Resumo
Objetivo
Verificar a prevalência da autoavaliação ruim do estado de saúde em mulheres encarceradas e analisar os fatores associados.
Método
Trata-se de estudo transversal, realizado entre os anos de 2019 e 2020, por meio de censo, com participação de 99 mulheres. A análise dos fatores associados ao desfecho foi conduzida a partir de um modelo teórico de determinação com três blocos hierarquizados de variáveis. As variáveis foram ajustadas entre si dentro de cada bloco. Aquelas com nível de significância ≤ 0,20 foram incluídas no modelo de regressão de Poisson e ajustadas ao nível superior ao seu, considerando o nível de 5% de significância.
Resultados
A prevalência da autoavaliação ruim da saúde foi de 31,3% (IC95% = 22,8%–40,9%). Morbidade referida, presença de sintomas de ansiedade e a pior perspectiva em relação às condições de saúde pós-encarceramento foram as variáveis associadas com o desfecho.
Considerações finais e implicações para a prática
Os fatores associados à ocorrência do evento investigado poderão direcionar medidas que visem à redução dos impactos à saúde durante o período de encarceramento.
Palavras-chave:
Autoavaliação; Estudos Transversais; Mulheres; Prisões; Saúde
Resumen
Objetivo
Verificar la prevalencia de autoevaluación negativa de la salud en mujeres encarceladas y analizar los factores asociados.
Método
Se trata de un estudio transversal, realizado entre los años 2019 y 2020, mediante censo, con la participación de 99 mujeres encarceladas. El análisis de factores asociados al resultado se realizó con base en un modelo teórico de determinación con tres bloques jerárquicos de variables. Las variables se ajustaron entre sí dentro de cada bloque. Aquellos con nivel de significancia ≤ 0,20 se incluyeron en el modelo de regresión de Poisson y se ajustaron a un nivel superior al de ellos, considerando un nivel de significancia del 5%.
Resultados
La prevalencia de autoevaluación negativa de la salud fue 31,3% (IC 95% = 22,8% -40,9%). La morbilidad autoinformada, la presencia de síntomas de ansiedad y la peor perspectiva con respecto a las condiciones de salud después del encarcelamiento fueron las variables asociadas con el resultado.
Conclusión e implicaciones para la práctica
Los factores asociados a la ocurrencia del evento investigado pueden conducir a medidas destinadas a reducir los impactos en la salud durante el período de encarcelamiento.
Palabras clave:
Autoevaluación; Estudios Transversales; Mujeres; Prisiones; Salud
Abstract
Objective
To verify the prevalence of poor self-rated health status among incarcerated women and to analyze the associated factors.
Method
This is a cross-sectional study, carried out between 2019 and 2020, by means of a census, with the participation 99 women incarcerated. The analysis of factors associated with the outcome was conducted based on a theoretical model of determination with three hierarchical blocks of variables. Variables were adjusted to each other within each block. Those with significance level ≤ 0.20 were included in the Poisson regression model and adjusted to a level higher than theirs, considering a 5% level of significance.
Results
The prevalence of poor self-rated health was 31.3% (IC95% = 22.8% - 40.9%). Reported morbidity, presence of anxiety symptoms and the worst perspective regarding post-incarceration health conditions were the variables associated with the outcome.
Conclusion and implications for practice
The factors associated to the occurrence of the investigated event may direct measures aimed to reduce health impacts during the incarceration period.
Keywords:
Cross-Sectional Studies; Health; Prisons; Self-Assessment; Woman
INTRODUÇÃO
Embora as mulheres representem aproximadamente 5% da população carcerária brasileira, a taxa de encarceramento feminino cresceu de forma significativa ao longo dos anos. De acordo com os dados do Departamento Penitenciário Nacional, entre 2000 e 2016, a população prisional feminina aumentou em 656%, enquanto que, no mesmo período, o encarceramento masculino cresceu 293%11 Santos T, organizador. Levantamento nacional de informações penitenciárias – INFOPEN mulheres. 2. ed. Brasília: Departamento Penitenciário Nacional, Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2017..
A maioria das mulheres encarceradas apresenta situação prévia de vulnerabilidade social, sendo jovens, negras, solteiras, com filhos, baixo nível de escolaridade e renda familiar precária11 Santos T, organizador. Levantamento nacional de informações penitenciárias – INFOPEN mulheres. 2. ed. Brasília: Departamento Penitenciário Nacional, Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2017.. Além disso, diversos estudos ressaltaram a influência negativa do encarceramento na saúde de mulheres privadas de liberdade, seja no aspecto do bem-estar físico, mental ou social22 Audi CAF, Santiago SM, Andrade MGG, Francisco PMS. Inquérito sobre condições de saúde de mulheres encarceradas. Saúde Debate. 2016;40(109):112-24. http://dx.doi.org/10.1590/0103-1104201610909.
http://dx.doi.org/10.1590/0103-110420161...
3 Baranyi G, Scholl C, Fazel S, Patel V, Priebe S, Mundt AP. Severe mental illness and substance use disorders in prisoners in low-income and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis of prevalence studies. Lancet Glob Health. 2019;7(4):e461-71. http://dx.doi.org/10.1016/S2214-109X(18)30539-4. PMid:30879509.
http://dx.doi.org/10.1016/S2214-109X(18)...
-44 Leite ASQ, Lira Ferreira C, Silva KLL, Lima ADP, Leão LD, Carvalho YNFS. Questões de gênero nas instituições prisionais: um olhar a partir do projeto grupo de diálogo universidade-cárcere-comunidade. Pretextos [Internet]. 2020; [citado 2021 jul 15];5(9):598-617. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/pretextos/article/view/22469
http://periodicos.pucminas.br/index.php/...
. A partir da perspectiva de compreensão da saúde como uma complexa produção social, admite-se que essas condições podem contribuir para uma trama de vínculos e associações que predispõe a autoavaliação ruim do estado de saúde.
A autoavaliação da saúde vem sendo amplamente utilizada em estudos transversais55 Ross J, Field C, Kaye S, Bowman J. Prevalence and correlates of low self-reported physical health status among prisoners in New South Wales, Australia. Int J Prison Health. 2019;15(2):192-206. http://dx.doi.org/10.1108/IJPH-06-2018-0039. PMid:31172857.
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6 DeSalvo KB, Bloser N, Reynolds K, He J, Muntner P. Mortality prediction with a single general selfrated health question: a meta-analysis. J Gen Intern Med. 2006;21(3):267-75. http://dx.doi.org/10.1111/j.1525-1497.2005.00291.x. PMid:16336622.
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7 Szwarcwald CL, Souza-Júnior PRB, Esteves MAP, Damacena GN, Viacava F. Socio-demographic determinants of self-rated health in Brazil. Cad Saude Publica. 2005;21(1, Supl.):54-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2005000700007. PMid:16462997.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2005...
