avaliado em termos de uma sociedade homogênea na sua estrutura de classes e de padrões de consumo. Somente as comunidades indígenas têm a possibilidade de utilização direta dos recursos oferecidos por um espaço geoecológico determinado. Pelo oposto, as sociedades mais complexas avaliam os recursos ecológicos de um modo altamente setorizado, procurando utilizar apenas aqueles que mais diretamente interessam ao seu tipo de atividade. As chamadas classes produtoras vêem na natureza apenas os recursos que interessam ao tipo de atividades a que se dedicam. Têm outras óticas para a percepção da economicidade dos recursos naturais. Ao utilizar-se da biomassa vegetal ou animal que compõe a natureza regional, alguns retiram apenas o que lhes interessa, comportando-se com uma insensibilidade plena em relação à predação dos componentes que se encontravam em combinações integradas no meio ambiente. Uns se interessam apenas na obtenção das peles de animais silvestres ou couros de jacarés. Não lhes interessam a preservação da diversidade biológica, nem tampouco as perturbações e interferências nas cadeias tróficas. Outros têm como alvo apenas as madeiras de lei, existentes no entremeio da floresta ombrofílica heterogênea. Não lhes interessa a sorte e o destino do resto das matas, com as madeiras brancas existentes nos interstícios dos lenhos de maior valor comercial. Outros, mais ainda, estão interessados na exploração total da madeira para carvão vegetal, a fim de viabilizar a famosa planilha de custos de suas atividades industriais. Diante de tal mentalidade, pouco adiantou o extraordinário trabalho sofrido, de gerações e gerações de coletores que contribuíram para a preservação de grandes massas florestais em regiões como a Amazônia. Tais fatos nos permitem fixar a idéia de que a avaliação das potencialidades naturais de um determinado espaço (excluídas as riquezas de subsolo) ficam na dependência dos interesses e tipos de atividades de cada produtor da sociedade capitalista-consumista.
Num segundo nível de considerações, é preciso fixar a idéia de que qualquer que seja o critério para identificar e delimitar regiões geoecológicas, poderão ocorrer desajustes maiores ou menores entre a área de extensão das condições naturais, grosso modo, homogêneas, e a área de abrangência e atuação das infra-estruturas instaladas. Mesmo quando as atividades econômicas primárias, como a exploração extrativista, tenham remanescentes generalizados no espaço regional, ainda assim, existem variações sub-regionais ou locais, dependentes da organização urbana regional, sistemas de transportes, tipologia da circulação, círculos de distância em relação aos pólos de comercialização dos produtos silvestres ou agrícolas, iniciativas desenvolvimentistas, progressão das infra-estruturas modernizantes, valor diferencial das terras e diferenças hierárquicas no interior das redes urbanas regionais.
Extensividade das Regiões Geoecológicas e Limitações Espaciais dos Núcleos Geoeconômicos e Industriais
A experiência brasileira demonstra uma forte tendência para o desajuste entre as regiões geoecológicas em face das regiões geoeconômicas submetidas a processos de industrialização espacialmente restritos. Enquanto perduraram grandes espaços geoecológicos submetidos a ciclos agrários regionais, a tendência se fez na direção de uma ampliação da rede urbana regional de apoio às atividades agrárias e à comercialização da produção. Surgiram as cidades da região canavieira. Cidades do café. A frouxa rede de cidades da Campanha Gaúcha. As cidades da região do cacau. Com o desenvolvimento da soja, houve uma revitalização urbana extraordinária das velhas cidades do oeste do Paraná e do oeste de Santa Catarina, sem uma grande ampliação numérica dos centros urbanos.
As coisas se passaram de modo inteiramente diverso com as áreas que em função dos capitais criados pelos ciclos agrícolas e outros fatores (migrações, investimentos estrangeiros) puderam deslanchar uma industrialização sub-regional. Aí, a tendência para a concentração industrial em determinados espaços foi o processo mais habitual e sobretudo de mais difícil reversão. A concentração horizontal tem sido um fato: região industrial de São Paulo, envolvendo subnúcleos na direção do Vale do Paraíba, de Cubatão, Jundiaí-Sorocaba-Campinas; região industrial do Rio de Janeiro; região industrial de Belo Horizonte; região industrial de Porto Alegre; região industrial de Recife-João Pessoa; Distrito Industrial de Manaus; região industrial de Salvador-Feira de Santana, entre outras.
A verificação da posição das regiões de alta densidade de funções econômicas em relação às grandes regiões naturais do País na escala de domínios morfoclimáticos e fitogeográficos guarda alguns ensinamentos úteis. Ao longo das terras tropicais atlânticas do País, predominam núcleos excêntricos de industrialização, amarrados a sítios portuários e áreas do tipo cabeça-de-pontes do povoamento histórico. Para o Interior, alguns raros compartimentos de planalto ou depressões intermontanas, urbanizadas e industrializadas, em conexão direta com sítios portuários mais ou menos tradicionais. No domínio dos cerrados, em terras dos planaltos centrais, ocorre a presença de núcleos subcentrais (Brasília-Goiânia-Anápolis; Campo Grande, Uberlândia-Uberaba), a par com núcleos excêntricos (Cuiabá, Corumbá). A própria região industrial de Belo Horizonte está situada em área marcadamente transicional, no piemonte do Quadrilátero Central Ferrífero, entre áreas montanhosas e os primeiros compartimentos de planaltos interiores; entre as antigas zonas de matas e as primeiras grandes extensões de cerrados. No domínio dos sertões semi-áridos, inexiste qualquer região de funções múltiplas, efetivamente importante, no interior do polígono formado por rios intermitentes sazónanos e vegetação de caatingas. Todos os núcleos de urbanização sublinhados por focos de industrialização antigos ou recentes estão localizados na Zona da Mata, amarrados a velhos ou novos sítios portuários, desde o Recôncavo Baiano até a região de Recife-Paulista-Jaboatão e o Complexo Industrial Portuário de Suape, estendendo-se na direção de João Pessoa-Cabedelo. Cidades relais importantes desenvolveram-se entre a Zona da Mata, os agrestes e o começo dos sertões (Feira de Santana, Campina Grande, Caruaru e Mossoró). No sul do País, o mesmo esquema de áreas industriais descontínuas, pontilhando sítios privilegiados da Costa (Paranaguá-Antonina; Joinvile-São Francisco; Blumenau-Itajaí, no baixo Itajaí; a Grande Florianópolis setor insular e setor continental , Tubarão-Imbituba; a região metropolitana industrial de Porto Alegre e, finalmente, Pelotas-Rio Grande). Nunca houve a oportunidade para a criação de um grande núcleo urbano industrial no centro da Bacia do Paraná-Uruguai. Na metade norte do Brasil, Belém do Pará por muito tempo controlou as portas da Amazônia, no grande período extrativista que presidiu a vida econômica e social da região. A cidade comportava-se como o terminal de um corredor de exportações de ordem eminentemente fluvial, enquanto Manaus funcionava como grande centro relais colocado em posição marcadamente central, no fecho de um grande leque de roteiros fluviais longos dos rios da Amazônia Ocidental. Hoje, Manaus tem importância econômica própria, comportando-se como segunda grande metrópole da Amazônia, com muitas funções inteiramente diversas daquelas que dão suporte às atividades econômicas de Belém. A aquisição de funções próprias esteve inteiramente ligada ao pólo de desenvolvimento incentivado que ali se criou: a Zona Franca, os fluxos de turismo interno, o Distrito Industrial modificações em processo no panorama da cultura, e mudanças sutis na estrutura da sociedade urbana.
