RESUMO
Objetivo
Analisar o conhecimento sobre a utilização do paradigma da complexidade em pesquisas no campo da saúde.
Método
Revisão de escopo com artigos publicados nos últimos 10 anos, em inglês, espanhol ou português, com o uso do paradigma da complexidade do autor Edgar Morin.
Resultados
Retornaram 302 publicações, das quais 54 permaneceram após as etapas de seleção. A maioria dos estudos foram: realizados no Brasil; com publicações no ano de 2017; com produção uniprofissional; artigos empíricos e qualitativos. Em 47,05% dos estudos não se realizou a triangulação das técnicas de coleta de dados; foram referenciadas 20 obras do autor e 83,33% utilizaram o paradigma da complexidade como referencial teórico.
Conclusão
Observou-se uma tímida utilização do paradigma da complexidade nas pesquisas no campo da saúde e destaca-se a necessidade de maior apropriação conceitual no seu uso enquanto um referencial teórico nas pesquisas.
Palavras-chave:
Saúde; Pesquisa; Conhecimento; Pós-modernismo; Filosofia
RESUMEN
Objetivo
Analizar el conocimiento sobre el uso del paradigma de la complejidad en la investigación en salud.
Métodos
Revisión de alcances con artículos publicados en los últimos 10 años en inglés, español o portugués, utilizando el paradigma de complejidad de Edgar Morin.
Resultados
De un total de 302 publicaciones, se tomaron 54, transcurridas las etapas de selección. La mayor parte de los estudios se realizaron en Brasil; con publicaciones de 2017; con producciones inherentes a una actividad profesional; artículos empíricos y cualitativos. En el 47.05% de los artículos, no se realizó la triangulación de las técnicas de recolección de datos; se hizo referencia a 20 obras del autor y el 83.33% utilizó el paradigma de la complejidad como marco teórico.
Conclusión
Se advierte un uso tímido del paradigma de la complejidad en la investigación en salud y se destaca la necesidad de una mayor apropiación conceptual en su uso como marco teórico en la investigación.
Palabras clave:
Salud; Investigación; Conocimiento; Posmodernismo; Filosofía
ABSTRACT
Objective
To analyze the knowledge about the use of the complexity paradigm in health research.
Methods
Scope review with articles published in the last 10 years in English, Spanish, or Portuguese using the Edgar Morin paradigm of complexity.
Results
Returned 302 publications, of which 54 remained after the selection stages. Most of the studies were conducted in Brazil; with publications in 2017; with professional production only; empirical articles, and all qualitative. In 47.05% of the articles did not perform the triangulation of data collection techniques; referring to 20 works by the author and 83.33% used the complexity paradigm as a theoretical framework.
Conclusion
There is a light use of the complexity paradigm in health research and a need for conceptual appropriation in its use as a theoretical framework in research.
Keywords:
Health; Research; Knowledge; Postmodernism; Philosophy
INTRODUÇÃO
Ao longo da existência humana, diferentes formas de pensar acompanharam o ser humano na busca para desvendar os mistérios que assolam o mundo e o universo, assim como sempre houve a intenção de alcançar o conhecimento mais próximo da realidade, impulsionando, dessa forma, o desenvolvimento da ciência. Neste processo, no campo da saúde, durante muito tempo, a ciência desenvolveu-se sob uma ótica cartesiana11 Tesser CD, Poli No P. Atenção especializada ambulatorial no Sistema Único de Saúde: para superar um vazio. Cien Saude Colet. 2017;22(3):941-51. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017223.18842016.
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e sem considerar, na maioria das vezes, a multicausalidade que se afixa nessa área.
Na atualidade, compreende-se que a saúde é determinada por aspectos sociais, econômicos, culturais, ambientais, comportamentais e biológicos; assim, há que se considerar não apenas a ausência de doenças, mas um estado cujos condicionantes e determinantes sociais podem interferir positivamente ou negativamente na saúde das populações.22 Organização Mundial de Saúde. Conferência mundial sobre determinantes sociais da saúde: diminuindo diferenças: a prática das políticas sobre determinantes sociais da saúde. Rio de Janeiro: Organização Mundial de Saúde; 2011. Dessa forma, entende-se a saúde como um fenômeno complexo, que necessita de diversas perspectivas para sua compreensão, com novas formas de refletir os processos em saúde, a fim de promover a mudança de uma perspectiva hegemônica e centralizadora para o diálogo entre as inúmeras conexões que envolvem a saúde das coletividades e todos os atores sociais participantes.33 Thompson DS, Fazio X, Kustra E, Patrick L, Stanley D. Scoping review of complexity theory in health services research. BMC Health Serv Res. 2016;16(87):1-16. http://dx.doi.org/10.1186/s12913-016-1343-4. PMid:26968157.
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Essas novas formas de pensar conduziram práticas e modelos e levaram ao surgimento de novos paradigmas.
Diferente da teoria que trata de um conjunto de regras específicas à determinada área, a palavra “paradigma” significa “mostrar”, “apresentar” ou até mesmo “confrontar” e é conceito das ciências e da epistemologia que define um exemplo típico ou modelo de algo.44 Kuhn TS. The structure of scientific revolutions. In: Neurath O, International Encyclopedia of Unified Science. Chicago: The University of Chicago; 1962. É nessa perspectiva, ampliada de contemplar fenômenos multidimensionais, que nasceu o paradigma da complexidade (PC), discutido por diferentes autores, entre eles, Edgar Morin, e foco de atenção no presente estudo. O autor faz uma divisão entre dois paradigmas, o simplificador e o complexo. O paradigma simplificador (PS), sem dúvida, permitiu os maiores progressos ao conhecimento científico e marcou o desenvolvimento da ciência, contribuindo para avanços importantes, inclusive no campo da saúde. No entanto, o PS também produziu uma visão simplificada e isolada do universo e começou a mostrar algumas deficiências no final do século XX.55 Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina; 2015.