8 Idler EL, Benyamini Y. Self-rated health and mortality: a review of twenty-seven community studies. J Health Soc Behav. 1997;38(1):21-37. http://dx.doi.org/10.2307/2955359. PMid:9097506.
http://dx.doi.org/10.2307/2955359...
9 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saude Publica. 2013;29(4):723-34. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013000800010. PMid:23568302.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013...
10 Sousa JL, Alencar GP, Antunes JLF, Silva ZP. Marcadores de desigualdade na autoavaliação da saúde de adultos no Brasil, segundo o sexo. Cad Saude Publica. 2020;36(5):e00230318. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00230318. PMid:32490914.
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11 Meireles AL, Xavier CC, Andrade ACS, Friche AAL, Proietti FA, Caiaffa WT. Autoavaliação da saúde em adultos urbanos, percepção do ambiente físico e social e relato de comorbidades: estudo saúde em Beagá. Cad Saude Publica. 2015;31(1):120-35. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00076114. PMid:26648368.
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12 Szwarcwald CL, Damacena GN, Borges PR Jr, Almeida WS, Lima LTM, Malta DC et al. Determinantes da autoavaliação de saúde no Brasil e a influência dos comportamentos saudáveis: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde. 2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(2, Supl. 2):33-44. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500060004. PMid:27008601.
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13 Belmonte JMMM, Pivetta NRS, Batistoni SST, Neri AL, Borim FSA. The association between self-rated health and functional capacity indicators. Geriatr. Gerontol. Aging. 2017;11(2):61-7. http://dx.doi.org/10.5327/Z2447-211520171700021.
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-1414 Szwarcwald CL, Damacena GN, Barros MBA, Malta DC, Souza PRB Jr, Azevedo LO et al. Factors affecting Brazilians’ self-rated health during the COVID-19 pandemic. Cad Saude Publica. 2021;37(3):e00182720. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00182720. PMid:33950075.
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tanto pela sua facilidade de captação quanto por sua validade e relevância enquanto medida de saúde. O indicador está associado a uma concepção individual e subjetiva acerca da saúde, sob influência de aspectos biológicos, psicológicos e sociais1515 Jylhä M. What is self-rated health and why does it predict mortality? Towards a unified conceptual model. Soc Sci Med. 2009;69(3):307-16. http://dx.doi.org/10.1016/j.socscimed.2009.05.013. PMid:19520474.
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, aproximando-se, portanto, de uma concepção mais ampliada da saúde. Tem sido utilizado como um marcador de desigualdades entre subgrupos populacionais, para descrever o estado de saúde das populações, estabelecer diferenças de morbidade em subgrupos populacionais, comparar necessidade por serviços de saúde e recursos, além de ser um bom preditor de morbi-mortalidade77 Szwarcwald CL, Souza-Júnior PRB, Esteves MAP, Damacena GN, Viacava F. Socio-demographic determinants of self-rated health in Brazil. Cad Saude Publica. 2005;21(1, Supl.):54-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2005000700007. PMid:16462997.
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,88 Idler EL, Benyamini Y. Self-rated health and mortality: a review of twenty-seven community studies. J Health Soc Behav. 1997;38(1):21-37. http://dx.doi.org/10.2307/2955359. PMid:9097506.
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,1515 Jylhä M. What is self-rated health and why does it predict mortality? Towards a unified conceptual model. Soc Sci Med. 2009;69(3):307-16. http://dx.doi.org/10.1016/j.socscimed.2009.05.013. PMid:19520474.
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.
O indicador tem sido utilizado em escala internacional e nacional, sendo que, internacionalmente, há evidências que apontam para a associação entre a pior percepção do estado de saúde e idade, nível de escolaridade e de renda55 Ross J, Field C, Kaye S, Bowman J. Prevalence and correlates of low self-reported physical health status among prisoners in New South Wales, Australia. Int J Prison Health. 2019;15(2):192-206. http://dx.doi.org/10.1108/IJPH-06-2018-0039. PMid:31172857.
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,1616 Friestad C. Socio-economic status and health in a marginalized group: the role of subjective social status among prison inmates. Eur J Public Health. 2010;20(6):653-8. http://dx.doi.org/10.1093/eurpub/ckp242. PMid:20123684.
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17 Silva VH, Rocha JSB, Caldeira AP. Fatores associados à autopercepção negativa de saúde em mulheres climatéricas. Cien Saude Colet. 2018;23(5):1611-20. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018235.17112016. PMid:29768614.
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182...
18 Shooshtari S, Menec V, Tate R. Comparing Predictors of Positive and Negative Self-Rated Health Between Younger (25-54) and Older (55+) Canadian Adults: A Longitudinal Study of Well-Being. Res Aging. 2007;29(6):512-54. http://dx.doi.org/10.1177/0164027507305729.
http://dx.doi.org/10.1177/01640275073057...
-1919 Operario D, Adler NE, Williams DR. Subjective Social Status: reliability and predictive utility for global health. Psychol Health. 2004;19(2):237-46. http://dx.doi.org/10.1080/08870440310001638098.
http://dx.doi.org/10.1080/08870440310001...
. Já a nível nacional, estudos confirmam forte associação entre condições socioeconômicas desfavoráveis e pior percepção do estado de saúde77 Szwarcwald CL, Souza-Júnior PRB, Esteves MAP, Damacena GN, Viacava F. Socio-demographic determinants of self-rated health in Brazil. Cad Saude Publica. 2005;21(1, Supl.):54-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2005000700007. PMid:16462997.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2005...
,99 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saude Publica. 2013;29(4):723-34. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013000800010. PMid:23568302.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013...
,1010 Sousa JL, Alencar GP, Antunes JLF, Silva ZP. Marcadores de desigualdade na autoavaliação da saúde de adultos no Brasil, segundo o sexo. Cad Saude Publica. 2020;36(5):e00230318. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00230318. PMid:32490914.
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. Além disso, diferenças entre gêneros, faixas etárias, estilo de vida e condições ambientais também são variáveis que influenciam a autoavaliação da saúde1111 Meireles AL, Xavier CC, Andrade ACS, Friche AAL, Proietti FA, Caiaffa WT. Autoavaliação da saúde em adultos urbanos, percepção do ambiente físico e social e relato de comorbidades: estudo saúde em Beagá. Cad Saude Publica. 2015;31(1):120-35. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00076114. PMid:26648368.
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12 Szwarcwald CL, Damacena GN, Borges PR Jr, Almeida WS, Lima LTM, Malta DC et al. Determinantes da autoavaliação de saúde no Brasil e a influência dos comportamentos saudáveis: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde. 2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(2, Supl. 2):33-44. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500060004. PMid:27008601.