Mas, certamente, é quando se observa a posição dos núcleos de diferenciação económico-social, em áreas de menor ordem de grandeza espacial, que se pode auferir a concordância ou discordância dos limites entre as regiões geoecológicas e os setores de deslanche da urbanização e das atividades econômicas, comerciais e/ou industriais. Existem numerosos casos em que o desenvolvimento urbano e industrial nasce e cresce à margem das células espaciais. Ocorrem numerosos exemplos de surgimento e expansão de áreas urbanas e industriais em zonas de contato e transição entre regiões contíguas, totalmente diversas do ponto de vista geoecológico. E, casos outros, ainda, em que a região polarizada pode se estabelecer e se expandir em uma extremidade de uma determinada faixa geopedológica, em aproveitando as potencialidades de duas ou três regiões fisiográficas e ecológicas envolventes (região da Grande Porto Alegre, ao fundo do estuário do Guaíba, na extremidade leste da depressão central gaúcha, entre a Serra, o Planalto e a Campanha).
Por todas essas razões, pode-se deduzir que as operações necessárias para realizar um zoneamento ecológico e econômico têm mais oportunidades de sucesso quando se trata de áreas onde as condições naturais tenham um amplo predomínio sobre os processos de humanização e utilização antrópica dos terrenos, por extensão de atividades agrárias e desdobramento de redes urbanas. A rigor, cada tipo de região, existente na estruturação espacial dos países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, exige uma combinação adequada para a feitura de zoneamentos ditos econômicos. Quanto mais indiferenciado for o espaço em termos da presença de infra-estrutura instalada, e maior percentual total de ocupação dos solos por atividades agrárias e a densidade das redes urbanas, tanto mais viável será a tarefa de elaborar um zoneamento ecológico e econômico. Nesse sentido, a tipologia dos espaços geográficos e sociais, estabelecidos por Bernard Kayser1 1 KAYSER, B. As divisões do espaço geográfico nos países subdesenvolvidos. Orientação. São Paulo, (4): 25-30, jul. 1969. para atender as peculiaridades das regiões que caracterizam os países de estrutura subdesenvolvida, é um bom ponto de partida para uma reflexão orientada na direção do zoneamento ecológico e econômico, ainda que a preocupação do autor estivesse muito longe desse objetivo. É compreensível que regiões de organização humana mais complexas, afetadas por modificações mais extensivas e sutis da natureza primária, ofereçam dificuldades muito maiores para a aplicação das técnicas de zoneamento ecológico e econômico. Em compensação, a Amazônia Brasileira, por muitas e variadas razões, possui todas as condições para solicitar uma correta operação de zoneamento ecológico e econômico. Na Amazônia, a despeito das ações pontuais e areolares dos grandes projetos, assim como da aplicação de modelos reconhecidamente inadequados de utilização dos solos, existe ainda um largo predomínio das forças e fluxos de uma natureza primária sobre a natureza criada ou modificada pelos homens e pela economia.
Espaços de Referência, Cartografia e Informação
A subdivisão da Amazônia em espaços geográficos regionais de menor ordem de grandeza e, portanto, de maior escala, atende a muitas exigências do planejamento e da administração. Importa também em uma contribuição de interesse social, que pode ser decisiva para orientar e informar os cidadãos residentes, administradores e funcionários em serviço, dos mais diversos quadrantes da região amazônica. Trata-se de espaços de referência, sob técnicas cartográficas adequadas, suficientes para receber as diretrizes de um Plano Diretor flexível e dinâmico.
A metade norte do Brasil, que possui um espaço geográfico equivalente ao território de países muito extensos (a Amazônia Brasileira, mesmo tomada senso stricto, é maior do que a Argentina), foi por muito tempo o grande espaço físico e ecológico oferecido à imaginação inconseqüente dos tecnocratas, destituídos de qualquer noção de escala, senso da realidade empírica, e responsabilidade pelas propostas fantasiosas colocadas em mapas. O que se cometeu de pseudoplanejamento, feito à distância, na fase que fundamentou a abertura da rodovia Transamazônica, não tem paralelo em qualquer parte do mundo, em termos de ausência de noção de escala, responsabilidade civil por propostas predatórias, e falta de conhecimentos efetivos da realidade física, ecológica e social da Amazônia Brasileira. Os pequenos mapas, elaborados para sintetizar os planos de polarização de atividades, núcleos de colonização e faixas de influência de estradas de rodagem constituem-se, na maior parte das vezes, em exemplos de deformações cartográficas, estimuladores de predação e coalescência de devastações. Tivemos a desagradável oportunidade de observar, em uma revista oficial, de Ciência e Tecnologia há alguns anos um desses muitos pequenos esboços cartográficos, na escala de mapas, referente ao Acre, que era um convite aberto à ampliação inconseqüente da devastação dos espaços florestados do território acreano, sem qualquer proposta válida para o desenvolvimento econômico e social da região. Pior que esse pseudodocumento cartográfico de planejamento, só mesmo o plano de rodovias elaborado certa ocasião, no próprio Acre, que continha um reticulado de eixos viários abrangendo toda a bacia do alto Purus e do alto Juruá. Tratava-se de um esquema geométrico de estradas transversais aos vales, cruzadas com estradas interfluviais mais curtas, o qual em seu conjunto era um verdadeiro plano estratégico de devastação total do território acreano; induzindo à abertura múltipla de frentes de desmatamento e valorização especulativa de terras, a partir do tabuleiro de xadrez viário imposto deliberadamente ao mapa-base. Projetava-se, a nível confidencial, tal rede de estradas, quando não se possuía nem mesmo qualquer avaliação dos efeitos de uma pequena estrada interfluvial, como era a rodovia que se estende de Rio Branco a Brasiléia, em seu trecho terminal. É de se anotar que essa rodovia de espigão havia contribuído para secar as cabeceiras de igarapés que corriam em direções opositas, nos dois flancos do divisor de águas regional. Em algumas agropecuárias, os proprietários tentaram fazer açudes para reter água nas cabeceiras desperenizadas dos igarapés. Em raros pontos, era preciso cavar pequenos poços na cabeceira da drenagem para poder obter água para lavar roupa. Isso, em plena Amazônia Ocidental, rica em umidade e volume de precipitações. Evidentemente, há que se conhecer as sutilezas hidroecológicas da Amazônia, a fim de não cometer planejamentos suicidas, através de uma política centrada apenas na abertura e densificação de rodovias. Tais propostas, inconseqüentes quando projetadas para um pretenso "Plano Diretor", teriam, no mínimo, a responsabilidade de contribuir para a destruição de uma boa parte das potencialidades naturais da região, no menor espaço de tempo possível.