O PS controlou - e ainda controla - a ciência, segundo alguns princípios, como a disjunção, a redução e a fragmentação, tornando-se limitado, pois separou as distintas áreas de conhecimento, excluiu a aleatoriedade e concebeu um universo estrito e determinista ao eliminar o observador do conjunto.66 Morin E. O Paradigma Perdido: a natureza humana. 6. ed. Lisboa: Publicações Europa-América; 2000. O PC, por sua vez, rompe a separação entre ciência e senso comum, pois entende que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo, e que o todo depende das partes para reconhecer os fenômenos multidimensionais que permeiam a teia de relações entre indivíduo/sociedade/ambiente.55 Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina; 2015.
A palavra “complexidade” deriva-se de complexus, que significa ligação ou tecidura, denotando as inúmeras interações e retroações sobre a vida de um modo geral.77 Morin E. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2002. O PC desenvolve e permite um diálogo entre as dimensões físicas, biológicas, espirituais, culturais, sociológicas, e históricas daquilo que é humano.88 Morin E. Ciência com consciência. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2014. Morin estabeleceu sete princípios norteadores do PC, sendo eles: o princípio sistêmico, hologramático, retroativo, recursivo, auto-eco-organizativo, dialógico e a reintrodução do conhecimento em todo conhecimento.99 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 22. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2015. Vale salientar que o autor discute e articula a importância do trabalho de diversas áreas de conhecimento e atuação por meio da transdisciplinaridade, bem como o cuidado ecológico e planetário com o mundo, além da importância dada aos processos de ordem/desordem/organização, fazendo intersecções na complexidade.88 Morin E. Ciência com consciência. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2014.
No meio científico, a utilização de referenciais teóricos se torna cada vez mais indispensável para embasar pesquisas na área da saúde, pois auxilia no desenvolvimento de conhecimento generalizável e robusto.33 Thompson DS, Fazio X, Kustra E, Patrick L, Stanley D. Scoping review of complexity theory in health services research. BMC Health Serv Res. 2016;16(87):1-16. http://dx.doi.org/10.1186/s12913-016-1343-4. PMid:26968157.
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Neste sentido, compreende-se a importância de discutir a saúde situando o sujeito e objeto no universo,66 Morin E. O Paradigma Perdido: a natureza humana. 6. ed. Lisboa: Publicações Europa-América; 2000. valorizando suas interrelações e entendendo que a saúde é um processo multidimensional, que necessita de um olhar complexo para sua compreensão. Por isso, o PC pode ser um referencial importante para compreensão do conceito ampliado de saúde e dos princípios do Sistema Único de Saúde. Desta forma, o objetivo desta revisão é analisar o estado atual do conhecimento sobre a utilização do paradigma da complexidade, segundo Edgar Morin, em pesquisas no campo da saúde publicadas no período compreendido entre janeiro de 2009 e dezembro de 2018.
MÉTODO
O estudo de revisão de escopo (scoping study ou scoping review), que é uma forma de síntese de conhecimento, aborda uma questão de pesquisa exploratória e objetiva mapear conceitos-chave, tipos de evidências e lacunas na pesquisa relacionada a um campo emergente, bem como esclarecer as definições de trabalho e/ou os limites conceituais de um tópico.1010 Arksey H, O’malley L. Scoping studies: towards a methodological framework. Int J Soc Res Methodol. 2005;8(1):19-32. http://dx.doi.org/10.1080/1364557032000119616.
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11 Levac D, Colquhoun H, O’brien KK. Scoping studies: advancing the methodology. Implement Sci. 2010;5(69):1-9. PMid:20854677.-1212 Tricco AC, Lillie E, Zarin W, O’Brien KK, Colquhoun H, Levac D et al. PRISMA extension for scoping reviews (PRISMA-ScR): checklist and explanation. Ann Intern Med. 2018;169(7):467-73. http://dx.doi.org/10.7326/M18-0850. PMid:30178033.
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Adotou-se a metodologia proposta pelo Joanna Briggs Institute,1313 Peters MDJ, Godfrey CM, McInerney P, Soares CB, Khalil H, Parker D. The Joanna Briggs Institute reviewers' manual 2015: methodology for JBI scoping reviews [Internet]. Adelaide: JBI; 2015 [citado 2019 maio 20]. Disponível em: http://joannabriggs.org/assets/docs/sumari/Reviewers-Manual_Methodology-for-JBI-Scoping-Reviews_2015_v2.pdf
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descrita em cinco fases: Identificação da questão de pesquisa; Identificação de estudos relevantes; Seleção dos estudos; Mapeamento dos dados; e Agrupamento, síntese e relato dos resultados. Identificaram-se, como questões norteadoras: Quais as características das publicações científicas que utilizaram o PC no campo da saúde? De que forma os pesquisadores abordaram o PC nas pesquisas?