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13 Belmonte JMMM, Pivetta NRS, Batistoni SST, Neri AL, Borim FSA. The association between self-rated health and functional capacity indicators. Geriatr. Gerontol. Aging. 2017;11(2):61-7. http://dx.doi.org/10.5327/Z2447-211520171700021.
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-1414 Szwarcwald CL, Damacena GN, Barros MBA, Malta DC, Souza PRB Jr, Azevedo LO et al. Factors affecting Brazilians’ self-rated health during the COVID-19 pandemic. Cad Saude Publica. 2021;37(3):e00182720. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00182720. PMid:33950075.
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. Essas evidências demonstram a importância e a potência do uso do indicador nos mais variados contextos.
Embora a autoavaliação do estado de saúde já tenha sido explorada em diversos grupos, seu uso na população privada de liberdade ainda é incipiente. No entanto, há evidência que aponta para o papel vital que as instituições de privação de liberdade podem desempenhar sobre a forma como os indivíduos ali presentes avaliam a própria saúde2020 Vogel CE, Barry LC. Self-rated health as a predictor os depression and axiety in older adult inmates. Innov Aging. 2019;3(Supl. 1):S166. http://dx.doi.org/10.1093/geroni/igz038.593.
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,2121 Yu SSV, Sung HE, Mellow J, Koenigsmann CJ. Self-Perceived Health Improvements Among Prison Inmates. J Correct Health Care. 2015;21(1):59-69. http://dx.doi.org/10.1177/1078345814558048. PMid:25559631.
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. Sendo assim, levando em consideração a robustez do indicador, bem como as especificidades que o aprisionamento impõe, acreditamos ser esse um elemento de análise importante para a compreensão do processo saúde-adoecimento das mulheres privadas de liberdade.
Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi estimar a prevalência e os fatores associados à autoavaliação ruim do estado de saúde em mulheres encarceradas em um estabelecimento penal de Juiz de Fora, Minas Gerais.
MÉTODO
Trata-se de um estudo epidemiológico de delineamento transversal, do tipo censo, entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020, com as mulheres reclusas no Anexo Feminino Eliane Betti em Juiz de Fora, Minas Gerais. Atualmente, o local é a única referência para o acautelamento feminino entre os mais de 80 municípios que compõem a 4ª Região Integrada de Segurança Pública (RISP) de Minas Gerais.
Foram incluídas no estudo todas as mulheres privadas de liberdade, com idade mínima de 18 anos, independente do regime penal que se encontravam e com tempo de reclusão de no mínimo 30 dias ou que viessem a completar 30 dias no decorrer da pesquisa. Os critérios de exclusão estabelecidos foram: acauteladas que não se comunicassem através da língua padrão portuguesa; impossibilidade de compreensão e/ou resposta ao questionário; presença de distúrbios severos que afetassem a comunicação; e aquelas que, de acordo com a direção da unidade, pudessem oferecer risco à segurança da pesquisadora.
No primeiro dia de entrevistas, foi disponibilizada pela unidade prisional uma listagem na qual constavam 134 mulheres matriculadas na unidade. Novas listagens foram emitidas mensalmente, a fim de acompanhar o dinamismo de admissões e desligamentos, e, consequentemente, a possibilidade de inclusão de novas participantes ao estudo e monitoramento de possíveis perdas. Ao fim do período de coleta, a população acessível foi contabilizada em 150 mulheres.
A rotina da coleta de dados foi planejada de forma a assegurar que todas essas mulheres participassem do estudo. Quando não foi possível a abordagem no primeiro agendamento, foram realizadas três novas tentativas em dias e horários distintos. As perdas perfizeram um total de 51, sendo 21 por motivo de alvará de soltura, 4, por transferências para outras unidades prisionais e 26 não puderam participar em decorrência da interrupção da coleta devido à pandemia de COVID-19. Não houve recusas. Assim sendo, a amostra final foi composta por 99 mulheres.
A coleta de dados foi realizada uma vez por semana, através de entrevista face a face, nas salas de atendimento da unidade prisional, no Núcleo de Assistência à Saúde (NAS) e nas dependências de uma fábrica de trabalho. As policiais penais garantiram o procedimento de trânsito das detentas e a supervisão do lado externo das salas.
O questionário utilizado foi composto por questões semiestruturadas, elaboradas a partir do instrumento utilizado na pesquisa Estudo das condições de saúde e qualidade de vida dos presos e das condições ambientais das unidades prisionais do Estado do Rio de Janeiro2222 Minayo MCS, Constantino P. Deserdados Sociais: condições de vida e saúde dos presos do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. FioCruz; 2015. e por escalas padronizadas e de ampla utilização em pesquisas científicas, como o Patient Health Questionnaire-4 (PHQ-4), para rastreio dos sintomas de ansiedade e depressão, e a Escala MacArthur de Status Social Subjetivo, para avaliação do status social subjetivo. O instrumento de coleta foi padronizado e pré-testado em estudo piloto realizado no Presídio de Eugenópolis, com cerca de 10% da amostra prevista.
O PHQ-4 consiste em um instrumento para avaliação do sofrimento psíquico, contendo quatro itens com pontuação a partir de uma escala de Likert de zero (nenhuma vez) a três (quase todos os dias). Maior pontuação total reflete maior sintomatologia. Os dois primeiros itens compõem a subescala de ansiedade, e os outros, a subescala de depressão. O somatório dos itens de cada subescala varia de zero a seis, sendo escore ≥ três considerado positivo2323 Löwe B, Wahl I, Rose M, Spitzer C, Glaesmer H, Wingenfeld K et al. A 4-item measure of depression and anxiety: validation and standardization of the Patient Health Questionnaire-4 (PHQ-4) in the general population. J Affect Disord. 2010;122(1-2):86-95. http://dx.doi.org/10.1016/j.jad.2009.06.019. PMid:19616305.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jad.2009.06....
,2424 Kroenke K, Spitzer RL, Williams JBW, Lowe B. An ultra-brief screening scale for anxiety and depression: the PHQ-4. Psychosomatics. 2009;50(6):613-21. http://dx.doi.org/10.1176/appi.psy.50.6.613. PMid:19996233.
http://dx.doi.org/10.1176/appi.psy.50.6....