Alguém poderia dizer que é lamentável que não se tenha feito uma denúncia mais enérgica sobre o uso inadequado da cartografia em escala de mapas, visando um planejamento tão inconseqüente quanto distorcido, para não dizer criminoso em relação aos recursos naturais básicos da Amazônia. Essa crítica foi feita, nas mais diversas oportunidades, por membros conceituados da comunidade científica brasileira. Apenas não existia ninguém querendo ouvir. Não é dado a qualquer um dialogar com executivos fortes e autocráticos. Criticou-se o geometrismo das propostas de planejamento; a falta de estudos de previsão de impactos físicos, ecológicos e sociais; o caráter aleatório do espaçamento imaginado para a instalação de agrovias, agrópolis e rurópolis; a confiança excessiva dos técnicos não-iniciados ao conhecimento dos solos equatoriais em suas respostas a atividades agrícolas rotineiras, sob baixo nível de manejo agronômico. Governantes, tecnocratas e especuladores tentaram ocupar os solos da Amazônia como se fossem terrenos similares àqueles existentes no interior dos chapadões paulistas ou norte paranaense. O saldo negativo, criado por esse pressuposto, oriundo da ignorância e arrogância dos demagogos, foi lamentável para a Amazônia e para o patrimônio ecológico e biológico da Nação.
Miranda Neto (1986), em um trabalho de publicação recente2 2 MIRANDA NETO, M.J. O dilema da Amazônia. 2ª ed., Belém do Pará, Cejup, 1986. , tece considerações muito judiciosas e pertinentes sobre uma sucessão de fatos negativos: ecocídio e etnocídio, logo seguido pela decisão de destruir ou liberar, para a devastação, imensos tratos da floresta amazônica, sob o argumento de que uma grande parte dela seria oferecida às populações carentes de regiões ditas marginais, tais como os grupos humanos, excedentes demográficos, dos sertões secos. Num trecho de suas considerações finais, Miranda Neto atinge em cheio a problemática das escalas de apresentação dos planos e projetos amazônicos, através de artifícios cartográficos distorcidos:
"Não é surpresa constatar uma divergência entre o discurso oficial, decididamente otimista, e os fatos reais, observáveis no local. Discurso que, diga-se de passagem, é acompanhado de mapas escolhidos em tais escalas que parece que alguns eixos rodoviários traçados em linhas espessas são suficientes para tornar acessível o espaço inteiro, enquanto que as realizações em pontos aparecem em vastas manchas quase coalescentes".
E, baseado na correta identificação dessas distorções, lança a pergunta que jamais poderá ser respondida pelos tecnocratas: "Não é um pouco ilusório ilustrar num papel de 15 por 10 centímetros a realidade de um espaço de mais de quatro milhões e meio de quilômetros quadrados?". Sublinhe-se que não se trata de observações críticas feitas por algum expert da área geográfica ou cartográfica: Miranda Neto é um economista de boa formação interdisciplinar.
A cartografia especializada produzida pelo Projeto RADAM em relação à totalidade do espaço amazônico possui excepcional importância científica e técnica. É fora de dúvida, porém, que os produtos cartográficos setoriais do Projeto RADAM tenham que ser reavaliados e atualizados, todas as vezes que se pretender elaborar documentos de maior precisão, e em escala adequada, para fins de planejamento regional amazônico. Como subproduto do trabalho daquele Projeto existem cartas plani-altimétricas e de vegetação, na escala de 1:250.000, utilizáveis para trabalhos iniciais de reconhecimento de potencialidades e registro de infra-estrutura, para efeitos de um futuro Plano Diretor.
É praticamente impossível cobrir a região amazônica com um levantamento cartográfico convencional, na escala de 1:100.000, mesmo levando em conta um período de tempo de um quarto de século. Por essa razão, recomenda-se a reserva de tal procedimento, em caráter preferencial, para as áreas críticas, ou os locais de implantação de projetos múltiplos. Estão nesse caso as áreas afetadas por projetos desenvolvimentistas superpostos (faixa Carajás-São Luís); os distritos de mineração (maciço de Carajás e arredores); entorno das áreas de grandes barramentos fluviais; setores de grandes conflitações agrárias (sul do Pará, "Bico do Papagaio"); quadrículas de áreas metropolitanas ou grandes centros regionais, e áreas ecologicamente críticas, selecionadas por critérios de prioridade.
Tudo aconselha a que, antes mesmo de se iniciar um tratamento mais direto para elaborar planos diretores regionais, com base nas células espaciais previamente definidas por critérios fisiográfico-ecológicos, seria conveniente estabelecer sobre as cartas-base, na escala de 1:250.000 ou mesmo 1:500.000, os dois conjuntos de espaço geográficos existentes em todas as regiões da Amazônia: a somatória dos espaços de preservação permanente ou conservação preferencial (reservas indígenas, parques nacionais, reservas florestais, reservas biológicas, estações ecológicas, áreas de proteção obrigatória e unidades equivalentes) e o saldo dos espaços efetivamente disponíveis para o planejamento racional da ocupação dos solos, instalação de infra-estruturas, desenvolvimento urbano e rururbano, dentro das posturas legais de exploração do solo e das obrigações com a proteção zoneada dos espaços internos das glebas, fluxo das águas, e qualidade ambiental. Designamos essa operação cartográfica prévia, de alto interesse referencial e informativo, como sendo o processo de elaboração do molde e do contramolde dos espaços que compõem cada célula espacial em avaliação: o molde é a somatória dos espaços a serem legal e permanentemente defendidos, o contramolde é o saldo dos espaços a serem utilizados sob condições, dentro de posturas agronômicas corretas e sistemas de manejo não-predatórios. Identicamente, os espaços do contramolde são àqueles com que se pode contar para a planificação das infra-estruturas indispensáveis, incluindo reservas de espaços estratégicos para a implantação de obras a médio e longo prazos: sítios de futuras cidades e vilas; delimitação de áreas para projetos de exploração auto-sustentada; espaços de silvicultura; núcleos de colonização sobre controle; e eventuais projetos agro-silvo-pastoris, de rentabilidade garantida em setores adequados do espaço total. É evidente que esta operação prévia de identificação, dos espaços do molde e espaços do contramolde, tem, como área de referência particular e especifica, a região amazônica. Deve sofrer modificações e adaptações substanciais, quando endereçada para outros grandes domínios espaciais do Brasil.