Foram elegíveis para inclusão estudos publicados entre janeiro de 2009 e dezembro de 2018, estudos empíricos e teóricos publicados em Inglês, Espanhol ou Português e que utilizaram o PC na perspectiva do autor Edgar Morin. Excluíram-se: estudos que não abordassem conteúdo relevante para o alcance do objetivo; estudos repetidos; cartas ao editor, editoriais, estudos em fase de projeto, resumos publicados em anais e textos que não estavam disponíveis na íntegra para acesso durante a realização da pesquisa. A revisão de escopo não prevê a exclusão de estudos segundo critérios de qualidade metodológica.1313 Peters MDJ, Godfrey CM, McInerney P, Soares CB, Khalil H, Parker D. The Joanna Briggs Institute reviewers' manual 2015: methodology for JBI scoping reviews [Internet]. Adelaide: JBI; 2015 [citado 2019 maio 20]. Disponível em: http://joannabriggs.org/assets/docs/sumari/Reviewers-Manual_Methodology-for-JBI-Scoping-Reviews_2015_v2.pdf
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A busca da produção científica foi realizada em periódicos indexados nas bases de dados BIREME (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde), MEDLINE/PubMed (US National Library of Medicine), Web of Science, SCOPUS/Elsevier e CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature). A busca eletrônica realizou-se em março de 2019, de acordo com as palavras-chave: Health; Paradigm of complexity; Complex thought; Complex thinking; Theory of complexity e Edgar Morin. Optou-se pelo uso dessas palavras-chave, pois os termos referentes ao paradigma da complexidade ainda não são descritores controlados do DeCS/ MeSH. Utilizou-se o operador booleano (AND) e, de acordo com cada base de dados, também foram utilizados os sinais de parênteses (), asterisco * ou aspas “” para auxiliar na busca. Utilizaram-se os seguintes cruzamentos: (1) paradigm of complexity AND health, (2) complex thougth AND health, (3) complex thinking AND health, (4) theory of complexity AND health e (5) Edgar Morin AND health.
A seleção dos artigos científicos foi realizada em quatro etapas: a) busca formada pela combinação das palavras-chave contidas no título, resumo e descritores ou palavras-chave dos artigos recuperados; b) lista de referências dos artigos selecionados e considerados relevantes no contexto estudado que foram pesquisados como estudos adicionais, acessados pelo Portal de Periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior); c) excluíram-se os artigos duplicados e que não fossem pertinentes ao objetivo do estudo; d) os artigos pré-selecionados foram lidos na íntegra, identificando-se, com mais precisão, a sua relevância para a pesquisa, o que resultou no número final de textos incluídos na revisão.
Realizou-se a extração de dados com preenchimento do instrumento de coleta de dados e posterior digitação em um banco de dados, no software Excel, versão 2016, do pacote Office da Microsoft. Foram identificados e extraídos os dados referentes à profissão dos autores, ano de publicação, país de origem, país do periódico, tipo de produção (uni ou multiprofissional), tipo de estudo, amostra/população, temas principais do estudo (área da saúde), resultado, discussão e considerações do estudo. Os achados quantitativos foram agrupados por meio de estatística descritiva, e os dados narrativos foram organizados com auxílio do software Atlas.ti versão 7.0 e codificados com base no PC. A redação do artigo foi guiada pelo checklist PRISMA-ScR para revisões de escopo.1212 Tricco AC, Lillie E, Zarin W, O’Brien KK, Colquhoun H, Levac D et al. PRISMA extension for scoping reviews (PRISMA-ScR): checklist and explanation. Ann Intern Med. 2018;169(7):467-73. http://dx.doi.org/10.7326/M18-0850. PMid:30178033.
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RESULTADOS
A busca nas bases de dados resultou em 280 ocorrências e foram incluídos, a partir da análise das referências, mais 22 textos, totalizando 302 estudos. Entre estes, encontraram-se 112 duplicações. Após a leitura dos títulos, resumos e descritores dos 190 estudos, 119 foram excluídos, resultando em 71 textos submetidos à leitura integral, cuja análise resultou em 54 estudos, que compõem a revisão de escopo. A exclusão dos estudos foi guiada pelos critérios de exclusão. A Figura 1 especifica os resultados de cada etapa da análise, seguindo o modelo PRISMA.1414 Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement. J Clin Epidemiol. 2009;62(10):1006-12. PMid:19631508.
Dos 54 estudos incluídos na revisão de escopo, 92,59% (50) foram realizados no Brasil, 3,70% (02) na Venezuela, 1,85% (01) na Argentina e 1,85% (01) na Colômbia. Segundo o país de origem do periódico, 87,03% (47) são periódicos brasileiros, 3,70% (02) venezuelanos, 3,70% (02) colombianos, 1,85% (01) americano, 1,85% (01) cubano e 1,85% (01) mexicano. Em relação ao idioma dos estudos, 85,18% (46) estão publicados em português, 7,40% (4) em espanhol e 7,40% (4) em inglês. Quanto ao ano de publicação, a distribuição em um intervalo de 10 anos apresentou a seguinte frequência: 2009 - 03, 2010 - 06, 2011 - 03, 2012 - 06, 2013 - nenhuma, 2014 - 02, 2015 - 05, 2016 - 10, 2017 - 12 e 2018 – 07 estudos.
O autor valoriza a atuação conjunta de diferentes áreas profissionais para compreender problemas complexos, assim, analisou-se a profissão dos autores dos estudos para identificar autores de uma única profissão (produção uniprofissional) ou de duas ou mais profissões (produção multiprofissional). A forma de produção uniprofissional foi a mais frequente, com 70,62% (43), e a multiprofissional, com 20,37% (11). Em relação ao primeiro autor citado nos estudos, a categoria profissional que mais publicou foi a de enfermagem, com 77,77% (42) do total de artigos, seguida pela categoria de psicologia, com 7,40% (04), a de medicina, com 5,55% (03) e de nutrição, com 3,70% (02); as categorias de biomedicina, farmácia e odontologia tiveram, cada uma, um artigo como primeiro autor. A Tabela 1 descreve a distribuição das publicações quanto ao tipo de estudo, método, técnica de coleta e técnica de análise.