. Quanto à Escala de MacArthur, ela é apresentada visualmente por uma escada com 10 degraus e foi desenvolvida com o objetivo de capturar a percepção de senso comum de status social, tendo como referência indicadores socioeconômicos. Nela, o entrevistado indica o degrau que considera representar o seu lugar na sociedade. Quanto menor a posição referida, menor o status social subjetivo. Para análise, as categorias foram agrupadas em pares: muito ruim (degraus 1 e 2), ruim (3 e 4), regular (5 e 6), bom (7 e 8) e muito bom (9 e 10). Posteriormente, foram categorizadas em pior status social subjetivo (considerando as categorias muito ruim, ruim e regular) e melhor status social subjetivo, agrupando as categorias muito bom e bom2525 Sanchón-Macias MV, Prieto-Salceda D, Bover-Bover A, Gastaldo D. Relação entre status social subjetivo e saúde percebida entre mulheres imigrantes latino-americanas. Rev Lat Am Enfermagem. 2013;21(6):1353-9. http://dx.doi.org/10.1590/0104-1169.2943.2374. PMid:24402346.
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.
A variável dependente foi a autoavaliação da saúde, obtida por meio da pergunta: Em geral, você diria que sua saúde é? As opções de resposta apresentadas foram muito boa, boa, regular, ruim e muito ruim. Para a análise do desfecho autoavaliação ruim da saúde, a variável foi dicotomizada em ruim (regular, ruim e muito ruim) e boa (boa e muito boa).
Os dados foram organizados e processados em um banco de dados criado no software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 15.0, e submetidos à análise descritiva para a obtenção de frequências absoluta e relativa, assim como da prevalência do desfecho investigado. A associação entre as variáveis independentes e a variável dependente na análise bivariada foi analisada a partir do Teste Qui-Quadrado. Já na análise multivariada, a associação entre as variáveis foi analisada a partir da regressão de Poisson, controlando as variáveis independentes por possíveis fatores de confusão (RP ajustada). O nível de significância do estudo foi de 5% (p ≤ 0,05).
Para a análise dos fatores associados à autoavaliação ruim do estado de saúde, foi construído um modelo teórico de determinação2626 Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol. 1997;26(1):224-7. http://dx.doi.org/10.1093/ije/26.1.224. PMid:9126524.
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, com três blocos hierarquizados de variáveis (Figura 1), as quais foram ajustadas entre si dentro de cada bloco, em um primeiro momento. Aquelas variáveis que alcançaram um nível de significância ≤ 0,20 foram incluídas no modelo de regressão de Poisson e ajustadas ao nível superior ao seu.
Modelo teórico de investigação dos efeitos das variáveis independentes sobre a autoavaliação ruim do estado de saúde por blocos hierarquizados.
As variáveis independentes foram agrupadas nos três blocos: Bloco 1, com características demográficas e socioeconômicas; Bloco 2, composto por questões relacionadas ao encarceramento (dividido em quatro subníveis: 2.1 características penais; 2.2 assistência e recebimento de visitas; 2.3 discriminação e violência; 2.4 expectativas pós-encarceramento); e o Bloco 3, com variáveis relacionadas à saúde das mulheres, dividido em 3 subníveis: 3.1 variáveis de saúde referidas; 3.2 variáveis de saúde autopercebidas; e 3.3 serviços de saúde no cárcere.
Este estudo está inserido em um projeto mais amplo, denominado Condições de Vida e de Saúde de Mulheres Privadas de Liberdade em Juiz de Fora, Minas Gerais. Foram respeitadas as recomendações presentes nas Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, constadas na Resolução 466 do Conselho Nacional de Saúde. O Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora aprovou o estudo (Parecer nº 3.294.253). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi lido e assinado por todas as participantes.
RESULTADOS
Participaram do estudo 99 mulheres. Aproximadamente 76% encontravam-se na faixa etária de 20 a 39 anos, sendo a média de idade de 33,21 anos (DP ± 9,26). As que relataram serem casadas ou terem um (a) companheiro (a) totalizaram 53,5%. A maioria declarou cor de pele preta ou parda (74,7%), renda mensal menor ou igual a um salário mínimo no período anterior ao encarceramento (66,7%) e com 5 a 8 anos de escolaridade (57,6%). Quanto ao status social subjetivo, 81,9% considerou estar nas posições mais inferiores da escala utilizada (entre o 1º e 5º degrau).
O tráfico de drogas foi o responsável por 52,5% das prisões. Aproximadamente 30% das entrevistadas estavam detidas provisoriamente. Dentre as sentenciadas, a maioria relatou pena a cumprir menor ou igual a sete anos (51,4%). O recebimento de visitas foi informado por 60,6%, e nenhuma participante relatou recebimento de visita íntima. Apenas 12,1% estudavam e 40,4% estavam inseridas em alguma atividade laboral. Todas as participantes relataram ter sofrido algum tipo de discriminação na unidade prisional. Em relação aos riscos a que estão expostas, 63,6% reportaram o risco de sofrer violência psicológica, e 49,5%, de sofrer agressão física. Quanto às ações em que foram vítimas, 46,5% declararam já ter sofrido agressão verbal (Tabela 1).
A prevalência da autoavaliação ruim do estado de saúde foi de 31,3% (IC95% = 22,8%–40,9%). Dentre as categorias utilizadas, 10,1% autoavaliaram a saúde como muito boa, 58,6%, como boa, 23,2%, como regular, 5,1%, como ruim e 3,0%, como muito ruim. A presença de morbidades foi referida por 52,5% das mulheres; 70,7% declararam uso contínuo de medicações; 28% informaram a ocorrência de pelo menos um aborto na vida; e 72,7% são fumantes. Sintomas de ansiedade e depressão foram observados em, respectivamente, 75,8% e 65,7% das participantes (Tabela 2).
Características da população de estudo conforme variáveis relacionadas às condições de saúde. Juiz de Fora, Minas Gerais, 2020 (n=99).
Na análise bivariada, a autoavaliação ruim da saúde esteve associada ao recebimento de tratamento preconceituoso por outras detentas, relato do risco de explosão da unidade prisional e ocorrência de queda. Foi frequente também entre aquelas que possuem pior perspectiva em relação às condições de saúde após o encarceramento (p < 0,001), entre as que referiram morbidades (p < 0,002) e entre aquelas que apresentam sintomas de ansiedade (p < 0,002) e depressão (p < 0,005) (Tabela 3). Nenhuma variável do Bloco 1 – referente às características sociodemográficas – apresentou significância estatística nesta análise.
Razões de prevalência brutas e ajustadas entre os blocos hierárquicos para a ocorrência de autoavaliação ruim do estado de saúde em mulheres encarceradas. Juiz de Fora, Minas Gerais, 2020 (n=99).
No modelo de regressão múltipla, três variáveis permaneceram associadas à autoavaliação ruim do estado de saúde (Tabela 4). Das variáveis relacionadas ao encarceramento (Bloco 2), configurou-se como fator de risco a pior perspectiva em relação às condições de saúde após o cumprimento da pena (RP ajustada = 4,82; IC95% 1,50–15,47). Entre as variáveis do nível mais proximal (Bloco 3), configuraram-se como fatores de risco a presença de sintomas de ansiedade (RP ajustada = 15,20; IC95% 1,79-128,92) e morbidade referida (RP ajustada = 4,11; IC95% 1,33–12,65).