Com relação ao zoneamento detalhado dos subespaços interiores de cada região previamente definida, existe uma série de abordagens metodológicas, realizadas por diferentes grupos de técnicos e organizações governamentais. Todas elas implicam em estudos e operações geocartográficas demoradas e onerosas. Para terem validade operacional e administrativa, em relação a uma área de dimensões territoriais tão grandes como a Amazônia Brasileira, deveriam, a nosso ver, ser iniciadas e desenvolvidas a partir de uma experiência prévia de listagem dos problemas emergenciais de cada região. Não basta transpor metodologias geocartográficas aplicadas a outras áreas geoecológicas do País. Há que se fazer uma iniciação ao conhecimento do mundo amazônico e das respostas ecológicas das terras amazônicas às experiências agrárias, a diferentes níveis de manejo, sem o que, as tarefas e operações para um zoneamento efetivo das células espaciais preestabelecidas poderão se reduzir à produção de alguns documentos cartográficos isolados, de duvidosa aplicabilidade. Nos países de estrutura subdesenvolvida, antes de se fazer uma metodologia técnico-científica muito sofisticada, e por princípio custosa e demorada, há que se criar estratégias para a produção de documentos intermediários, de utilização viável pela administração pública, ao mesmo tempo em que se apuram e se adaptam metodologias, capazes de orientar os diferentes usuários do espaço total, e dar respaldo a projetos tão sérios quanto o do estabelecimento de planos diretores regionais a serem integrados para a Amazônia como um todo. E, paralelamente, obter diretrizes concretas para o gerenciamento ambiental e administrativo. Por todas essas razões, não nos pronunciaremos sobre essa ou aquela metodologia de zoneamento de detalhe das células espaciais que temos proposto como prévia indispensável para a primeira fase de um grande projeto, atendendo as aspirações legítimas da sociedade e das elites esclarecidas de uma região, que detêm o maior patrimônio espacial hídrico e biológico do Brasil.
A busca de uma cartografia para beneficiar a todos os quadrantes de uma região, dotada de ecossistemas frágeis e sutis, é uma tarefa de grande responsabilidade técnica, científica e moral, por parte dos pesquisadores nela envolvidos. Não é uma mera repetição de operações, nem tampouco uma experiência para satisfação acadêmica dos pesquisadores nela envolvidos. É, antes de tudo. um desafio ao subdesenvolvimento, baseado em diretrizes ecodesenvolvimentistas: uma cartografia para um espaço indiferenciado ou em vias de diferenciação, de estrutura econômico-social subdesenvolvida, com vistas a um desenvolvimento substancialmente orientado por diretrizes ecológicas.
Mosaico dos Subespaços Físico e Ecológico que Compõem a Amazônia Brasileira
Antes mesmo de se elaborar um projeto mais detalhado de zoneamento ecológico e econômico da Amazônia Brasileira, pode-se adiantar uma classificação das células espaciais, dotadas de certa originalidade geoecológica no conjunto das terras amazônicas. Trata-se de uma primeira subdivisão do grande conjunto de terras baixas regionais. Um ponto de partida para se chegar a células espaciais de 2ª ordem de grandeza, numa tentativa de aproximação progressiva até ao nível das regiões habitadas, transitadas e, de certa forma, utilizadas pelos grupos humanos residentes.
Para um território equatorial e subequatorial de aproximadamente 3 milhões de quilômetros quadrados em sua área nuclear, identificamos 22 subespaços regionais, da ordem de uma a duas centenas de milhares de quilômetros quadrados. Tal ordem de grandeza coloca os subespaços regionais, em sua maior parte, dentro dos espaços geográficos de 2ª ordem, na classificação de Cailleux e Tricart3 3 CAILLEUX, A. e TRICART, J. Le problème de la classification des faits géomorphologiques. Paris, Annales de Geographic, LXV an., nº 349, mai-juin, 1965. p. 162-86. . E nos prepara para a identificação de subáreas de uma ordem de grandeza imediatamente inferior, em que os espaços regionais identificáveis seriam dimensionados em torno de algumas dezenas de milhares de quilômetros quadrados.
No reconhecimento dos 22 espaços de 2ª ordem de grandeza, adotamos uma nomenclatura referencial, a mais tradicional possível, a fim de facilitar o seu reconhecimento e memorização. Assim procedendo, identificamos três grandes setores ao longo da calha central do Amazonas:
1) Baixo Amazonas ou Golfão Marajoara; 2) Amazonas Central ou Médio Vale do Amazonas; 3) Solimões ou Médio Vale Superior do Amazonas.
No grande conjunto territorial representado pelas áreas situadas ao sul do Amazonas, da região do Gurupi/Alto Capim até o Acre, nas cabeceiras do Juruá e Purus, reconhecemos as seguintes grandes unidades:
1) Gurupi/Alto Capim; 2) Tocantins/Carajás; 3) Xingu/Iriri; 4) Tapajós; 5) Madeira; 6) Purus/Juruá; 7) Alto Xingu; 8) Araguaia/sul do Pará; 9) Arinos/Juruena ou Alto Tapajós; 10) Rondônia; 11) Acre; 12) Maranhão Ocidental ou Hiléia Maranhense.
Com relação ao grande espaço amazônico situado ao norte do rio, pode-se identificar:
1) Amapá; 2) Jari/Paru; 3) Trombetas ou norte do Pará; 4) Uatamã/Jatapu; 5) Roraima; 6) Rio Negro; 7) Uaupés ou Alto Negro.
Sobre cada uma dessa regiões, existem informes acumulados nos relatórios do Projeto RADAM e em trabalhos elaborados por iniciativa de diferentes órgãos governamentais. Entretanto, como era de se esperar, para um território tão extenso e de acesso tão difícil às investigações de campo, as informações disponíveis são extremamente fragmentárias e incompletas. Tais conhecimentos teriam que ser revisados e completados e, sobretudo, integrados para ofertar um perfil mais próximo do real sobre cada uma das regiões identificadas.
Para ser útil à região e à sua população, é indispensável uma série de reconhecimentos de campo, sobretudo para a listagem dos principais problemas emergentes, apresentados pelas diferentes regiões, em um só momento histórico. Para realizar esta pesquisa preliminar, é preciso fixar uma metodologia de aplicação mais ou menos homogênea, estabelecer algumas estratégias para a identificação correta dos problemas emergentes e cotejar informações de diversas fontes. O ideal é realizar tais investigações por meio de duas óticas:
1) a dos municípios 2) a dos estados.