- Distribuição das publicações quanto ao tipo de estudo, método, técnica de coleta e técnica de análise - Recife, PE, Brasil, 2019.
O autor salienta a importância de visualizar o objeto sob olhares e formas diferentes. Assim sendo, é pertinente um levantamento quanto à triangulação de técnicas de coleta de dados utilizadas nos 34 estudos empíricos e qualitativos, dos quais 47,05% (16) não realizaram a triangulação - uma única técnica de coleta, já 32,35% (11), utilizaram duas técnicas de coleta e 20,58% (07) três técnicas de coleta de dados. Os tamanhos das amostras/populações dos estudos empíricos variaram de 05 a 66, com média de 24,41 participantes. A investigação dos temas mais frequentes dos artigos foi realizada com base nos descritores citados nos artigos, o que resultou na divisão em 19 áreas temáticas. A Tabela 2 apresenta a relação de aparição de cada área temática.
- Frequência e percentual da aparição das áreas temáticas principais dos estudos de acordo com os descritores citados - Recife, PE, Brasil, 2019.
Realizou-se a avaliação das obras do autor sobre o PC, referenciadas nos estudos, o que totalizou 20 obras, das quais 14 foram de autoria individual e seis em parceria com outros autores, evidenciadas na Tabela 3.
- Frequência e percentual das obras de Edgar Morin sobre a complexidade referenciadas nos estudos - Recife, PE, Brasil, 2019.
Quanto à utilização do PC nos estudos, 83,33% (45) o utilizaram como referencial teórico, reportando seus conceitos, características e princípios; 9,25% (05) citaram o PC em apenas um ou dois parágrafos nas discussões dos estudos; 3,70% (02) abordaram exclusivamente o PS, sem citar o PC; 1,85% (01) citou somente o conceito de transdisciplinaridade; e 1,85% (01) citou somente o conceito de cuidado ecológico. No processo da pesquisa, extraíram-se dos textos os conceitos, características e princípios do paradigma PS e do PC, por meio de uma análise com base no referencial da complexidade, apresentados na Tabela 4.
- Distribuição dos conceitos, características, princípios e articulações do paradigma simplificador e paradigma da complexidade codificados nos estudos - Recife, PE, Brasil, 2019.
DISCUSSÃO
Os resultados apontam diferentes aspectos cuja análise contribui para a compreensão de como o referencial proposto por Edgar Morin é utilizado no campo da saúde. O Brasil se constitui como o país com maior frequência de publicação do referencial. Acredita-se que o PC encontrou, na América Latina, um solo fértil, por se tratar de uma abordagem que faz um convite a criticar e reconectar o pensamento e a ação. A complexidade contempla a possibilidade de construção conjunta de elementos previamente distintos ou diferentes, para uma compreensão global dos fenômenos,55 Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina; 2015. aplicando-se ao entendimento da saúde como um fenômeno complexo em sua esfera individual, social e estrutural,1515 Arruda C, Lopes SGR, Koerich MHAL, Winck DR, Meirelles BHS, Mello ALSF. Redes de atenção à saúde sob a luz da teoria da complexidade. Esc Anna Nery [Internet]. 2015 mar; [citado 2019 julho 23];63:93-127. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452015000100169&lng=en
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,1616 Copelli FHDS, Oliveira RJTD, Oliveira CMSD, Meirelles BHS, Melo ALSFD, Magalhães ALP. O pensamento complexo e suas repercussões na gestão em enfermagem e saúde. Aquichan. 2016 Oct;16(4):501-12. http://dx.doi.org/10.5294/aqui.2016.16.4.8.
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fator esse que pode facilitar sua utilização em pesquisas realizadas em vários países. As pesquisas envolvendo o PC tornaram-se uma categoria com grande presença em diversas disciplinas na América Latina.1717 Gallegos M. Una cartografía de las ideas de la complejidad en América Latina: la difusión de Edgar Morin. Latinoamérica. 2016;63:93-128. http://dx.doi.org/10.1016/j.larev.2016.11.006.
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Na formação dos autores dos estudos, a produção uniprofissional prevaleceu e, neste sentido, é importante refletir que esta conformação caminha na contramão do PC, que valoriza a atuação entre diferentes categorias, quebrando a lógica da hiperespecialização e da centralização do conhecimento em disciplinas, com vistas a possibilitar a transdisciplinaridade.99 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 22. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2015. Frente à categoria profissional mais frequente como primeiro autor, destaca-se a Enfermagem e infere-se que isso ocorra devido ao fato de a Enfermagem, em suas Diretrizes Curriculares Nacionais, evidenciar a importância de o profissional ter um perfil apto para trabalhar em equipe multiprofissional, voltada ao Sistema Único de Saúde e que compreenda a determinação social do processo saúde-doença e, principalmente, o conceito ampliado de saúde.1818 Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001 (BR). Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União [periódico na internet], Brasília (DF), 9 nov 2001: 3915-24 [citado 12 junho 2019]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf
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Quanto ao método dos estudos, destacam-se os teóricos que dialogam com o referencial da complexidade, ao reconectar os saberes teóricos e empíricos, sem detrimento das partes.55 Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina; 2015. Os estudos teóricos na saúde podem subsidiar futuras reflexões, realização de estudos empíricos e em diferentes práticas em saúde. Os estudos empíricos utilizaram o método qualitativo e observou-se que, embora se tenha a utilização de diferentes técnicas, em 47% dos estudos, não foi adotada a triangulação das técnicas de coleta de dados. A importância desse dado reflete-se no fato de que, no PC, teoria e método são dois componentes indispensáveis. O método caracteriza-se pela atividade pensante e consciente do sujeito (pesquisador), implicado na necessidade de olhar para o objeto de forma articulada, evitando a simplificação dos dados.88 Morin E. Ciência com consciência. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2014. Assim, o método em pesquisas com o referencial teórico do PC necessita estar em perfeita consonância com esse referencial, de forma a contemplar a diversidade do objeto de estudo. Essa contextualização se reflete no uso da triangulação de várias técnicas, com a finalidade de dar mais confiabilidade aos resultados, com vistas a contemplar a multidimensionalidade dos dados.1919 Rangel CN, Nunn R, Dysarz F, Silva E, Fonseca AB. Taching and learning about food and nutrition through science education in Brazilian schools: an intersection of knowledge. Cien Saude Colet. 2014 Sep;19(9):3915-24. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014199.12552013.