Análise de regressão múltipla em blocos hierarquizados para a ocorrência de autoavaliação ruim do estado de saúde em mulheres encarceradas. Juiz de Fora, Minas Gerais, 2020 (n=99).
DISCUSSÃO
A prevalência de autoavaliação ruim da saúde na população estudada (31,3%) foi significantemente inferior aos 61,5% encontrado entre mulheres acauteladas em uma unidade prisional do estado de São Paulo2727 Bezerra C, Fernandes RAQ. Perfil social e de saúde de mulheres apenadas de uma penitenciária da cidade de São Paulo. Perspect Medicas. 2015;26(2):21-30. http://dx.doi.org/10.6006/perspectmed.20150203.7233250448.
http://dx.doi.org/10.6006/perspectmed.20...
e superior à observada entre homens encarcerados na Noruega, em que 23% informaram estado de saúde ruim ou razoável2222 Minayo MCS, Constantino P. Deserdados Sociais: condições de vida e saúde dos presos do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. FioCruz; 2015.. Na comparação por sexo, estudos indicam que a pior autopercepção da saúde é mais frequente entre as mulheres do que entre os homens55 Ross J, Field C, Kaye S, Bowman J. Prevalence and correlates of low self-reported physical health status among prisoners in New South Wales, Australia. Int J Prison Health. 2019;15(2):192-206. http://dx.doi.org/10.1108/IJPH-06-2018-0039. PMid:31172857.
http://dx.doi.org/10.1108/IJPH-06-2018-0...
,1010 Sousa JL, Alencar GP, Antunes JLF, Silva ZP. Marcadores de desigualdade na autoavaliação da saúde de adultos no Brasil, segundo o sexo. Cad Saude Publica. 2020;36(5):e00230318. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00230318. PMid:32490914.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00230...
,1212 Szwarcwald CL, Damacena GN, Borges PR Jr, Almeida WS, Lima LTM, Malta DC et al. Determinantes da autoavaliação de saúde no Brasil e a influência dos comportamentos saudáveis: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde. 2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(2, Supl. 2):33-44. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500060004. PMid:27008601.
http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720150...
,2828 Franks P, Gold MR, Fiscella K. Sociodemographics, self-rated health, and mortality in the US. Soc Sci Med. 2003;56(12):2505-14. http://dx.doi.org/10.1016/S0277-9536(02)00281-2. PMid:12742613.
http://dx.doi.org/10.1016/S0277-9536(02)...
. No entanto, no contexto das prisões, são escassos os estudos que objetivaram investigar a autopercepção da saúde e fatores associados entre privados de liberdade, o que limita a comparação neste grupo. É possível que características intrínsecas à organização das instituições penais, que são diferentes entre os locais dos estudos, o porte das cidades e as diferenças nas leis de execução penal, quando analisamos a diferença com outros países, também influenciem na autopercepção da saúde dos indivíduos sob custódia2020 Vogel CE, Barry LC. Self-rated health as a predictor os depression and axiety in older adult inmates. Innov Aging. 2019;3(Supl. 1):S166. http://dx.doi.org/10.1093/geroni/igz038.593.
http://dx.doi.org/10.1093/geroni/igz038....
,2121 Yu SSV, Sung HE, Mellow J, Koenigsmann CJ. Self-Perceived Health Improvements Among Prison Inmates. J Correct Health Care. 2015;21(1):59-69. http://dx.doi.org/10.1177/1078345814558048. PMid:25559631.
http://dx.doi.org/10.1177/10783458145580...
.
Na população geral feminina, há pesquisas que identificam prevalências de autoavaliação ruim da saúde em torno de 40%99 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saude Publica. 2013;29(4):723-34. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013000800010. PMid:23568302.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013...
,1717 Silva VH, Rocha JSB, Caldeira AP. Fatores associados à autopercepção negativa de saúde em mulheres climatéricas. Cien Saude Colet. 2018;23(5):1611-20. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018235.17112016. PMid:29768614.
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. No entanto, utilizaram categorias para o desfecho diferentes da empregada neste trabalho. Dentre aqueles que utilizaram categorias semelhantes, destacam-se importantes estudos de base populacional. Estudo realizado a partir de dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, inquérito domiciliar de base populacional, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério da Saúde, apontou que 37,4% das mulheres autoavaliaram a saúde como regular, ruim ou muito ruim1010 Sousa JL, Alencar GP, Antunes JLF, Silva ZP. Marcadores de desigualdade na autoavaliação da saúde de adultos no Brasil, segundo o sexo. Cad Saude Publica. 2020;36(5):e00230318. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00230318. PMid:32490914.
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. Na Pesquisa Mundial de Saúde, esse percentual foi de 52,5%77 Szwarcwald CL, Souza-Júnior PRB, Esteves MAP, Damacena GN, Viacava F. Socio-demographic determinants of self-rated health in Brazil. Cad Saude Publica. 2005;21(1, Supl.):54-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2005000700007. PMid:16462997.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2005...
e na PNS de 37,6%1212 Szwarcwald CL, Damacena GN, Borges PR Jr, Almeida WS, Lima LTM, Malta DC et al. Determinantes da autoavaliação de saúde no Brasil e a influência dos comportamentos saudáveis: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde. 2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(2, Supl. 2):33-44. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500060004. PMid:27008601.
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. Considerando a soma das categorias supracitadas para o desfecho autoavaliação ruim da saúde, a prevalência encontrada no presente estudo foi, de forma geral, menor do que a identificada na população geral. No entanto, o percentual de acauteladas que referiu saúde ruim ou muito ruim foi maior do que o encontrado em alguns estudos1010 Sousa JL, Alencar GP, Antunes JLF, Silva ZP. Marcadores de desigualdade na autoavaliação da saúde de adultos no Brasil, segundo o sexo. Cad Saude Publica. 2020;36(5):e00230318. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00230318. PMid:32490914.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00230...
,1212 Szwarcwald CL, Damacena GN, Borges PR Jr, Almeida WS, Lima LTM, Malta DC et al. Determinantes da autoavaliação de saúde no Brasil e a influência dos comportamentos saudáveis: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde. 2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(2, Supl. 2):33-44. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500060004. PMid:27008601.
http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720150...
,2929 Barros MBA, Zanchetta LM, Moura EC, Malta DC. Auto-avaliação da saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saude Publica. 2009;43(Supl. 2):27-37. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102009000900005. PMid:19936496.