E, ao mesmo tempo, cruzar as informações obtidas pelos órgãos regionais com os informes de pesquisadores experientes ligados a órgãos federais especializados em pesquisas geográficas, sociais e econômicas (IBGE/RADAM, CPRM, IPEA, entre outros).
O essencial é que a listagem dos problemas emergentes, de cada uma das células espaciais identificadas e a grosso modo delimitadas, inclua uma revisão das infra-estruturas instaladas, uma sondagem seletiva das aspirações das comunidades residentes, uma avaliação dos defeitos da organização humana dos espaços, situações de conflito e propostas de melhorias progressivas e racionalizadas. E, através de tais procedimentos e posturas, obter um perfil concreto da conjuntura espacial, tendências de utilização dos agrupamentos regionais de ecossistemas, recursos humanos e potencialidades econômicas de cada região em estudo. Em última instância, reunir informes para os estudos futuros que visem à elaboração de um correto Plano Diretor para orientar o desenvolvimento progressivo de ações governamentais em cada uma das células espaciais, previamente definidas. Esta coleta de informações selecionadas para o futuro master plan visa muito mais fixar idéias e alertar as equipes de planejamento, sobre o teor e o volume dos problemas regionais, do que realizar qualquer esboço preliminar de Plano Diretor. Mesmo porque a elaboração de um Plano Diretor, capaz de integrar propostas regionais e guiar a instalação progressiva de infra-estruturas, tem que ser conduzida por equipes multidisciplinares, e sob tal independência de injunções políticas circunstanciais.
O Reconhecimento das Áreas Críticas: a cartografia do contínuo
A identificação no conjunto territorial amazônico de grandes células espaciais com base em critérios fisiográficos e ecológicos destina-se a uma utilização cartográfica com um certo grau de permanência. Razão pela qual deve haver um consenso na aceitação dos limites propostos, incluindo revisões parciais ou totais das linhas de delimitação e ajustes em relação aos agrupamentos de áreas municipais situadas nas margens das regiões propostas, para fins estatísticos. Isso feito, a setorização intentada deve constituir um mosaico de regiões sob a condição de espaços de referência regionais, de longa duração.
Muitos dos espaços delimitados a nível de 2ª ordem de grandeza, dentro do universo territorial amazônico, já têm condições de serem subdivididos em parcelas menores. Fatos válidos sobretudo para aquelas áreas que, por motivos históricos, demográficos e econômicos, apresentam maior número de fatores de diferenciação regional de suas atividades econômicas e sociais. Não existem vantagens de espécie alguma em realizar um macrozoneamento, envolvendo ordens de grandeza espaciais muito diversas, na saída do processo de delimitação. O que se pode fazer é apontar, no interior dos espaços de 2ª ordem de grandeza espacial, subdivisões menores, viabilizadas por bases físicas e ecológicas e sublinhadas por atividades econômicas diferenciadas.
Existem diferenças fundamentais entre os critérios para delimitação de células regionais permanentes em relação à identificação e delimitação de áreas críticas, de qualquer tipo, no interior dos grandes espaços da Amazônia. As duas dezenas de unidades identificadas por critérios físicos e geoecológicos constituem-se numa possibilidade gráfica de setorização, com limites perfeitamente definidos, ainda que por critérios um tanto arbitrários. Trata-se de uma delimitação cartográfica contínua, para fins de referência espacial e tratamento em mosaico das células regionais identificadas. Pelo contrário, a identificação e delimitação das áreas críticas é feita no reino da descontinuidade, envolvendo limites muito mais aproximados e flutuantes. Além do que, é um procedimento emergencial de delimitação, que pode ou não perder a sua razão de ser, com o tempo.
Não é aleatória a qualificação de criticidade para tais áreas pinçadas no interior mesmo das outras células espaciais, e muitas vezes envolvendo fragmentos de espaços pertencentes a duas ou mais regiões fisiográficas e ecológicas predelimitadas. As áreas críticas podem envolver espaços com algumas dezenas de quilômetros, até algumas dezenas de milhares de quilômetros quadrados. No entanto, em termos de conhecimentos setoriais, e do número de pesquisas específicas e originais de que necessitam, são muito mais exigentes do que as próprias células espaciais de 2ª ordem de grandeza. Seu planejamento regional exige uma cartografia combinada a nível de plantas e de cartas topográficas detalhadas. As investigações complementarias de que carecem implicam em estudos especializados, sérios e aprofundados. Não há lugar para academicismo na realização das investigações de campo sobre áreas críticas. Se elas são tão amplas ou complexas que venham a exigir um Plano Diretor específico, tal exigência deve ser encomendada a equipes multidisciplinares de alta competência e tradição, sem concessões ao amadorismo e à mediocridade.
A expressão genérica áreas críticas refere-se a muitas coisas, envolvendo diferentes tipos de espaços ou setores regionais, com diferentes graus de criticidade ou potencialidade. Áreas críticas são as áreas que envolvem as grandes cidades da Amazônia (Belém do Pará, Manaus). Mas podem ser as áreas de entorno de centros urbanos mais restritos, que denotam grande potencial de crescimento ou tendências para distorções em cadeia (Santarém, Marabá, Rio Branco, Porto Velho, Imperatriz, Boa Vista); são as áreas afetadas por grandes projetos de mineração (Carajás, Serra do Navio) e corredores de exportação (Carajás-São Luís; Porto Santana-Serra do Navio); áreas de barragens e usinas hidroelétricas, onde velhas cidades beiradeiras sofreram um processo de inchação e ganharam algumas infra-estruturas modernizantes (Tucuruí); grandes projetos agroindustriais (Jari, rio Cristalino); distritos industriais satélites (Nova Barcarena); projetos de minero-metaltírgicos de locação empírica (usinas de ferro gusa, projetadas para a faixa da estrada de ferro Carajás-São Luiz); espaços insulares sujeitos a fortes pressões da urbanização (São Luís do Maranhão); áreas de garimpagem e redes urbanas de apoio às atividades de extração mineral (Serra Pelada, Curionópolis e Eldorado); pontos nodais de cruzamento de rotas terrestres e fluviais, com tendências para crescimento de cidades e estabelecimento de redes de núcleos urbanos satélites (Marabá, Santa Inês, Boca do Acre, Conceição do Araguaia, Açailândia, Imperatriz). Quando uma só e mesma área pertence a vários tipos de esquemas funcionais, ou quando as áreas e setores críticos formam uma espécie de corrente, pela contigüidade ou interligação forçada de seus problemas, existe total certeza da necessidade de transformá-las em áreas críticas, para estudos e busca de propostas de solução para seus problemas específicos.