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20 Salci MA, Meirelles BHS, Silva DMGV. Primary care for diabetes mellitus patients from the perspective of the care model for chronic conditions. Rev Lat Am Enfermagem. 2017;25:e2882. http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1474.2882. PMid:28301037.
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-2121 Carlos DM, Silva LMP, Beserra MA, Aragão AS, Gregory A, Ferriani MDGC. Social support network of family members of abused children and adolescents: perspectives and possibilities. J Clin Nurs. 2019 mar;28(5-6):814-27. PMid:30184282.
A utilização do referencial teórico do PC deu-se em várias áreas da saúde, dado este que corrobora com a concepção da multidimensionalidade dos temas. O PC se propõe a reunir, contextualizar, globalizar e, ao mesmo tempo, reconhecer o singular, o individual e o concreto. Não se reduz a uma única área, mas permite a comunicação, com sua utilidade para além da compreensão dos problemas organizacionais, sociais e políticos, e também o esclarecimento da multidimensionalidade do ser humano e do mundo.2222 Morin E, Le Moigne JL. A inteligência da complexidade. São Paulo: Petrópolis; 2000. Em relação às obras do autor, evidenciou-se que a maioria dos estudos citou, de forma expressiva, quatro obras, sendo elas: “A cabeça bem-feita: repensar a reforma, repensar o pensamento”, “Ciência com consciência”, “Introdução ao pensamento complexo” e “Os setes saberes necessários à educação do futuro”. O autor possui uma vasta bibliografia sobre a complexidade, e tal dado exprime a importância de aprofundamento em suas obras para compreender o PC, visto que isso corrobora a qualidade da produção.33 Thompson DS, Fazio X, Kustra E, Patrick L, Stanley D. Scoping review of complexity theory in health services research. BMC Health Serv Res. 2016;16(87):1-16. http://dx.doi.org/10.1186/s12913-016-1343-4. PMid:26968157.
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,2323 Galvão TF, Silva MT, Garcia LP. Ferramentas para melhorar a qualidade e a transparência dos relatos de pesquisa em saúde: guias de redação científica. Epidemiol Serv Saude. 2016 jun;25(2):427-36. PMid:27869961.
A maioria dos estudos utilizou o PC como referencial teórico, reportando seus conceitos, características e princípios. No entanto, é imprescindível enfatizar a necessidade da utilização apropriada e aprofundada do PC pelos pesquisadores, conectando a teoria à metodologia, à epistemologia e até mesmo à ontologia.55 Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina; 2015. Assim, o referencial teórico permite o conhecimento, mas não pode ser considerado a solução absoluta.88 Morin E. Ciência com consciência. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2014.
Os estudos 1, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 13, 14, 19, 23, 30, 37, 49 e 50 que trouxeram os conceitos sobre o PS trataram-no de forma negativa, sem mostrar os avanços científicos no campo da saúde ao longo do desenvolvimento da ciência, evidenciando-o como um paradigma limitado quanto aos problemas que envolvem a saúde. É importante lembrar que não se podem negar os avanços, em diversas áreas, promovidos sob o PS. No entanto, à medida que surgiram brechas no interior de cada paradigma isolado, possibilitaram-se aberturas para outros domínios, até então interditos, e através do quais se operaram as primeiras conexões para novas emergências teóricas.66 Morin E. O Paradigma Perdido: a natureza humana. 6. ed. Lisboa: Publicações Europa-América; 2000. Assim, deve-se considerar que todas as formas de pensar têm seu valor, e que o PS também é necessário, mas deve ser relativizado, ou seja, pode-se aceitar a redução consciente que ele produz dos fenômenos sem, no entanto, acreditar que esta redução é a verdade simples e absoluta.55 Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina; 2015. O que o autor alerta quanto ao PS refere-se à validade absoluta que ele mesmo defende no que diz respeito à simplificação dos processos, os quais, na realidade, são complexos e inseridos em um contexto amplo de ligações e religações, que não é controlado.77 Morin E. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2002.
Ainda sobre o PS, grande parte dos estudos citou algum tipo de característica do PS (1, 2, 3, 4, 6, 7, 9, 11, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 28, 30, 32, 33, 34, 36, 37, 38, 40, 41, 47, 48, 49, 50, 51 e 52), como biologicista, centralizador, desarticulado dos saberes, hiperespecializado, fragmentador, mecanicista, mutilador, reducionista e tecnicista. Segundo o autor, em foco comandado pela disjunção, redução e fragmentação, o PS não escapa à alternativa mutilante de tentar explicar os fenômenos de forma simplista, desconsiderando toda a aleatoriedade que interfere no objeto, bem como distanciando-o do observador/sujeito.88 Morin E. Ciência com consciência. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2014. O equívoco do PS é optar por conceber os objetos simples, que obedecem às leis gerais, considerando qualquer objeto como uma máquina determinista, assim, escolhe o que é passível de controle e rejeita o incontrolável, ou seja, a própria humanidade e a existência. Dessa forma, considera como erro ou não científico tudo aquilo que não se encaixa no seu sistema simplificador.2222 Morin E, Le Moigne JL. A inteligência da complexidade. São Paulo: Petrópolis; 2000.