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, evidenciando que a forma de categorização do desfecho influencia em sua interpretação final, sendo que mulheres em situação de cárcere podem apresentar pior autoavaliação da saúde do que quando comparadas às mulheres da população geral.
A falta de padronização na utilização e análise do indicador prejudica a comparação entre os estudos. As diferenças entre os achados estão, em parte, relacionadas às diferentes denominações das categorias de respostas à pergunta de autoavaliação da saúde, aos distintos agrupamentos das categorias de reposta, às características da população estudada e à localização da pergunta nos instrumentos utilizados1313 Belmonte JMMM, Pivetta NRS, Batistoni SST, Neri AL, Borim FSA. The association between self-rated health and functional capacity indicators. Geriatr. Gerontol. Aging. 2017;11(2):61-7. http://dx.doi.org/10.5327/Z2447-211520171700021.
http://dx.doi.org/10.5327/Z2447-21152017...
,2929 Barros MBA, Zanchetta LM, Moura EC, Malta DC. Auto-avaliação da saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saude Publica. 2009;43(Supl. 2):27-37. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102009000900005. PMid:19936496.
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.
Em relação às variáveis sociodemográficas, idade, status social subjetivo, nível de escolaridade e de renda, diferentemente dos resultados de estudos nacionais1212 Szwarcwald CL, Damacena GN, Borges PR Jr, Almeida WS, Lima LTM, Malta DC et al. Determinantes da autoavaliação de saúde no Brasil e a influência dos comportamentos saudáveis: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde. 2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(2, Supl. 2):33-44. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500060004. PMid:27008601.
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e internacionais55 Ross J, Field C, Kaye S, Bowman J. Prevalence and correlates of low self-reported physical health status among prisoners in New South Wales, Australia. Int J Prison Health. 2019;15(2):192-206. http://dx.doi.org/10.1108/IJPH-06-2018-0039. PMid:31172857.
http://dx.doi.org/10.1108/IJPH-06-2018-0...
,1616 Friestad C. Socio-economic status and health in a marginalized group: the role of subjective social status among prison inmates. Eur J Public Health. 2010;20(6):653-8. http://dx.doi.org/10.1093/eurpub/ckp242. PMid:20123684.
http://dx.doi.org/10.1093/eurpub/ckp242...
17 Silva VH, Rocha JSB, Caldeira AP. Fatores associados à autopercepção negativa de saúde em mulheres climatéricas. Cien Saude Colet. 2018;23(5):1611-20. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018235.17112016. PMid:29768614.
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182...
18 Shooshtari S, Menec V, Tate R. Comparing Predictors of Positive and Negative Self-Rated Health Between Younger (25-54) and Older (55+) Canadian Adults: A Longitudinal Study of Well-Being. Res Aging. 2007;29(6):512-54. http://dx.doi.org/10.1177/0164027507305729.
http://dx.doi.org/10.1177/01640275073057...
-1919 Operario D, Adler NE, Williams DR. Subjective Social Status: reliability and predictive utility for global health. Psychol Health. 2004;19(2):237-46. http://dx.doi.org/10.1080/08870440310001638098.
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, este estudo não encontrou associações com a autoavaliação ruim da saúde. É possível que isso tenha ocorrido, devido à homogeneidade da amostra para esse grupo de variáveis, bem como ao tamanho reduzido da mesma.
Dentre as variáveis relacionadas ao encarceramento, a pior percepção do estado de saúde foi mais frequente entre aquelas que declararam ter sofrido tratamento inferior por outras detentas, devido à aparência física entre as que acreditam no risco de explosão da unidade prisional, as que foram vítimas de queda durante o cumprimento da pena e entre aquelas que relataram pior perspectiva em relação à sua condição de saúde após o período do encarceramento. Esses achados atestam que a autopercepção da saúde está, dentre outros aspectos, sob influência do ambiente físico e social, corroborando outros estudos55 Ross J, Field C, Kaye S, Bowman J. Prevalence and correlates of low self-reported physical health status among prisoners in New South Wales, Australia. Int J Prison Health. 2019;15(2):192-206. http://dx.doi.org/10.1108/IJPH-06-2018-0039. PMid:31172857.
http://dx.doi.org/10.1108/IJPH-06-2018-0...
,1111 Meireles AL, Xavier CC, Andrade ACS, Friche AAL, Proietti FA, Caiaffa WT. Autoavaliação da saúde em adultos urbanos, percepção do ambiente físico e social e relato de comorbidades: estudo saúde em Beagá. Cad Saude Publica. 2015;31(1):120-35. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00076114. PMid:26648368.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00076...
,1515 Jylhä M. What is self-rated health and why does it predict mortality? Towards a unified conceptual model. Soc Sci Med. 2009;69(3):307-16. http://dx.doi.org/10.1016/j.socscimed.2009.05.013. PMid:19520474.
http://dx.doi.org/10.1016/j.socscimed.20...
,3030 Santos SM, Chor D, Werneck GL, Coutinho ESF. Associação entre fatores contextuais e auto-avaliação de saúde: uma revisão sistemática de estudos multinível. Cad Saude Publica. 2007;23(11):2533-54. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2007001100002. PMid:17952247.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2007...
, evidenciando a influência do encarceramento na percepção de saúde das acauteladas.
Pesquisa realizada nas prisões do estado do Rio de Janeiro mostrou que as mulheres relataram sofrer mais discriminação por parte de outras detentas do que os homens por outros encarcerados2222 Minayo MCS, Constantino P. Deserdados Sociais: condições de vida e saúde dos presos do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. FioCruz; 2015.. Também foi observada maior proporção de quedas entre as mulheres presas, sendo esse percentual de 21,7%, enquanto que, entre os homens, foi de 12,9%2222 Minayo MCS, Constantino P. Deserdados Sociais: condições de vida e saúde dos presos do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. FioCruz; 2015.. Não há na literatura estudos que analisem a associação entre as variáveis supracitadas e a autopercepção de saúde no âmbito das prisões. No entanto, a maior ocorrência de quedas entre mulheres e sua associação com a pior percepção de saúde já foi descrita na população idosa3131 Siqueira FV, Facchini LA, Piccini RX, Tomasi E, Thumé E, Silveira DS et al. Prevalência de quedas em idosos e fatores associados. Rev Saude Publica. 2007;41(5):749-56. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102007000500009. PMid:17923896.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102007...
.
Algumas particularidades encontradas no local onde o estudo foi conduzido podem ter contribuído para a maior ocorrência de algumas observações. As ocorrências de queda podem estar relacionadas ao fato de os alojamentos disporem de “triliches”, como também em decorrência de problemas de convívio com outras detentas, uma vez que as mesmas são alocadas em alojamentos com capacidade para até 30 acauteladas. Já a preocupação quanto ao risco de explosão da unidade prisional pode estar associada às recorrentes quedas de energia, conforme relatado por algumas participantes. O fato é que a associação desses eventos com a autoavaliação do estado de saúde enfatiza a necessidade de se compreender a saúde dessa população sob a ótica de diferentes determinantes.