Não se pode delimitar uma área crítica com a abrangência espacial de um estado, ou mesmo de uma região fisiográfica e ecológica. As áreas críticas na Amazônia têm espaços restritos e distribuição descontínua. Elas podem se localizar no meio de uma região fisiográfica e geoecológica, entre duas regiões, ou abrangendo parcelas de duas ou mais dessas células espaciais predefinidas. A ordem de criticidade de seus problemas, ou a especificidade de suas potencialidades, determina roteiros metodológicos próprios para o entendimento dos fatores que respondem pelas suas anomalias. A busca de propostas para modernização de suas infra-estruturas, melhor aproveitamento econômico e social de suas potencialidades, e ordenação espacial de suas formas de utilização do solo pedem o concurso de equipes multidisciplinares experientes.
Ao se defrontar com uma área crítica de qualquer natureza, os tecnocratas tendem infalivelmente a ampliar o seu espaço de atuação, criar superintendências específicas, sugerir novas estruturas administrativas geradoras de empre-guismo e clientelismo político, para competir com órgãos de planejamento preexistentes: enfim, uma contundente competição por espaços de atuação. Nesse sentido, referindo-se especificamente à área abrangida pelo Programa Grande Carajás (PGC), Lélio Rodrigues comenta:
"Tudo, literalmente tudo, o que o PGC possa fazer na sua região-programa poderia ser feito pelas demais agências, nas demais jurisdições, sobretudo se a dimensão social fosse reposicionada como um fim, que se vale da dimensão econômica como um meio, livres da subversão do Estado-crescimento e das dissociações do Estado-bem-estar". (...) "Nessa opção as delimitações regionais deixam de ser relevantes, as superposições institucionais se desnudam como mera resistência politocrática à devolução, e o problema central se desloca para a busca de uma alternativa programática, que integre em fim/meio os recursos econômicos e as prioridades sociais"4 4 RODRIGUES, L. Alternativas sócio-econômicas: abertura externa, integração nacional e subsistência comunitária. In: ALMEIDA JR., J.M.G. org. Carajás. Desafio Político, Ecologia e Desenvolvimento. São Paulo, Brasiliense, 1986. p. 419-93. .
Temos meditado muito sobre a metodologia mais correta para a identificação e delimitação das áreas críticas, no conjunto dos grandes espaços amazônicos. As críticas dirigidas às superposições conflitantes e onerosas saídas das melhores cabeças obrigam a uma busca mais lógica e transparente de soluções para a definição de áreas para a planificação das regiões dotadas de alguma ordem especial de criticidade. Para resolver, sobretudo, os impasses criados pelas ampliações fantasiosas, que somente servem à estrutura de poder e à tecnocracia, pensamos que é indispensável caracterizar uma área nuclear, no interior do indefinido setor crítico, a fim de concentrar estudos e propostas, adequados para a solução dos principais problemas regionais. Essa área nuclear de referência, feita como base espacial pioneira, para os procedimentos de planificação, deve receber investigações sobre suas condicionantes físicas, ecológicas e sociais, a par com a identificação dos fatores reais de sua criticidade (e/ou) potencialidade a nível de recursos dos solos, do subsolo e das infra-estruturas preexistentes na região ou em seu entorno. Ao que se acrescenta, obrigatoriamente, um estudo dos seus recursos humanos, conflitos sociais flagrantes, envolvendo a caracterização da parcela da humanidade que nela vive ou para ela tende a ocorrer. Sem omitir, em caráter terminal, e igualmente obrigatório, a listagem das propostas mais viáveis para o desenvolvimento regional, com ênfase nos benefícios sociais, padrões de vida e nível cultural, eficiência econômica dos projetos e modernização integrada das infra-estruturas regionais.
No interior de cada área nuclear, de regiões críticas, devem existir pontos, setores e eixos de apoio, para garantir o sucesso dos planos de desenvolvimento: núcleos urbanos polarizáveis, regiões agrárias de apoio regional ao abastecimento alimentar, pontos nodais de entroncamento de rotas terrestres e fluviais (capazes de ser ativadas ou reforçadas para atender a cadeia de projetos em implementação) entre outros componentes favoráveis.
Tão importante quanto a área nuclear para o desenvolvimento dos projetos e a busca de uma ordenação espacial desenvolvimentista e ecodesenvolvimentista é a consideração da grande área envolvente, de difícil delimitação, que pode permanecer sob a forma de reserva de recursos ou de espaços para o prosseguimento de um extrativismo não-predatório, até que se encontre um sistema mais garantido de explotação auto-sustentada efetiva dos seus recursos. Essas áreas envolventes funcionam, dentro da Amazônia, como os espaços rotineiros, perturbados ou não pela infestação de agropecuárias de diferentes eficiências produtivas e padrões de adaptações aos quadros ecológicos da Amazônia. É certo que, a despeito da rusticidade de suas atividades, elas estejam ligadas a uma ou mais cadeia de fluxos, que polarizam para centros coletores de produção, ou mais remotamente para regiões metropolitanas, que também sempre têm se comportado como áreas críticas, no interior da Amazônia. Quando surge uma nova região, com tendências para modernização (ainda que muito incompleta) e para a aceleração e multiplicação de atividades econômicas, ocorrem mudanças de comando em relação ao pano de fundo das áreas extrativistas e/ou agropecuaristas. Tais redirecionamentos somente fazem reforçar a presença das porções nucleares das áreas críticas, podendo com o tempo serem parcialmente abrangidas pela difusão do desenvolvimento regional, que é a grande meta social perseguida por qualquer processo consciente de planejamento regional.
Nesse esforço de teorização sobre a metodologia para delimitar a área nuclear de uma região crítica, no interior da Amazônia, é importante sublinhar que uma área crítica não deve absorver outras áreas críticas. Elas, pelo contrário, devem permanecer complementares, em termos de fluxos econômicos e de fluxos sociais. O Programa Grande Carajás tornou-se impotente e não específico, porque ao ensejo de um projeto dirigido para a exploração de um distrito mineral diferenciado pelas suas grandes riquezas e, pensado em termos do transporte em massa do minério extraído, por via de um terminal marítimo especializado, acabou por estender suas pretensões espaciais do Xingu à costa do Pará e Maranhão, envolvendo diversas outras áreas críticas, não-integráveis aos seus objetivos: região metropolitana de Belém e Baixo Amazonas, "Fall zone" sul-amazônica; Tabuleiro insular e Baixada Maranhense, todas elas separadas entre si por grandes espaços de extrativismo, agricultura itinerante e culturas tropicais (região bragantina do Pará) e agrupamentos de agropecuárias e projetos madeireiros. É evidente que a região metropolitana de Belém do Pará (para tomar um só exemplo), com a sua função social e econômica, projetada para grandes áreas de hinterlândia amazônica, sempre será mais importante do que qualquer outra área que venha a se estabelecer, a nível regional, em qualquer setor do interior da Amazônia. Em outras palavras: um Projeto Carajás será sempre um núcleo de exportação de minérios e o embrião de uma importante futura região siderúrgica. Enquanto Belém do Pará terá sempre maior capacidade de abrangência espacial na sua esfera de influência, envolvendo relações e funções múltiplas, com as mais diversas áreas da Amazônia Brasileira, exercendo a condição de "pólo macrorregional"5 5 MIRANDA NETO, MJ. O dilema... op. cit. .