Os estudos que trouxeram os conceitos sobre o PC (estudos 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 24, 26, 27, 28, 30, 31, 35, 36, 39, 41, 42, 47, 48, 49, 51, 52 e 53), descreveram-no como um modo associativo de compreender o mundo e as relações em saúde, as quais se estabelecem nele e através dele, contemplando a união de diferentes áreas de atuação profissional, saberes e dimensões e sua interdependência. Estes conceitos refletem o pensamento do autor sobre o PC, que considera que toda rede é formada de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados. Logo, possibilita respeitar as diferenças, distinguir e unir, bem como reconhecer os fenômenos de forma multidimensional.55 Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina; 2015. A complexidade parte do princípio de que não existem fenômenos simples, pois o fenômeno é um tecido de relações.2222 Morin E, Le Moigne JL. A inteligência da complexidade. São Paulo: Petrópolis; 2000.
Ainda foi abordado pelos estudos que, para contemplar a complexidade, há necessidade de uma mudança de pensamento, para que, dessa forma, se possa alcançar a mudança real de paradigma e de condutas. No entanto, a problemática da complexidade ainda é marginal no pensamento científico, epistemológico e filosófico.88 Morin E. Ciência com consciência. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2014. Assim, destaca-se a exigência da reforma do pensamento para que haja uma abordagem do contexto e do complexo, que liga e enfrenta as incertezas, substituindo a causalidade linear e unidirecional por uma causalidade em círculo e multirreferencial, a rigidez da lógica clássica pelo diálogo, capaz de conceber noções ao mesmo tempo complementares e antagonistas.99 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 22. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2015. No campo da saúde, principalmente, há uma necessidade urgente de mudança na forma de pensar e produzir saúde para conceber todos os fatores humanos, sociais e ambientais envolvidos no processo de saúde-doença.
Foram identificadas algumas características, tais como: a articulação de saberes e áreas, integralidade, intersetorialidade, multidimensionalidade e contexto (estudos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 13, 17, 18, 19, 10, 21, 22, 23, 24, 26, 28, 31, 36, 37, 40, 42, 43, 44, 46, 47, 48, 49, 51, 52 e 54). Diferente do que se pensa, o PC não é o contrário do PS. Ele opera a união da simplicidade e da complexidade das diferentes áreas de saber, não elimina a incerteza, mas liga as partes à totalidade ao prescrever, reunir tudo e distinguir ao mesmo tempo, sobretudo prioriza as emergências e as interferências como fenômenos multidimensionais construtivos do objeto por meio do exercício mental da criatividade.55 Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina; 2015.,2222 Morin E, Le Moigne JL. A inteligência da complexidade. São Paulo: Petrópolis; 2000.
Quanto ao primeiro princípio do PC, o sistêmico, os estudos 1, 3, 10, 16, 18 e 24 o abordaram interligando a sociedade e o homem, considerando-os sistemas que interagem a todo o momento, recebendo influências e influenciando outros sistemas, em um contínuo. Assim, a ideia sistêmica, que se opõe à ideia reducionista, é que o todo do fenômeno é mais do que a soma das partes. Logo, se um sistema for dividido em partes, essas partes não possibilitarão conhecer o todo, uma vez que cada uma delas interage em si.99 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 22. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2015. Este princípio mostra que a saúde não deve ser visualizada de forma fragmentada, pois existem diferentes conexões que se relacionam a ela (indivíduo – sociedade - meio ambiente), portanto, é impossível compreendê-la considerando cada uma delas isoladamente, assim, é necessário considerá-las uma rede indissociável.
O segundo princípio, hologramático, foi evidenciado de forma que os sujeitos, implicados em qualquer processo complexo, faziam parte e continham o todo do conjunto (estudos 4, 6, 10, 15, 17, 18, 19, 22, 24, 25, 30, 36, 37, 41, 43, 45, 49 e 54). Esse princípio está presente no mundo biológico e sociobiológico e associa que a menor unidade de um sistema guarda quase a totalidade da informação do todo representado. Um exemplo é a sociedade, que está presente em cada indivíduo - enquanto todo - através de sua linguagem, sua cultura e suas normas.88 Morin E. Ciência com consciência. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2014.,99 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 22. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2015. Na saúde, isso possibilita entender a importância de valorizar cada ser humano envolvido dentro de um sistema, em relação intrínseca com outros subsistemas, e que as necessidades de saúde, enquanto únicas, ao mesmo tempo, expressam o reflexo da sociedade e do contexto em que está inserido.
O terceiro princípio, da retroação ou do círculo retroativo, foi citado como o rompimento da causalidade linear (estudos 10, 18 e 37). Este princípio permite o conhecimento dos processos autorreguladores, em que a causa age sobre o efeito, e o efeito age sobre a causa. Dessa forma, os processos reguladores são permitidos por inúmeras retroações.99 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 22. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2015. Pode-se refletir a saúde de uma pessoa como um conjunto de processos reguladores baseados em múltiplas retroações internas (organismo do indivíduo) e externas (contexto), saindo da ótica da causa e do efeito. Por isso, o estado de saúde/doença de uma pessoa tem influência do balanço negativo ou positivo da autorregulação.