Nesse sentido, diversos estudos apontam que o encarceramento tem influência direta e indireta nos problemas de saúde física e mental dos indivíduos privados de liberdade22 Audi CAF, Santiago SM, Andrade MGG, Francisco PMS. Inquérito sobre condições de saúde de mulheres encarceradas. Saúde Debate. 2016;40(109):112-24. http://dx.doi.org/10.1590/0103-1104201610909.
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,33 Baranyi G, Scholl C, Fazel S, Patel V, Priebe S, Mundt AP. Severe mental illness and substance use disorders in prisoners in low-income and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis of prevalence studies. Lancet Glob Health. 2019;7(4):e461-71. http://dx.doi.org/10.1016/S2214-109X(18)30539-4. PMid:30879509.
http://dx.doi.org/10.1016/S2214-109X(18)...
,2222 Minayo MCS, Constantino P. Deserdados Sociais: condições de vida e saúde dos presos do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. FioCruz; 2015.,3232 Freudenberg N. Jails, prisons and the health of urban population: a review of the impact of the correctional system on community health. J Urban Health. 2001;78(2):214-35. http://dx.doi.org/10.1093/jurban/78.2.214. PMid:11419576.
http://dx.doi.org/10.1093/jurban/78.2.21...
. Sendo assim, é aceitável que os efeitos deletérios do cárcere influenciem na perspectiva de vida após o período de acautelamento, principalmente no que tange às condições de saúde futuras. Os resultados deste estudo revelaram associação entre pior perspectiva em relação às condições de saúde futuras e a autoavaliação ruim da saúde, no entanto tal relação ainda não foi descrita na literatura.
O relato de morbidades se associou à pior percepção de saúde, ratificando apontamentos da literatura55 Ross J, Field C, Kaye S, Bowman J. Prevalence and correlates of low self-reported physical health status among prisoners in New South Wales, Australia. Int J Prison Health. 2019;15(2):192-206. http://dx.doi.org/10.1108/IJPH-06-2018-0039. PMid:31172857.
http://dx.doi.org/10.1108/IJPH-06-2018-0...
,99 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saude Publica. 2013;29(4):723-34. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013000800010. PMid:23568302.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013...
,1212 Szwarcwald CL, Damacena GN, Borges PR Jr, Almeida WS, Lima LTM, Malta DC et al. Determinantes da autoavaliação de saúde no Brasil e a influência dos comportamentos saudáveis: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde. 2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(2, Supl. 2):33-44. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500060004. PMid:27008601.
http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720150...
,1818 Shooshtari S, Menec V, Tate R. Comparing Predictors of Positive and Negative Self-Rated Health Between Younger (25-54) and Older (55+) Canadian Adults: A Longitudinal Study of Well-Being. Res Aging. 2007;29(6):512-54. http://dx.doi.org/10.1177/0164027507305729.
http://dx.doi.org/10.1177/01640275073057...
,2929 Barros MBA, Zanchetta LM, Moura EC, Malta DC. Auto-avaliação da saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saude Publica. 2009;43(Supl. 2):27-37. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102009000900005. PMid:19936496.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102009...
. Shooshtari et al.1818 Shooshtari S, Menec V, Tate R. Comparing Predictors of Positive and Negative Self-Rated Health Between Younger (25-54) and Older (55+) Canadian Adults: A Longitudinal Study of Well-Being. Res Aging. 2007;29(6):512-54. http://dx.doi.org/10.1177/0164027507305729.
http://dx.doi.org/10.1177/01640275073057...
confirmam que autoavaliação de saúde é dinâmica e multidimensional, contudo, reforça a importância da dimensão física, o que inclui as questões de bem-estar psicológico e saúde mental no processo de autoavaliação do estado de saúde.
Um elevado percentual de mulheres referiu sintomas de ansiedade e depressão, correspondendo a, respectivamente, 75,8% e 65,7% da população estudada. Altas prevalências de transtornos mentais na população carcerária e, especialmente, entre as mulheres, já foram encontradas por outros autores33 Baranyi G, Scholl C, Fazel S, Patel V, Priebe S, Mundt AP. Severe mental illness and substance use disorders in prisoners in low-income and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis of prevalence studies. Lancet Glob Health. 2019;7(4):e461-71. http://dx.doi.org/10.1016/S2214-109X(18)30539-4. PMid:30879509.
http://dx.doi.org/10.1016/S2214-109X(18)...
,3333 Constantino P, Assis SG, Pinto LW. O impacto da prisão na saúde mental dos presos do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet. 2016;21(7):2089-100. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015217.01222016. PMid:27383343.
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152...
,3434 Fazel S, Seewald K. Severe mental illness in 33 588 prisoners worldwide: systematic review and metaregression analysis. Br J Psychiatry. 2012;200(5):364-73. http://dx.doi.org/10.1192/bjp.bp.111.096370. PMid:22550330.
http://dx.doi.org/10.1192/bjp.bp.111.096...
. Pesquisas anteriores encontraram associações entre a saúde mental e o bem-estar psicológico e a autoavaliação da saúde55 Ross J, Field C, Kaye S, Bowman J. Prevalence and correlates of low self-reported physical health status among prisoners in New South Wales, Australia. Int J Prison Health. 2019;15(2):192-206. http://dx.doi.org/10.1108/IJPH-06-2018-0039. PMid:31172857.
http://dx.doi.org/10.1108/IJPH-06-2018-0...
,3535 Benyamini Y, Leventhal EA, Leventhal H. Gender differences in processing information in making self-assessments of health. Psychosom Med. 2000;62(3):354-64. http://dx.doi.org/10.1097/00006842-200005000-00009. PMid:10845349.
http://dx.doi.org/10.1097/00006842-20000...
,3636 Idler EL, Hudson SV, Leventhal H. The meanings of self-ratings of health: a qualitative and quantitative approach. Res Aging. 1999;21(3):458-76. http://dx.doi.org/10.1177/0164027599213006.
http://dx.doi.org/10.1177/01640275992130...
, e nossos resultados confirmam a importância do sofrimento psíquico em relação a este desfecho.
Os resultados encontrados indicam que, além da dimensão biológica da doença, o contexto em que o indivíduo está inserido é um fator preponderante para o processo de adoecimento. Além disso, há de se considerar que as iniquidades em saúde observadas nessa população, sobretudo na perspectiva de gênero, são decorrentes, não somente das condições impostas pelo encarceramento, mas também devido à vulnerabilidade prévia que o grupo apresenta e que tende a se exacerbar com o encarceramento. Assim, nota-se uma cascata de eventos que culminam, não só na intensificação das desigualdades sociais, mas também em piores condições de saúde. Esse contexto nos convoca a refletir sobre a importância do debate em torno do modelo de determinação social do processo saúde adoecimento e a compreensão de que os níveis de organização da sociedade expressam os níveis de saúde da população.