Além de caracterizar uma área nuclear e um espaço de reservas de recurso, de delimitação imprecisa, sujeito a atividades rotineiras extensivas (extrativismo, agropecuárias, empresas madeireiras), há que se considerar as intersecções e os prolongamentos de rotas que cruzam as áreas críticas, as extensões laterais de funções diversificadas, os núcleos de geração de energia e a rede de linhas de alta tensão irradiadas a partir deles (Tucuruí, por exemplo), e, sobretudo, a complementaridade e possibilidade de participação de outras áreas críticas, regiões metropolitanas ou regiões agrárias, situadas à média ou longa distância, nos processos de desenvolvimento regional de uma região crítica. O grande problema que restará sempre em aberto será uma dependência, mais ou menos insolúvel, das aplicações de capitais gerados e acumulados em áreas completamente externas às regiões em processo de planejamento desenvolvimentista. A única fórmula para se libertar da força de pressão dos capitalistas é a de exigir estudos corretos de previsão de impactos para as iniciativas dos grupos econômicos alienígenas ou regionais, e obrigá-los a enquadrar suas iniciativas empresariais aos planos diretores de ordenamento dos espaços regionais. Sem transigências e ingenuísmos, mesmo porque o capital potencialmente aplicável sabe jogar bruto em relação à natureza e aos homens.
Temos consciência de que, ao defender um duplo zoneamento para o imenso domínio das terras amazônicas, não estamos fazendo nada mais do que tentar integrar duas formas de encarar situações efetivamente existentes: as regiões tradicionais existentes nos mais diversos quadrantes da Amazônia, e a identificação no meio delas ou entre elas, de áreas críticas que merecem tratamento prioritário e polivalente. De um lado, um cuidado espacial com o universo das regiões amazônicas que resguardam o destino e os velhos problemas dos grupos humanos tradicionais, heranças de um extrativismo decadente, e perturbados pelo ingresso de novos modelos fundiários e estáticas empresas agropecuárias. De outro lado, regiões dotadas de potencialidades específicas, ou de alguma ordem de criticidade, que necessitam de programas regionais de incentivos e aplicações, sob diversos níveis de controle.
Em termos genéricos, é do domínio comum esse tipo de abordagem. Nesse sentido, tivemos o prazer de ler as observações que se seguem, da lavra do economista Miranda Neto6 6 Id., ibid.
"A elaboração dos programas sub-regionais é realmente mais importante que a dos programas globais, porque neles podem ser executados modelos coerentes e alcançada uma atuação objetiva mais fácil de controlar". (...) "Definido o zoneamento, ficaria a região dividida entre alguns centros de desenvolvimento, onde os serviços públicos estariam concentrados, e a grande área indeterminada, que mesmo assim é valiosa para a exploração em massa dos grandes recursos naturais." (...) "É claro que a economia da região baseia-se em grande parte na produção dessa grande área extrativista indeterminada, sendo importante para normalidade das funções sociais que essa estrutura antiga permaneça em funcionamento, até que seja substituída por uma estrutura agrícola e industrial a ser criada (sic). Muitos milhares de brasileiros vivem e continuarão a viver nessa área, a despeito do desenvolvimento de outras localizações. Há a considerar, também, que dentro da grande área extrativista outros centros de desenvolvimento poderão resultar subitamente da localização e exploração dos recursos naturais. A fronteira dessa área é, por isso, móvel, guiada pelos fatos do futuro, que não podem ser previstos desde agora com precisão."
Não conhecemos na literatura da Nova Amazônia nada que se compare a essa apreciação sintética, com tal clareza e pertinência. Bastaria que se colocasse um senso de ecodesenvolvimento para as grandes áreas indeterminadas do entorno das regiões-programa ou áreas críticas, a fim de que o trecho transcrito pudesse ser considerado perfeito. De resto, é preciso registrar que em todo o seu trabalho Miranda Neto possui forte impregnação dos conceitos ecodesenvolvimentistas.
Visualização de um Macrozoneamento e Estratégias Mínimas de Atuação
As observações tecidas sobre a viabilidade de um macrozoneamento prévio, abrangendo o conjunto espacial da Amazônia Brasileira, permitem definir, em mapa de escala razoável, o mosaico das grandes células espaciais existentes na metade norte do País, de um modo independente, mas não desintegrado em relação às divisões administrativas, estaduais e municipais, da grande região Norte.
No interior dessas células espaciais que em média atingem áreas de uma, duas ou três centenas de milhares de quilômetros quadrados ocorrem setores que possuem potencialidades diferenciadas, a par com problemas sociais, econômicos e ambientais específicos. Tais áreas, genericamente reconhecidas como críticas, pontilham o espaço total da Amazônia, visto no contexto temporal desse fim de século, podendo conter espaços de 100 a 1.000 km2 de área, 1.000 a 10.000 km2, ou 10.000 a 100.000 km2, no máximo. Envolvem espaços de quinta, quarta ou terceira ordem de grandeza, na classificação de Cailleux e Tricarte7 7 Le problems de la classification... op. cit. Não há qualquer conveniência em estabelecer, de partida, uma região-programa para atender aos problemas específicos de uma área crítica muito complexa, que seja espacialmente tão ou mais abrangente do que uma das células espaciais estabelecidas para a divisão regional da Amazônia. Tais procedimentos, habitualmente gerados em uma época política em que era difícil o diálogo e o próprio acompanhamento das decisões governamentais, somente contribuíram para superposições conflitantes e atomização de recursos, com fortes efeitos desintegradores.
Todas as áreas consideradas críticas são passíveis de receber programas especiais de tratamento, envolvendo estudos sistemáticos concentrados que busquem diretrizes, soluções e projetos-proposta, com vistas ao fim último de um desenvolvimento social, realizado pela dinamização econômica, aumento das ofertas de emprego, valorização do trabalho humano e ordenação correta dos espaços. Exigem pesquisas e operações de meso ou microzoneamento, a serem providenciados (ou, em providência, sob redimensionamento) com a maior urgência e a mais apurada das metodologias, sob a condição de nunca serem maiores do que as células espaciais regionais, onde foram identificadas. Mas que, por certo, podem envolver setores de duas, três ou mais células espaciais contíguas, vinculadas ao destino de certos projetos: como é o caso da área crítica Carajás-São Luís.