Sobre o quarto princípio, da recursividade ou do círculo recursivo, os estudos 4, 10, 15, 17, 18, 22, 24, 30, 36, 37, 41, 43, 45, 48, 49 e 54 expressaram que os efeitos de um evento são, ao mesmo tempo, causadores e produtores do próprio processo em um ciclo. Este princípio ultrapassa a noção de regulação com as de autoprodução e autorregulação, cujos efeitos e produtos são necessários à sua própria causação e à sua própria produção.88 Morin E. Ciência com consciência. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2014.,99 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 22. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2015. Analogicamente, em um sistema social, os indivíduos produzem a sociedade, que produz os indivíduos.55 Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina; 2015. Na saúde, essa ideia exige ultrapassar o olhar sobre causa e efeito para compreender que a saúde/doença é consequência de um movimento de vai e vem, em que tudo o que é produzido volta-se sobre o que se produz, em um ciclo, no qual ele mesmo é autoconstrutivo, auto-organizador e autoprodutor.
O quinto princípio, da autoeco-organização ou da autonomia/dependência, presentes nos estudos (5, 7, 9, 10, 17, 18 e 30), evidencia a capacidade que as organizações/estruturas/sociedades têm de se organizar e que a autonomia necessária para tal organização depende de suas necessidades em relação ao meio em que está inserido. Esse princípio vale especificamente para os seres humanos, que desenvolvem sua autonomia na dependência de sua cultura, e para as sociedades, que se desenvolvem na dependência de seu meio geológico. Logo, os seres vivos são seres auto-organizadores, que não param de se auto-produzir e, por isso mesmo, despendem energia para manter sua autonomia, que, ao mesmo tempo, é inseparável da dependência do meio ambiente.99 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 22. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2015. Este princípio permite enxergar o ser humano como um sistema aberto, que estabelece relação de autonomia-dependência com outro sistema aberto, o sistema de saúde. Portanto, a saúde do indivíduo vai depender também de todas as políticas de saúde, processos de empoderamento, capacidade de prover cuidado e busca de informação que o sistema de saúde permite, influenciando na tomada de decisão da pessoa sobre sua saúde.
O sexto princípio, dialógico, foi contextualizado nos estudos (4, 10, 12, 14, 15, 16, 18, 20, 22, 24, 25, 28, 29, 30, 26, 37, 38, 41, 43, 45, 49, 50, 51, 52, 53 e 54) em nível de ideias, situações, ambientes ou características que, mesmo sendo antagônicas, possuíam interdependência e que, mesmo reciprocamente excludentes, são complementares. Diferente da palavra dialética, que implica contradição de princípios ou fenômenos, os quais, por meio do método dialético, fazem com que as dificuldades desapareçam, o princípio dialógico, ao contrário, é a eliminação da dificuldade de combate entre os antagônicos, uma vez que os antagônicos são necessários.88 Morin E. Ciência com consciência. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2014. Este princípio permite manter a dualidade na unidade, associa dois termos, ao mesmo tempo complementares e antagônicos, assumindo racionalmente a inseparabilidade de noções contraditórias para conceber um mesmo fenômeno.55 Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina; 2015.,99 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 22. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2015. Esse princípio permite observar como o sistema lida com os conflitos, as incertezas e as instabilidades microestruturais (indivíduo, profissionais de saúde) e macroestruturais (estrutura organizacional, políticas públicas, condições socioeconômicas). No entanto, essa relação dialógica de instabilidade/estabilidade do sistema é necessária para alcançar sua organização e, consequentemente, um atendimento integral à saúde.
O sétimo princípio, da reintrodução do conhecimento em todo conhecimento, foi conceituado como o conhecimento que pode ser compreendido por meio de distintas formas, situações ou pessoas que nele estão envolvidas por meio de interações e, a partir destas, o conhecimento será construído e reconstruído (estudos 10 e 18). Assim, o observador deve se integrar na sua observação e na sua concepção, ou seja, é a restauração do sujeito na reconstrução do conhecimento.88 Morin E. Ciência com consciência. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2014.,99 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 22. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2015. O Brasil é um país com diferentes características socioeconômicas e culturais, assim, é de suma importância a utilização desse princípio para considerar que, em cada região, o sistema de saúde se organizará de formas diferentes. Assume-se que o conhecimento da situação de saúde pode ser compreendido de modos distintos, dependendo das situações e pessoas envolvidas e na interação entre elas, assim, o conhecimento pode ser construído e reconstruído.
Edgar Morin também estabeleceu articulações dentro da complexidade quanto a alguns temas: cuidado ecológico/planetário, a ordem/desordem/organização e a atuação transdisciplinar. Os dados sobre a transdisciplinaridade explicitaram este conceito a partir do atravessamento das fronteiras disciplinares, aproximando-se de um ponto de fusão e unificação que conduz a uma perspectiva holista, tratando-se de um salto em relação à multi, inter e pluridisciplinaridade (estudos 1, 7, 11, 13, 22, 23, 35, 42, 47, 52 e 54). Dessa forma, deve-se levar em conta tudo o que lhes é contextual, inclusive as condições culturais e sociais, ver em que meios elas nascem, levantam problemas, ficam esclerosadas e transformam-se. Ao mesmo tempo, não se pode demolir o que as disciplinas criaram. É preciso que ela seja ao mesmo tempo aberta e fechada.99 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 22. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2015. Assim, a transdisciplinaridade nasce para possibilitar esquemas cognitivos que podem atravessar as disciplinas, às vezes, com tal virulência que as deixam em transe.99 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 22. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2015. Na perspectiva transdisciplinar, a atuação dos profissionais das diferentes áreas que atuam na saúde deve ser permeada pelo trabalho em equipe baseado no reconhecimento das competências de seus componentes. Além disso, é necessário que haja uma cooperação mútua para resolução dos problemas de saúde da população, com uma articulação entre as áreas de conhecimento para executar o cuidado em saúde. Nessa abordagem, discute-se a importância das práticas colaborativas e interprofissionais na formação e atuação em saúde, com vistas a atender as necessidades de saúde local.2424 Casanova IA, Batista NA, Moreno LR. A Educação Interprofissional e a prática compartilhada em programas de residência multiprofissional em Saúde. Interface. 2018;22(Suppl 1):1325-37. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017.0186.