As taxas de prevalência de tuberculose nessa população, muito superiores às encontradas na população geral, retratam as iniquidades em saúde presentes em nossa sociedade. As condições precárias dos presídios brasileiros, marcadas pela superlotação, ventilação deficiente, acesso limitado ao serviço de saúde, desnutrição, uso de álcool e outras drogas3737 Valenca MS, Possuelo LG, Cezar-Vaz MR, Silva PEA. Tuberculose em presídios brasileiros: uma revisão integrativa da literatura. Cien Saude Colet. 2016;21(7):2147-60. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015217.16172015. PMid:27383348.
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152...
, favorece a disseminação dos patógenos e o comprometimento da saúde das pessoas privadas de liberdade. As iniquidades em saúde que envolvem a população carcerária justificam que a necessidade de atenção e cuidado não são iguais para todos os segmentos da população, confirmando a importância de se garantir mais direitos aos que têm maiores necessidades3838 Magalhães R. Desigualdades sociais e equidade em saúde. In: Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz, Núcleo de Estudos em Direitos Humanos e Saúde, organizador. Saúde e direitos humanos. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. p. 61-8..
Para a autora, o tema da equidade em saúde é indissociável das questões de justiça social, o que implica, inclusive, um olhar diferenciado sobre a população carcerária feminina, haja vista a vulnerabilidade prévia do grupo, apoiada na convergência dos marcadores de raça, gênero e classe para aplicação da punibilidade, e o fato de que as unidades prisionais destinadas ao público feminino são, em sua maior parte, adequações de estabelecimentos originalmente masculinos, cuja infraestrutura não é apropriada para atender às especificidades da mulher3939 Silva MVM, organizador. Relatório temático sobre mulheres privadas de liberdade – junho de 2017. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional; 2019.. Não obstante, as mulheres encarceradas são, de fato, mais acometidas por agravos à saúde do que as mulheres da população geral4040 Almeida PRC, Soares RSC, Coura AS, Cavalcanti AL, Dutra MOM, Lima TMA. Condição de saúde de mulheres privadas de liberdade: uma revisão integrativa. Rev Bras Ciênc Saúde. 2015;19(1):73-80. http://dx.doi.org/10.4034/RBCS.2015.19.01.12.
http://dx.doi.org/10.4034/RBCS.2015.19.0...
.
Meireles e colaboradores (2015)1111 Meireles AL, Xavier CC, Andrade ACS, Friche AAL, Proietti FA, Caiaffa WT. Autoavaliação da saúde em adultos urbanos, percepção do ambiente físico e social e relato de comorbidades: estudo saúde em Beagá. Cad Saude Publica. 2015;31(1):120-35. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00076114. PMid:26648368.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00076...
reforçam a necessidade de inclusão de variáveis do ambiente físico e social dos indivíduos para análise da autoavaliação da saúde. Assim, o uso do indicador no contexto carcerário parece ser um componente de análise importante, mas que requer, para fins de comparação, padronização. Sugerimos a realização de outros estudos epidemiológicos que contemplem uma amostra representativa desta população e que aprofundem as análises aqui propostas, haja vista que se constituem em um importante elemento de investigação para os desfechos de saúde.
Diante do crescimento exponencial da população carcerária feminina, emerge a necessidade de compreensão da dinâmica de saúde desse grupo, cujo perfil confirma o processo de vulnerabilização pelo qual vem sendo expostas ao longo dos anos e que tendem a se intensificar com o encarceramento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA
A autoavaliação ruim da saúde foi relatada por aproximadamente um terço das mulheres e está associada a variáveis relacionadas às condições de saúde – morbidade referida e sintomas de ansiedade, e do encarceramento – pior perspectiva em relação às condições de saúde pós-encarceramento. Esses resultados confirmam que a autopercepção da saúde está sob influência de diferentes aspectos, reforçando que a saúde das mulheres encarceradas deve ser compreendida sob a ótica do conceito ampliado de saúde.
Os resultados deste estudo devem ser interpretados dentro do contexto de suas limitações. Entre elas está o desenho metodológico, que não permite que se façam inferências de causa e efeito sobre as associações encontradas. A população estudada apresenta peculiaridades, como receio de retaliações por funcionários e/ou outras detentas, insegurança emocional e medo de interferências negativas no cumprimento da pena, que podem interferir em resultados mais fidedignos. Assim, é necessário considerar a possibilidade de respostas que não correspondem à realidade, mesmo diante do rigor metodológico adotado. Além disso, a coleta de dados foi interrompida em decorrência da pandemia de COVID-19, reduzindo o tamanho da amostra. Cabe ressaltar ainda que o local de condução do estudo foi inaugurado a menos de dois anos e conta com uma melhor infraestrutura e condições assistenciais, quando comparado ao local onde as acauteladas cumpriam a pena anteriormente, o que pode ter influenciado positivamente as respostas sobre alguns dados pesquisados.
Ainda assim, destaca-se a importância deste trabalho, cujos resultados apresentados trazem, sob a ótica do conceito ampliado de saúde, informações relevantes sobre a saúde das mulheres em privação de liberdade, possibilitando também a identificação dos fatores associados à autoavaliação ruim da saúde nessa parcela negligenciada da população. A atenção à saúde da mulher privada de liberdade se apresenta como um grande desafio para a saúde pública na atualidade, tornando necessária a compreensão das questões que permeiam a realidade do grupo.
Este estudo tem potencial para contribuir na minimização dos impactos sociais e à saúde física e mental que afligem o público em questão, subsidiando estratégias para o enfrentamento às iniquidades em saúde.
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a
Artigo extraído da dissertação de mestrado Autoavaliação do estado de saúde em mulheres privadas de liberdade em Juiz de Fora – MG, de autoria de Lidiane Castro Duarte de Aquino, com orientação de, Danielle Teles da Cruz. Universidade Federal de Juiz de Fora. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Ano de defesa: 2020
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3Baranyi G, Scholl C, Fazel S, Patel V, Priebe S, Mundt AP. Severe mental illness and substance use disorders in prisoners in low-income and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis of prevalence studies. Lancet Glob Health. 2019;7(4):e461-71. http://dx.doi.org/10.1016/S2214-109X(18)30539-4 PMid:30879509.
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EDITOR CIENTÍFICO
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Dez 2021 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
15 Jul 2021 -
Aceito
18 Out 2021