Defendemos a idéia de que toda área crítica, capaz de se transformar em região-programa, tenha uma área nuclear para concentração dos estudos, e um entorno, de delimitação mais aproximada e flexível, que de certa forma comporte uma separação difusa entre áreas críticas potencialmente diferenciadas e complementares (faixa Carajás-São Luís, região metropolitana de Belém/Baixo Amazonas/Bragantina, "Fall zone" sul-amazônica). Revisões periódicas sobre as respostas das regiões-programa aos incentivos e ações programadas devem ser feitas, para eventuais redimensionamentos das áreas nucleares e de seus respectivos entornos. Sempre se deverá ter em vista que as células espaciais da primeira subdivisão da Amazônia em unidades menores de 2ª ordem de grandeza têm que possuir um certo nível de permanência. Sua definição é feita para durar; daí por que merecem receber inicialmente o crivo de todas as críticas e submeter-se a todas as revisões de detalhe. Pelo oposto, as regiões-programa endereçadas às áreas críticas podem ser limitadas ou não a determinados tempos de atuação. E, por princípio, devem ser reavaliadas, a todos os níveis, de tempos em tempos. Tais períodos de atuação/reavaliação, por muitas e variadas razões e precauções, deveriam ser realizados em interespaços temporais de no mínimo dez em dez anos.
Em relação às células espaciais regionais, reconhecidas como setores mais permanentes do universo territorial amazônico, defendemos a idéia de que, à custa de um trabalho integrado entre estados, municípios e União, seja feita uma campanha de identificação dos problemas emergentes que atingem as populações regionais, toda vez em que se instalem novas gestões administrativas (governadores, legisladores). E, que tais estudos sejam feitos por equipes idôneas e experientes, convocadas para um trabalho que não comporta meufanismos, regionalismos extremados, injunções políticas e pressões do poder econômico. Trabalho a ser realizado por grupos intelectualmente preparados, cientificamente competentes e alinhados aos ideais da justiça social, sob uma total pureza de propósitos.
Nos últimos tempos, tem se falado em uma espécie de Plana Diretor dirigido para o espaço total amazônico. Outros, sem ter uma noção clara dos grandes espaços envolvidos, apostam em grande Projeto dito "Calha Norte". Continuamos no mesmo diapasão da fala tecnocrática, que envolve gastos, burocracias, e a certeza de grandes fracassos.
Temos plena certeza de que essa ligeireza com que se fala em um gigantesco plano mestre, dirigido para a Amazônia como um todo, decorre da quase total noção de escala e conhecimento da realidade regional, que administradores mal-avisados têm sobre o imenso conjunto territorial da Amazônia Brasileira. Para quem desconhece a estrutura e a funcionalidade das partes, é mais cômodo tratar dos grandes conjuntos como se fossem universos totais conhecidos.
Com relação ao Projeto "Calha Norte", a primeira grande dúvida é a sua falta de transparência e o aparato demagógico de sua apresentação. Nesse sentido, é lamentável que o aludido projeto tenha sido apresentado com distorções de escala e ausência de conhecimentos prévios sobre o mosaico de áreas críticas e o número de compartimentos diferenciados existentes ao longo de uma faixa de fronteiras, que se estende por alguns milhares de quilômetros, na metade norte da Amazônia Brasileira. Com maior entendimento das realidades regionais, menos euforia, e maior seriedade, por parte dos planejadores, teríamos, quiçá, uma excelente região-programa para revitalização econômica e atendimento dos pequenos grupos humanos que vivem na margem das margens. Sempre é tempo para se corrigir vícios de linguagem, euforias injustificáveis, e superdimensionamentos de projetos simples e pertinentes. Têm muita razão os grupos indigenistas em não acreditar nos objetivos divulgados do Projeto "Calha Norte".
No que tange a um Plano Diretor dirigido para a Amazônia como um todo, a análise crítica tem outro feitio. Qualquer pessoa de bom senso, ligada ao setor de planejamento, sabe que existem muitas outras etapas para se chegar a um coerente master plan de validade amazônica; um Plano Diretor que não seja mais uma fantasia colorida ou uma distorção escalar, dirigida para o extraordinário universo físico e social da Amazônia Brasileira. As meditações aqui realizadas, por escrito, constituem uma contribuição para o encontro de um caminho mais seguro e objetivo, para que um dia se organize um Plano Diretor, viável e flexível, para o conjunto do espaço da metade norte brasileira. Trata-se de elaborar estratégias e planos regionais coerentes para, subseqüentemente, integrá-los a um macro "Plano Diretor", de escala efetivamente amazônica e brasileira. Trabalhar com os pés no chão, para se atingir horizontes desdobrados. Sondar as bases, para dar embasamento ao universo. Um amazônico universo.
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Aziz Ab'Saber é professor-titular de Geografia Física da USP (aposentado) e atualmente professor-visitante do IEA.
Estabelecer as bases de um zoneamento ecológico e econômico em uma determinada conjuntura geográfica equivale a realizar um estudo para determinar a vocação de todos os subespaços que compõem um certo território, e efetuar o levantamento de suas potencialidades econômicas, sob um critério basicamente ecodesenvolvimentista.
(...) a avaliação das potencialidades naturais de um determinado espaço (excluídas as riquezas de subsolo) ficam na dependência dos interesses e tipos de atividades de cada produtor da sociedade capitalista -consumista.
Quanto mais indiferenciado for o espaço em termos da presença de infra-estrutura instalada, e maior percentual total de ocupação dos solos por atividades agrárias e a densidade das redes urbanas, tanto mais viável será a tarefa de elaborar um zoneamento ecológico e econômico.
Nos países de estrutura subdesenvolvida, antes de se fazer uma metodologia técnico -científica muito sofisticada, e por princípio custosa e demorada, há que se criar estratégias para a produção de documentos intermediários, de utilização viável pela administração pública.
A elaboração de um Plano Diretor, capaz de integrar propostas regionais e guiar a instalação progressiva de infra-estruturas, tem que ser conduzida por equipes multidisciplinares, e sob tal independência de injunções políticas circunstanciais.
As áreas críticas na Amazônia têm espaços restritos e distribuição descontínua. (...) os tecnocratas tendem infalivelmente a ampliar o seu espaço de atuação, criar superintendências específicas, sugerir novas estruturas administrativas geradoras de empreguismo e clientelismo político...
(...) Projeto Carajás será sempre um núcleo de exportação de minérios e o embrião de uma importante futura região siderúrgica.
Qualquer pessoa de bom senso, ligada ao setor de planejamento, sabe que existem muitas outras etapas para se chegar a um coerente master plan de validade amazônica...
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Mar 2006 -
Data do Fascículo
Abr 1989