http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017....
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http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018s...
Quanto ao tema ordem/desordem/organização, os estudos 1, 4, 7, 20, 22, 30, 37, 40, 51 e 54 evidenciaram este conceito ao mencionar que o universo é resultado dos fenômenos de ordem e desordem em busca de uma auto-organização sistêmica. Vale destacar que a complexidade da relação dessa tríade surge, pois, quando se constata que fenômenos desordenados são necessários, em certos casos, para a produção de fenômenos organizados, os quais contribuem para o crescimento da ordem; assim, as organizações têm necessidade de ordem e de desordem.55 Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina; 2015. Desta forma, com a necessidade de pensar conjuntamente, em sua complementaridade, sua concorrência e seu antagonismo, as noções de ordem e desordem levantaram exatamente a questão de pensar a complexidade da realidade física, biológica e humana.88 Morin E. Ciência com consciência. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2014. No campo da saúde, este princípio materializa-se em diferentes níveis: no campo individual, enquanto organismo vivo, nas suas relações para com o meio ambiente, ou ainda nas suas relações com o sistema de saúde, incontáveis fenômenos de ordem e desordem interagem de forma a alcançar um determinado equilíbrio, com vistas a uma organização do estado de saúde.
Por fim, no que se refere ao cuidado ecológico/planetário, os estudos 5 e 16 focaram na importância de o ser humano compreender a complexidade ecossistêmica do universo, proteger e cuidar, pois, dessa forma, também asseguraria o futuro da humanidade. Para o autor, a noção de ecossistema significa o conjunto das interações entre as populações vivas no seio de uma determinada unidade geofísica, constituindo uma unidade complexa de caráter organizador,99 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 22. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2015. logo, natureza e humanidade coexistem em interações complexas, e a forma como estas se dão repercutirá no futuro do planeta e, consequentemente, na sobrevivência da humanidade. Compreende-se que a humanidade e o meio ambiente coexistem em interações complexas, uma vez que a forma como estas ocorrem, repercute nas questões de saúde da população por meio dos desequilíbrios nesse binômio, bem como pelos fatores condicionantes e determinantes em saúde, que têm relação intrínseca com o ambiente. Esse olhar sobre o cuidado ecológico e planetário corrobora o tema da saúde global, ressaltando a importância de a abordagem em saúde ser mais abrangente e centrada nas pessoas e nos ambientes.2626 Biehl J, Petryna P. Peopling global health. Saude Soc. 2014 jun;23(2):376-89. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014000200003.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014...
,2727 Fortes PAC, Ribeiro H. Saúde Global em tempos de globalização. Saude Soc. 2014 jun;23(2):366-75. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014000200002.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014...
CONCLUSÃO
Esta revisão possibilitou conhecer o estado da arte atual sobre o tema, sendo os artigos analisados majoritariamente brasileiros, em que os pesquisadores, em sua maioria, utilizaram, pelo menos, algum conceito do paradigma da complexidade em estudos empíricos, conduzidos pelo método qualitativo, com destaque para os pesquisadores da categoria profissional da enfermagem.
No panorama geral, apesar de geralmente mencionado, observou-se ainda uma tímida utilização do paradigma da complexidade nas pesquisas no campo da saúde, de forma que as pesquisas que utilizam este referencial necessitam de maior aprofundamento, uma vez que o referencial teórico da complexidade incita a reflexões substanciais no que diz respeito a entender a saúde como um fenômeno complexo, percebendo-a como uma rede formada por diversos atores sociais, que interagem entre si e com o meio ambiente.
Como limitações do estudo, cita-se a não inclusão de artigos no idioma francês, língua nativa do autor estudado, por uma barreira de tradução das autoras, bem como de artigos em outros idiomas; além disso, o recorte dado ao objetivo do estudo, em consonância com o desenho metodológico, acabou não contemplando outras análises específicas, que se tornam uma sugestão para futuros estudos, com outros recortes metodológicos, como quais os fenômenos estão sendo estudados na saúde à luz da complexidade e como o referencial tem ajudado em sua compreensão.
Portanto, percebe-se o paradigma da complexidade como um referencial teórico bastante promissor para subsidiar pesquisas na área da saúde, uma vez que entender como esse referencial é utilizado nas pesquisas permite refletir que há uma necessidade de aprimoramento teórico para sua utilização, bem como que seus princípios podem ser contextualizados na formação dos profissionais de saúde para produção de práticas multidimensionais que contemplem as reais necessidades dos indivíduos, famílias e coletividades.
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FINANCIAMENTO
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001, bolsa de doutorado concedido a Maria de Fátima Cordeiro Trajano Cabral.
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Editado por
EDITOR ASSOCIADO
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Fev 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
11 Ago 2019 -
Aceito
06 Jan 2020